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Revista e-Curriculum

versión On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.19 no.3 São Paulo jul./sept 2021  Epub 17-Dic-2021

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2021v19i3p1131-1155 

Artigos

EXU NAS ESCOLAS: ROMPENDO AS FRONTEIRAS DO CURRÍCULO COLONIZADO

EXU IN SCHOOLS: BREAKING THE BORDERS OF THE COLONIZED CURRICULUM

EXU EN ESCUELAS: ROMPIENDO LAS FRONTERAS DEL CURRÍCULO COLONIZADO

João Augusto dos REIS NETOi 
http://orcid.org/0000-0003-1280-5618

Maria Jaqueline de GRAMMONTii 
http://orcid.org/0000-0003-0033-699X

i Mestrado em Educação pela Universidade Federal de São João del Rei. Doutorando no Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). E-mail: joaoaugusto.reis@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0003-1280-5618.

ii Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Professora Adjunta na Universidade Federal de São João Del Rei, no Departamento de Ciências da Educação. E-mail: jaquelinedegrammont@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0003-0033-699X.


RESUMO

Os currículos, tanto da educação básica quanto os de formação docente, ainda são construídos em uma perspectiva colonial e colonizadora, o que significa branco, masculino, eurocêntrico e excludente. Diante disso, o objetivo deste artigo é discutir as possibilidades para a construção de um currículo diverso e plural, inspirado na cosmovisão afro-brasileira, centrada na figura do orixá Exu, como parte do projeto de resistência à colonialidade. Para isso, dialogamos com os estudos pós-coloniais afro- latino-americanos, com o pensamento social afro-brasileiro e as epistemologias ancestrais do povo de santo. A partir desta discussão, por meio de um estudo teórico com viés bibliográfico, analisamos as tensões sobre o currículo na contemporaneidade e anunciamos as possibilidades de resistência e criação de um currículo diverso, polifônico e multicultural.

PALAVRAS-CHAVE: Currículo; Descolonização; Cultura afro-brasileira; Exu

ABSTRACT

The curriculum, both of basic education and teacher training, are still built in a colonial and colonizing perspective, which means, white, male, eurocentric and excluder. Therefore, the objective of this article is to discuss the possibilities of building a diverse and multicultural curriculum, inspired by the Afro-Brazilian worldview, centered on the figure of the orisha Exu, as part of the project to resist coloniality. For this, we dialogue with post-colonial Afro-Latin American studies, with Afro- Brazilian social thought and as ancestral epistemologies of the black people. From this discussion, through a theoretical study with the bibliographic, we analyze the tensions about the curriculum in contemporary times and announce as possibilities of resistance and creation of a diverse, polyphonic and multicultural curriculum.

KEYWORDS: Curriculum; Decolonization; Afro-Brazilian culture; Exu

RESUMEN

Los planes de estudio, tanto para la educación básica como para la formación del profesorado, se construyen en una perspectiva colonial y colonizadora, lo que significa blanco, masculino, eurocéntrico y excluyente. En vista de esto, el objetivo de este artículo es discutir las posibilidades para construir un currículo diverso y multicultural, inspirado en la cosmovisión afrobrasileña, centrada en la figura del orisha Exu, como parte del proyecto para resistir la colonialidad. Para esto, dialogamos con estudios poscoloniales afrolatinoamericanos, con el pensamiento social afrobrasileño y las epistemologías ancestrales de los negros. A partir de esta discusión, a través de un estudio teórico bibliográfico, analizamos las tensiones sobre el currículo y anunciamos las posibilidades de resistencia y la creación de un currículo diverso, polifónico y multicultural.

PALABRAS CLAVE: Plan de estudios; Descolonización; Cultura afrobrasileña; Exu

1 INTRODUÇÃO

Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento

Tem sangue retinto pisado atrás do herói emoldurado [...].

“História para ninar gente grande” - Samba-enredo da

Mangueira em 2019

Não é uma novidade dizer que a história é escrita e contada pelos vencedores e que, não raro, ganha contornos e narrativas superestimadas sobre os fatos. Essa é a marca da história do “novo mundo” contada pelos europeus (auto)proclamados conquistadores, os heróis da civilização. O que não foi contado (e frequentemente se tenta justificar) foi o rastro de sangue deixado pela colonização. E ao falarmos em rastro de sangue, não estamos usando uma metáfora, já que o genocídio dos povos originários e dos africanos, sequestrados e para cá trazidos, é fato em nossa história. Nesse aspecto, o que aprendemos (e ensinamos) em nossas escolas foi o enaltecimento do colonizador branco, reforçando os traumas coloniais, o racismo e o apagamento dos povos originários e dos(das) negros(as) de nossas histórias e identidades. A história oficial do Brasil é branca, masculina, patriarcal, europeizada e marcada pela violência e pelo autoritarismo (SCHWARCZ, 2019). Isso é parte do carrego colonial, da herança maldita da colonização (RUFINO, 2019). Nesse sentido, vivemos, de certo modo, ainda sob os signos da colonização, contemporizados pela colonialidade (QUIJANO, 1998).

A invenção da Modernidade colonial resultou na construção do paradigma ocidental eurocêntrico do universalismo branco, na hegemonia do conhecimento e do poder europeu e na instauração de um imaginário racista, que inferioriza culturas e grupos étnicos, os quais estão fora do “Norte colonial” (GOMES, 2012, p. 102), produzindo, assim, os chamados “subalternos”. O racismo é a peça central desse paradigma (QUIJANO, 1998) e, ainda hoje, segue desumanizando os sujeitos não brancos, transformando-os, pela lógica da necropolítica, nas vítimas primárias da fome, do desemprego, da violência policial e de toda a sorte de desigualdades. A colonialidade, como regime de poder, define as geografias políticas, as estruturas e relações de poder, os conhecimentos “legítimos” e, no interior do capitalismo contemporâneo, segue como sistema que arregimenta e consolida as atrocidades da tragédia colonial.

Nesse contexto, a escola, muitas vezes, por meio dos currículos e de suas práticas, legitima a história do colonizador, fortalecendo e reproduzindo a condição de subalternidade dos sujeitos que estão fora desta “norma”. “Os currículos monoculturais sustentam a herança colonial na escola, isto é, os mesmos padrões que valorizam uma única forma de ser, de saber e de viver: a eurocêntrica que permanece hegemônica nas práticas curriculares” (FERREIRA; SILVA, 2013, p. 27). Essa perspectiva pode ser identificada nas práticas engendradas pelos currículos, que, frequentemente, estão alicerçadas na hierarquização dos conhecimentos, no silenciamento dos sujeitos não brancos e suas vivências e, até mesmo, na ascensão dos ideais europeus de moral, civilidade, espiritualidade, beleza, estética etc. Isso nos faz refletir sobre a necessidade e urgência de estudar, criticamente, a nossa história por um outro paradigma, o que implica a descolonização do currículo (GOMES, 2012).

