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Revista e-Curriculum

On-line version ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.19 no.4 São Paulo Oct./Dec 2021  Epub Apr 12, 2022

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2021v19i4p1542-1566 

Dossiê: De que currículo precisamos em tempos de democracia fraturada

Projeto Leituraço e descolonização do currículo:uma construção coletiva e inovadora

Leituraço Project and decolonization of the curriculum:a collective and innovative construction

Proyecto Lecturazo y descolonización del currículum:una construcción colectiva e innovadora

Nádia Dumara Ruiz SILVEIRAi 
http://orcid.org/0000-0003-4900-9607

Luciene Ribeiro da SILVAii 
http://orcid.org/0000-0002-2687-5943

i Doutorado em Ciências Sociais (USP). Professora titular do Departamento de Fundamentos, Políticas e Gestão da Educação da Faculdade de Educação (PUC-SP). Docente e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo (PUC-SP). E-mail: ndrs@pucsp.br ndrs@uol.com.br - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0003-4900-9607.

ii Mestrado em Educação: Currículo (PUC-SP). Graduação em Geografia e Pedagogia. Professora da rede de ensino municipal de São Paulo. Docente do Ensino Fundamental I e II. E-mail: lucienelucida@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-2687-5943.


Resumo

Considerando a invisibilidade da população negra no currículo escolar, este artigo pauta-se em pesquisa realizada com objetivo de analisar a proposta e os impactos do Projeto Leituraço como estratégia curricular da rede pública de ensino visando ampliar a diversidade da literatura sobre representações da negritude. O referencial teórico tem como conceitos básicos: educação, cultura afrodescendente e currículo. A metodologia qualitativa incluiu análise documental e entrevistas com professores. O Projeto Leituraço caracteriza-se como estratégia inovadora de ressignificação do currículo hegemônico ao incluir, nas Salas de Leitura, livros com personagens negros e temas não abordados em livros clássicos. Os resultados do estudo revelaram as potencialidades do Projeto aderentes à concepção de Educação humanizadora, no enfrentamento de desafios à sua continuidade e consolidação.

Palavras-chave: Projeto Leituraço; Representações da negritude; Diversidade literária; Inovação curricular

Abstract

Taking the invisibility of the black population in the school curriculum in consideration, this article is based on research carried out with the objective of analyse the proposal and the impacts of the Leituraço Project as a curricular strategy in the public school system, aiming to expand the diversity of literature on representations of blackness. The theoretical referential has as basic concepts: education, afro-descendant culture and curriculum. The qualitative methodology included document analysis and interviews with teachers. The Leituraço Project is an innovative strategy to give new meaning to the hegemonic curriculum by including, in the Reading Rooms, books with black people characters and themes not dealt with in classic books. The results of the study revealed the Project's potentialities in harmony with the concept of humanizing education, in facing the challenges to its continuity and consolidation.

Keywords: Leituraço project; Representations of blackness; Literary diversity; Curriculum innovation

Resumen

Considerando la invisibilidad de la población negra en el currículum escolar, este artículo se basa en una investigación realizada con el objetivo de analizar la propuesta e impactos del Proyecto Lecturazo como estrategia curricular para el sistema educativo público, con la finalidad de ampliar la diversidad de la literatura sobre las representaciones de la negritud. El marco teórico tiene como conceptos básicos: educación, cultura afrodescendiente y currículum. La metodología cualitativa incluyó análisis de documentos y entrevistas con profesores. El Proyecto Lecturazo se caracteriza por ser una estrategia innovadora para reinterpretar el currículum hegemónico al incluir, en las Salas de Lectura, libros con personajes negros y temas que no abordan los libros clásicos. Los resultados del estudio revelaron el potencial del Proyecto apegándose al concepto de humanización de la educación, para enfrentar desafíos para su continuidad y consolidación.

Palabras clave: Proyecto Lecturazo; Representaciones de la negritud; Diversidad de la literatura; innovación del currículum

1 INTRODUÇÃO

O “Projeto Leituraço" foi criado para que alunos da rede municipal de ensino tenham acesso à cultura africana por meio de leitura literária de textos disponibilizados pela imprensa da Prefeitura do Município de São Paulo, disponíveis on-line. O Projeto teve início em 2014 no Dia da Consciência Negra e é concebido como uma estratégia de inovação curricular, uma vez que a Lei 10.639/03 não deliberou a inclusão de estudos sobre a cultura e história africana e afrodescendente na matriz vigente.

A implementação do Projeto resultou na alteração do acervo bibliográfico das Salas de Leitura do Ensino Fundamental das escolas municipais que passaram a disponibilizar uma diversidade de livros com histórias contendo personagens negros e outros temas não abordados nos livros clássicos. Essa iniciativa ressignifica o currículo, por meio de um projeto que motiva novas formas de relacionamento, além de contribuir para a formação da identidade das crianças, fortalecer a autoidentificação e construção de formas de convivência saudáveis no ambiente escolar, bem como para além dos muros da escola.

