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Revista e-Curriculum

versión On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.19 no.3 São Paulo jul./sept 2021  Epub 17-Dic-2021

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2021v19i3p1156-1173 

Artigos

DENÚNCIAS E ANÚNCIOS EM TORNO DO CURRÍCULO ESCOLAR

DEUNCIATIONS AND ANNOUNCEMENTS CONCERNING THE SCHOOL CURRICULUM

QUEJAS Y ANUNCIOS ACERCA DEL CURRÍCULUM ESCOLAR

Márcia Maria Rodrigues UCHÔAi 
http://orcid.org/0000-0003-0939-5646

Jerry Adriano Vilanova CHACONii 
http://orcid.org/0000-0002-5969-2457

i Doutora e Pós-doutoranda em Educação: Currículo pela PUC-SP. Professora e pesquisadora das áreas de Currículo, Interculturalidade e Fronteiras. E-mail: profa.uchoa@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0003-0939-5646.

ii Mestre e Doutor em Educação: Currículo pela PUC-SP. Professor da Fundação Bradesco e da Rede Estadual de Ensino de São Paulo: E-mail: jerryadrianochacon@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-5969-2457.


RESUMO

O objetivo do artigo é analisar o movimento de desconstrução da escola pública por meio de discursos pautados na perspectiva neoliberal, que entende a educação não como direito social, mas, como produto. O texto aborda a concepção de currículo numa perspectiva crítica e apresenta denúncias e anúncios com relação aos desafios curriculares pautados em uma perspectiva ética e de justiça social. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, com abordagem qualitativa, pautada em Torres Santomé (1998, 2003, 2013), Gimeno Sacristán (1999, 2000), Chizzotti e Ponce (2012), entre outros. O currículo concebido criticamente, com a participação de todos os elementos que compõem o espaço escolar, rompe com a tradição escolar voltada exclusivamente para a transmissão de conhecimentos, pois entende que a educação não é neutra, assim como o currículo também não o é, haja vista que transmite concepções e produz identidades.

PALAVRAS-CHAVE: Currículo; Discursos neoliberais; Justiça social

ABSTRACT

The aim of the article is to analyze the movement to deconstruct public school through speeches based on the neoliberal perspective, which understands education not as a social right, but as a product. The text approaches the concept of curriculum in a critical perspective and presents denunciations and announcements regarding curriculum challenges based on an ethical and social justice perspective. This is a bibliographic research, with a qualitative approach, based onTorres Santomé (1998,2003,2013),Gimeno Sacristán (1999),Chizzotti and Ponce (2012), among others. The critically conceived curriculum, with the participation of all elements that make up the school space, breaks with the school tradition focused exclusively on the transmission of knowledge, because it understands that education is not neutral, and neither is the curriculum, since it transmits conceptions and produces identities.

KEYWORDS: Curriculum; Neoliberal discourses; Social justice

RESUMEN

El objetivo del artículo es analizar el movimiento de deconstrucción de la escuela pública a través de discursos basados en la perspectiva neoliberal, que entiende la educación no como un derecho social, sino como un producto. El texto aborda el concepto de currículum desde una perspectiva crítica y presenta quejas y anuncios sobre desafíos curriculares basados en una perspectiva ética y de justicia social. Se trata de una investigación bibliográfica, con enfoque cualitativo, con aportes deTorres Santomé (1998,2003,2013),Gimeno Sacristán (1999),Chizzotti y Ponce (2012), entre otros. El currículum concebido críticamente, con la participación de todos los elementos que conforman el espacio escolar, rompe con la tradición escolar centrada exclusivamente en la transmisión de conocimientos, pues entiende que la educación no es neutral, como tampoco lo es el currículum, dado que transmite concepciones y produce identidades.

PALABRAS CLAVE: Currículum; Discursos neoliberales; Justicia social

1 INTRODUÇÃO

A vida escolar é marcada pelas escolhas curriculares que delimitam os processos formativos. Em face dessa realidade, as denúncias e os anúncios em torno do currículo se apresentam como uma temática sempre relevante e atual, pois se articulam aos embates próprios do movimento educacional. O currículo não se apresenta somente como um rol de conteúdos, mas como uma espécie de carta de intenções para a educação. Assim, é necessário ter claro que as propostas curriculares podem servir para justificar a desconstrução da escola pública quando não se faz mediante a articulação das pessoas envolvidas no processo ou quando não traz, em suas bases, a valorização das realidades onde ele se realiza.

Para fazer essa discussão, é preciso entrar na esfera da Teoria do Currículo, buscando o domínio conceitual das teorias que constituem uma polissemia de definições. A modo de ilustração, Coll (1996) entende que o currículo é o espaço onde se concretiza e toma corpo uma série de princípios que servem à sistematização do fazer pedagógico, trata-se de uma definição do currículo a partir de suas funções.