É necessário romper com a “história única”. Quando se cria uma histórica única, reforçam-se os estereótipos sobre um povo ou território, criando imagens negativas e colocando-os na condição de subumanos (ADICHIE, 2019). Nesse sentido, é preciso um verdadeiro ebó epistemológico1 para despachar, de vez, o carrego colonial, que tem devastado, historicamente, nossas possibilidades de existências em sua plenitude (RUFINO, 2019). Por isso mesmo, Exu é a nossa opção para a descolonização.

Exu, o orixá das encruzilhadas, da comunicação, da novidade e da possibilidade é a potência epistemológica a que recorremos para pensar a descolonização. Não foi por acaso que os versos escolhidos como primeira epígrafe deste texto foram, também, por Exu, uma vez que ele é a subversão da lógica colonial, a “outra” narrativa, e representa, de certo modo, a história que não ouvimos em nossas trajetórias educativas, a “história dos vencidos”, a resistência viva nos corpos pretos. Exu é aquele que tem o poder de quebrar a “tradição”, pôr as regras em questão, romper a norma e promover a mudança. Por isso, não é de se estranhar que Exu seja considerado um perigo à lógica colonial, “posto que se trata daquele que é o próprio princípio do movimento, que tudo transforma, que não respeita limites e, assim, tudo o que contraria as normas sociais que regulam o cotidiano passa a ser atributo seu” (PRANDI, 2001, p. 50).

Ao propormos Exu como sendo um referencial epistemológico e como signo da descolonização, certamente, não estamos, ingenuamente, propondo a substituição de um modelo de racionalidade por outro “africanista”, por assim dizer, mas defendendo a necessidade da descolonização dos currículos. Descolonização não apenas em suas dimensões teórica, pragmática e proforma, mas também nas práticas e relações cotidianas. E isso, por certo, implica o reconhecimento e integração de outras cosmovisões, outras fontes epistêmicas e outros saberes para a construção de uma política curricular, de fato, laica, multicultural (CANEN, 2008; MCLAREN, 2000) e antirracista.

É sob esse ponto de vista que construímos a nossa reflexão para pensar um currículo descolonizado, que seja instrumento de luta, libertação e emancipação do nosso povo. Nosso objetivo com este texto é anunciar, desde o lugar dos(das) vencidos(as), dos(das) subalternos(as), a possibilidade de justiça social, epistêmica por meio do currículo, construído no diálogo crítico com outras epistemologias e sujeitos. É este o Brasil que nós queremos no retrato, nas escolas, nos olhos e nos risos de nossos meninos e meninas. Para isso, elegemos como perspectiva teórico-metodológica a pesquisa teórico-interpretativa, de cunho bibliográfico, apoiados em Demo (2000). De acordo com o autor, essa perspectiva possibilita a construção de um olhar analítico sobre determinado tema ampliando o repertório sobre ele, aprimorando-o conceitualmente e possibilitando a construção de dados para estudos futuros.

O texto está organizado em três partes. Na primeira, fazemos uma discussão sobre o currículo e as tensões que o circundam e de que modo podemos pensar/anunciar rotas de fuga à perspectiva colonial. Em seguida, apresentamos Exu, a encruzilhada e suas potências como possibilidade epistemológica, anunciando, assim, as bases para se pensar a (re)invenção de um currículo, de fato, decolonial e descolonizador. E na terceira parte, avançando nesta discussão, dedicamo-nos a pensar nos possíveis diálogos para criar um currículo multicultural, exúlico.

2 O CURRÍCULO NA ENCRUZILHADA

Historicamente, os nossos currículos, tanto os de formação docente quanto os da educação básica, têm sido instrumentos de perpetuação das desigualdades, do racismo e do eurocentrismo (FERREIRA; SILVA, 2013). Há uma perspectiva monológica e eurocêntrica, que orienta a construção do currículo, reforçando sua hegemonia, ainda que sempre tenha havido resistências. Santos (2018) aponta que a narrativa eurocêntrica da história presente em nossos currículos ocultou a resistência, individual e coletiva, dos negros e dos povos originários, estereotipando-os como sujeitos passivos diante da exploração e da condição de escravizados. Contudo, já é sabido que, ao longo da nossa história, continuamente houve resistência, como os quilombos, a Revolta dos Malês e os movimentos negros abolicionistas, dentre outros.

Rodrigues (2005) assevera que sempre foi uma luta do Movimento Negro pautar a presença dos africanos e afro-brasileiros em nossa história e currículos, uma vez que a educação, constantemente, foi um elemento mobilizador para a luta do povo negro. Nessa ótica, nós consideramos a nossa história como uma encruzilhada, cheia de conflitos, tensões e resistências, na qual afirmamos que o colonialismo não venceu (RUFINO, 2019). O Candomblé e o Carnaval, enquanto expressões da cultura e dos valores afro-brasileiros, são duas importantes instituições negras, que comprovam a resistência histórica do povo negro e a não vitória do colonialismo. A ausência desses elementos socioculturais em nossos currículos são evidências robustas para afirmamos que os currículos da educação brasileira ainda são colonizados e colonizadores. O silêncio acerca das discussões étnico-raciais, da colonização, da escravidão e de suas consequências é um verdadeiro ritual de manutenção da racionalidade monológica colonial. Santos (2018) argumenta que, ao longo da história da educação brasileira, o currículo, continuadamente, enalteceu o colonizador europeu, negando a existência dos(das) negros(as) e dos povos originários, seus saberes e suas contribuições no processo de constituição de nosso País.

O currículo, mesmo que inserido nessa lógica, pode ser um motor para a transformação social ao romper com a perspectiva hegemônica da reprodução das desigualdades (GIROUX, 1986). Nessa visão, Exu representa a possibilidade de rompimento com a lógica colonial como elemento fundamental do projeto decolonial para os currículos e a própria educação. Obviamente, esse é um processo que envolve conflitos, tensões e negociações, mas é, sem dúvida, o princípio para pensarmos a descolonização. Gomes (2012) aponta que estamos vivendo um processo de ruptura com os paradigmas eurocêntricos, os quais orientam as políticas curriculares, produzindo a indagação sobre a perspectiva hegemônica em que foram historicamente construídas. Tal fato se deve, conforme a autora, em grande parte, à presença dos sujeitos, que foram, ao longo de nossa história, excluídos, como os negros, os indígenas e as mulheres.

