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Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.19 no.3 São Paulo jul./set 2021  Epub 17-Dez-2021

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2021v19i3p1287-1315 

Artigos

“SEJA JUSTO, CONFORME MEU REFLEXO E SEMELHANÇA”: IMAGENS DA JUSTIÇA E SENSIBILIDADES JURÍDICAS EM UM CURRÍCULO UNIVERSITÁRIO

“BE FAIR, ACCORDING TO MY REFLECTION AND SIMILARITY”: IMAGES OF JUSTICE AND LEGAL SENSITIVITIES IN A UNIVERSITY CURRICULUM

“SEA JUSTO, SEGÚN MI REFLEJO Y SEMEJANZA”: IMÁGENES DE LA JUSTICIA Y SENSIBILIDADES JURÍDICAS EN UN CURRÍCULO UNIVERSITARIO

Stephane Silva de ARAUJOi 
http://orcid.org/0000-0003-0730-7139

Guilherme STEFANii 
http://orcid.org/0000-0002-4637-2585

Maria Cecilia Lorea LEITEiii 
http://orcid.org/0000-0002-9197-2299

i Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Especialista Federal em Assistência à Execução Penal do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Integrante do Laboratório Imagens da Justiça (UFPel). E-mail: stephaneslv@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0730-7139

ii Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Integrante do Laboratório Imagens da Justiça (UFPel) e do Grupo de Pesquisa Direito e Sociedade (UFRGS). E-mail: guilherme.stefan@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4637-2585

iii Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Pós-Doutorado na Universidade Paris 8. Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Coordenadora do Laboratório Imagens da Justiça (UFPel). E-mail: mclleite@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9197-22992299


RESUMO

A formação docente dos profissionais que atuam no curso de Direito inspirou a discussão que, elaborada no âmbito de uma pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, problematiza aspectos pedagógicos e curriculares a partir da análise de desenhos concebidos por professores universitários. Neste artigo, analisa-se uma Imagem da Justiça produzida por um docente de um curso de Direito, em busca de compreender sensibilidades jurídicas potencializadas no contexto curricular. A metodologia desenvolvida alicerça-se na análise iconológica, segundo o Método Documentário de Interpretação (BOHNSACK, 2007), e nas teorizações acerca dos sentidos de justiça, conforme suas instituições e seu contexto local (GEERTZ, 1997). Problematizam- se as significações expressas em um registro visual, em especial os prováveis processos de normalização presentes no currículo de um curso jurídico, aos quais estão expostos os futuros bacharéis e operadores da justiça.

PALAVRAS-CHAVE: Imagens da justiça; Sensibilidades jurídicas; Curso de Direito; Currículo; Formação docente

ABSTRACT

The teacher training of professionals working in the Law course inspired the discussion that, developed within the scope of a research funded by the National Council for Scientific and Technological Development - CNPq, problematizes pedagogical and curricular aspects from the analysis of drawings designed by university professors. In this article, an Image of Justice produced by a professor of a Law course is analyzed, seeking to understand potentialized legal sensitivities in the curricular context. The methodology developed is based on an iconological analysis, according to the Documentary Method of Interpretation (BOHNSACK, 2007), and on theories about the meanings of justice, according to its institutions and local context (GEERTZ, 1997). The meanings expressed in a visual register are problematized, especially the probable normalization processes present in the curriculum of a legal course, to which future bachelors and justice operators are exposed.

KEYWORDS: Images of justice; Legal sensitivities; Law course; Curriculum; Teacher training

RESUMEN

La formación docente de los profesionales que actúan en la carrera de Derecho inspiró la discusión que, elaborada en el ámbito de una investigación financiada por el Consejo Nacional de Desarrollo Científico y Tecnológico - CNPq, problematiza aspectos pedagógicos y curriculares a partir del análisis de diseños concebidos por los profesores universitarios. En este artículo se analiza una Imagen de la Justicia producida por un docente de una carrera de Derecho, en busca de comprender sensibilidades jurídicas potencializadas en el contexto curricular. La metodología desarrollada se basa en el análisis iconológico, según el Método Documental de Interpretación (BOHNSACK, 2007), y en las teorizaciones sobre los sentidos de la justicia, conforme sus instituciones y su contexto local (GEERTZ, 1997). Se problematizan las significaciones expresadas en un registro visual, en especial los probables procesos de normalización presentes en el currículo de una carrera jurídica, a los que están expuestos futuros licenciados y operadores de la justicia.

PALABRAS CLAVE: Imágenes de la justicia; Sensibilidades jurídicas; Carrera de Derecho; Currículo; Formación docente

1 INTRODUÇÃO

O processo de instalação dos cursos jurídicos no Brasil é objeto de constante problematização científica, não obstante seja uníssono o entendimento quanto à sua finalidade: pretendia-se formar o primeiro escalão da burocracia administrativa brasileira (ALMEIDA FILHO, 2007; HIRONAKA; MONACO, 2007; RUDNICKI, 2007; SILVA, 2011; TORELLY, 2007). A preocupação primordial no primeiro terço do século XIX relacionava-se à formação dos bacharéis em Direito, sem maior atenção ao processo formativo pedagógico dos docentes desses cursos. Estudos sobre a história do Ensino Superior brasileiro também evidenciam a carência de cursos de formação docente para professores universitários em outras áreas profissionais, tais como Medicina, Engenharias e Odontologia (CUNHA; LEITE, 1996).

Assim como em outros campos do conhecimento considerados técnicos, a necessidade e as particularidades da formação docente dos professores dos cursos de Direito são temáticas de questionamento recente. Essa realidade tem potencializado o desenvolvimento de investigações que focalizam a qualidade do ensino jurídico (GHIRARDI, 2020; GHIRARDI; OLIVEIRA, 2016; JUNQUEIRA, 1999; LEITE, 2005; LEITE; VAN-DÚNEM, 2007; SCHMIDT, 2019), a performatividade de docentes e discentes diante de processos avaliativos de larga escala e ranqueamento de cursos (NEVES; LEITE, 2016; SCHMIDT, 2019), assim como a recente, porém crescente, adesão dos cursos de Direito às pesquisas de cunho empírico (GARCIA, 2014; SÁ; SILVA, 2016).

Nesse cenário, os estudos desenvolvidos em duas pesquisas1 que problematizam aspectos curriculares e pedagógicos de cursos de Direito a partir da análise de imagens, ambas financiadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)2, potencializam a utilização de artefatos visuais como fontes de acesso aos sentidos produzidos pelos sujeitos que compõem o ambiente universitário dos cursos jurídicos. Entendemos que as mencionadas investigações apresentam contribuição peculiar para o campo da pesquisa empírica em Direito, considerando que apontam peculiaridades do campo da formação universitária; revelam à comunidade científica a intersecção de marcadores sociais da diferença no processo formativo dos futuros bacharéis; assim como indicam maior vinculação curricular à perspectiva institucionalizada da justiça, em detrimento de referências à justiça social.

Pesquisas como as de Leite e Dias (2016) abordam a pertinência e a relevância das fontes iconológicas para as investigações voltadas à educação jurídica. Todavia, a utilização das imagens como recurso investigativo ainda é considerada incipiente, conforme apontam Bohnsack (2007), Fischman (2006, 2008), Leite (2014), Liebel (2011a, 2011b) e Loizois (2007).