O currículo é um elo entre a declaração de princípios gerais e a sua tradução operacional, entre a teoria educacional e a prática pedagógica, entre o planejamento e a ação, entre o que é prescrito e o que realmente sucede nas salas de aula (COLL, 1996, p. 34).

Outra perspectiva acerca de currículo pode ser encontrada em Winch e Gingell (2007) que trazem a definição de currículo como responsável pelo planejar e implementar os objetivos educacionais. “[...] o currículo é, talvez, mais bem definido se considerado como aquele conjunto de atividades planejadas cuja elaboração almeja a implementação de um objetivo educacional particular” (WINCH; GINGELL, 2007, p. 59). Nota-se uma ideia de currículo com o sentido do que se deve desenvolver e ensinar.

O currículo pode ser lido na perspectiva cultural como feito por Veiga-Neto (2004, p. 52) que destaca a relação entre a dimensão cultural que aponta o currículo como porção da cultura “que, por ser considerada relevante num dado momento histórico, é tanto trazida para a escola, quanto entra como elemento constitutivo das Pedagogias Culturais”. Destaca-se que entender o currículo como parte da cultura significa que ele está constante movimento e transformação.

Encaminhando essas variantes de entendimento sobre o currículo, convém apontar a compreensão de Gimeno Sacristán (2000) que entende o currículo como práxis. Tendo como características a dinamicidade e ser produto de interações e reações derivados dos diálogos.

O currículo é uma práxis antes que um objeto estático emanado de um modelo coerente de pensar a educação ou as aprendizagens necessárias das crianças e dos jovens, que tampouco se esgota na parte explicita do projeto de socialização cultural nas escolas. É uma prática, expressão, da função socializadora e cultural que determinada instituição tem, que reagrupa em torno dele uma série de subsistemas ou práticas diversas, entre as quais se encontra a prática pedagógica desenvolvida em instituições escolares que comumente chamamos de ensino. O currículo é uma prática na qual se estabelece diálogo, por assim dizer, entre agentes sociais, elementos técnicos, alunos que reagem frente a ele, professores que o modelam (GIMENO SACRISTÁN, 2000, p. 15-16).

A visão posta a lume que dá ao currículo dinamicidade e dialogicidade postura um paradigma crítico com a presença de um movimento de ruptura de uma conotação de currículo estruturado, definido e verticalizado para uma narrativa de currículo horizontalizado, fruto de um constructo social coletivo e aberto às demandas sociais.

A vitalidade das questões curriculares está permeada de enfrentamentos e conflitos no que se concorda com as análises de Miguel Arroyo em Currículo: território em disputa (2011), o currículo é uma construção feita por óticas ideológicas que disputam não só a definição de currículo como o que se formará a partir dele. A teoria crítica do currículo traz a preocupação com a pergunta: a quem interessa o currículo?

A pergunta posta provoca um pensar o currículo de maneira crítica e romper com uma visão, por vezes, ingênua sobre as consequências curriculares sobre as pessoas, nesse caso é preciso tomar o anúncio e a denúncia em torno do currículo.

Assim, precisamos investigar rigorosamente a forma e o conteúdo do currículo, as relações sociais da sala de aula e as maneiras pelas quais conceitualizamos essas coisas, como expressões culturais de determinados grupos em determinadas instituições e em determinada época (APPLE, 2006, p. 24).

O que Apple, portanto, defende em termos de educação e currículo se expressa na citação abaixo:

Tenho defendido até aqui que qualquer apreciação crítica do papel da educação em uma sociedade complexa deve ter pelo menos três elementos como parte majoritária de seu projeto. É preciso situar o conhecimento, a escola e o próprio educador nas verdadeiras condições sociais que “determinam” esses elementos. Tenho também sustentado que esse ato de situar, para ser significativo, precisa ser orientado por uma visão de justiça social e econômica. Portanto, tenho também defendido que a posição do educador não é neutra nem nas formas de capital cultural distribuído e empregado pelas escolas e nem nos resultados econômicos e culturais do próprio empreendimento de escolarização. Essas questões são bem analisadas por meio dos conceitos de hegemonia, ideologia e tradição seletiva, e só podem ser totalmente entendidas por meio de uma análise relacional (APPLE, 2006, p. 46-47).

O pensar sobre o currículo demanda a criticidade, nesse sentido o artigo procura dialogar com autores que se debruçaram nas análises e sínteses do currículo num contexto marcado pela tentativa de grandes grupos privatistas de se apropriarem, sobretudo, do papel do Estado de fornecer educação para todos. O discurso utilizado por tais grupos é dotado de palavras bonitas e pomposas, mas, conforme Torres Santomé (2013), vazias de conteúdo, tais como: inovação, transformação, modernização, empreendedorismo e protagonismo.