Esses sujeitos, ao adentrarem os espaços políticos e acadêmicos, e os cursos de formação docente, dentre outros, trazem, consigo, questões fundamentais para a revisão de injustiças históricas bem como demandas, que, antes, eram sumariamente ignoradas ou silenciadas. Políticas públicas de reparação, como as cotas raciais do ensino superior, instituídas nacionalmente em 2004, são, nesse sentido, organicamente necessárias. Como resultado dessa política, hoje, já temos professores negros e professoras negras e indígenas nas escolas, interrogando os currículos, os discursos e as práticas racistas colonizadores há muito tempo ali instituídos.

Outros sujeitos trazem, consigo, outras histórias, outras vivências, outras cosmovisões, outras narrativas sobre si e sobre o mundo. Esse processo não tem como ser desfeito. Não haverá recuos mesmo diante do que temos enfrentado, contemporaneamente, com ascensão de grupos de extrema direita e neofascistas ao poder político no Brasil. Há uma máxima nos movimentos sociais, sobretudo nos das juventudes brasileiras (que ganhou notoriedade no pleito presidencial de 2018 em resposta à ascensão da extrema direita no Brasil): “Nenhum preto vai voltar pra senzala, nenhuma mulher para a cozinha, nenhum gay para o armário; o choro é livre e nós também”. Esse enunciado, em nossa leitura, é a reafirmação do processo de rompimento com o paradigma colonial sobre o qual foi erguida nossa sociedade.

Para Gomes (2012), o que vivemos é a consolidação do debate sobre a diversidade epistemológica e a insurgência decolonial, movimento que vem se consolidando nas últimas décadas. Nesse contexto, a educação, de modo geral, e o campo do currículo participam de um movimento, que, de acordo com a autora, possui duas vertentes:

a interna, que questiona o caráter monolítico do cânone epistemológico e se interroga sobre a relevância epistemológica, sociológica e política da diversidade interna de práticas científicas dos diferentes modos de fazer ciência e da pluralidade interna da ciência; e a externa, que se interroga sobre a exclusividade epistemológica da ciência e se concentra nas relações entre a ciência e outros conhecimentos, ou seja, aquela que diz respeito à pluralidade externa da ciência (GOMES, 2012, p. 99).

Embora o texto de Gomes (2012) seja do início da década de 2010, o que observamos, atualmente, é o fortalecimento das insurgências decoloniais e dos questionamentos das políticas curriculares. O contexto político-econômico no mundo se alterou. No Brasil, há um aprofundamento do modelo neoliberal da extrema direita produzindo a exclusão, a desigualdade e a morte ao mesmo tempo em que são perceptíveis a resistência e as múltiplas formas de organização dos setores progressistas da sociedade. Nessa perspectiva, a educação tem passado por uma série de ataques e o currículo, a exemplo da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), permanece como um território de disputas integrado ao movimento da história. No caso da BNCC, em nossa leitura, há um aprofundamento do silêncio no que diz respeito às questões relacionadas às diversidades, contribuindo, assim, para o fortalecimento de um projeto colonial exterminador das diversidades, que está no centro da agenda da extrema direita brasileira.

Diante disso, o que podemos perceber é um intenso debate em torno do currículo, das políticas curriculares (REGIS; BASÍLIO, 2018), bem como da própria educação, o que nos desafia, à luz da perspectiva decolonial, a pensar em outras possibilidades para a construção de um currículo multicultural, comprometido com a democracia, com a justiça social e com as diversidades. E, destacamos, que, por um currículo multicultural, nós o entendemos em uma perspectiva crítica (MCLAREN, 2000), pensando nos múltiplos sujeitos e nas desigualdades e silenciamentos que os circundam.

2.1 Outros sujeitos, outros currículos

Podemos considerar que há, de certo modo, um consenso nos estudos sociais, sobretudo na perspectiva pós-colonial, de que o capitalismo se modifica constantemente, sofisticando as formas de exploração do humano, inclusive absorvendo determinadas “pautas subalternas” (o que não é nosso foco de discussão). Entretanto, segundo Gomes (2012), juntamente com isso, surgem possibilidades políticas, culturais e contra-hegemônicas, como forma de resistência a esse processo. Para a autora, esse processo atinge, também, os currículos, as práticas escolares e os sujeitos inseridos nesses espaços, fomentando um processo de questionamento e, consequentemente, de renovação.

Arroyo (2012) nos conta que sujeitos historicamente excluídos na educação, ao penetrarem nos espaços de construção do conhecimento, interrogam as teorias, as pedagogias e os currículos tradicionais. Desse modo, trazem para esses espaços outras vivências e histórias, que se traduzem em verdadeiras demandas para a construção de políticas do conhecimento, de currículos e de práticas pedagógicas. Com isso, muitas vezes no conflito, o que se instala é um processo permanente de transformação. Embora isso não seja algo automático, exige disputa e disposição de lutar pelos direitos e pela afirmação dessas presenças como legítimas, como sujeitos de direito.

O que os movimentos sociais trazem para esses espaços, ainda segundo Arroyo (2012), é a demanda de reeducar-se. Isso significa que, para “lidar” com esses sujeitos, é preciso instalar um processo de desaprender para aprender; de descolonização, acrescentaríamos. Uma estudante iniciada do candomblé, por exemplo, ainda que muitas vezes atacada pelo racismo, questionará o trato dispensado ao tema da diversidade religiosa no currículo e nos discursos dos(das) professores(as); um(a) estudante gay irá questionar uma postura homofóbica de um(a) professor(a) em sala de aula; do mesmo modo como uma aluna, mulher, justamente, poderá questionar sobre a ausência de referências teóricas femininas nas ementas de curso. Esses são alguns exemplos, que, didaticamente, destacamos aqui para dizer que a presença dos chamados “outros”, por si só, interroga a estrutura e principia a insurgência decolonial. E isso é Exu. Exu, como o senhor de todos os processos educativos (RUFINO, 2019), nos inspira a questionar as “regras do jogo”, o que está estabelecido como normal.

O que podemos dizer, então, é que a presença destes “outros” exulizam os espaços educativos e de produção do conhecimento, já que trazem consigo o gérmen da transformação. Esses sujeitos reclamam o direito de terem suas histórias contadas nesse espaço, exigem o reconhecimento de suas presenças, rompem com a história única e tomam posse de suas histórias e narrativas. Desse modo,

descobrir conhecimentos subjugados e tomar posse deles é um dos meios pelos quais as histórias alternativas podem ser resgatadas. Mas, para transformar radicalmente as instituições educacionais, esses conhecimentos têm de ser compreendidos e definidos pedagogicamente não só como questão acadêmica, mas como questão de estratégia e prática (MOHANTY, 1990, p. 185, tradução nossa).