Ancoramos nosso estudo em Bohnsack (2007) e Weller (2005) compreendendo que qualquer artefato visual produzido em um dado tempo, no âmbito de determinado grupo, pode traduzir uma visão de mundo peculiar, pode expressar um habitus específico; enfim, pode caracterizar os elementos de uma cultura particular. Os autores, assim como Liebel (2011a, 2011b), demonstram que, por meio da análise minuciosa de uma determinada imagem, é possível reconfigurar o contexto no qual seu produtor se insere, bem como os significados que atribuem ao objeto representado.

Interessa-nos, assim, observar as sensibilidades jurídicas representadas em um desenho produzido por um docente de um curso de Direito localizado na região sul do Brasil, de modo a compreender os sentidos possíveis para a expressão Justiça3 no contexto específico de formação dos futuros bacharéis. Atualmente, para além da formação dos burocratas do alto escalão administrativo, as faculdades de Direito tornaram-se as principais responsáveis pela formação dos operadores da Justiça, que, via de regra, apresentam como requisito à investidura na carreira a formação jurídica. Daí a relevância de questionarmos a concepção de Justiça dos docentes de tais cursos, uma vez que realizam as decisões pedagógicas em prol da formação e do aperfeiçoamento dos alunos.

Consideramos pertinente o desenvolvimento de um estudo que se alicerça no suporte teórico da análise iconológica, segundo o Método Documentário de Interpretação de Imagens (BOHNSACK, 2007), e nas teorizações acerca das sensibilidades jurídicas, de acordo com as instituições e seu contexto local (GEERTZ, 1997). Assim, problematizamos os sentidos expressos pela imagem e sua relação com o currículo do curso de Direito, no contexto universitário.

2 CURRÍCULO E FORMAÇÃO DOCENTE (OU A FALTA DELA) NOS CURSOS DE DIREITO

Os cursos de Direito no Brasil estão prestes a completar 200 anos de funcionamento4. Nesse ínterim, mudanças relevantes em sua concepção curricular foram adotadas; contudo, percebe-se certo apego às tradições e às perspectivas sociais, predominantemente elitistas nesse espaço (ALMEIDA FILHO, 2007; CARLINI, 2008; RUDNICKI, 2007; SILVA, 2011; TORELLY, 2007) - sobretudo se observarmos a constância da máxima que atrela o ensino jurídico à elevação da condição social de seus egressos a partir de uma cultura que privilegia o ingresso em carreiras jurídicas com percepção financeira acima da média em nossa sociedade (SCHMIDT, 2019).

Considerando a importância do status social de seus docentes, diante da necessária composição da alta burocracia brasileira, era frequente que, nos anos iniciais dos cursos de Direito, o ideal de boa docência estivesse vinculado à formação coimbrã e ao exercício concomitante de atuação jurídica notória, conforme apontam Rudnicki (2007), Spazzafumo (2007) e Silva (2011). Havia, e ainda há, mesmo que de forma velada, o entendimento de que um bom advogado, juiz, defensor, entre outros, seria necessariamente um bom professor, uma vez que a prática jurídica de sucesso deveria pautar seu fazer docente (CARLINI, 2007; MACHADO, 2006; SILVA, 2011).

Os professores e professoras de Direito não são somente servidores públicos que passam a lecionar nas Faculdades de Direito, tornam-se, frequentemente, professores. Esses experts num dia são advogados, juízes, promotores de justiça, procuradores, defensores públicos, delegados de polícia, auditores dos mais diversos ministérios, e, no dia seguinte, podem estar dentro de uma sala de aula diante de muitos alunos (MACHADO, 2006, p. 25).

Desse modo, tem-se que a carreira jurídica dos docentes influencia a percepção que a comunidade acadêmica possui quanto à qualidade da formação universitária, conforme indicam Cunha e Leite (1996). As autoras, ao focalizarem o currículo de cursos universitários vinculados à formação de profissionais liberais, admitem que as avaliações dos currículos consideram de modo relevante o status social de seus docentes no mercado de trabalho externo à academia. O status social dos docentes não é uma preocupação dos cursos de Direito apenas na sociedade brasileira contemporânea. Segundo apontamos, os cursos jurídicos brasileiros foram criados com o ideal de formar a alta burocracia do país. Logo, profissionais recrutados com base na reconhecida atuação seriam, necessariamente, bons docentes (ALMEIDA FILHO, 2007).

Rudnicki (2007), ao analisar a criação dos cursos jurídicos no período do Brasil Imperial, afirma que não havia liberdade para a criação de conhecimentos e experiências pertinentes ao contexto brasileiro. O Império resguardava-se a partir da obrigatoriedade de utilização de determinados compêndios, assim como da rígida supervisão às práticas docentes desenvolvidas a partir do modelo curricular coimbrão. Pretendia-se, nesse solo, materializar uma extensão, uma espécie de anexo das faculdades portuguesas.

Hironaka e Monaco (2007) afirmam que a Faculdade de São Paulo, uma das primeiras a serem criadas, executava as mesmas disciplinas e estatutos da Faculdade de Coimbra, local no qual grande parte do corpo docente brasileiro era formado. Carlini (2008, p. 211), por seu turno, indica que tal realidade ainda persiste, uma vez que as metodologias de ensino nos cursos jurídicos se assemelham ainda ao modelo coimbrão, com “[...] salas de aula lotadas com alunos silenciosos ouvindo longas explanações nos mais de mil cursos de Direito no país”. Na mesma linha, para Holanda (2007, p. XXXIII):

O controle estatal do Império junto às Faculdades era sistemático e centralizado: abrangia desde a órbita administrativa, a metodologia do ensino, a nomeação dos professores, a bibliografia, bem como a estrutura curricular, criando amarras que impossibilitavam inovações no ensino ministrado, amarras estas que, até hoje, em parte ainda prevalecem.

Esse breve histórico leva-nos a considerar que, ainda hoje, alguns fatores descritos quando da constituição dos cursos jurídicos em 1800 se tornaram perenes: carente perfil docente inovador; elevado número de cursos e alunos em sala; pouco espaço para participação discente; e diminuta produção acadêmica. Essas características também nos mobilizaram em torno da problemática apresentada pelo registro visual focalizado neste artigo.

O corpo discente, ao ingressar em um contexto permeado por essas características, perde seu status social, transformando os alunos em rígidos aplicadores da lei. Em última medida, a inobservância das variáveis sociais que circundam os fatos juridicizáveis, hipotética neutralidade, possibilitará que se tornem os intérpretes da Justiça. Para Simião (2014), influenciado pelos estudos de Geertz (1997), é a aquisição dos códigos considerados válidos no campo jurídico que determinará o sucesso (ou não) dos profissionais em formação. Não obstante, observa-se que a estrutura curricular dos cursos de Direito brasileiros não sofreu alteração considerável no decorrer dos anos. Carlini (2007) indica que, entre 1853 e 1865, os docentes exerciam maior poder de dicção no que se refere à estrutura dos cursos, porém permaneceram adstritos às recomendações estatais da época. Registramos que, em 1879, a Reforma do Ensino Livre ao flexibilizar a integralização curricular admitiu a menor importância da didática, das aulas e dos docentes (CARLINI, 2007).