Diante desse contexto, situa-se o objetivo dos estudos que resultaram neste artigo: analisar a proposta e os impactos do Projeto Leituraço como estratégia curricular implantada na rede de ensino municipal a fim de ampliar a diversidade da literatura infantil focada nas representações da negritude, além de identificar a visão de professores participantes do Projeto.

A metodologia adotada é de abordagem qualitativa, dada sua adequação para analisar o significado das mudanças ocorridas no fazer pedagógico e na postura dos professores em sua participação no Projeto, considerando os objetivos da pesquisa. Dentre os procedimentos metodológicos utilizados, situa-se a análise documental aplicada a documentos identificadores de políticas públicas, incluindo, em especial a Lei 10.639/03, a Lei 9394/96 e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs).

A pesquisa de campo foi realizada por meio de questionário elaborado a partir dos objetivos previstos, incluindo questões formalizadas em roteiro semiestruturado. O questionário foi aplicado individualmente, tendo como sujeitos seis professores de Ensino Fundamental, sendo estes docentes envolvidos no Projeto Leituraço realizado em uma escola pública do município de São Paulo. Os depoimentos que compõem os resultados das análises são incluídos de modo a preservar a identidade dos sujeitos participantes os quais foram identificados com nomes de conhecidos escritores brasileiros, como inserido em resultados das análises apresentadas posteriormente neste artigo, no subtítulo pertinente.

As argumentações expostas e explicitações introdutórias constituem-se indicadores das abordagens sequenciais que se identificam pelas temáticas que se remetem aos conteúdos desenvolvidos e justificam o objetivo do estudo exposto neste artigo: “Currículo escolar e hegemonia do conhecimento”; “Literatura negra na escola para jovens de comunidade periférica”; “Projeto Leituraço e inovação curricular” e “Reflexões estimuladoras de inovações contínuas”.

2 CURRÍCULO ESCOLAR E HEGEMONIA DO CONHECIMENTO

Destaca-se, inicialmente, a concepção de que o direito à educação é entendido como um direito inalienável que se articula com a formação e o desenvolvimento humano por meio do processo de reconhecimento e validação de múltiplos saberes, em particular aqueles resultantes do processo histórico de diferentes comunidades.

Esse pressuposto implica a definição de paradigmas curriculares, o que não ocorre de forma simplificada, uma vez que as dinâmicas desse campo conceitual envolvem disputas, pois o território curricular é passível de contradições, críticas, legitimação e sequenciamento, o que se insere nas reflexões de autores como Apple (2006).

Estudos realizados em diferentes áreas de investigação revelam que o saber é hierarquizado e que há conhecimentos mais valorizados socialmente. Em decorrência do histórico de colonização da sociedade brasileira, o conhecimento escolar sofreu influência desse processo. O pesquisador Luigi (2015, p. 39), em sua explanação sobre a tensão que envolve a efetivação da lei que insere o ensino de história da África no currículo escolar, ressalta:

[...] o questionamento sobre o “currículo do poder” diz respeito ao conhecimento em si. Esta tendência não reconhece o conhecimento como algo passivo e neutro, algo cujo valor é intrínseco [...]. O conhecimento, por sua forma e conteúdo, pode contribuir para afirmar hierarquias, reproduzir estereótipos, disseminar subjetividades imbricadas politicamente.

O currículo escolar, no Brasil, foi construído a partir de um processo de arquitetura que privilegia um discurso de superioridade europeia e inferioridade das demais culturas e histórias dos povos que compõem a sociedade brasileira. Esse desenho curricular contempla princípios da colonização curricular com a qual professores e alunos têm contato durante o processo de formação escolar. Segundo Paiva (1979, p. 5-6), essa realidade se expressa ao admitir que “[...] negando as qualidades da população local, o colonizador desumaniza o colonizado, mutila-o psicologicamente, fazendo-o aceitar como naturais a condição de exploração” (apud GADOTTI, 2012, p. 93).

Sendo assim, por meio da educação, é possível colonizar a mente quando o discurso escolar, pautado numa visão eurocentrista, perpetua preconceitos e ignorância em relação a fatos históricos reais. Essa construção curricular ocasionou profundo impacto na maneira como enxergamos a história, como valorizamos nossos antepassados e como nos identificamos na contemporaneidade. Como afirma Ivor Goodson (1998, p. 10): “Nessa perspectiva, o currículo deve ser visto não apenas como a expressão ou a representação ou o reflexo de interesses sociais determinados, mas também como produzindo identidades e subjetividades sociais determinadas”.

Coloca-se, portanto, como um grande desafio à crítica ao currículo hegemônico e a construção de uma arquitetura curricular a reparação dos equívocos dominantes do passado e delimitação de uma forma de intervenção social, visto que todo currículo traz consigo o recorte e seleção de determinadas culturas.