Em consonância com Mohanty (1990), compreendemos ser necessário que esses conhecimentos ultrapassem as fronteiras da academia e se materializem, de fato, nas práticas curriculares, na construção delas e na elaboração dos currículos. Diante disso, não há possibilidade de recuo, o que impõe uma demanda permanente de revisão e reconstrução do currículo em um movimento de descolonização.

2.2 A Lei 10.639/03: um novo paradigma curricular

O movimento negro brasileiro, principalmente a partir da década de 1970 com a criação do Movimento Negro Unificado (MNU), sempre teve a educação como pauta central de suas ações. O MNU produziu e incentivou uma ampla discussão sobre o racismo, denunciando a discriminação racial, as desigualdades sociais, bem como a contestação do mito da democracia racial no Brasil (RODRIGUES, 2005). Gonçalves e Silva (2000), também, confirmam que a pauta da educação esteve constantemente no centro das reivindicações e preocupações dos movimentos negros.

Sem dúvida, essa luta teve resultados, como a promulgação da Lei 10.639, em 2003, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e trata da obrigatoriedade do ensino de história da África e cultura afro-brasileira na educação básica (BRASIL, 2003). A Lei foi resultado de um intenso processo de luta e mobilização do povo negro e surgiu num contexto em que o diálogo progressista era uma realidade no Brasil. Foi a primeira vez, na história da legislação brasileira, que a categoria “raça” foi reconhecida como categoria estruturante das relações sociais no País para a construção de políticas públicas. A Lei 10.639 (BRASIL, 2003) representa um marco para a nossa sociedade, uma vez que ela é o anúncio da possibilidade para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, que tem na diversidade uma de suas maiores riquezas. Embora a Lei ainda encontre resistências e dificuldades para sua implementação, não se pode negar que ela trouxe um debate permanente sobre as questões da diversidade étnico-racial e do racismo em nossa sociedade. Na visão de Gomes (2012), a Lei 10.639 (BRASIL, 2003) representa a possibilidade de uma mudança epistemológica e cultural no trato das questões étnico-raciais, incluindo, aí, a formação docente e os currículos. Para a autora, a Lei interroga nossos currículos colonizados e exigem uma outra narrativa sobre os(as) africanos(as) e afro-brasileiros(as) em nossa história.

O que essa Lei coloca como demanda é a descolonização dos currículos. Ela põe em xeque as narrativas coloniais e as representações sobre o povo negro, sua história e cultura. É a concretização do que Arroyo (2015) chama de ocupação dos latifúndios do saber. Dessa maneira, podemos considerar que a Lei, como uma política de ação afirmativa, nos oferece uma potência para a construção de outras políticas do conhecimento e de outros currículos.

Nesse sentido, a mudança estrutural proposta por essa legislação abre caminhos para a construção de uma educação antirracista que acarreta uma ruptura epistemológica e curricular, na medida em que torna público e legítimo o ‘falar’ sobre a questão afro-brasileira e africana. Mas não é qualquer tipo de fala. É a fala pautada no diálogo intercultural (GOMES, 2012, p. 105).

Em 2008, a Lei 11.645 foi promulgada alterando a LDB, modificada pela Lei 10.639 (BRASIL, 2003), e ampliou a discussão sobre a diversidade étnico-racial quando incluiu, também como obrigatório, o ensino de história e cultura indígenas. No mesmo sentido da Lei 10.639 (BRASIL, 2003), essa Lei é uma ação política na perspectiva de reparação e justiça cognitiva, porque a nossa história colonial aniquilou a presença dos povos originários do nosso “DNA sociocultural” (BRASIL, 2008). Estamos, portanto, num campo de tensões em que as representações históricas, culturais e sociais desses povos são questionadas e as narrativas coloniais, mesmo que persistentes, não cabem mais e não serão aceitas.

O intenso e crescente movimento de jovens, sobretudo mulheres, negros e negras, e indígenas em nossas universidades é um indicativo de que os caminhos abertos por esses dispositivos de lei são só início de uma revolução cultural e epistemológica. E isso significa, objetivamente, a construção de currículos emancipatórios, que dialoguem com as múltiplas presenças e sujeitos da educação e que tenham por fundamento a diversidade. Nesse aspecto, tanto a Lei 10.639 (BRASIL, 2003) Quanto a Lei 11.645 (BRASIL, 2008), mesmo diante do cenário que vivemos, representam possibilidades para a construção de outro paradigma epistemológico para o currículo, no qual a decolonialidade é pilar central assentado no compromisso com a justiça social, cognitiva e epistemológica.

2.3 Para abraçar a mudança

Quando pensamos em um projeto de democracia, não é possível, nem eticamente aceitável, que este conviva com o racismo. Mbembe (2018) afirma que não há possibilidade de democracia se o racismo perdura. Nesse sentido, não é possível lutar por uma democracia sólida sem luta e prática antirracista. Bell Hooks (2017), ainda, amplia essa reflexão ao formular que uma sociedade que se quer verdadeiramente democrática deverá abraçar, além da luta antirracista, o combate ao sexismo e ao sistema capitalista de exploração das classes. Esta noção de articulação entre raça, classe e gênero expandida pela autora é, para nós, uma cara e coerente chave de análise do mundo contemporâneo. Concordamos com a leitura dela no sentido de que as opressões, no interior do sistema capitalista, se interconectam e produzem nos sujeitos experiências distintas. Em nossa leitura, apoiados no pensamento de bell hooks (2017), não mais é possível fazer uma análise asséptica da realidade, desconectando as opressões uma das outras ou focalizando apenas um ou outro aspecto do sujeito.

Essa mudança de paradigma, se assim pudermos considerar, em nossa visão, poderá oferecer ao campo da educação importantes contribuições, sobretudo no campo do currículo. Um currículo que se quer emancipatório, diverso e multicultural, obrigatoriamente, deverá reconhecer, antes, a diversidade dos sujeitos e de suas experiências, criando o verdadeiro diálogo intercultural, que se baseia no reconhecimento do sujeito como legítimo, ativo e que tem voz (GOMES, 2012). Está em jogo a invenção (ou o reconhecimento) de um outro paradigma curricular. A perspectiva multicultural do currículo, de acordo com Silva (2010), traz o reconhecimento de sujeitos “minoritários” para dentro do currículo. Isso implica diálogo e negociações, mas, especialmente, comprometimento com a justiça social.