As alterações estruturais subsequentes ficaram a cargo da inclusão e exclusão de disciplinas, sem qualquer vinculação com a formação dos professores dos cursos jurídicos (SILVA, 2011). Proposta interessante é visualizada em 1915, quando Carlos Maximiliano atribui maior flexibilidade às decisões pedagógicas dos docentes, incluindo a possibilidade de elaboração de programas de curso e a indicação de assistentes. Contudo, apenas em 1931, Francisco Campos referencia a necessidade de formação pedagógica do corpo docente dos cursos de Direito no Brasil. Mesmo assim, não são vislumbradas estratégias, nem políticas, que materializem a formação docente dos professores de cursos jurídicos. Sem embargo, a partir dos anos finais da década de 1980, o novo formato da gestão pública no país inaugura uma via indireta de avaliação da qualidade docente e de regulamentação desses cursos.

Estamos tratando de formas alternativas de regulação, tais como Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), emitidas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), ouvida a Comissão Especial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e demais entes da sociedade civil interessados em uma formação jurídica de qualidade. Na mesma esteira, figuram os exames de larga escala do Ensino Superior, como o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), os Exames da OAB (que visam a certificação das competências profissionais dos futuros advogados) e a indústria dos concursos nacionais, que acaba orientando informalmente a fabricação do currículo das Faculdades de Direito, logo, o que Schmidt (2019) denomina de “Cultura Vade Mecum”.

Assim, temos que as avaliações de larga escala, exames classificatórios e/ou de certificação e demais instrumentos de regulação instituídos no campo educacional imprimem um caráter de universalidade ao conhecimento, secundarizando sua diversidade. Cunha (2006, p. 65) afirma ser comum que a definição de universalidade dos conhecimentos considerados válidos por tais avaliações não “[...] respeitem a diversidade de interesses, particularidades e posições dos diferentes grupos sociais, reforçando a hegemonia”. Em que pese a autora esteja tratando da Educação Básica, advogamos pela extensão da reflexão ao Ensino Superior, uma vez que este também se encontra no cerne da atual política educacional amparada pelos preceitos da Nova Gestão Pública5.

Nessa nova lógica administrativa, pautada pela eficiência, eficácia e performatividade constante, temos que os docentes considerados “bons” assim serão classificados a partir de seus índices de produtividade. Conforme apontam Neves e Leite (2016, p. 22)6:

No caso das Faculdades de Direito, ser aluno ou, muito pior, professor, de uma Faculdade que não esteja bem ranqueada dentro dos atuais critérios de performatividade vigentes é sinônimo a afirmar que se é um mau aluno ou um mau professor, o que, por óbvio, além de não corresponder necessariamente à realidade traz julgamento de valor relativo às subjetividades dos sujeitos envolvidos no processo pedagógico.

Assim, professores e alunos mobilizam-se em prol do alcance das metas e dos índices que os referenciam como “melhores”. Os docentes pela jornada e respeito que ostentam, a partir da constante “boa avaliação”, tornam-se os principais referentes a seguir para o corpo discente. Nesse cenário, os alunos classificados como bons tendem a refletir as práticas dos docentes-modelo e já atuam, comportam-se e vivenciam as práticas jurídicas em estágios considerados de grande repercussão profissional como em Tribunais de Justiça, Defensorias e Ministérios Públicos. Estabelecem, assim, uma relação mais próxima com a institucionalização da ciência jurídica, do que com o contexto social.

Todavia, as políticas de acesso às Universidades no Brasil vêm privilegiando o diverso e o plural, em busca da redução das desigualdades sociais. Antes das reformas educacionais, propostas a partir da redefinição do papel do Estado, em meados da segunda metade da década de 1990, o acesso à Universidade dava-se por meio de um processo condicionado a cada Instituição de Ensino Superior (IES), o vestibular. Desde meados dos anos 2000, abre-se a partir da maior utilização do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e da consolidação do Sistema de Seleção Unificado (SISU), a possibilidade de diversificar o público que acessa as Instituições de Ensino Superior, especialmente as públicas. Assim, há um espaço mais diverso e aberto a diferentes culturas, cores e formas de pensamento e conduta. Quebra-se, desse modo, a tradição jurídica de manutenção e de formação de elites, trazendo à baila as mazelas sociais que, por vezes, acompanham as minorias que, agora, acessam esse espaço.

Os cursos jurídicos não são diferentes. O registro visual analisado neste artigo foi capturado em uma IES que possui 12 tipos de políticas afirmativas que garantem o acesso universitário às pessoas negras, idosas, indígenas, de baixa renda, entre outras. Um ambiente que, a priori, tinha seu público-alvo com características sociais bem delimitadas e voltadas a um nicho populacional específico passou a lidar, paulatinamente, com a presença da diversidade personificada nos próprios alunos. Contudo, observa-se que, nesse mesmo contexto, há espaço para um contradiscurso que reforça uma espécie de rechaço à diversidade, atribuindo o sentido de Justiça ao apagamento de diferenças e à constituição dos alunos em conformidade com o reflexo do Professor.

3 REPERCUSSÕES TEÓRICAS EMERGENTES NO ESTUDO

O desenho produzido por um docente de um curso jurídico, a ser analisado em breve, remete a conceitos potentes dos campos da Antropologia e da Sociologia que merecem destaque inicial. Considerando o contexto no qual os cursos de Direito e a formação docente dos seus professores é pensada (ou não), tornou-se latente problematizarmos a cultura local, as sensibilidades jurídicas e o habitus que lá emergem.

Tendo em vista os ensinamentos de Geertz (1997), compreendemos que, em comunidades específicas, é comum que se originem formas locais de interpretar os fenômenos sociais e as estratégias voltadas à resolução de conflitos. Essas condutas, por sua vez, nem sempre se adequam aos institutos vigentes no campo jurídico oficial. Simião (2014), orientado pelos estudos do antropólogo americano, indica que a juridicização dos fatos depende, via de regra, do domínio de códigos específicos que os enquadram em uma determinada orientação jurídica, ou seja, os tipos legais.

A compreensão de que os fatos não nascem espontaneamente e de que são feitos, ou, como diria um antropólogo, são construídos socialmente por todos os elementos jurídicos, desde os regulamentos sobre a evidência, a etiqueta que regula o comportamento nos tribunais, e as tradições em relatórios jurídicos até as técnicas da advocacia, a retórica dos juízes, e os academicismos ensinados nas faculdades de direito, suscita questões importantes para uma teoria da administração da justiça que a considera, citando um exemplo representativo, como ‘uma série de emparelhamentos de configurações factuais com normas’ nos quais ou ‘uma situação factual pode ser emparelhada com uma das normas’ ou ‘uma norma específica... pode ser sugerida por uma seleção das versões competitivas sobre o que aconteceu’ (GEERTZ, 1997, p. 258, grifos nossos).

Assim, teríamos que um conflito para ser equacionado judicialmente precisa ser traduzido para a linguagem institucional adequada, ou, como refere o autor, emparelhado à norma. Por essa lógica, os operadores da justiça deveriam, também, todos, serem emparelhados, acessando os mesmos discursos e códigos que circundam o meio jurídico e, por conseguinte, atuando em conformidade com estes de forma neutra e imparcial. Compreendemos que os acadêmicos dos cursos jurídicos teriam de acessar obrigatoriamente um currículo que desconsidere suas diferenças, apague seus matizes e os enquadre em um determinado modelo de Justiça isenta e apartidária.

A associação entre o conhecimento universitário reproduzido nos cursos de Direito e a sua repercussão no perfil dos profissionais formados é um ponto importante a ser destacado. Dizemos isso pois a linguagem jurídica é um dos aspectos essenciais do habitus relativo ao campo jurídico. O conceito de habitus é apresentado por Pierre Bourdieu como uma estrutura estruturada e estruturante (BOURDIEU, 2007), na medida em que ele apresenta determinadas características e valores comuns aos integrantes de um determinado campo, ao mesmo tempo em que o constitui. Assim, em se tratando do campo jurídico, pode-se destacar uma série de escolhas linguísticas e formalismos legais.