Para lograr essa caminhada, o texto discorre sobre o currículo, espaço fundamental no âmbito educacional, consequentemente muito cobiçado e almejado, constituindo-se em uma arena de disputas e escolhas. Em vista disso, o texto defende um currículo que não deixe de ouvir os mais interessados no processo, isto é, educadores e educandos. Por isso, é forte a ideia de que não há currículo sem pessoas.

Nesse sentido, partindo desta introdução, o artigo está estruturado em mais quatro partes: na primeira, apresentamos o currículo, enquanto território de disputas; na segunda, apresentamos uma discussão das políticas neoliberais no currículo; na terceira parte, o currículo como produto cultural; na quarta, a negatividade como possibilidade de reconstrução: os anúncios do currículo e as considerações finais acerca do tema em discussão.

2 CURRÍCULO: TERRITÓRIO DE DISPUTAS

O currículo é constituído como um espaço central no processo educacional, seu peso se deve a uma série de elementos que serão abordados nesta reflexão. São elementos constituintes do currículo a disputa pelos conteúdos e ideias a serem desenvolvidas; a dimensão cultural e social; os objetivos de formação; a autonomia e formação democrática; o ideal hegemônico e excludente.

Impera compreender que não há currículo sem pessoas, contraditoriamente observa-se, em muitos casos, que o currículo não parece focar nas pessoas, mas se estabelecer como um programa imposto sem nenhuma forma de participação, verticalizado e de modo autoritário.

Chizzotti e Ponce (2012) discorrem sobre o currículo e os sistemas de ensino no Brasil, evidenciando o fato dele estar atrelado às políticas de Estado e nessa lógica haver, pelo menos, duas tendências muito fortes, uma perspectiva de ensino centralizado e outra descentralizado. A primeira concepção apresenta uma educação sob o monopólio do Estado e a segunda uma iniciativa privada.

Nessa disputa, vem ganhando força a extração liberal em que o Estado não é provedor de serviços educacionais, mas se limita ao papel de comprador de serviços oferecidos pelo mercado. O pretexto é a baixa eficiência dos serviços públicos, com isso, a educação vai, paulatinamente, sendo transferida à iniciativa privada. Segundo os autores supracitados, é esse movimento que torna o currículo central na disputa econômica, política e cultural, que tem em vista a sua uniformização.

Outro ponto que sustenta o movimento de fragilização dos sistemas de ensino públicos é o argumento do déficit de formação dos professores. Sustentados na “má formação docente”, passam a adotar currículos prescritos. Segundo Chizzotti e Ponce (2012), isso traz consequências inevitáveis aos estudantes e professores, que passam a ter o direito de vozes negados. Como desdobramento desta questão, ocorre a perda da autonomia dos educadores, já que estes são vistos como meros transmissores de conteúdos, dá-se ainda a submissão do professor a uma pretensa ideia de qualidade, a individualização extrema do papel docente, a subtração da autoria pedagógica, a naturalização da não participação nas formulações de políticas educacionais e a restrição de espaços coletivos, eclodindo na desqualificação do papel docente.

Diante dessa realidade, é preciso ser assertivo quanto à compreensão que o currículo deve ser elaborado por cada sujeito do processo para ser, de fato, algo que forme e não formate. Nunca um currículo prescrito, que se abstém da participação dos principais envolvidos, educadores e educandos, deve se impor.

Essa crítica é ilustrada na obra de Gimeno Sacristán (1999, p. 122):

[...] boa partitura não é música, nem o mapa é terreno. É útil quando o texto que codifica a música é tomado por bons músicos e há bons instrumentos. Dar demasiada ênfase ao texto e não prestar atenção às condições e aos agentes da execução é subestimar o valor e o poder do texto; é pensar que, mais do que uma partitura, são fichas perfuradas do órgão em que o executante, com voltas regulares da manivela, converte mecanicamente em melodias.

Com isso, se desvela uma importante tese acerca do currículo visto numa perspectiva crítica que também é assumida neste texto, isto é, currículo não se faz sem sujeitos, sem prática pedagógica. Sendo assim, o currículo é um instrumento social que demanda a participação de cada um numa perspectiva de autonomia, preparação para a vida, construção de uma escola que valorize o conhecimento democrático.

3 AS POLÍTICAS NEOLIBERAIS NO CURRÍCULO

O neoliberalismo, política econômica marcada pela pouca intervenção do governo no mercado de trabalho, pela privatização de empresas estatais, livre circulação de capitais internacionais e ênfase na globalização, acentuou desigualdades pela divisão do mundo entre os países ricos e os países pobres, gerando, com isso, três classificações de seres humanos que são designados por Torres Santomé (2013) de: elites cosmopolitas, provincianos e andarilhos. No último grupo estão os indivíduos que, para sobreviver, devido à ausência de condições em seus países de origem, emigram de suas pátrias, aventurando-se como clandestinos em países diferentes, sujeitos a inúmeras dificuldades, dentre elas: legais, econômicas, culturais e linguísticas. De modo análogo, Bauman (1998) chama metaforicamente de “vagabundos”, os grupos que vivem perambulando sem escolha por um mundo inóspito, vítimas da mundialidade e da globalização neoliberal. A globalização neoliberal é grande produtora de misérias, de assimetrias sociais e econômicas e algoz do processo de exclusão a que estão submetidos os sujeitos deslocados, como destacado pelos dois teóricos.