Para bell hooks (2017), é preciso pensar a descentralização dos cânones brancos, masculinos e heteropatriarcais, que, historicamente, construíram nossos referenciais culturais, acadêmicos e estéticos, a fim de que possamos, de fato, criar um currículo (e uma escola) multicultural. Obviamente, a autora está falando do seu lugar, os Estados Unidos, e de suas experiências como uma mulher negra em um país colonizado e racista. É isso que nos aproxima do seu pensamento: a perspectiva de que compartilhamos o trauma colonial, que reverbera, inclusive, em nossos currículos. Assim, pensar em um outro currículo é assumir o conflito e a resistência aos ataques conservadores, que, frequentemente, vêm dos sujeitos hegemônicos lutando pela manutenção de seus privilégios. Segundo hooks (2017), isso implica uma postura de diálogo, de abertura e de humildade, inclusive para aprender com os sujeitos subalternos, com suas experiências educativas, vivências, culturas e cosmovisões. “Temos de afirmar nossa solidariedade por meio da crença num espírito de abertura intelectual que celebre a diversidade, acolha a divergência e se regozije com a dedicação coletiva à verdade (hooks, 2017, p. 50).

Esta modificação, de postura conceitual, não deve ser só no âmbito da forma do currículo; ou seja, apenas “dar voz” aos sujeitos marginais somente como exemplo ou em “semanas temáticas”. É essencial que haja um comprometimento na construção de um currículo, que dialogue com as múltiplas vozes, epistemologias e sujeitos, que refunde as narrativas históricas, que desfaça estereótipos e que aponte para a construção de uma sociedade mais justa. Em outras palavras, é preciso que isso se traduza em práxis, recorrendo, pois, ao pensamento de Paulo Freire, o qual também é base para bell hooks (2017).

A aceitação da descentralização global do Ocidente impõe, particularmente aos(às) educadores(as), centrar a atenção na questão da voz dos sujeitos (hooks, 2017), o que implica repensar a participação dessas vozes na construção do currículo. Com que saberes esse currículo dialoga? Quem são os sujeitos que estão ali presentes? Quais epistemologias orientam as políticas curriculares, que usamos como referência para elaboração de nossas práticas? Essas questões devem fazer parte de uma postura crítica para repensar o currículo em um movimento permanente de reflexão e crítica. Nesse sentido, argumentamos que é imprescindível abrir o currículo para as múltiplas matrizes de saber e conhecimento, como aquelas que temos chamado de epistemologias de terreiro, das encruzilhadas. Os terreiros, os povos de terreiro, inscritos em práticas socioculturais afro-brasileiras, constituem verdadeiras potências educativas, que, sem sombra de dúvida, podem contribuir para a descolonização dos currículos. Esses sujeitos e territórios produzem saberes e se constituem verdadeiras potências para a reativação do debate sobre outras formas de sociabilidade e de relações sociais e econômicas bem como nossa relação com a natureza. Desse modo, nossa intenção, aqui, é pensar como esses saberes, expressos no signo de Exu, podem constituir rotas contracoloniais para o currículo.

3 EXU COMO POTÊNCIA EPISTEMOLÓGICA

Exu, como também toda a cosmovisão afro-brasileira, não pode ser lido pelos referenciais ocidentais, eurocentrados e tipicamente dualistas. Exu não cabe nas convenções e/ou padrões brancos, europeizados e racistas judaico-cristãos. Nesse contexto, ao falar de Exu, devemos deslocar o nosso olhar dessa matriz de pensamento, o que já é, em si, um processo de descolonização. Exu não admite a racionalidade branca, hierarquizante e nem está disposto à submissão ao imaginário ocidental, que, historicamente, o assimilou, erroneamente, ao diabo (cristão). Na tradição afro-religiosa, não existe a ideia de demônio, o que, por si só, não permite essa assimilação. Dessa maneira, reafirmamos: Exu não é o diabo.

Anunciar Exu como epistemologia, antes de qualquer coisa, é tratar da descolonização dos saberes, do olhar e das mentes dos conhecimentos, o que implica a revisão dos referenciais que foram construídos como universais. Exu, como potência epistemológica, para além de uma reparação histórica e um ato de justiça cognitiva, significa um rompimento com o modelo de educação/escola/currículo, que, historicamente, (re)produziu a desigualdade, o racismo e a subalternização dos sujeitos. Em se tratando dos sujeitos negros, especificamente, a escola rejeitou e invisibilizou suas existências, vivências, saberes e culturas, buscando, ferozmente, o branqueamento das estruturas curriculares e, por conseguinte, desses sujeitos. O ideal do branqueamento, conforme nos apresenta Bento (2002), solapa as identidades negras, produz uma imagem extremamente negativa desse grupo, danifica sua autoestima e, frequentemente, o culpa pela discriminação. Desse modo, um currículo, colonizado e sustentado pelo ideal da branquitude, serve aos interesses do colonizador, que segue devastando os corpos e as mentes dos sujeitos não padronizados por essa lógica.

Com Exu, o que estamos propondo é um projeto contracolonial de justiça epistemológica e descolonização (RUFINO, 2019); um empreendimento intelectual, político, estético e cultural, que vise à construção de uma constelação de saberes diversos, a qual, numa perspectiva horizontal, reconheça e legitime os diferentes sujeitos e vozes no currículo e na própria prática educativa. Nesse sentido, como é próprio da natureza de Exu, é reconhecer que não há um saber superior ao outro, mas que são diferentes e fazem parte da diversidade no/do mundo. Exu é signo da diversidade, a unicidade que congrega a multiplicidade.

Mas, por que Exu? Exu, na cosmovisão iorubana, recriado na tradição afro-brasileira, é o princípio dinâmico da existência, o princípio de tudo que existe no universo, sendo considerado o senhor de todas as existências. Exu é o senhor da organização e da ética humana e princípio civilizatório dos humanos. Assim, é ele quem dinamiza todas as relações sociais, bem como a dos humanos com o sagrado. Dentre as atribuições de Exu, podemos destacar a comunicação, a fertilidade, a pulsão sexual, a paixão, a dinamização e a transferência do Axé (a energia vital), as trocas, os mercados e os intercâmbios culturais, dentre outras.