O habitus relativo aos alunos e professores de cursos de Direito é bastante exemplificativo de como se estrutura todo o campo jurídico, afinal é ali que valores são repassados para os futuros profissionais que trabalharão na realização da justiça formal, ou seja, aqueles que têm “o direito de dizer o direito” (BOURDIEU, 2002, p. 212). Para tanto, o saber local, produzido e sustentado na Faculdade de Direito, deve constituir um espaço também de transformação, de tradução e de codificação, não apenas dos discursos, mas também dos seus sujeitos. Nele, faz-se produzir sensibilidades jurídicas particulares, conforme aponta-nos Geertz:

O direito, como venho afirmando um pouco em oposição às pretensões encobertas pela retórica acadêmica - é saber local; local não só com respeito ao lugar, à época, à categoria e variedade de seus temas, mas também com relação a sua nota característica - caracterizações vernáculas do que acontece ligadas a suposições vernáculas sobre o que é possível. É a esse complexo de caracterizações e suposições, estórias sobre ocorrências reais, apresentadas através de imagens relacionadas a princípios abstratos, que venho dando o nome de sensibilidade jurídica (GEERTZ, 1997, p. 324).

Resta observarmos que, nesse processo, a maior ou menor aproximação das sensibilidades jurídicas, entendidas como o complexo entre dados da realidade, imagens e princípios, a partir de Geertz (1997), produzidas no contexto local, e o emparelhamento dos estudantes definirão, em última medida, suas potencialidades em termos de adequação à Justiça que se espera que eles expressem. A assunção do habitus, das características e dos valores dos integrantes do campo (ou mundo) jurídico é um processo simbolicamente relevante para o estudante de Direito, afinal implica reconhecimento e status. Para Cunha (2006), ainda que as pesquisas sobre currículo e ensino careçam de cuidado nesse sentido, é necessário que se percebam como as relações humanas são estabelecidas no contexto educacional, uma vez que marcam o processo formativo dos sujeitos. De acordo com a autora:

As relações humanas constituintes do cotidiano escolar, os exemplos e testemunhos apreendidos pelos estudantes, os rituais e as práticas sociais que acontecem no ambiente escolar e acadêmico se incluem nos conhecimentos escolarizados. Muitas vezes, são esses os que marcam a formação dos estudantes, mais do que as aprendizagens das diferentes matérias de ensino (CUNHA, 2006, p. 69).

Nessa perspectiva, torna-se robusta a concepção foucaultiana segundo a qual poderíamos inferir que a Faculdade de Direito se traduza em uma instituição notadamente disciplinar. O poder disciplinar é representado historicamente na obra do pensador francês por instituições manicomiais e de cárcere, que tem como característica central a vigilância. O desenvolvimento dessa vigilância pode ser associado ao próprio desenvolvimento do poder disciplinar. Exemplificativamente, quanto mais fosse possível observar em um presídio de uma mesma posição, mais eficiente seria o mecanismo. O panóptico, desenvolvimento arquitetônico em que de apenas um ponto é possível enxergar o conjunto de encarcerados, é uma forma ilustrativa de poder disciplinar.

A especialização do poder disciplinar avança para a racionalização de práticas de controle. Isso implica tornar mais eficiente a gestão dos corpos e até mesmo do conhecimento. Prova disso é que a lógica de funcionamento da disciplina vai de simples impulsos negativos para a combinação de impulsos negativos e positivos. A escola é talvez um dos espaços em que isso fica mais evidente. Para o aluno não se trata mais apenas de ter bom comportamento para evitar punições decorrentes de seus malfeitos, mas também de ter boas notas para ganhar distinção na turma ou, mais ainda, conseguir ingressar em uma universidade para cursar o Ensino Superior. Essa dinâmica de positivo e negativo vai sendo apreendida e internalizada como se nenhum caminho alternativo existisse e, assim, elimina a possibilidade de outros caminhos. O conhecimento jurídico ou mesmo o currículo se tornam inquestionáveis. Para o autor, o poder disciplinar

[...] organiza-se assim como um poder múltiplo, automático e anônimo; pois, se é verdade que a vigilância repousa sobre indivíduos, seu funcionamento é de uma rede de relações de alto a baixo, mas também até um certo ponto de baixo para cima e lateralmente; essa rede “sustenta” o conjunto, e o perpassa de efeitos de poder que se apóiam uns sobre os outros: fiscais perpetuamente fiscalizados (FOUCAULT, p. 1987, p. 201).

A punição no sistema disciplinar depende de capacidade de se “[...] relacionar os atos, os desempenhos, os comportamentos singulares a um conjunto, que é ao mesmo tempo campo de comparação, espaço de diferenciação e princípio de uma regra a seguir” (FOUCAULT, 1987, p. 207). A criação de patamares indesejáveis, aceitáveis e elogiáveis funciona como elemento de diferenciação entre os indivíduos, permitindo o seu controle facilitado. Devemos destacar que isso também pode ser relacionado com o desenvolvimento do neoliberalismo, afinal cada vez mais o sujeito é empurrado em busca do sucesso individual a todo custo. Esse ciclo infinito produz, na opinião do professor francês, uma “[...] penalidade perpétua que atravessa todos os pontos e controla todos os instantes das instituições disciplinares compara, diferencia, hierarquiza, homogeniza, exclui. Em uma palavra, ela normaliza” (FOUCAULT, 1987, p. 207). Assim, a normalização pode ser entendida como o processo de homogeneização dos sujeitos em função da aplicação de mecanismos disciplinares.

Desse modo, ao observar o contexto local no qual é produzida a identidade dos futuros bacharéis, uma Faculdade de Direito, a partir do desenho produzido por um docente, torna-se relevante denotarmos o sentimento de emparelhamento de sujeitos, presentes nesse registro, sobretudo em termos de adequação à Justiça, ou não. A perspectiva apresentada sugere ser natural, quiçá necessário, que existam alunos que se adequem, e alunos que se percam no caminho.

[...] no nosso caso, é notável que essa lógica, que acaba por associar o maior saber à maior quantidade de poder de que a autoridade decisória dispõe, não esteja presente somente no Judiciário, este, afinal, uma instituição fundada em explícitas hierarquias internas, suas instâncias. Está também presente nas formas de produção e reprodução do conhecimento jurídico (KANT DE LIMA, 2013, p. 558).

As sensibilidades jurídicas passam a ser, assim, produzidas no seio da comunidade que lapida seus alunos em busca de índices de formatação que (as)sujeitem os indivíduos à semelhança do próprio docente ou, na melhor de todas as hipóteses, represente, ele próprio, estudante, a Justiça.

[...] quem está no vértice da pirâmide - de qualquer pirâmide (social, econômica, política, judiciária, etc.) - exerce seu poder fundado no saber de que se apropriou particularizadamente, ao qual não tiveram acesso seus pares, pois pode inclusive dele se apropriar por meio de suas relações particulares. [...]. A educação pública e universal, portanto, não se constitui em um fator de inclusão, mas de exclusão progressiva daqueles que não terão acesso ao saber que realmente importa, seja por qual meio isso se verifique e atualize (KANT DE LIMA, 2010, p. 43).