As políticas neoliberais no campo educacional promoveram um reducionismo da educação, entendida como direito social, para uma concepção mercadológica, concebendo-a como produto, o que impactou significativamente nas propostas curriculares.

A Constituição Federal de 1988, no Art. 205, enfatiza que a educação visa ao “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, porém, o que se evidencia sob a égide das políticas neoliberais, expressamente na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Médio é a primazia do trabalho em detrimento da formação plena e cidadã da pessoa, ou seja, uma formação tecnicista.

Torres Santomé (1998) destaca que cada vez mais as instituições educativas passam a ser vistas de modo similar às empresas e mercados econômicos, de modo que a compreensão das dinâmicas empresariais e mercantis vão ganhando maior relevância no julgamento dos sistemas educacionais. Assim,

Para compreender as reformas e inovações educacionais é preciso desvelar as razões e discursos nos quais se baseiam. Tantos as políticas de reforma educacional oriundas da Administração como as modas pedagógicas estão impregnadas de discursos, ideias e interesses gerados e compartilhados por outras esferas da vida econômica e social (TORRES SANTOMÉ, 1998, p. 20).

Nota-se, com isso, que tacitamente o mercado e o sistema capitalista, por via das políticas neoliberais, ganham força e expressão nas práticas educacionais, materializadas nas propostas curriculares.

Cosmo e Fernandes (2009) salientam que há muitas contradições acerca das propostas neoliberais para a educação, de um lado há uma ação centralizadora, de controle pedagógico, sobretudo curricular, e de outro, há uma descentralização dos processos de financiamento e de gestão, que contribui para a suposta crise educacional, provocada pelo próprio sistema, por via de investimentos mínimos e sucateamento dos espaços e processos educacionais públicos. As autoras ainda destacam que “novas formas de controle cerceiam a ação política dos educadores que, silenciados por uma ação meritocrática do Estado não têm força nem individual e nem coletiva de lutar por uma transformação e pela superação da lógica neoliberal que impera sobre a educação” (COSMO; FERNANDES, 2009, p. 22). Todavia, é preciso superar esta ótica e construir uma nova via.

Torres Santomé (2003) destaca que, na atualidade, as molas propulsoras da nova economia são: as finanças, o conhecimento e o capital humano, assim para o mercado neoliberal importa o controle sobre a informação e o conhecimento para impulsionar a economia. A esse respeito, o autor acrescenta:

[...] O ensino e a pesquisa se tornam focos prioritários de atenção por parte do capital para adequá-los a seus interesses, para preparar trabalhadores e trabalhadoras e promover as linhas de pesquisa que ajudem a resolver os problemas de seus negócios e empresas, bem como a gerar novos conhecimentos que mais tarde possam ser traduzidos em bens de consumo e permitam aumentar os seus benefícios econômicos e o seu poder (TORRES SANTOMÉ, 2003, p. 194).

Sob esta perspectiva, o mercado capitalista passa a se preocupar com a educação, pois a formação do capital humano é decisiva nos novos mercados, pelas inovações tecnológicas e as transformações dos postos e relações de trabalho.

A Medida Provisória n.º 746, de 22 de setembro de 2016, conhecida como a Reforma do Ensino Médio e que alterou a Lei de Diretrizes e Bases n.º 9.394/96 e outras legislações educacionais, configura-se como uma política contraditória às propostas de formação de professores. Inicialmente porque a mudança em toda uma modalidade de ensino, especificamente, o Ensino Médio, via Medida Provisória (MP), por si só, constitui-se em ação arbitrária, o que contraria o princípio de gestão democrática, previsto na CF e na LDB.

Temos, a título de exemplo, duas mudanças que decorreram desta MP e que trouxeram desdobramentos negativos para a educação. Primeiro, com a obrigatoriedade do ensino da Língua Inglesa a partir do 6º ano do Ensino Fundamental estendendo-se ao Ensino Médio, tornando facultativo o ensino da Língua Espanhola, revogou-se a Lei n.º 11.161∕2005, que previa a obrigação da Língua Espanhola no Ensino Médio, o que se caracteriza como retrocesso, considerando que os países fronteiriços com o Brasil, são, em sua grande maioria, falantes desse idioma e confirma-se a primazia ao imperialismo do Norte, em detrimento aos países da periferia latino-americana.