Exu é o princípio civilizatório e agente civilizador dos povos africanos, que, na diáspora, foi recriado deste lado do Atlântico, passando a fundar as tradições e identidades afro-brasileiras. Isso torna Exu mais do que um signo religioso, sobretudo porque, na cosmovisão iorubana e afro-brasileira, não há separação entre o sagrado e a vida cotidiana. Nesse aspecto, Exu é, também, uma potência teórica, filosófica e epistemológica para pensar o mundo. Ele é a possibilidade de reinvenção do mundo e é o signo maior da decolonialidade, uma vez que afirma a resistência negra como um princípio pedagógico e personifica uma cultura de resistência à colonização.

Exu é aquele que faz o certo virar errado e o errado certo. Portanto, é o signo da subversão. Seu caráter disruptivo, nessa perspectiva, nos faz pensar que ele é a potência da subversão da lógica colonial. Por lógica colonial, neste contexto, estamos nos referindo a uma racionalidade tipicamente binária (certo/errado, bem/mal, normal/anormal), hierarquizante, racista, sexista, autoproclamada universal e epistemicida. Desse modo, quando anunciamos que Exu é o nosso projeto contracolonial, estamos dizendo que ele não só é avesso a essa racionalidade, mas também é aquele que pode subverter isso. Pensar na lógica exúlica, então, é pensar na contramão desse projeto de devastação dos corpos, das mentes e das epistemologias subalternas; é pensar no empoderamento desses corpos e saberes, reconhecendo-os como legítimos e necessários para uma formação ética e responsável de todos os brasileiros, ainda que muitos não reconheçam Exu como parte do seu credo. Com isso, não estamos advogando em favor de uma educação ou um currículo “confessional africanista”. Ao contrário, estamos fortalecendo o ideal democrático e laico da educação, porque nele reside a busca pelo diálogo com outras cosmovisões além da europeia (branca).

Uma epistemologia decolonial, advinda das potências de Exu, por essência, então, admite o inacabamento, a diversidade e o reconhecimento do outro como sujeito de voz, dono de um corpo não conformado à subordinação, que produz cultura e conhecimento, e que estes são igualmente importantes, não os hierarquizando. Exu representa a potência de expansão sobre o conhecimento humano e sua capacidade de realização. Dessa forma, estamos afirmando que ele é o signo da diversidade epistemológica, que existe no mundo, que admite a dúvida, a interrogação e a provisoriedade do saber e que não se assenta no monologismo; ao contrário, funda-se no diálogo. Ele é a própria narrativa questionadora da colonialidade, da história que nos fora contada. É dele a tarefa de (re)encantar o mundo.

Outro aspecto a ser destacado sobre Exu é que, de modo geral, ele personifica a história de resistência dos negros africanos trazidos para cá no processo de escravização e, posteriormente, de seus descendentes. Exu, como argumenta Prandi (2001), foi o orixá da diáspora mais injustiçado e perseguido com o racismo colonial. Desde o primeiro contato dos colonizadores com essa divindade, ainda em África, ela foi assimilada ao diabo cristão por reunir, em si, um simbolismo, que, do ponto de vista do colonizador branco, correspondia ao diabo cristão. O falo de Exu, por exemplo, símbolo da fertilidade e da potência de vida, foi associado à promiscuidade. Ali, já se desenhavam os fundamentos da desumanização do corpo negro e sua demonização. O que não estava nas vistas do colonizador, no entanto, é que Exu não se renderia à colonização: “A sua face brincante, transgressora, pregadora de peças, é o contraponto necessário a esse latifúndio de desigualdade e mentira” (RUFINO, 2019, p. 19). Afirmamos, conforme Rufino (2019), que o colonialismo não venceu. Exu, em suas múltiplas faces, permaneceu resistente ao branqueamento e ao racismo, e passou a representar a reapropriação da identidade negra no contexto da diáspora, tornando-se símbolo e signo da cultura e da identidade afro-brasileira. Falar de Exu e buscar nele uma referência epistemológica é recontar a história do povo negro desde a África e resgatar seus saberes e conhecimentos ancestrais. É a construção de uma narrativa de resistência e empoderamento na medida em que revela que, em nenhum momento da história, os africanos e seus descendentes estiveram passivos diante dos horrores da escravidão e exploração colonial. Nesse contexto, a encruzilhada, como um dos domínios de Exu, representa, também, a tensa história dos africanos e afro-brasileiros, problematizando-a fora da mentira colonial.

Ao pensar em Exu sob esses aspectos, estamos refundando a noção de que esses povos jamais foram estáticos e não estão presos no passado. Sua sabedoria ancestral e sua cultura se contemporizam na produção de outros saberes e inscrevem, no tempo presente, a tarefa de (re)encantamento do mundo e do conhecimento. Desse modo, Exu constitui-se como epistemologia decolonial para pensar o currículo na medida em que anuncia o diálogo entre as diversas matrizes étnicas e epistêmicas, diversidade de vozes e sujeitos, e o inacabamento enquanto princípios.

3.1 Ebó epistemológico: despachando o carrego colonial para (re)encantar o mundo e o currículo

Ao longo deste texto, a partir do pensamento de Rufino (2019), tratamos a colonialidade, produto do legado colonial, como sendo um “carrego colonial”. Na prática, isso significa a manutenção da lógica binária de compreensão do mundo, a hierarquização dos sujeitos e conhecimentos, o racismo e uma perspectiva colonizadora e a antidiversidade da educação e dos currículos. “Dessa forma, se a colonialidade emerge como o carrego colonial que nos espreita, obsedia e desencanta, a descolonização ou decolonialidade emerge como as ações de desobsessão dessa má sorte” (RUFINO, 2019, p. 87), um verdadeiro ebó epistemológico.

Carrego se “cura” com ebó, e Exu, o senhor da comunicação, do diálogo e das educações é aquele que oferece a possibilidade de rompimento com o monologismo colonial a partir de sabres originados fora dos espaços acadêmicos, como os terreiros, a capoeira, as escolas de samba e as rodas de jongo, dentre outros. Os territórios negros, como os terreiros, são espaços onde as identidades e as culturas de resistência são recriadas e produzidas, materializando experiências ancestrais de educação e conhecimento fora da perspectiva colonial. Elementos para pensarmos formas de despachar o carrego colonial. Nesse sentido, criam, para nós, verdadeiros referenciais de epistemologias e práticas, a fim de pensarmos a construção dos currículos orientados por uma perspectiva decolonial, multicultural e crítica (KINCHELOE; STEINBERG, 2012; MCLAREN, 2000).