[...] as narrativas contidas no currículo trazem embutidas noções sobre quais grupos sociais podem representar a si e aos outros e quais grupos sociais podem apenas ser representados ou até mesmo serem totalmente excluídos de qualquer representação. Elas, além disso, representam os diferentes grupos sociais de forma diferente: enquanto as formas de vida e a cultura de alguns grupos são valorizadas e instituídas como cânone, as de outros são desvalorizadas e proscritas. Assim, as narrativas do currículo contam histórias que fixam noções particulares de gênero, raça, classe - noções que acabam também nos fixando em posições muito particulares ao longo desses eixos (de autoridade) (SILVA, 1995, p. 195 apudGOMES, 2007, p. 24).

O panorama anteriormente delineado nos possibilita refletir e nos instiga a investigarmos sobre a questão da hegemonia do conhecimento que impera ao longo da história na educação brasileira, interferindo na formulação de políticas e delimitação de parâmetros curriculares. Por meio de uma análise crítica, é possível perceber que o currículo envolve uma seleção político-ideológica de conhecimentos e se dá por meio de construções de conhecimentos e práticas que se edificam em contextos escolares.

Ressalta-se a articulação do fazer curricular com a questão do multiculturalismo, apontando caminhos para a escola promover reflexões sobre como são concebidas as diferenças e a inserção dos direitos humanos no currículo. Constitui-se princípio básico, que o currículo assegure o direito de acesso às culturas que os alunos devem conhecer, além da interpretação do sistema simbólico que as diferentes culturas trazem consigo e sua influência na formação de atitudes.

Outro aspecto que merece destaque é de que os alunos sofrem influência do currículo escolar na sua formação, considerando, também, que a cultura perpassa as questões sobre conhecimento e aprendizagem dos valores sociais. Sendo o currículo o espaço e tempo em que se dá a seleção de assuntos a serem tratados na escola, é neste âmbito que se faz a seleção de valores culturais a serem legitimados no fazer pedagógico e inseridos na formação de cidadãos.

O currículo deve valorizar a diversidade cultural, o que implica o conhecimento das diversas culturas, em contraposição à hegemonia cultural, contemplando valores civilizatórios diversos que contribuem para a formação integral dos seres humanos.

O conceito de hegemonia refere-se a um processo no qual, grupos dominantes da sociedade se juntam, formando um bloco, e impõe sua liderança sobre grupos subordinados. Um dos elementos mais importantes que essa ideia implica é o de que o bloco do poder não tem de se basear em coerção (APPLE, 2001, p. 43).

O posicionamento em favor de práticas pedagógicas que partam do ponto de vista de que a escola deva trabalhar com o conceito de cultura universal deve ser questionado, uma vez que esse é um discurso excludente, visto que a história de nossa educação nos mostra que as escolhas sob essa ótica foram sempre pautadas em culturas de sociedades ocidentais e brancas, evidenciando uma linha eurocêntrica das construções curriculares.

Nota-se que grupos descendentes de europeus, historicamente determinaram, por meio de discursos e meios simbólicos, as culturas consideradas válidas e prestigiáveis. Em seu livro que relata práticas pedagógicas em diversidade, Richard Miskolci (2010, p. 21) afirma: “A crença numa cultura universal simplificava ambas as tarefas. A escolarização consistia na principal porta de acesso à cultura da humanidade”.

O desafio da escola, diante da valorização da diversidade, está em desenvolver um trabalho pedagógico por meio de princípios éticos, o que implica não hierarquizar as diferenças, não subestimar grupos sociais por sua forma de organização ou de suas produções culturais. Deve-se entender que cada grupo social é singular e único no seu significado histórico, pois esses grupos perpassam os modos de viver e interferem diretamente na subjetividade individual e social, subjetividade esta que baliza a formação da identidade.

A identidade do indivíduo não é inata, ela passa por um processo de edificação e se constrói a partir da validação do outro sobre si. “Ao discutir a diversidade cultural, não podemos nos esquecer de pontuar que ela se dá lado a lado com a construção de processos identitários” (GOMES, 2007, p. 22).

A arquitetura curricular escolar deve se reportar ao protagonismo dos grupos minoritários e, assim, viabilizar a elevação da autoestima desses grupos, valorizar suas produções e ser promotora de emancipação. Caso contrário, se coloca a serviço da manutenção das desigualdades sociais e causa aprisionamentos, fixando os sujeitos em lugares estereotipados.

Um dos primeiros passos para formalizar a introdução da temática racial com intuito de revelar a participação do africano e do afrodescendente nos currículos escolares se deu com a introdução da Educação das Relações Étnico-Raciais nos livros didáticos, inserida nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Constou dessa orientação a indicação de alguns temas e subtemas, para compor o conteúdo programático da disciplina de geografia no ensino médio, o que significou uma mudança perceptível. No mesmo documento publicado pelo MEC, foram incluídas “questões econômicas e os problemas geopolíticos do mundo em transformação” (BRASIL, 1998, p. 67).

