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Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.19 no.4 São Paulo out./dez 2021  Epub 12-Abr-2022

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2021v19i4p1395-1402 

Editorial

A difusão do conhecimento é indispensável para reinventar a vida social

i Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP. E-mail: anchizo@uol.com.br

ii Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP. E-mail: tresponces@gmail.com


A Revista e-Curriculum e as atividades científicas deste ano de 2021 evidenciam a urgência de compreender que a sociedade está confrontada com desafios dramáticos: a vulnerabilidade da vida e os riscos iminentes do futuro da humanidade.

A crise sanitária expôs a fragilidade de cada vida, e a busca de um crescimento financeiro a qualquer custo criou a progressiva deterioração do ecossistema, deixando o caminho aberto para a proscrição de qualquer vida futura. A progressiva extensão da desigualdade econômica e social põe a nu a gravidade do tempo presente e a precariedade dos meios indispensáveis à manutenção das vidas humanas.

Essas condições exigem um novo pacto social para assegurar a sobrevivência da humanidade e da vida na Terra. Impõem a urgência de que cada habitante assuma essa responsabilidade desde o momento presente e perante as gerações futuras, de modo a garantir um mundo em que cada um possa ter acesso aos bens necessários para viver e usufruir plenamente dos direitos historicamente conquistados, a começar pelo principal deles, o direito à vida.

É urgente a compreensão do que está se passando e é imprescindível a ação humana para construir coletivamente um mundo melhor. Aprender, saber e agir tornam-se indispensáveis e urgentes para buscar debelar os perigos iminentes e criar novos tempos mais solidários e duradouros.

O aprender, o saber e o agir, que a educação propicia, podem contribuir com as possibilidades de transformar os desafios em via mais segura de construção de um futuro que contemple os direitos conquistados pela humanidade em sua dura trajetória de lutas.

O ensino e a aprendizagem têm um papel histórico fundamental na construção da vida em sociedade. Nesse tempo atual de grandes desafios, as ciências e, sobretudo, a educação têm como possibilidade criar a virtude de imaginar novos horizontes de vida, superar os desafios, estabelecer um diálogo cooperativo e um acordo recíproco entre os membros da sociedade e, assim, inventar, coletivamente, um mundo melhor e mais promissor.

Cientes de sua responsabilidade científica e social, os autores da presente edição da Revista e-Curriculum empenharam-se na construção e difusão de um conhecimento necessário à educação nacional e indispensável para revelar possibilidades de reinventar a vida social a partir deste período dramático da humanidade.

Apresentamos, nesta Edição, um total de 19 artigos científicos inéditos, entre eles um internacional, de Aveiro - Portugal. Destes, nove artigos compõem um Dossiê Temático. Cabe lembrar que a Associação Brasileira de Currículo (ABdC) coordena anualmente um conjunto de Dossiês em Revistas Científicas da área de Educação propostos a partir de temas de importância acadêmica e social e que a Revista e-Curriculum compõe o rol das cinco revistas científicas que se integram à ABdC para dialogar e publicar esses conjuntos de artigos temáticos. As propostas de cada Dossiê Temático são feitas, conforme as normas, por duplas de professores de diferentes Universidades, que as submetem à seleção. Em parceria com o colega da PUC-MG, Prof. Dr. Teodoro Adriano Costa Zanardi, a Profa. Branca Jurema Ponce (PUC-SP) fez a submissão de uma proposta que foi contemplada para ser publicada na Revista e-Curriculum nesta edição de dezembro de 2021. “De que currículo precisamos em tempos de democracia fraturada, subtração de direitos sociais e crise sanitária de profunda gravidade?” é a pergunta feita pela proposta do Dossiê Temático publicado nesta Edição.

Na sequência serão apresentados, primeiramente, os nove artigos que compõem o Dossiê. Após, estarão os dez da demanda contínua da Revista e-Curriculum.

Artigos do Dossiê Temático: “De que currículo precisamos em tempos de democracia fraturada, subtração de direitos sociais e crise sanitária de profunda gravidade?”

O artigo “Educando à direita e as políticas educacionais neoliberais, conservadoras e fundamentalistas”, de Shahla Cardoso de Albuquerque, do Instituto Federal de Minas Gerais

- Congonhas e Teodoro Adriano Costa Zanardi, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, aborda as disputas que se colocam no campo educacional brasileiro com o avanço de uma onda conservadora, neoliberal e fundamentalista. Essas ideologias avançam sobre a educação por meio de reformas que se apresentam como neutras e comprometidas com uma suposta eficiência e qualidade.