A formação de operadores do Direito trata de instrumentalizá-los para a futura atuação no meio jurídico mediante atos de representação que significarão a própria realidade. Conforme Geertz (1997, p. 259),

[...] a parte ‘jurídica’ do mundo não é simplesmente um conjunto de normas, regulamentos, princípios, e valores limitados, que geram tudo que tenha a ver com o direito, desde decisões do júri, até eventos destilados, e sim parte de uma maneira específica de imaginar a realidade. Trata-se, basicamente, não do que aconteceu, e sim do que acontece aos olhos do direito; e se o direito difere, de um lugar ao outro, de uma época a outra, então o que seus olhos vêem também se modifica.

Nessa senda, interessa ao Direito o fato social enquadrável à sua lógica. Cria-se, assim, um processo de homogeneização e padronização das condições interpretativas dos operadores do Direito a partir da produção de um currículo hipoteticamente neutro. De acordo com Kant de Lima (2013, p. 573), “[...] esse processo de padronização social não é sem custos: ele é também um infindável criador de desvios, de anormalidades, que atingem todos aqueles que, por qualquer razão, não conseguem adaptar-se ao padrão, nem corrigir seus aparentes desvios”. Logo, consideramos que tais desvios poderão atingir a futura ação profissional desses estudantes que, porventura, ditarão os rumos do sistema judiciário brasileiro. Ressaltamos que Kant de Lima (2013) compreende que esse processo se reflete na prática profissional institucionalizada tanto dos futuros profissionais “normalizados” quanto daqueles que, por algum motivo, foram desviados em tal processo.

O direito nesse caso é verdadeiramente a ciência sentenciosa - uma corrente de provérbios admonitórios, de slogans morais, de discursos estereotipados, de recitações de algum tipo de literatura didática, de metáforas conhecidas sobre vício e virtude, todos pronunciados de uma maneira que tem como objetivo tranquilizar e, ao mesmo tempo, persuadir (GEERTZ, 1997, p. 319).

Frente ao exposto, poderíamos problematizar e merece maior atenção em trabalho futuro questionar: o distanciamento do judiciário das pautas sociais teria sua gênese no modelo de formação profissional retratada na imagem? Ou, ainda, o referido afastamento distancia também a comunidade de um modelo ideal de Justiça? Ao estudarmos Geertz (1997, p. 352), poderíamos afirmar, provisoriamente, que “[...] o pensamento jurídico é construtivo de realidades sociais e não um mero reflexo dessas sociedades”. Logo, as respostas aos questionamentos apresentados teriam grandes chances de serem positivas. Simião (2014, p. 246), nesse sentido, não deixa dúvidas ao afirmar que “[...] a distância entre a forma como o Judiciário vê o caso (a lide) e o modo como as partes vivenciam o conflito, tende a gerar, entre elas, um sentimento de injustiça ou desconsideração”.

4 O MÉTODO DOCUMENTÁRIO DE INTERPRETAÇÃO E A POTENCIALIDADE DE LER VISÕES DE MUNDO A PARTIR DE IMAGENS

Os estudos na área das Ciências Humanas e Sociais vêm ampliando o espaço dedicado a metodologias de pesquisa que privilegiam a análise de artefatos visuais. O Método Documentário de Interpretação configura-se como uma dessas ferramentas e, neste estudo, auxilia-nos a observar uma visão de mundo particular reproduzida em um desenho específico, revelando, assim, seu aspecto contingente.

Criado por Karl Mannheim (1893-1947) e atualizado por Ralf Bohnsack (1948-), em linhas gerais, esse método possibilita inferirmos sobre os aspectos da rotina de uma sociedade a partir da interpretação de seus produtos culturais. Bohnsack potencializou o Método Documentário, inclusive no plano metodológico, propiciando sua utilização para a análise de imagens (BOHNSACK, 2007, 2011; LIEBEL, 2011a, 2011b; WELLER, 2005). Nesse processo, Bohnsack articulou as perspectivas teóricas de Erwin Panofsky (1892-1968) e de Max Imdahl (1925-1988), transformando a mencionada metodologia “[...] em um instrumento de análise para a pesquisa social empírica de caráter reconstrutivo”, de acordo com Weller (2005, p. 268)7.

Demonstra-se, a partir da interpretação da imagem, de acordo com os passos desenvolvidos por Bohnsack, a possibilidade de um elemento imagético transmitir as informações relacionadas ao habitus de uma comunidade. Segundo Weller (2005, p. 269), “[...] a análise documentária tem como objetivo a descoberta ou indicialidade dos espaços sociais de experiências conjuntivas do grupo pesquisado, a reconstrução de suas visões de mundo e do modus operandi de suas ações práticas”.

Mannheim propôs o Método Documentário de Interpretação, que consistiria na análise de objetos culturais a partir de três níveis de sentido: 1) Objetivo ou Imanente - no qual se realiza descrição detalhada do que se vê. Questiona-se “o que” compõe o artefato cultural; 2) Expressivo - indaga-se “o que” o conjunto dos elementos descritos constitui, segundo o senso comum; e 3) Documentário - interpretam-se os elementos descritos nas duas etapas anteriores com base no contexto histórico-econômico-político-cultural-social do produtor do artefato cultural, bem como do seu intérprete. Questiona-se “como” determinado produto cultural foi constituído8 (WELLER, 2005).

De acordo com Liebel (2011a), a contribuição de Imdahl para o Método Documentário figura na inserção de elementos relacionados às “teorias técnicas da arte”9. Assim, alude ao “[...] papel das cores, das linhas, das luzes e das formas na interpretação” (LIEBEL, 2011a, p. 175). Nesse sentido, não se trata apenas do “Iconológico”, voltado à “mera” representação, mas também do “Icônico” (LIEBEL, 2011a, p. 175), relacionado à composição formal da imagem a ser analisada.

Considerando que a partir das visualidades se (re)produz o sentido de determinadas visões de mundo, projetou-se uma problematização sobre qual seria a “Imagem de Justiça” presente em cursos jurídicos. A investigação que, inicialmente, focalizou a percepção dos alunos quanto a tal atributo, tomou uma proporção maior, considerados os primeiros resultados, e evoluiu para indagar também os docentes das Faculdades de Direito. Diante da adesão de cinco universidades às pesquisas, foi constituído um portfólio de desenhos produzidos por alunos e professores de cursos de Direito da região sul do País e de Angola.

A coleta dos desenhos traduz-se em um momento no qual os participantes da pesquisa têm ao seu dispor material de pintura e folha branca e são instigados a representarem sua “Imagem de Justiça”. Tendo em vista que os docentes reconhecidamente são os responsáveis pela tomada de decisões pedagógicas que materializam os processos de ensino e de aprendizagem, toma relevância observar que imagens esses docentes possuem e vinculam ao conceito de Justiça.

Especialmente para este artigo, apresentamos a interpretação de uma das imagens do portfólio de desenhos produzidos no âmbito da pesquisa. Trata-se de amostra intencional que nos auxilia a demonstrar que, no espaço educacional dos cursos jurídicos, pairam diferentes sensibilidades jurídicas que podem influenciar a constituição tanto das identidades docentes quanto discentes. Antes de procedermos à análise, cumpre destacarmos que ela se restringe aos aspectos teóricos em estudo e, de maneira alguma, buscamos produzir julgamentos de mérito a respeito do autor da imagem.