Os PCNs se compõem de um conjunto de parâmetros norteadores da educação brasileira, dentre os quais se destaca a concepção de nortear as questões pedagógicas no que tange à Pluralidade Cultural. O documento visa atender a especificidade de um país composto por diversos povos, de grande extensão territorial e que abriga diferentes modos de viver, dentre eles o africano.

O estudo histórico do continente africano, com sua complexidade milenar, é de extrema relevância como fator de informação e de formação voltada para a valorização dos descendentes daqueles povos. Significa resgatar a história mais ampla, na qual os processos de mercantilização da escravidão foram um momento, que não pode ser amplificado a ponto que se perca a rica construção histórica da África (BRASIL, 1998, p. 29).

Posteriormente ao lançamento dos PCNs, a Lei nº 9.394/96 foi alterada, incluindo-se o disposto no Artigo 26-A: “Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira”. Esse artigo foi incluído pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003 que trouxe um novo avanço no tocante às relações raciais no currículo escolar.

Segundo a Resolução nº 1, de 17 de junho de 2004, em seu artigo 2º, outra diretriz de caráter legislativo traz, mais uma vez, as questões referentes aos grupos afro-brasileiros e africanos a fim de legitimar a característica multicultural da sociedade brasileira:

Art. 2° As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africanas constituem-se de orientações, princípios e fundamentos para o planejamento, execução e avaliação da Educação, e têm por meta, promover a educação de cidadãos atuantes e conscientes no seio da sociedade multicultural e pluriétnica do Brasil, buscando relações étnico-sociais positivas, rumo à construção de nação democrática (BRASIL, 2004, p. 31).

Em livro organizado por Kabengele Munanga, considerado referência nas questões de história e cultura da África, destaca-se a importância da abrangência dos estudos da história dos negros, dada sua pertinência à história e cultura da humanidade, como expõe o autor.

O resgate da memória coletiva e da história da comunidade negra não interessa apenas aos alunos de ascendência negra. Interessa também aos alunos de outras ascendências étnicas, principalmente branca, pois ao receber uma educação envenenada pelos preconceitos, eles também tiveram suas estruturas psíquicas afetadas. Além disso, essa memória não pertence somente aos negros. Ela pertence a todos, tendo em vista que a cultura da qual nos alimentamos quotidianamente é fruto de todos os segmentos étnicos [...] (MUNANGA, 2005, p. 16).

A contextualização abordada demonstra instigações historicamente situadas, apontando indicadores de possibilidades para a desconstrução da hegemonia do conhecimento e possibilidades de ressignificação do currículo escolar, o que justifica refletirmos sobre o acesso à literatura aderente à temática em questão ao focalizarmos o Projeto Leituraço e seus significados para a descolonização do currículo.

3 LITERATURA NEGRA NA ESCOLA PARA JOVENS DE COMUNIDADE PERIFÉRICA

A inserção da literatura na convivência social deve ser considerada como uma estratégia de abertura para participação de encontros e vivência da alteridade, pois proporciona o contato com diferentes realidades. A prática constante do contato intercultural por meio da literatura pode desenvolver no leitor a capacidade de compreender os diferentes modos de ser e de viver.

A literatura de caráter intercultural, que promove o encontro com outras culturas, necessita estar atrelada a uma prática de mediação que viabilize o diálogo, de modo que o mediador, no caso o professor, estimule o leitor e o convide à escuta e inserção literária em outros mundos, o que permite a construção de novos conhecimentos.

Os professores, ao elaborar atividades de leituras mediadas, são responsáveis por práticas que possibilitem compor novos saberes acerca dos povos, como as populações negras e, dessa forma, podem ressignificar espaços que permitam conhecer diferentes culturas, histórias e relações sociais. O encontro, por meio da literatura, contribui para uma formação discente voltada à recepção do outro, ao entendimento e valorização da heterogeneidade.

A leitura de produções literárias, que concebem o negro como sujeito ativo, traz consigo um caráter inspirador que pode desencadear, em seus receptores, o orgulho de pertencer a uma sociedade multicultural, formada com a contribuição de diferentes povos, ampliando os horizontes de uma narrativa eurocêntrica que necessita ser revista.

Repare, então, que até bem pouco tempo, a ascendência africana estava invisível ou desqualificada, sem pudor, para os jovens. E isto era absolutamente natural. A mensagem que leva à percepção dos mundos é, ao mesmo tempo, instauradora de hierarquias reais. E foi o desnudamento das representações imbuídas de racismos semânticos o que nutriu as lutas por equidade civil de diferentes segmentos sociais (LIMA, 2018, p. 34).

As narrativas literárias, a serem compartilhadas com os estudantes, podem contribuir tanto para a formação pessoal de alunos que se identificam com os personagens negros quanto com para os que se sentem pertencentes a outros grupos. A roda de leitura desencadeia a possibilidade de descobertas e percepções positivas sobre si e sobre o outro, num processo dialógico de reconhecimento da diferença.