A permissividade do exercício da docência por “profissionais com notório saber”, outro item incluído pela MP, demonstra uma desvalorização aos profissionais técnicos e portadores de diplomas. É inconteste que uma reforma educacional em toda a educação básica precisa ocorrer no país, todavia ela deve resultar de um amplo debate com a participação efetiva dos segmentos representativos, também não pode se dar desarticulada às etapas que compreende a totalidade da educação básica, por isso mesmo, é apodítico que a Medida Provisória foi uma proposta impositiva, posteriormente convertida na Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017.

A Emenda Constitucional n.º 95, de 15 de dezembro de 2016, que congelou os “gastos” (que entendemos como investimentos) com saúde e educação do governo federal por até 20 anos, e que comprometeu a execução financeira do Plano Nacional de Educação (PNE), em várias metas, é outro exemplo claro da intervenção neoliberal nas ações do Estado, afetando, por exemplo, as metas 9 e 10 voltadas para a erradicação do analfabetismo e ampliação da oferta da educação de jovens e adultos, além de outras metas que foram comprometidas.

Parafraseando a famosa inscrição de Darcy Ribeiro, a crise da educação no Brasil não é uma crise propriamente, mas, um projeto, que reverbera os interesses das políticas neoliberais, materializado nos últimos anos, no país, por políticas de cerceamento e de redução da autonomia docente, como as medidas ilustradas anteriormente, além da implantação da Base Nacional Comum Curricular, que trouxe fortemente o conceito de competência, como uma palavra atraente e suntuosa, mas com uma conotação mercadológica implícita, direcionada aos interesses do mercado de trabalho.

Preparar indivíduos para o mercado de trabalho, é tarefa dos sistemas educativos, entretanto, essa formação não pode se dar descolada das demais finalidades previstas na nossa Constituição Cidadã. É necessário formar pessoas que se relacionem pela alteridade, sentimento de interdependência humana, construindo uma sociedade mais simétrica, comprometida com a justiça social.

4 CURRÍCULO COMO UM PRODUTO CULTURAL

A tensão entre o público e o privado está posta e, com o passar do tempo, o privado vem ganhando muita força e vencendo o jogo. Essa vitória reflete nas dimensões culturais e sociais, pois à medida que se estabelecem determinados padrões culturais como dotados de mais credibilidade via influência dos conteúdos curriculares é feita toda uma negação e exclusão sistêmica de diversas culturas e vivências sociais não contempladas nos currículos prescritos. Nessa perspectiva, o currículo vai se colocando como um produto cultural da cultura dominante que traz paradigmas contrários ou até contraditórios às demais culturas subjugadas. Aludindo a Torres Santomé (2013), o currículo passa a ser um verdadeiro cavalo de Troia, isto é, um presente recheado de perigos.

O currículo representa as estruturas econômicas e sociais mais amplas, desse modo, não é neutro, uma vez que no seu interior ocorre a reprodução social. Assim, passa a ser compreendido como um instrumento que implica relações de poder, uma vez que transmite concepções e produz identidades culturais.

Os impactos da disputa e da imposição cultural do currículo vão tomar conta dos objetivos formativos que se desenham cada vez mais no sentido de manter determinadas estruturas de poder e fazer a manutenção das classes sociais. O currículo passa a formar sujeitos de acordo com as demandas de manutenção de status quo dos grupos que hegemonicamente dominam as políticas curriculares.

São movimentos que não ouvem, por exemplo, os professores e menos ainda os estudantes. Trata-se daquilo que Ponce e Rosa (2014) evidenciam a partir de Stephen Ball, uma tendência privatista da educação postulada em três tipos de tecnologias: 1. Forma de mercado - baseada na lógica dos ranqueamentos; 2. Gerencialismo - ação controlada sobre as práticas docentes que podem ser feitas via sistemas de ensino, por exemplo; 3. Performatividade - desempenho dos professores diante de metas e resultados de aprovação, retenção, finalização de materiais didáticos e agrado aos “clientes”. Isso exige muita pesquisa e estudo, pois as bases teóricas são necessárias para viabilizar a compreensão de tal realidade. Em síntese, dá-se uma negação da autonomia ou sua desvalorização numa lógica de relação pragmática e imediatistas dos resultados.

A perda da autonomia dos professores vem sendo propiciada não apenas por propostas curriculares como as apontadas por este artigo, mas por uma história de sucateamento de sua formação e profissão, pela atribuição excessiva de múltiplas funções alheias às suas, assim como pelo revestimento de seu trabalho por uma sofisticação técnica e tecnológica que pretende lhe dar uma aparência de maior qualificação, que encobre - muito frequentemente - o que é essencial em sua atividade” (PONCE; ROSA, 2014, p. 56).