“Pós-Pandemia no Brasil: a necessária retomada e ampliação da democracia e a construção de um porvir curricular de qualidade social” é o artigo de autoria de Branca Jurema Ponce, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e Wesley Batista Araújo, Diretor de Escola da Prefeitura de Várzea Paulista - SP. Ao chegar ao Brasil, a crise sanitária encontrou o País em situação de crise político-econômico-social e o impacto dessas crises já atingia o contexto escolar, de modo especial o da escola pública. O artigo propõe uma reflexão a partir do campo do currículo e busca mostrar a necessidade da constituição de um currículo sustentado em uma educação política democrática, que tenha como princípios: o reconhecimento e a valorização dos saberes dos sujeitos do currículo; uma formação profissional e política dos educadores, em destaque em educação em direitos humanos; e um pensamento esperançoso que vislumbre o não existente em um porvir curricular alternativo.

No artigo “Movimentos de re-existência do currículo de pedagogia: inspirações da Resolução n.º 02/2015 sobre o desejo de mudar”, Rejane de Oliveira Alves, Ronaldo Figueiredo Venas e Leila da Franca Soares, da Universidade Federal da Bahia, descrevem criticamente os princípios democráticos que balizaram a reformulação do Projeto curricular do curso de Pedagogia da Faced/UFBA. Trazem argumentações em prol da revogação da Resolução CNE/CP n.º 02/2019, tendo em vista seu caráter autoritário e arbitrário. O resultado do trabalho desencadeou um processo de atualização curricular do Projeto Político Pedagógico do curso de Pedagogia da UFBA.

O artigo “‘Tudo deve mudar para que tudo fique como está’: análise das implicações da Base Nacional Comum Curricular para a Educação em Ciências”, de autoria de Larissa Zancan Rodrigues e Adriana Mohr, da Universidade Federal de Santa Catarina, identifica e analisa as intencionalidades formativas prescritas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para as ciências da natureza. As autoras observam diferenças entre as três versões do Documento e apontam que na terceira versão há ênfase na realização de atividades investigativas que retomam perspectivas epistemológicas positivistas, além da influência da STEM Education.

“Quando os números falam mais alto: imposições, consentimentos e contestações ao reducionismo curricular”, artigo de autoria de Elisabete Búrigo, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, retoma os caminhos pelos quais políticas curriculares que atribuem centralidade à Matemática e à Língua Portuguesa são reforçadas em tempos de pandemia e como essa tendência tem sido recebida por parte da comunidade de educadores matemáticos. A autora observa que as noções de qualidade do ensino, desenvolvimento de competências e resolução de problemas são mobilizadas nos discursos oficiais com significados “deslizantes” (expressão utilizada no texto), por isso favorecem seu consentimento por parte de educadores matemáticos.

O artigo “Projeto Leituraço e descolonização do currículo: uma construção coletiva e inovadora”, de autoria de Nádia Dumara Ruiz Silveira, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e Luciene Ribeiro da Silva, da Prefeitura de São Paulo, analisa a proposta e os impactos do Projeto Leituraço como estratégia curricular da rede pública de ensino de ampliar a diversidade da literatura sobre representações da negritude. Os resultados do estudo revelam as potencialidades do Projeto em relação às possibilidades da construção de uma Educação humanizadora.

No artigo “Construindo cidadãos digitais: proposta curricular “Safeweb” para crianças e jovens em Portugal”, de autoria de Natália Pestana, de Carolina Almeida, da PROBRANCA - Portugal, e de Filipe T. Moreira e de Maria José Loureiro, da Universidade de Aveiro, apresentam-se o desenvolvimento e a validação de uma proposta curricular em Literacia Digital, no âmbito de um projeto-piloto na Branca (Portugal). O projeto SafeWeb teve como objetivo desenvolver a literacia digital de crianças e jovens entre os 6 e os 16 anos por meio de oficinas de formação extracurriculares. Como produto final, foi possível também desenvolver um Guião Orientador passível de ser aplicado em outros contextos.