Os elementos que compõem as narrativas acabam por povoar a imaginação das crianças e jovens. A formação dos professores para realização deste trabalho proporciona uma nova visão sobre o outro, e entre os professores uma aproximação com as lutas e resistências, considerando os componentes culturais afro-brasileiros aos quais eles não tiveram contato em sua formação inicial.

Ter uma boa relação social e pessoal com o outro exige, dos sujeitos, uma abertura ao diferente, a disponibilidade para o diálogo, viver momentos para trocas e interações. Percebe-se que a roda de leitura ou a mediação de texto literário são momentos em que a prática da escuta e da abertura à empatia ocorre de forma diferenciada.

Antes da elaboração e sanção da lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da História e Cultura Africana na educação brasileira, os livros didáticos estereotipavam o Continente Africano, veiculando textos e imagens que induziam o entendimento da África como um continente repleto de matas, um paraíso da vida selvagem, habitantes negros não organizados socialmente, tribos selvagens nada amistosas, indivíduos incapazes de se defenderem frente a uma exploração e/ou intervenção agressiva do homem branco. Reitera-se ainda que:

No caso brasileiro, repertórios africanos ficaram bastante desconhecidos, verdadeiros tabus evitados de qualquer forma. Resultado, o padrão africano ficou bastante restrito em espessura humana. [...] Tal como a África das mídias contemporâneas, prevalece a dor, o sofrimento, a passividade, inferioridade política entre outras imagens. Deste modo, o comparativo com os demais mundos é uma premissa mantenedora de hierarquias para o imaginário no recorte das origens continentais. O problema não está em existir a representação contemplada, e sim na insistência em não ampliá-la. O lugar onde as figuras nessa origem são posicionadas marcam percepções acerca da realidade (LIMA, 2018, p. 37).

A esse cenário era acrescentada a identificação com a total miséria e inexistência de centros urbanos. Esses ensinamentos ficaram em nosso subconsciente e, ainda hoje, os brasileiros admitem que as vilas e cidades africanas são locais desprovidos de qualquer infraestrutura e desenvolvimento social e cultural. Diferente deste cenário, as grandes cidades de países africanos são providas de acesso à tecnologia, bem como possuem diferenças de infraestrutura de acordo com a camada social.

Essa percepção, que resulta em omissão e invisibilidade sobre a tecnologia moderna produzida em solo africano, se expressa quando resgatamos a nossa memória sobre imagens que retratam o cotidiano africano que permeia nosso imaginário, muitas vezes, construído por meio de conteúdos equivocados, transmitidos na escola.

Quando produções veiculadas nas escolas brasileiras evidenciam a sociedade africana no contexto urbano com produção estratégica e tecnológica perceptível aos olhos ocidentais, esse território é inserido no livro didático como um território descolado do continente africano.

Com relação ao negro em território brasileiro, a história sobre a reprodução de estereótipos inferiorizando os sujeitos afrodescendentes permitiu que ficassem ocultas as verdadeiras contribuições políticas, históricas e culturais produzidas e alicerçadas pelas comunidades afrodescendentes, as quais pertenciam aqueles que foram escravizados no Brasil. Essa realidade desencadeou uma série de implicações negativas no que concerne às relações étnico-raciais no Brasil.

As associações para a identidade africana e afro-brasileira oferecidas ao leitor em questão estavam quase absolutamente restritas à chave emocional da dor e sofrimentos. Posicionados no passado e com a marca de perdedores sociais, eram os elementos mais assíduos. As respostas editoriais teriam que vir em duas direções (LIMA, 2018, p. 32).

A mudança do imaginário brasileiro é estimulada a partir da deliberação da Lei 10.639/03 em contraponto ao fato da escola ter reproduzido uma história de inferioridade e invisibilidade dos negros por meio de livros didáticos, escolha de brinquedos e textos literários. “O Brasil, a partir da sua história de colonização, nunca obteve uma identidade autêntica, uma pluralidade de identidades construídas por diferentes grupos sociais em diferentes momentos históricos” (ORTIZ, 2003, p. 166).

Os problemas indicados que sustentam esse tipo de reprodução estão presentes nas concepções e definições curriculares. Neste sentido, localiza-se com frequência questões expostas por Moura (2005, p. 68), segundo o qual, “[...] as escolas adotam um currículo que encobre e/ou máscara os principais objetivos do ensino e aprendizagem”.

Diante do exposto, considera-se a necessidade de incorporar nos currículos das escolas, práticas e metodologias que possibilitem a construção de um sentimento de identificação, que resgate a história dos negros, sua herança africana e sua importância na formação da sociedade brasileira. A pesquisadora Glória Moura reflete de modo condizente sobre o currículo escolar e o processo de inclusão e valorização das diversas culturas nas práticas escolares:

Considero um desafio desenvolver, na escola, novos espaços pedagógicos que propiciem a valorização das múltiplas identidades que integram a identidade do povo brasileiro, por meio de um currículo que leve o aluno a conhecer suas origens e a se reconhecer como brasileiro (MOURA, 2005, p. 69).