A descrição minuciosa dos aspectos visualizados nas fases do método documentário de interpretação de imagens, propostas por Bohnsack (2007), mobilizaram pelo menos três conceitos destacados inicialmente: o de sensibilidades jurídicas (GEERTZ, 1997), o de habitus (BOURDIEU, 2007) e o de normalização (FOUCAULT, 1987). Isso porque o produtor do desenho representa a Justiça no ambiente universitário a partir de uma construção social local evidente, consubstanciada no apagamento e na mescla dos sujeitos, condição que aparentemente deve ser alcançada como caminho em busca da personificação da Justiça. Nesse processo, os alunos ingressantes do Ensino Superior por meio do “ENEM” não passam ilesos, conforme sugere a Figura 1.

Fonte: Banco de Imagens do Laboratório Imagens da Justiça da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

Figura 1 Imagem da Justiça 

Salientamos que, embora o Método Documentário de Interpretação de Imagens seja bastante descritivo e complexo, aqui o abordaremos de modo mais simples e conciso devido à extensão que se permite a um trabalho desta natureza. Filiamo-nos, portanto, à postura epistêmica de Leite e Schmidt (2018), os quais apresentam a interpretação imagética entremeada à perspectiva teórica que os mobiliza, auxiliando-os a construir uma versão acerca da visão de mundo da população participante de seus estudos.

Segundo os níveis de interpretação do Método Documentário de Interpretação de Imagens, inicialmente, no nível pré-iconográfico, o intérprete deve deter-se aos aspectos mais simples da imagem. Pretende-se com isso revelar os elementos que a constituem. Liebel (2011a, p. 174) afirma que se busca “por ‘o que’ é a imagem”, respondendo a essa indagação de modo simples e direto acerca dos fenômenos que a constituem. Ainda, segundo a orientação do autor, é possível depreender que

[...] o primeiro passo seria levantar os elementos primários e naturais da imagem, ou seja, aquilo que se pode ser reconhecido na composição geral apenas a partir de nossas experiências cotidianas. Nessa fase da interpretação, o pesquisador irá descrever as linhas e cores, bem como os elementos representados em suas ‘formas naturais’, como os animais, as pessoas, o cenário e as emoções dos representados (LIEBEL, 2011b, p. 185).

Na sequência, o nível iconográfico caracteriza-se pela “atribuição de motivo”, conforme Bohnsack (2011, p. 118). Liebel (2011a, p. 174) acrescenta informando que

[...] o segundo passo, a análise iconográfica, é constituído de uma interpretação das ações e gestos que se passam na imagem de modo a encontrar um sentido geral para eles, a apreensão de sua natureza de acordo com o senso comum. [...]. A análise iconográfica abrange ainda outras interpretações estilísticas e de senso comum, como, por exemplo, o reconhecimento de símbolos e de arquétipos presentes no imaginário.

A interpretação é encerrada com a análise do nível iconológico. Nessa etapa, é possível documentar a mensagem que está sendo veiculada por meio da interpretação dos elementos imagéticos. A análise deve ser feita segundo a conjuntura em que a imagem foi concebida, bem como ter sua interpretação firmada na apresentação do intérprete e em seu tempo.

Pretendemos, aqui, estabelecer a relação que as características totais da imagem têm com o contexto em que foram produzidas, analisando inclusive aspectos como luz, cor, texturas, planos etc. Visamos contextualizar a visão de mundo que se expõe a partir da imagem, bem como a rotina ou os aspectos da sociedade em que ela se insere. A contextualização da imagem relaciona o Método Documentário diretamente às visões de mundo e/ou ao habitus dos seus produtores10.

Apresentados os níveis de interpretação do Método Documentário de Interpretação de Imagens, cumpre observarmos, a partir deles, o que pode ser depreendido do registro visual focalizado neste artigo.

4.1 Nível pré-iconográfico

O produtor da imagem utiliza praticamente toda a folha, tentando demonstrar uma sequência cronológica. Aparentemente, ele narra uma história, utilizando-se de cores variadas e símbolos gramaticais. Em que pese a solicitação da pesquisa fosse voltada à representação pessoal de Imagem da Justiça, o professor optou por reproduzir o contexto universitário, uma vez que sugere a disposição de figuras humanas sob a inscrição dos elementos textuais “ENEM”11. Parece-nos que estamos diante de alunos ingressantes no Ensino Superior na cena que inicia a sequência de três planos, apresentada pelo produtor da imagem. Tendo em vista tal indicativo, Geertz (1997) nos auxilia a compreender a possível influência do contexto universitário e dos processos formativos desenvolvidos nesse espaço, cultura local do docente, no significado da Justiça ora representado.

Naquilo que sugere a estrutura física de uma sala de aula que se transforma, pessoas sentadas estariam na presença de alguém que se dirige a elas, o professor. Apenas suas cabeças são aparentes, enquanto o que os diferencia é o formato e a cor dos cabelos. Sobre o primeiro possível elemento humano representado no desenho, incide uma seta bem marcada, exposta em sentido diagonal, quase que partindo da primeira figura humana que porta uma suposta folha.

Adiante, abaixo dessa primeira cena, ao centro da imagem, são retratadas quatro pessoas, de corpo inteiro, separadas por barras contínuas e em distintas posições. O ato de separar, indicando a posição de cada sujeito, deve ser observado. Para Foucault (1987), há, por meio de processos disciplinares, como o ato de localizar um sujeito em uma dada estrutura, o exercício de um controle específico sobre os corpos, tornando-os dóceis e úteis. Nasce aqui, para o autor, uma espécie de “anatomia política”, presente nas mais diferentes instituições, entre elas as de cunho escolar. Desse modo, o registro visual encontra tradução teórica em Foucault (1987, p. 168), para quem a disciplina, ou o ato de localizar os corpos politicamente, “[...] procede em primeiro lugar à distribuição dos indivíduos no espaço”. Conforme representou o produtor da imagem, os alunos devem, a partir dos processos disciplinares adotados no meio acadêmico, se posicionarem ou autoexcluírem de um espaço a que não pertencem naturalmente, ou ao qual não conseguiram se adequar.

Por fim, apenas uma pessoa é retratada em forma daquilo que sugere ser uma estátua.

4.2 Nível iconográfico

Há uma continuidade entre as três cenas, identificada por meio das setas sinalizadoras. A partir desses elementos visuais, no primeiro nível de interpretação, consideramos que, na primeira cena, os alunos estão dispostos em sala de aula na presença de um docente. Essa inferência foi possibilitada pela inscrição “ENEM” no topo da imagem, bem como pela posição de destaque e posse de um suporte ao qual sugere se reportar e, também, pela disposição dos demais sujeitos, dispostos em fileiras e sentados, conforme referências tradicionais de sala de aula. A figura que representaria o docente coloca a sua frente uma folha, como se estivesse comunicando aos alunos algo disposto nela (supostamente, o conhecimento considerado válido, de quem é o detentor).

Na mesma cena, os alunos e suas “diferenças” são evidenciados por meio das cores e das formas diversas de apresentação. Já, na segunda e terceira cenas, respectivamente, os alunos sofrem algum tipo de influência do contexto no qual estão inseridos até que se tornem a personificação da Justiça, representada por meio de elementos que comumente caracterizam a Deusa Têmis (uma figura feminina de olhos vendados, portando uma balança e uma espada).

Visualizamos, assim, a partir do registro visual, o ensino jurídico como a etapa de formação acadêmica segundo a qual os alunos adquirem os códigos necessários ao desempenho das funções jurídicas, o que, porventura, poderá torná-los menos diversos. Não importa se serão justos porque diversos, mas, sim, que enquadrem os fatos sociais no Direito. Os alunos, reflexo da Justiça, devem transformar os fatos em formações discursivas técnicas “encaixáveis” às formas jurídicas, aos tipos normativos vigentes, desempenhando, dessa forma, suas funções segundo uma postura estatal imparcial.