Segundo Gimeno Sacristán (1999), o currículo é impulsionado na atualidade por quatro questões fundamentais, que se constituem como os desafios dos sistemas educativos:

  1. A reprodução ou transmissão da cultura objetiva, a criação do ser culto;

  2. O cuidado do desenvolvimento e a consolidação da personalidade do sujeito imaturo, em vista da consolidação do cidadão;

  3. A socialização desse sujeito dentro de um conjunto de valores, para a formação adequada da sua personalidade;

  4. A preparação para sua efetiva participação nas atividades produtivas, através do trabalho.

Nesse sentido, o centro da discussão na educação volta-se para: a visão sobre o que é produzido, como são feitos ou como são confrontados os objetos culturais com os sujeitos, em quem são realizadas as possíveis reproduções culturais diferenciadas, qual atitude é estimulada diante dos êxitos culturais objetivados e que papel é desempenhado pelos sujeitos na cultura. Tudo isso se efetiva através de um processo de reprodução consciente, que supõe o reconhecimento dos bens culturais com seu devido valor.

O conceito de cultura, ao longo do tempo, passou por significados diferenciados. Na tradição clássica e humanista, cultura foi associada à condição do homem culto, cultivado e educado, já na concepção moderna, a cultura vincula-se ao processo de escolarização, por sua vez, na modernidade tardia, a cultura é formada pelo conjunto dos modos de vida de uma sociedade, o que inclui tradição, crenças, folclore, valores etc. (GIMENO SACRISTÁN, 1999).

Tendo como princípio a concepção antropológica de cultura, que inclui tudo que está vinculado ao sujeito, valorizar a cultura na escola passa a ser uma tarefa ainda mais desafiadora, já que esta precisa se transformar em um ambiente de “aculturação” (GIMENO SACRISTÁN, 1999), no sentido de que precisa constituir-se em um espaço de convivência social, onde os indivíduos possam bem adaptar-se e conviverem com a diversidade cultural.

O currículo passa a ter a responsabilidade de transmitir conteúdos culturais, em vista do reconhecimento dos sujeitos e da abertura para a criação e desenvolvimento de ideias inovadoras, uma vez que o progresso em educação perpassa o reconhecimento do vínculo entre cultura e a formação do indivíduo.

5 DA NEGATIVIDADE À AFIRMAÇÃO DA LUTA: OS ANÚNCIOS DO CURRÍCULO

Até agora, a visão apresentada sobre o currículo é dada de maneira negativa. Isso é proposital, pois é preciso superar a ideia ingênua de neutralidade da educação e do currículo, a partir da construção de uma visão crítica e contra-hegemônica. Para apresentar e compreender a negatividade do processo curricular, é necessário retomar o currículo numa perspectiva de formação para a autonomia e formação democrática. Denúncias e anúncios fazem parte da pesquisa curricular.

Esse é o ponto mais forte da ideia sobre currículo, sobretudo, no âmbito escolar. Ousa-se afirmar que o currículo, para ser libertador, precisa libertar-se do próprio currículo, posto e estabelecido sem dar espaço para dimensões, existências das pessoas e grupos tão distintos, um currículo que não respeita os saberes locais, um currículo construído apenas para sustentar as engrenagens do capital, fazendo a seleção, portanto, exclusão das “peças”. Sendo assim, a construção da autonomia e a formação democrática são maneiras de reverter a lógica de currículo como formatação e manutenção de classes.

É preciso também avançar em pesquisas que explorem o modo como os professores lidam, interpretam e traduzem as demandas curriculares que lhes são endereçadas, pesquisas que desvendem valores, conhecimentos e práticas pré-existentes dos docentes. Esta talvez seja uma chave importante para, de um lado, interpretar o sentido (político) da ambivalência da prática educativa escolar que apreendemos nas pesquisas que compuseram o projeto objeto deste artigo; e, de outro, para identificar as possibilidades de que os professores se tornem intelectuais orgânicos de projetos contra-hegemônicos aos das atuais políticas (PONCE; ROSA, 2014, p. 56).

A citação é muito rica e ecoa possibilidades de pesquisas sobre como os currículos são construídos a despeito daquilo que é imposto por lógicas de implementação curricular como já visto no texto.

Coaduna com esse pensamento das autoras, a pesquisa realizada por Chacon (2017) que procura fazer um diálogo com os professores a respeito da forma como se trabalha a filosofia numa perspectiva crítica com estudantes e como o currículo vai sendo desenhado nesse processo.