Corroboramos dessa concepção, pois não é possível aceitar que se propague nos livros didáticos a ideia de que a história dos negros teve início na escravidão, que as únicas imagens veiculadas em material didático ou paradidático sejam do negro como escravo ou em atividades sem prestígio, bem como a ausência de informações sobre a importância do negro no ciclo econômico do Brasil.

O professor deve ser capacitado para reconhecer e reinterpretar equívocos contidos nos livros em afirmações como as de que os africanos foram trazidos para substituir a mão de obra indígena, o que caracteriza um equívoco, pois o correto seria afirmar que os africanos foram capturados e obrigados a viverem em outras terras de modo involuntário.

4 PROJETO LEITURAÇO E INOVAÇÃO CURRICULAR

O Projeto Leituraço, objeto deste estudo, foi idealizado e realizado em uma escola de Educação Básica da rede de ensino municipal da cidade de São Paulo e visa promover as literaturas não hegemônicas, como as africanas, afro-brasileiras, indígenas e a chamada literatura marginal, por meio de formações e aquisição de acervo bibliográfico. A efetivação do Projeto envolve uma parceria entre o Núcleo Técnico de Currículo (NTC), a Sala e Espaço de Leitura (SAEL) e o Núcleo de Educação Étnico-Racial (NEER), refletindo um desejável movimento de intersetorialidade.

Ao reproduzir as palavras da professora Cristiane Santana Silva, educadora do Núcleo de Educação Étnico-Racial (NEER), podemos ressaltar que o projeto foi pensado como uma ação afirmativa que busca reparar lacunas educacionais que culminaram em uma dívida histórica em relação à visibilidade positiva da população negra:

Se partirmos do pressuposto de que a literatura, como constructo ideológico é responsável pela difusão e, muitas vezes, pela legitimação das imagens que veicula, a uma significativa parcela da produção literária brasileira podemos atribuir parte da responsabilidade por uma série de estereótipos acerca da população afro-brasileira e indígena (SILVA, 2005, p. 31).

Nesse sentido, são delineados os objetivos do Leituraço: aproximar narrativas e personagens das literaturas não hegemônicas para que fortaleçam a desconstrução de estereótipos e contribuam com a construção de imagens positivas sobre as populações africanas, afro-brasileira, indígena, imigrante e periférica além de valorizar e promover a autoria dessas populações, priorizando seu próprio discurso no lugar do discurso sobre elas.

Por indicação dos núcleos responsáveis, o Leituraço é realizado no mês de novembro em toda a Rede Municipal de Educação com sessões simultâneas de leitura. No ano de 2014, a Secretaria Municipal de Educação adquiriu mais de 40.000 (quarenta mil) livros e em 2015 esse acervo foi ampliado para 79.000 (setenta e nove mil) livros, distribuídos a todas as unidades de Educação Infantil e do Ensino Fundamental e Médio, além do Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (CIEJAs) e bibliotecas dos Centros Educacionais Unificados (CEUs).

Levando em consideração o princípio de formar cidadãos conscientes, críticos e emancipados, o Projeto Leituraço reconhece a heterogeneidade da comunidade escolar que, com as demandas específicas no tocante à convivência, se beneficia por meio da valorização das singularidades de cada cidadão.

Do ponto de vista de uma educação voltada para a melhoria da convivência, torna-se imprescindível uma prática educativa que considere a possibilidade de desenvolver estudos sobre relações étnico-raciais. Essa proposição implica respeitar as pessoas exatamente como elas são, valorizando a diversidade humana em todos os seus aspectos como primeiro passo para a construção de uma sociedade mais humana no tocante a uma convivência de respeito.

Conhecendo e considerando a trajetória histórica de cada povo, será possível reconhecer especificidades, o que implicará na abertura de espaços para que nossas diferenças também sejam respeitadas. Repensar a convivência nas relações étnico-raciais é necessário para o ambiente escolar, onde está presente a pluralidade de ideias e trajetórias a serem compartilhadas pelo diálogo e resolução de conflitos de forma a prevenir ações intolerantes e discriminatórias.

Proporcionando o encontro com o outro e qualificando uma convivência que integre, além dos alunos, os professores e funcionários, o Projeto Leituraço possibilita uma aprendizagem que permite a todos os sujeitos envolvidos o exercício para intensificação das intervenções na realidade social das escolas onde são presenciados conflitos causados por preconceitos.

Ao refletirmos sobre a contribuição do Projeto Leituraço para a ampliação da visão identitária do aluno e do professor, concluímos que o currículo não é neutro como nenhum ato educativo o é. Esta concepção implica a identificação de que a formação dos professores é influenciada por discursos ideologicamente selecionados, ao privilegiar saberes, representatividades, histórias e narrativas provindas de determinadas culturas.

Nesse contexto, considera-se imprescindível conhecer as características do desenvolvimento da nação brasileira nas dimensões socioculturais, dentre outras, como meio para construir progressivamente a noção de identidade nacional. Torna-se necessário, também, reconhecer o sentimento de pertencimento a um país que possui diferentes formas de expressão e características identitárias, para que possamos compreender a riqueza da diferença e, assim, identificarmos as múltiplas nacionalidades e suas interfaces. Neste sentido, o Projeto Leituraço dá voz a personagens antes silenciados e invisibilizados.