Os personagens da imagem, predominantemente insatisfeitos e infelizes, consideradas as formas pelas quais foram representadas suas feições, parecem se transformar, partindo de um ambiente de acesso. Podemos perceber que, na continuidade da narrativa, não apenas os traços felizes dos alunos vão sendo apagados, mas também suas cores e tudo aquilo que, de certa forma, os diferencia. Há uma necessidade aparente de que se transformem para que resultem justos, conforme a Deusa. Não obstante, para que permaneçam, eles devem passar por uma visível mutação. Apagam-se frente aos saberes que circulam no contexto local institucional no qual estão inseridos, fazendo emergir uma sensibilidade jurídica peculiar.

4.3 Nível iconológico

No nível iconológico, consideramos que o produtor da imagem é um professor branco que possui 23 anos de magistério. Não definiu seu eixo de atuação nas disciplinas do curso, embora solicitado, assim como não efetuou nenhum comentário a respeito de seu próprio desenho, o que, de certa forma, limita uma interpretação mais abrangente da imagem. De todo modo, o desenho suscita algumas questões centrais a quem o observa. Aparentemente, remete-nos, desde logo, à diversidade de sujeitos no mesmo espaço, particularmente vinculados ao processo atualmente utilizado para ingresso no Ensino Superior federal (ENEM). É interessante, desde logo, observarmos a demonstração da insatisfação dos sujeitos que estão no ambiente pré-acadêmico, refletidas nas feições que ostentam, com exceção de um aluno que parece representar o reflexo do professor ou uma visão de normalidade. Segundo Portocarrero (2004, p. 171), Foucault

[...] estuda a constituição, a partir do século XVIII, de saberes e práticas que ordenam as multiplicidades humanas e objetivam o sujeito, individualizando-o e homogeneizando as diferenças através da disciplina e da normalização - práticas de divisão do sujeito em seu interior e em relação aos outros. Trata-se de saberes e práticas que atingem a realidade mais concreta do indivíduo, seu corpo, e que, devido à sua estratégia de expansão por toda a população, funcionam como procedimentos abrangentes de inclusão e exclusão social, que constituem um processo de dominação com base no binômio normal e anormal.

Talvez, por isso, o aluno que se assemelha à figura do docente, esteja identificado com uma seta fortemente traçada. Os outros quatro alunos do primeiro plano ainda se distinguem do estudante antes mencionado pela cor e a representação de diversidade por meio dos vários tipos de penteados, inserindo, desde logo, um caractere de adequação e diferença no ambiente retratado. Se forem diversos, podem estar ali, todavia não aparentam felicidade.

No segundo plano da imagem, as conclusões vão seguindo a cronologia da própria representação. O autor faz questão de utilizar setas para indicar a sequência e a transformação dos sujeitos do primeiro plano. Seguindo as pistas do autor, podemos perceber que ocorre uma espécie de fusão entre os alunos. As setas indicam correspondência entre os três primeiros sujeitos do plano superior e do central. Contudo, o quarto e o quinto aluno do primeiro plano se transformam em apenas um no plano seguinte. A questão que fica é se a fusão entre os alunos é necessária ou facultada, para se adequar ao ambiente jurídico. O fato é que dos cinco indivíduos restam quatro, todos sem cor, um cansado, um indiferente, um desanimado e outro, que vem da seta referente ao aluno-reflexo do professor, parece continuar feliz, tendo, aparentemente, assumido a postura do próprio docente.

Retomamos, neste momento, a concepção foucaultiana de instituição disciplinar para inferir que a rigidez das linhas que separam as individualidades dos alunos localiza-os onde deveriam estar. Eles permanecem mantidos em seus lugares, embora advindos e destinados a um lugar comum e específico. A separação de duas mesas no primeiro plano, no entanto, é transformada em um só bloco, uma só pessoa, representando a necessidade de complementaridade entre dois sujeitos para que possam ocupar o mesmo lugar que sozinho ocupa o aluno-reflexo, ou os outros dois que perderam suas cores. Foucault (1987, p. 206), mais uma vez, nos auxilia a problematizar esse processo classificatório e homogeneizante tendo em vista que, para o autor, “[...] a divisão segundo classificações ou os graus têm um duplo papel: marcar os desvios, hierarquizar as qualidades, as competências e as aptidões; mas também castigar e recompensar. [...]. O próprio sistema de classificação vale como recompensa ou punição”.

Daí depreendermos que o sujeito se adequa e permanece no espaço ou mantém suas características constituintes e será excluído. Na sequência, continua Foucault (1987, p. 206), quanto ao duplo efeito exercido no ambiente escolar:

Duplo efeito dessa penalidade hierarquizante: distribuir os alunos segundo suas aptidões e seu comportamento, portanto segundo o uso que se poderá fazer deles quando saírem da escola; exercer sobre eles uma pressão constante, para que se submetam todos ao mesmo modelo, para que sejam obrigados todos juntos ‘à subordinação, à docilidade, à atenção nos estudos e nos exercícios, e à exata prática dos deveres e de todas as partes da disciplina’. Para que todos se pareçam.

Na continuidade da interpretação, observamos que, no último plano, emergem as questões mais inquietantes. É difícil compreender o dilema do indivíduo-resultado. Ao mesmo tempo em que ele deve lidar com os sujeitos que ocupavam lugar semelhante aos que o originaram no primeiro plano, ele precisa lidar com as concepções de Justiça daqueles que o influenciaram, do que se tornou. As setas apontam para ser ele a soma do aluno-reflexo e do híbrido que combinou dois dos indivíduos originários, justamente o estudante que usa dreads no cabelo e o estudante que possui um cabelo black power. Parece, pelos seus olhos cerrados, difícil lidar com a pluralidade de identidades e vocações, sugerindo precisar de uma balança menos desigual. A imagem da Justiça parece representar uma perspectiva ultrapassada de igualdade, baseada na normalização, não na diferença. A espada já lhe parece muito pesada, talvez aqui caiba uma lembrança aos excessos do próprio Direito.

Entre a necessidade de lidar com suas próprias origens e os dilemas impostos pela contemporaneidade, o autor evoca um símbolo tradicional da noção de Justiça: a Deusa Têmis. Tenta, dessa forma, relacionar os quatro sujeitos por meio do ideal comum de Justiça, sirva ele ou não. Resta ainda a inquietação: serviria a Justiça aos seus operadores, resultantes do aceite ao processo de normalização desenvolvido no decorrer da formação universitária, enquanto os desviantes tornar-se-iam seus possíveis alvos/clientes?! É o que inferimos a partir do jogo de setas representado no desenho!

Insta, enfim, problematizarmos os sentidos do contexto local do desenhista, com a finalidade de produzir maior aproximação com o contexto possível de interpretação da imagem. A análise descritiva da imagem visa sua decomposição, para que, posteriormente, possa ser documentada a visão de mundo reproduzida sobre o tempo-espaço de seu autor.