A admissão desses saberes nos currículos, enquanto saberes legítimos produzidos pelo povo negro, é uma forma de combater o epistemicídio mantido pela colonialidade e um modo de resgatar a tarefa primária da educação, que é a humanização dos sujeitos. Sendo assim, construir um currículo multicultural já é despachar o carrego colonial, é caminhar no sentido da descolonização, buscando o diálogo horizontal com saberes e sujeitos distinto daquele proclamado como universal, normal. É aceitar e acolher a diversidade (de sujeitos, experiências e epistemologias) como potência para a criação de verdadeiras comunidades de saberes no sentido que aponta bell hooks (2017).

Exu Elegbara é aquele que tem o poder mágico; aquele que tem o poder de encantar o mundo. É sob esse signo que está, também, assentado nosso ebó, uma forma de (re)encantar o mundo. Reencantar (com essa grafia para expressar a ação de tornar novamente encantado aquilo que já perdeu o encanto) o mundo significa pensar outras possibilidades de mundo, que se assentam na potência da pluralidade da vida e do conhecimento; ou seja, outros modos de existir e praticar o saber (RUFINO, 2019). Reencantar significa, nessa perspectiva, repotencializar a vida em suas múltiplas formas, prática concreta e real de combate à noção necropolítica da contemporaneidade ocidental capitalista.

Nesse contexto, o currículo, como espaço de tensão e disputa, para ser um instrumento de reencantamento do mundo, deverá ser colocado a favor da diversidade e da pluralidade das existências, e desnaturalizar o silenciamento, o epistemicídio, o apagamento dos sujeitos e a sujeição dos corpos a uma lógica hierarquizante e binária. Um currículo orientado para o reencantamento do mundo, a partir de Exu, portanto, deverá operar na gramática decolonial construída sobre as bases do diálogo intercultural crítico e que traz para dentro de si todos os conflitos que possam evocar a diversidade, tratando das diferenças como um direito humano, e não como marca da/para exclusão. Assim, ele passa a ser um instrumento de emancipação e luta por justiça social, abandonando sua função histórica de reprodução das desigualdades (FERREIRA; SILVA, 2013).

4 DIÁLOGOS PARA A DESCOLONIZAÇÃO DO CURRÍCULO

Para descolonizar o currículo, é preciso reencantá-lo, e isso significa a abertura permanente ao diálogo e ao inacabamento como fundamentos de tudo aquilo que é de Exu. Nessa perspectiva, evocamos a encruzilhada como forma de pensar a descolonização do currículo, já que ela invoca a noção de ruptura e recomeço, e representa a mudança de um estado para outro. Começamos, então, por questionar: com quais saberes podemos dialogar para pensar outro currículo? Quais são as vozes que devem ser ouvidas para construir um currículo descolonizado(r)? Quais (outras) epistemologias podem orientar esse processo?

Pensando nessas questões, tomamos o terreiro como um espaço de educação, que resguarda uma epistemologia ancestral e uma pedagogia decolonial. Nesse sentido, nós o reconhecemos como um espaço produtor de cultura, um território negro de resistência e de ressignificação da sabedoria ancestral do povo negro. Há no terreiro um conjunto de práticas e signos, que se articulam nos processos de formação dos sujeitos e que podem inspirar outras perspectivas para o currículo. Alguns desses elementos da pedagogia de terreiro (MACEDO; MAIA; SANTOS, 2019) são o acolhimento às diferenças, às práticas dialógicas, à oralidade, à valorização do coletivo, à ancestralidade e à circularidade.

No cotidiano dos terreiros, são desenvolvidas práticas, pela oralidade e pela convivência, que potencializam o diálogo e, no “ser-fazer” cotidiano, ensinam uma outra ética de convivência com as diferenças, vistas como aquilo que nos torna seres únicos. O acolhimento às diferenças é um diferencial nas práticas educativas do axé. Nesse espaço, é possível observarmos uma diversidade tanto étnica quanto cultural e o trato ético com essas diferenças. Isso nos inspira a pensar uma outra perspectiva para o trato das diferenças no currículo escolar. “Para interpretação das ‘diferenças’, é necessário pensar na ‘irrupção do outro’, e essa irrupção é que devolve nossa alteridade, nunca como antes, lança fragmentos de identidade dos sujeitos, faz emergir e despertar as múltiplas identidades até então sufocadas pela escola” (MACEDO; MAIA; SANTOS, 2019, p. 21).

Na chamada “pedagogia dos terreiros”, todos e todas, principalmente as crianças, são educados em uma perspectiva dialógica, coletiva e, sobretudo, prazerosa, já que a brincadeira constituiu parte importante das práticas pedagógicas do axé. É na cotidianidade e no seio da comunidade, por meio da oralidade, ludicamente, que as memórias coletivas e a sabedoria ancestral vão sendo transmitidas. Desse modo, compartilham-se, constroem-se e recriam-se os conhecimentos. Os ancestrais, por sua vez, na lógica circular de Exu, não estão separados do convívio dos vivos, o que revela uma nuança primordial desse processo: o inacabamento. É nesse processo que os conhecimentos ancestrais são compartilhados e reconstruídos. Na egbé, (comunidade/família), conduzidos sempre pelos mais velhos, os sujeitos convivem com os(as) visíveis e os(as) invisíveis, incorporando significativos valores e discursos de valorização da vida em toda a sua pluralidade e potência.

A valorização destes modos de “ser-viver” negro no currículo é, para além do cumprimento da Lei 10.639 (BRASIL, 2003), um ato ético de valorização da cultura afro- brasileira, de importância fundamental para a cultura brasileira, ao mesmo tempo que é um espaço-potência para a construção de imagens positivas acerca do povo negro e das africanidades. Nesse sentido, é a justiça epistemológica, cognitiva, incorporada e materializada na construção do currículo.

O Projeto Político-Pedagógico “Irê Ayó” da Escola Municipal “Eugênia Anna dos Santos”, no terreiro do Afonjá, em Salvador (BA), “enquanto construção coletiva, em sua complexidade, articula a tradição, vivências pedagógicas e reflexões que se definem como estratégia política que desvela uma realidade cotidiana silenciada embora criadora e humanizante” (MACHADO, 2010, p. 10). Essa experiência é, na prática, a construção decolonial edificada sobre a diversidade e a polifonia de sujeitos e conhecimentos. A autora, em seu estudo, revela toda a potência de um currículo construído numa perspectiva anticolonial, que valorize as tradições e a cultura afro-brasileira como constituidoras das identidades negras da diáspora e um caminho para pensar o diálogo com outras matrizes de pensamento. Essa é uma dentre as muitas experiências potentes para se refletir em um processo de descolonização dos currículos. Trata-se de rever os paradigmas dominantes e pensar em uma intervenção decolonial no currículo.