Ao ter contato com personagens que se assemelham com seus amigos, seus vizinhos, seus familiares, assim como ao ouvir histórias que se aproximam de suas vivências e parecem descrever o seu cotidiano, os agentes da comunidade escolar desenvolvem reflexões sobre o valor da sua atuação como sujeito de transformação.

Encontrar sua humanidade em um personagem que sofre, sorri, batalha, ama e é amado desencadeia o conhecimento de si mesmo e o sentimento de confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com perseverança na busca de conhecimento e no exercício da cidadania de todas as raças e etnias. Apresentar e representar a humanidade de cada grupo também é tarefa para a efetiva construção de uma educação democrática, inclusiva e que se engaja em contribuir para o desenvolvimento ético, afetivo e psicossocial dos cidadãos.

Por meio da literatura construída com personagens que se assemelham as suas particularidades físicas, os alunos podem se reconhecer nas histórias, melhorando a autoestima e o conceito que têm sobre sua própria imagem, passando a se amar mais, a valorizar-se e contemplar seu corpo como um elemento merecedor de cuidados.

O Projeto Leituraço coloca-se a serviço de uma educação para os direitos humanos e para a descolonização do saber, proporciona aos professores e alunos o desenvolvimento, de habilidades e atitudes que favorecem a construção de uma sociedade com cidadãos mais conscientes sobre seu papel nas relações com os diferentes e, sobretudo que seja mais igualitária nos espaços sociais.

O Projeto abre espaço para se pensar a cidadania como participação social e política, assim como, o pleno exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito. Atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, preconceitos, racismo, xenofobia são construídas nessa vivência.

Nessa conjuntura, busca-se ampliar o conceito de inclusão e de diversidade que antes, pedagogicamente, era usado apenas no âmbito de inclusão de pessoas com deficiência e hoje se estende ao contexto social de pessoas em condições diferenciadas. Com base nessa premissa, torna-se desafiadora a busca da equidade de vivências, além da possibilidade de acesso e permanência desses grupos historicamente invisibilizados nas escolas.

Os idealizadores do Projeto escolheram a semana do dia 20 de novembro, como data representativa para mobilização da comunidade escolar em torno das atividades de leitura simultânea. Esta data foi escolhida por ser sinônima de autoafirmação da população afrodescendente em razão da homenagem a Zumbi dos Palmares, dada sua importância.

Para possibilitar transformação das relações entre negros e não negros, promover uma educação que vise reconhecimento da diversidade cultural e da promoção de boas práticas no tocante às relações étnico-raciais, é imprescindível estudarmos a forma como foi introjetada a imagem de uma África atrasada, pobre e de cultura inferior. Um discurso pessimista em relação à África que contribuiu para o preconceito generalizado acerca do continente e sobre os povos dele descendentes.

Encontramos nas Diretrizes Curriculares Nacionais conteúdos que se reportam a possibilidade de promover a prática inclusiva nas escolas de modo a ressignificar nossa visão estigmatizada da realidade africana por meio de estudos histórico-culturais.

O ensino de História e Cultura Africana se fará por diferentes meios, inclusive a realização de projetos de diferente natureza, no decorrer do ano letivo, com vistas à divulgação e estudo da participação dos africanos e de seus descendentes na diáspora, em episódios da história mundial, na construção econômica, social e cultural das nações do continente africano e da diáspora, destacando-se a atuação de negros em diferentes áreas do conhecimento, de atuação profissional, de criação tecnológica e artística, de luta social (BRASIL, 2004, p. 22-3).

O Projeto Leituraço atende à relevante demanda de superar a visão arquitetada de forma a diminuir a importância dos povos africanos e afrodescendentes, visão incutida na sociedade e que historicamente prevaleceu com o intuito de argumentar sobre uma possível superioridade dos povos de origem europeia.

Essa nova compreensão sobre a magnitude dos povos não europeus, a igualdade da humanidade e a capacidade de construção desse novo olhar, só é possível ser concretizada a partir de uma nova narrativa histórica que contemple a diversidade contida no continente, incluindo sua contemporaneidade, o que foi por muitos anos velado nos programas escolares.

Deve-se reconhecer que a nação brasileira, composta majoritariamente por afrodescendentes, não conhece a realidade africana, sendo que este conhecimento está reservado, ainda, aos afro-brasileiros de movimentos negros, povos de terreiro e intelectuais interessados na causa. Esta realidade chama a atenção para importância de uma educação para as relações étnico-raciais, que deve ser parte da política vigente a fim de apresentar a verdade sobre a África, romper com estereótipos e possibilitar à população um conhecimento real sobre a história da humanidade.