5 CONCLUSÃO

Inferimos que, para o produtor da imagem estudada, no contexto universitário jurídico, se apreende um particular sentido de Justiça. É na Faculdade de Direito que, a partir de um currículo supostamente neutro, há um processo de lapidação dos alunos, que desconsidera suas verdades e identidades, pretendendo a produção da imparcial e apartidária Justiça. Seria este o fim último da formação dos bacharéis e da atividade docente. Para tanto, necessária a desconsideração das diferenças, o apagamento das sutilezas, a produção da neutralidade, a emergência da imparcialidade, em prol de um Direito fortemente ancorado no paradigma positivista.

Na análise da imagem produzida pelo docente de um curso jurídico, tornou-se evidente a necessidade de voltarmos à atenção para o contexto no qual este se encontra inserido: o currículo do curso de Direito, que ainda hoje, por vezes, se inclina à valorização da atuação profissional em detrimento da qualidade da formação docente de seus professores. Em que pese a solicitação da pesquisa fosse voltada à representação pessoal de Imagem da Justiça, o professor optou claramente por reproduzir o contexto universitário, conforme pôde ser observado na leitura do registro visual, aqui reproduzida.

De acordo com a imagem, os alunos devem se transformar, lapidarem seus olhares, para que futuramente leiam a realidade segundo parâmetros pré-estabelecidos de uma Justiça institucionalizada, desconsiderando a diversidade da qual eles provêm. Perdem-se não apenas os traços distintivos dos indivíduos, mas também a possibilidade de alteridade, de interpretação da realidade, de aplicação do Direito aos casos concretos com as sensibilidades jurídicas que possuíam ao acessarem o curso. Perde, assim, a sociedade como um todo que, em pouco tempo, tenderá a contar com operadores da Justiça alheios/avessos às diferenças oriundas das demandas locais, dando maior ênfase ao que no contexto universitário foi produzido, foi transformado, foi normalizado.

O “apagamento” dos sujeitos pode expressar neutralidade, imparcialidade, tendendo a representar também o esvaziamento do interesse social. Logo, seria possível inferir que as formas jurídicas adotadas pelos estudantes normalizados venham futuramente a se afastar daquilo que importa à comunidade, tornando a Justiça institucional inacessível, se comparada às formas locais de resolução de conflitos que compreendem como verdadeiramente justas. No decorrer desse processo normalizador, produzido no interior da universidade, no caso específico da imagem analisada, a hibridização dos sujeitos sugere a possibilidade de efeitos nocivos àqueles que não se enquadram nos estereótipos tidos como aceitáveis e desejáveis, para aquele contexto.

Desse modo, compreender a perspectiva de Justiça de uma imagem produzida por um docente de um curso jurídico pode denotar a relação próxima existente entre fatores externos à academia e ao ensino lá desenvolvido. No caso analisado nesta investigação, podemos depreender, a partir de um registro visual, que há relação entre o apagamento das diferenças visando uma interpretação justa do mundo e a prática docente que pretende moldar seus alunos a esse processo, também a partir do enfraquecimento de suas “cores”.

O diverso nessa sala de Direito deve adaptar-se para tornar-se justo. Assim, os alunos seriam “emparelhados” visando um comportamento similar (reflexo) ao do educador. A normalização dos estudantes, a partir da complementaridade entre suas identidades em prol da formação de um novo sujeito que atende às exigências do contexto, produz a Justiça a partir daqueles que aderem a tal projeto, mas também evidencia o nascimento dos possíveis clientes dessa Justiça: aqueles que poderiam ser considerados os desviantes do processo formativo, aos quais custa e custará caro demais tal exclusão.

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NOTAS

1 As pesquisas tinham como objeto de estudo, respectivamente, as imagens da justiça produzidas por estudantes e por docentes de cursos de Direito investigados. A pesquisa “Imagens da Justiça, Currículo e Pedagogia Jurídica” visou analisar as imagens da justiça produzidas por estudantes ingressantes e concluintes de três cursos de Direito do sul do Brasil, como elementos de estudo para a investigação sobre o currículo e a Pedagogia Jurídica. A investigação “Imagens da Justiça, Representações Curriculares e Pedagogia Jurídica” teve por objetivo analisar imagens da Justiça de docentes que atuam em cinco cursos de Direito, quatro do sul do Brasil e um em Angola, igualmente como elementos de estudo para a investigação sobre o currículo e a pedagogia jurídica. Ambas as pesquisas foram realizadas em Faculdades de Direito de universidades públicas, tanto no país como no exterior. Os mencionados estudos foram precedidos por uma investigação anterior, que tinha como foco as imagens dos estudantes ingressantes e concluintes. Esta se concentrou em uma universidade do sul do Brasil e outra em Angola. Todos esses cursos foram reunidos no estudo realizado na pesquisa sobre as imagens docentes. A partir das referidas pesquisas, foi possível constituir um portfólio de imagens do qual foi extraído o desenho analisado neste artigo.

2 O CNPq é um dos principais órgãos de fomento à pesquisa científica, tecnológica e de inovação no Brasil.

3 Trata-se de análise voltada ao sentido atribuído à expressão pelo produtor da imagem por meio de um desenho e não necessariamente à vinculação dos autores do artigo a um conceito particular de Justiça.

4 De acordo com Rudnicki (2007, p. 63): “As faculdades de Direito passaram a existir no Brasil quando da Lei de 11 de agosto de 1827, que criou os cursos jurídicos de São Paulo e Olinda”.

5 A Nova Gestão Pública (NGP) tem provocado um conjunto de reformas no contexto da educação brasileira, assim como no âmbito internacional, inspiradas em ideias gerencialistas, no contexto do processo de globalização. Entre outras, as mudanças decorrentes enfatizam: centralidade à gestão das instituições educativas em todos os níveis; educação baseada em resultados; regulação do currículo e da cultura de instituições públicas; introdução, aplicação e controle de programas avaliativos em larga escala; padronização curricular; e regulação do financiamento da educação. Nesse sentido, sem desconsiderar os processos de tradução e recontextualização dessas políticas, entende-se que a NGP influencia na produção de uma cultura universalista de educação, tanto na Educação Superior quanto na Educação Básica.

6 As autoras indicam que os relatórios gerenciais que pautam o processo de progressão funcional dos docentes são constituídos por referenciais numéricos que estabelecem as métricas de qualidade do trabalho a partir da lógica quantitativa. Neves e Leite (2016, p. 12) indicam ainda que dados semelhantes são utilizados pelo Ministério da Educação em editais que visam o financiamento de ações de ensino, pesquisa e extensão, aliados ao “[...] desempenho dos estudantes, verificado através das avaliações nacionais e, recentemente, ainda, a própria avaliação que os estudantes fazem acerca dos professores, a qual tem sido levada em conta na progressão funcional dos docentes”.

7 Para uma discussão mais aprofundada, ver Bohnsack (2020).

8 Para aprofundamento acerca do tema, ver Mannheim (1990).

9 Ver, por exemplo, Imdhal (1997).

10 De acordo com Mitchell (2015, p. 187), “[...] as imagens querem direitos iguais ao da linguagem e não simplesmente serem transformadas em linguagem”. Nossa pesquisa observou rigorosamente as bases, os protocolos e os procedimentos previstos pela metodologia adotada. Neste artigo, entendemos importante esclarecer, ainda que sinteticamente, fundamentos e limites de nosso trabalho de interpretação, de modo a manter abertos espaços de diálogo com outros pesquisadores, cujas análises poderão eventualmente se diferenciar, tendo em conta seus respectivos contextos.

11 O ENEM é na atualidade a principal forma de acesso ao Ensino Superior.

Recebido: 11 de Maio de 2020; Aceito: 11 de Fevereiro de 2021

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