Outra construção/território negra(o) a que podemos recorrer para ampliar nosso diálogo anticolonial é o Carnaval, que é a expressão mais pura de Exu como princípio da subversão da lógica colonial. Exu é o padroeiro do Carnaval (SILVA, 2013). Com seu caráter disruptivo e agregador, Exu é aquele quem subverte o que está posto e gargalha na encruzilhada do tempo colonizado. Para Bakhtin (2010), o Carnaval é um lócus privilegiado da inversão, em que os protagonistas são os marginalizados. Numa espécie de explosão de alteridade, no Carnaval, privilegia-se o marginal, o que está excluído, o periférico. Isto é, Exu, aquele que coloca o errado como certo, o certo como errado, faz rir do que é o “padrão” e inverte a estrutura social de cabeça para baixo.

Foi, assim, no desfile da Mangueira em 2019 com o enredo “História para ninar gente grande”, quando a escola carioca, numa narrativa histórica decolonial, contou a história dos vencidos. Os grandes “heróis” da história do Brasil, que ilustram as páginas de nossos livros, caíram simbolicamente dos quadros emoldurados pelo colonizador e revelaram o rastro de sangue retinto pisado. Ao passo que denunciava a narrativa colonial genocida, anunciava a possibilidade de um outro Brasil, construído por “Marias, Mahins, Marielles, malês”.

O Carnaval, as escolas de samba, assim como os terreiros, na perspectiva de Antonio (1997), são espaços de educação, onde se mantêm práticas educativas, as quais possibilitam a construção positiva da identidade negra e dos signos culturais afro-brasileiros. O autor conta que esses espaços, com ênfase numa construção pedagógica para além do aspecto lúdico, têm um significado social amplo na construção das identidades negras, expressam parte da cosmovisão negra recriada na diáspora e oferecem elementos para refundarmos nosso conhecimento sobre nossas matrizes culturais.

Os saberes do Candomblé e do Carnaval, neste contexto, foram trazidos como possíveis diálogos para se pensarem outras perspectivas para o currículo, mas, obviamente, não são colocados como receitas a serem seguidas. Trata-se da possibilidade de diálogos para a descolonização e para repensar a estrutura racista da escola, da educação e dos currículos. Assim, um currículo decolonial e que se quer descolonizador deve ter outras narrativas e vozes, colorindo as epistemologias ali presentes e deslocando-se da hegemonia branca, heteropatriarcal e europeizada.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No momento em que encerramos, momentaneamente, este texto, o mundo, embora mergulhado em uma pandemia e vivendo dias cinzas sob o domínio da extrema direita, como no Brasil, vive uma profunda transformação. Em vários países, como Inglaterra e Bélgica, estátuas de colonizadores são, justamente, derrubadas, os movimentos negros brasileiro e internacional se reafirmam como instrumento de luta, mulheres negras tomam a vanguarda do debate intelectual sobre descolonização, babalorixás ascendem a postos intelectuais nunca alcançados, e muito mais. Isso significa, agora, falamos nós, os subalternos, que o colonialismo e a colonialidade não venceram.

Aos obcecados pela forma monológica cartesiana e pelo binarismo colonial, e àqueles que ainda padecem do mal colonial, a descolonização parece tirar o chão (e vai!). Estes rejeitam a mudança, lutam contra a descolonização vivendo em um permanente estado de negação de sua condição de colonizado e, desse modo, seguem cegos fortalecendo o colonizador. É para estes que, hoje, também, governam nosso País, mais do que para qualquer um, que este “ebó decolonial” é necessário. Descolonizar é um exercício conflitivo e tenso, que exige uma postura permanentemente vigilante, crítica e aberta ao diálogo.

Este texto, como parte de um grande ebó epistemológico da decolonialidade (RUFINO, 2019), é o anúncio de outras possibilidades para o currículo tendo como centro a cultura afro-brasileira sob o signo de Exu. É a possibilidade nos dias de destruição. É um gesto que engrossa as fileiras e os gritos das insurgências decolonias afro-latino-americanas, as quais denunciam o racismo, o sexismo, o machismo e a desigualdade perpetuados por/em nossos currículos. Inspirar-nos em uma outra lógica e cosmovisão para pensar o currículo é, para além de ser um exercício de descolonização, desenhar outras possibilidades de educação e afirmar o seu compromisso com a justiça social. É criar histórias para adiar o fim do mundo. Nesse sentido, as pedagogias de terreiro e o Carnaval, dentre outras experiências geradas em territórios negros, podem contar outras histórias, que impulsionem a busca pela descolonização dos currículos. O diálogo com esses sujeitos e saberes é o exercício concreto da justiça cognitiva e epistêmica ao mesmo tempo que representa um avanço no debate das relações étnico-raciais e potencializa o combate ao racismo. Assim, o currículo, construído nessa perspectiva, pode tornar-se, efetivamente, um instrumento de educação antirracista.

Quando pensamos em inovações curriculares, não estamos procurando por mudanças proformas, como a inclusão temática dos sujeitos negros em datas comemorativas/folclóricas para tornar o currículo “diverso”. Ao contrário, estamos propondo um debate mais profundo sobre as epistemologias que geram esses currículos. Estamos questionando as vozes que podem falar (e serem ouvidas) nesses currículos. Por isso, afirmamos, que não se pode pensar em criar um currículo contemporâneo, inovador, sem antes pensar na descolonização das epistemologias que o fundamentam, sem ter que ver com o racismo estrutural. A descolonização, para além de uma emergência histórica, é um exercício ético, que implica uma postura de luta, no sentido que anuncia Gomes (2012). É preciso abraçar a mudança, nas palavras de bell hooks (2017), e inventar políticas exúlicas de afeto para a transformação da educação e do mundo.

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NOTA:

1 “Ebó epistemológico” é uma expressão que tem ganhado cada vez mais robustez no campo dos estudos decoloniais brasileiros, sobretudo no campo da educação a partir do pensamento de Rufino (2019). Ebó, no contexto da religiosidade afro-brasileira, é uma prática litúrgica que tem por objetivo harmonizar em qualquer aspecto a existência humana; é uma “oferenda” a determinada divindade feita com determinada finalidade, como “limpeza”, daí a ideia de “livrar-se” do carrego colonial. O autor, nesse sentido, trata do processo de colonização como um “carrego ancestral”. Como forma de “descarrego”; ou seja, de libertação dessa herança colonial, ele aponta o ebó epistemológico. Portanto, uma proposta para a reconstrução de nossas identidades, práticas sociais, dos currículos e das educações.

Recebido: 24 de Junho de 2020; Aceito: 27 de Julho de 2020

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