Esta dissertação parte do problema da recorrente dificuldade de desenvolvimento da autonomia dos estudantes no Ensino Médio. Traz como hipótese que a filosofia da libertação pode ajudar na construção dessa autonomia. O objetivo geral é pesquisar como os professores que estão lecionando a partir da filosofia da libertação percebem essa tarefa pedagógica de formação da autonomia dos jovens e em que medida e como as práticas desses professores podem trazer contribuições futuras para o ensino de Filosofia. Discorre sobre as possíveis contribuições da filosofia da libertação para a promoção da autonomia dos estudantes do Ensino Médio. Ela se justifica pela relação existente entre a filosofia da libertação e as teorias críticas do currículo e com a concepção freireana de educação como processo de libertação. Para a elaboração desta dissertação o movimento argumentativo se deu a partir da retomada da trajetória histórica do Ensino no Brasil com destaque ao Ensino Médio, com análises críticas sobre os processos que ajudam a entender os atuais problemas do Ensino Médio. Desenvolveu-se em continuidade a análise dos traços das juventudes num diálogo com várias áreas do conhecimento. Foram elaboradas análises sobre as teorias do currículo e se deu foco às posições trazidas por Michael Apple. Há na dissertação um diálogo constante entre as perspectivas de Dussel e Freire, sendo elencados momentos em que Dussel toma Freire como base de reflexão. Por fim, dá-se a análise de conteúdo das entrevistas concedidas por professores com experiência no ensino de filosofia no Ensino Médio e que trabalhem pautados nas teorias críticas, de forma mais específica a filosofia da libertação (CHACON, 2017, p. VI).

Trazendo como exemplo esse trabalho, entende-se que é possível, sim, fazer um movimento de reflexão crítica sobre o currículo, destoando do que é prescrito pelos sistemas e ajudando a escrever vidas mais autônomas e dotadas de possibilidades críticas para além do senso comum, do discurso individualista do neoliberalismo.

Ao compreender a educação como ato eminentemente político, que assume compromisso com a transformação social, Freire (2007) aponta para a necessidade de construirmos um currículo que tenha como matriz a experiência dos educandos, de modo que o ensino seja dotado de significados e o instrumentalize para atuar criticamente nessa sociedade.

Gimeno Sacristán (1999) discute o currículo em ação: os resultados como legitimação do poder. Uma primeira advertência feita pelo curriculista é que a tradição cultural e os conteúdos são partes do currículo e que mudar a educação passa por discutir os conteúdos, mas é preciso saber pontuar quais e não ter ingenuidade diante desses embates. Nesse aspecto, destaca que na esfera curricular há um problema de partida, isto é, a distância entre o ensinar e o aprender, pois há muito foco no ensinar e pouco no aprender. Segundo o autor, é a aprendizagem que valida o ensino, por isso é preciso se falar mais na qualidade da aprendizagem que se manifesta em transformações na maneira de pensar; conscientizando-se de que o sujeito é um ser no mundo.

É fundamental, ao currículo, promover a indagação que para o autor se associa à abertura curricular. Nesse sentido, o papel do currículo é definido da seguinte maneira “[...] é aquele que tem a potencialidade de transformar e incrementar ou enriquecer as capacidades dos educandos [...]” (GIMENO SACRISTÁN, 1999, p. 267). Trata-se de um currículo:

[...] elaborado a partir de conteúdos apropriados, selecionados e organizados com um formato que estimule a participação ativa e criadora de processos de ensino-aprendizagem de qualidade. Apenas os conteúdos relevantes, significativos, atraentes e desafiadores podem despertar a energia da motivação intrínseca que estimulará esses processos (GIMENO SACRISTÁN, 1999, p. 267).

O currículo, então, não pode ser uma imposição construída por elementos estranhos ao processo educativo, mas fruto de uma necessidade. Isso não nega a presença de conteúdos mais gerais e “universais”, apenas aponta que não basta o conteúdo. É preciso dar voz aos sujeitos do currículo. Sendo assim, a educação é muito mais complexa do que determinados grupos a compreendem.

Ainda na esteira dos espanhóis, Torres Santomé (2013) apresenta uma bela síntese do contexto mundial, passando por aquilo que ele vai chamar de 12 revoluções de nossa época e a relação disso tudo com a educação, logo com o currículo escolar e, dessa forma, com a ideia de justiça social aplicada ao currículo. De tudo o que ele pontua, sintetizam-se as seguintes ideias: O currículo está inserido em dado contexto histórico de mudanças que cada vez mais se globalizam, sobretudo os problemas, e, ao mesmo tempo, nega-se, na mesma globalização, a presença de grupos desconsiderados socialmente. Sendo assim, fazer justiça curricular começa pela inclusão dos que ele bem define como os andarilhos, aquelas pessoas que, para sobreviver, se veem forçadas a abandonar seus países, enfrentando todo tipo de obstáculos e dificuldades.

O autor reforça, também, ser necessário pensar os sistemas educativos e intervir em seu funcionamento, ultrapassando os discursos generalistas, descontextualizados, muitas vezes mostrados de modo sensacionalista, que não levam em consideração as dinâmicas e aspectos peculiares às diferentes organizações locais e setores da sociedade. É preciso entender que: “[...] os sistemas de educação são o principal instrumento, por meio do qual os processos de imperialismo cultural foram executados; uma das principais estratégias de opressão de determinados povos e grupos sociais sobre outros [...]” (TORRES SANTOMÉ, 2013, p. 183).