“A educação brasileira em quarentena: reflexões curriculares sobre políticas pandêmicas” é um artigo a oito mãos escrito por Alessandra Andrade Cardoso, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Gustavo Diniz de Mesquita Taveira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Allan Rodrigues e Guilherme Pereira Stribel, da Universidade Estácio de Sá. O artigo realizou uma análise documental do período da pandemia que abarcou as portarias do Ministério da Educação e os pareceres do Conselho Nacional de Educação, apontando implicações percebidas nas redes federais, estaduais e municipais. O objetivo deste trabalho, segundo os autores, é fomentar discussões sobre os pontos de normatização referentes às práticas educacionais.

O artigo “Experiências do período pandêmico no Amazonas: o ensino híbrido na Seduc-AM e as narrativas docentes”, de autoria de Priscila Vasques Castro Dantas, Amanda Ramos Mustafa e Iolete Ribeiro da Silva, da Universidade Federal do Amazonas, apresenta a análise do documento “Plano de Retorno às Atividades Presenciais - ações pedagógicas, de gestão e saúde para as unidades de ensino pós-pandemia da Covid-19” e as narrativas de quatro docentes da Seduc-AM. Os resultados da análise indicaram que o currículo se movimentou em um cenário em que as atividades escolares retornaram de forma insegura e com ínfimo conhecimento dos professores sobre o Plano de Retorno, explicitando que não se podem pensar questões curriculares fora do processo histórico e das realidades socioeconômicas e políticas que as permeiam.

Artigos da Demanda Contínua:

No artigo “Avaliação em larga escala para a alfabetização e os direitos de aprendizagem em língua portuguesa: entre aproximações e distanciamentos”, Giovanna Rodrigues Cabral e Ilsa do Carmo Vieira Goulart, da Universidade Federal de Lavras, e Lenise Teixeira de Sousa, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, refletem sobre as relações entre as matrizes de referência utilizadas na Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) e os direitos de aprendizagem em Língua Portuguesa dos alunos do Ciclo Inicial de Alfabetização, com intuito de problematizar as relações estabelecidas entre eles. Tanto a ANA quanto os direitos de aprendizagem consolidaram-se no cenário nacional como eixos norteadores do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic). O estudo evidencia um alinhamento entre os direitos de aprendizagem definidos no eixo da formação continuada do Pnaic e as políticas de avaliação propostas pelo governo federal.

O artigo “Desafios e controvérsias da Base Nacional Comum Curricular: a diversidade em questão”, de autoria de Di Paula Prado Calazans, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano, de Daniela Oliveira Vidal da Silva e de Claudio Pinto Nunes, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, discute as relações estabelecidas entre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os elementos que envolvem a temática da diversidade em diferentes contextos. Conclui pelas necessidades de que a diversidade tenha maior destaque e seja aprofundada enquanto conceito na BNCC e de que seja considerada prioridade na elaboração de políticas públicas educacionais brasileiras.

Uma revolução controlada? A BNCC como política de centralização” é o nome do artigo de autoria de Altair Alberto Fávero, Junior Bufon Centenaro e Chaiane Bukowski, da Universidade de Passo Fundo. O percurso investigativo responde à questão: que lógicas curriculares são induzidas pela BNCC? Por meio da verificação de conteúdo, são analisadas matérias divulgadas entre 2017 e 2020 em sites do Ministério da Educação e de dois movimentos compostos por fundações empresariais. Evidencia-se que a BNCC é apresentada nas matérias examinadas como uma transformação democrática e inovadora para a educação, mas que reedita modelos historicamente questionados e constitui-se como uma política de centralização curricular.

O artigo “Campos de silêncio sobre questões curriculares nas escolas de fronteira bilíngue no Brasil”, de autoria de Janaina Moreira Pacheco de Souza e Luiz Antonio Gomes Senna, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, aborda regiões de fronteiras brasileiras que apresentam um grande fluxo de alunos não falantes do Português que acorrem às escolas públicas nacionais e desafiam os sistemas de ensino a buscar alternativas de inclusão. O texto discute currículo de formação de professores em contextos bilíngues e conta com contribuições da linguística aplicada sobre as noções de bilinguismo e educação bilíngue.