Fica evidente que a ideia de currículo passa pela compreensão de que há uma prática de construção de hegemonias e exclusões sociais. Para dar um exemplo, basta olhar para alguns conteúdos estudados no nosso país, que ainda insiste em falar da “Descoberta do Brasil”, mas pouco se fala sobre os reais motivos de miséria e pobreza que levaram os europeus (também periferia do mundo até 1492) a saírem em busca de terras e das nações originárias do continente explorado. Aprende-se mais sobre as civilizações europeias do que sobre as diversidades das nações africanas. Foi preciso a Lei nº 10.639/03, que versa sobre o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana, que ressalta a importância da cultura negra na formação da sociedade brasileira, ser promulgada para o currículo deixar de ser tão eurocêntrico.

O currículo deve ser algo que, diante de reflexões, de questionamentos, de disputas e de críticas, garanta a qualidade de vida dos sujeitos, favoreça um ensino promotor de autonomia e consolide práticas democráticas, não sendo apenas um processo formatador, mas, de fato, formativo do Ser Mais (FREIRE, 1987). Isso tudo, culmina ou se desvela na tese apresentada por Chizzotti e Ponce (2012) de que o currículo não se faz sem sujeitos, sem prática pedagógica, sem a participação de cada um visando autonomia, vida digna e a construção de uma escola democrática.

Dá-se espaço, portanto, a um currículo preocupado com a formação em valores. Não numa lógica de uma formação moral reduzida ao disciplinamento e manutenção do status quo. Cabe discutir a questão moral no âmbito da ética. Isso requer romper com a lógica da educação disciplinadora e marca uma oportunidade para uma educação capaz de construir a autonomia e a formação cidadã, sobretudo fugindo do individualismo e o sucesso a qualquer custo. É necessário um educar para a liberdade, indo além do comportamental, trazem à baila valores de solidariedade, justiça e respeito ao próximo como fundamentos à humanidade (PONCE, 2009).

A escola não é a totalidade do currículo, mas é uma das maiores arenas em que ele é disputado. Nesse sentido, em tempos de discursos cada vez mais extremados de inspiração segregacionista, fascista e “neo-ultra-capitalista” não se pode aceitar discursos como “escola sem partido / escola da mordaça” sem fazer os devidos enfrentamentos, pois como já foi discorrido neste texto, nenhuma ação curricular é neutra.

São essas contradições que fazem do currículo não mera matriz curricular, mas um programa que pode ser libertador ou opressor. Por isso, é preciso pautar a prática curricular numa ética libertadora e promotora de justiça curricular e vida cheia de esperançar, como bem nos inspiram Enrique Dussel, Paulo Freire e tantas e tantos educadores e educandos.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os discursos neoliberais são construídos por ideias e argumentações que tendem a desestabilizar o currículo e a escola pública, para isso, encontram/criam problemas ou simplesmente atribuem a determinados grupos (subalternos) os motivos dos problemas que afetam a escola. O currículo, como produto cultural, vai sendo cada vez mais cooptado por instituições privadas que se manifestam como salvadoras da educação.

A filosofia neoliberal controla todas as ações do governo em qualquer assunto público, por conseguinte, as tomadas de decisões dos cidadãos. Assim, importa desvelar os objetivos envoltos nas propostas advindas do mercado capitalista, explicitando suas reais intenções e denunciando as inclinações para a estandardização curricular, o cerceamento da autonomia docente e a privatização dos espaços públicos, que reverberam na perda da democracia.

Torres Santomé (2013, p. 107) enfatiza que: “Apostar nos bens públicos deve exigir cada vez mais dos cidadãos a geração de condições para que eles possam participar na orientação, continuidade e valorização das instituições públicas”.

Nesse sentido, importa empreendermos uma luta pelos espaços públicos, sobretudo pela escola pública, em vista de uma educação, que materializada no currículo, comprometa-se com uma formação cidadã e democrática.

As políticas neoliberais na educação, as quais foram explicitadas neste texto, refletem um projeto claro de desconstrução dos espaços públicos e democráticos, pela negação das vozes daqueles que constroem a escola, como educadores e educandos, reverberando na perda da autonomia docente e na negação dos conhecimentos e saberes constituintes das culturas dos educandos, sobretudo aqueles pertencentes aos grupos subalternos da sociedade, em detrimento da cultura elitista, branca e hegemônica.

As discussões em torno do currículo perpassam o reconhecimento dos sujeitos envolvidos no processo educativo, em vista do desenvolvimento da autonomia dos indivíduos, para o exercício efetivo da sua cidadania, como também para a construção de uma escola que tenha o conhecimento, a justiça social e a democracia como valores precípuos.

Assim, uma educação com perspectivas para a justiça social deve apresentar um currículo, pautado em uma formação humanista, produtiva e criativa, que forme um capital humano não condicionado à escravização e à alienação, mas comprometido com a equidade social.

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Recebido: 01 de Outubro de 2020; Aceito: 24 de Agosto de 2021

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