O artigo “Um olhar sobre propostas de educação quilombola no Brasil a partir de referenciais curriculares estaduais”, de Elivaldo Serrão Custódio, da Universidade Federal do Amapá, tem como objetivo analisar referenciais curriculares estaduais de Educação Quilombola dos diferentes sistemas de ensino do País, confrontando-os com as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN). Os resultados apontam que as diretrizes curriculares de alguns sistemas atendem, em parte, aos princípios de uma EEQ de qualidade conforme sugerido pelas DCN, no entanto têm deixado de observar parte dos fundamentos instituídos nas DCN da EEQ quando não apontam as atividades culturais, econômicas, políticas e sociais do cotidiano quilombola.

Danilo Romeu Streck, da instituição Universidade do Vale do Rio dos Sinos, escreve “Questões epistemológicas no campo da didática: entre encantamentos, esquecimentos e insurgências”, cujo objetivo é identificar e discutir nuances da relação entre epistemologia e didática com atenção especial para continuidades e rupturas evidenciadas nas últimas décadas. A primeira parte do texto analisa o estatuto epistemológico da didática a partir da Didática Magna de Comenius. Segue-se uma reflexão sobre momentos na formação do autor, como exemplo da historicidade das didáticas e das epistemologias que as orientam. O terceiro tópico identifica lugares de resistências epistemológicas na América Latina. Na síntese são apontados caminhos para a construção epistemológica na didática: o cultivo de uma atitude de humildade e vigilância, o reconhecimento da historicidade e da contextualidade das epistemologias e a necessidade de assunção de autoria epistêmica.

“O diálogo no currículo de ciências do município de SP em diferentes gestões: uma análise comparada à luz de Freire” é o título do artigo de autoria de Elis Laura Pinto Rieger Hippler e Antonio Fernando Gouvêa da Silva, da Universidade Federal de São Carlos - campus Sorocaba, que busca compreender se a concepção de diálogo presente no currículo de Ciências proposto pela SME-SP (2019) relaciona-se com a concepção utilizada na gestão de Freire na SME-SP (1989-1992). Concluiu que a categoria diálogo adotada no currículo de Ciências de 2019 associa-se a uma concepção não crítica, portanto distanciada da concepção de currículo freireana.

No artigo “Pesquisa com os cotidianos: um extrato dialógico no curso de Pedagogia”, Ester Maria Figueiredo Souza e Marlene Moreira Xavier, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, interpretam, a partir de narrativas docentes do curso de Pedagogia no interior do componente Currículo e Programas, a mobilização do enunciado cotidiano como índice discursivo da formação. A análise dos enunciados apoia-se nos estudos nos/dos/com os cotidianos, apostando na confluência da Análise Dialógica do Discurso (BRAIT, 2006; 2012) com os conceitos de estratégias e táticas (CERTAU, 1996; 2003). Os resultados colaboram para assentar a compreensão de que a noção de dialogia e os conceitos cotidianistas potencializam os conhecimentos criados nas redes dos sujeitos praticantes da escola.

“Atividade Física Adaptada nos currículos dos cursos de Educação Eísica das universidades públicas nordestinas” é o nome do artigo de autoria de Renato Vitor da Silva Tavares e Neiza de Lourdes Frederico Fumes, da Universidade Federal de Alagoas. Aponta que, em vista da incipiência de estudos relacionados à inclusão de conteúdos sobre Atividade Física Adaptada (AFA) na formação inicial em Educação Física, e buscando construir um panorama sobre o tema nesses currículos, objetivou analisar as disciplinas de AFA nos Projetos Pedagógicos dos Cursos de Educação Física das universidades públicas nordestinas. Encontrou 43 disciplinas específicas sobre AFA, com 11 cursos ofertando mais de uma disciplina. Observou uma evolução no quantitativo de disciplinas, a qual ainda pode ser considerada insuficiente para a necessidade desse tema, que deve estar presente em todo o currículo.

O artigo “Concepção de tecnologia: levantamento, análise e possíveis implicações no projeto pedagógico institucional da UTFPR”, de autoria de Mayara Cristina Pereira Yamanoe e José Bento Suart Júnior, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, analisa a concepção de Tecnologia apresentada no Projeto Pedagógico Institucional da UTFPR. Verificou-se um hibridismo teórico, considerando as concepções tradicional, crítica e sociológica, marcado pela coexistência de defesas epistemologicamente inconciliáveis.

Com a convicção de que a difusão do conhecimento - de modo especial a do conhecimento democrático e democratizante - é indispensável para reinventar a vida social de modo a torná-la justa, deseja-se às/aos leitoras/es uma excelente leitura.

dezembro de 2021

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