Por meio do Projeto Leituraço, alunos, funcionários e professores em contato com a literatura que valorize o ser negro como sujeito atuante na sociedade, detentor de beleza e direitos, podem vivenciar um momento privilegiado para repensar as suas relações sociais, ampliar seus conhecimentos. O Projeto permite, também, o desenvolvimento do poder de argumentação para que todos possam posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo e a literatura como formas de compreender as possibilidades de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas.

Levando em consideração as características e contexto do Projeto Leituraço, que integra a participação de vários professores, abraçamos a oportunidade de conhecer a visão pedagógica do corpo docente sobre os resultados dessa experiência. A importância de ouvir os professores remete à possibilidade de enriquecer o processo educativo, ao oportunizar sua avaliação, o que deve viabilizar a participação democrática frente à implementação de um projeto escolar.

Os resultados das análises dos dados coletados pautaram-se na definição de categorias assim delimitadas: Conhecimento dos professores sobre a Lei 10.639/03 e percepções sobre sua aplicação no fazer pedagógico; Influência do Projeto Leituraço na prática educativa e nas relações interpessoais; Repercussões do Projeto Leituraço e contribuições para a prática escolar.

Cabe reforçar que para manter preservadas as identidades dos seis entrevistados foram definidos, simbolicamente, nomes de autores brasileiros para a identificação dos mesmos. A pesquisa envolveu professores de identidades raciais variadas, uma vez que se entende que todos os evolvidos no processo educativo são responsáveis pelo aprendizado das relações étnico-raciais e pela formação integral dos educandos.

Quanto ao conhecimento sobre a Lei 10.639/03, referente ao estudo da história e cultura afro e africana e as percepções sobre sua aplicação no fazer pedagógico, constatou-se que todos os entrevistados conhecem a referida Lei, sendo que dois a dominam completamente. Esses dados se mostram otimistas, uma vez que o conhecimento sobre a Lei é um dos passos primordiais para que os professores tenham ciência de suas responsabilidades em relação à aplicabilidade de suas deliberações.

Os professores relataram que a aplicação da Lei se revela presente na escola, sendo que a maioria percebe a manifestação de ações pontuais e outros consideram que a Lei está integrada às rotinas e planos dos professores. Essa constatação mostra a possibilidade de avanços em relação a como os professores estão se formando e atuando para uma educação que inclua conhecimentos relacionados à população africana e afrodescendente e suas contribuições para a história da cultura do povo brasileiro. Silva defende a expansão da abordagem desse tema, sendo inserido gradativamente no Currículo:

[...] por sua importância, esse tema, bem como os demais temas transversais, tornar-se-ão constituintes dos currículos e possibilitarão em breve a participação de todos na tarefa de promover o amor a si e ao próximo, estamos dando e apontando os primeiros passos (SILVA, 2005, p. 34).

A interpretação da percepção dos professores sobre as influências da aplicação do Projeto Leituraço, bem como da aplicação da Lei 10.639/03, na prática educativa e nas relações interpessoais revelaram que a escola é um microcosmo, onde as desigualdades, que herdamos na sociedade, são identificadas.

Quanto aos depoimentos sobre a influência do Projeto Leituraço na prática educativa e nas relações interpessoais, considerando como se deu o contato dos alunos e professores e sobre os temas relacionados à história do negro no Brasil e na África, destacam-se alguns dos depoimentos selecionados com as identificações simbólicas:

Trabalho com a diversidade e respeito (Cecília Meireles).

Por se tratar do ensino da História das Civilizações Africanas nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, suas ações, são de grande valia para erradicar o nosso desconhecimento nesse assunto de grande importância a discriminação racial no Brasil é responsável por parte significativa das desigualdades entre negros e brancos, mas, também, das desigualdades sociais em geral. Faz-se necessário entender que a desigualdade racial no Brasil resulta da combinação de diversos fenômenos complexos, tais como o racismo, o preconceito, a discriminação racial (Maria Firmino dos Santos).

Desconstruir o preconceito étnico-racial no âmbito do espaço escolar bem como na sociedade (Carolina Maria de Jesus).

Muito importante (Machado de Assis)

A importância do reconhecimento da própria cultura (Clarice Lispector).

Valorização da história, cultura africana e afro-brasileira. Reparação do apagamento destas dos currículos e empoderamento do povo brasileiro a quem foi negado conhecer sua história (Cora Coralina).

Os relatos revelam que alguns entrevistados demonstraram maior conhecimento sobre o tema pela expansão do depoimento, outros são concisos em suas respostas, o que pode significar que não estão suficientemente familiarizados com a proposta ou com o Projeto, embora todos expressem a sua qualidade.

O conjunto de respostas encontradas nesse quesito mostra um avanço em relação à percepção dos professores sobre a importância da aplicação da Lei 10.639/03 nas escolas. Uma das entrevistadas se reporta à construção e permanência dos fenômenos excludentes que envolvem a história do negro ao longo da história do Brasil e aponta a complexidade como característica dos fenômenos focalizados, considerando a possibilidade da inserção da Lei na educação escolar:

Faz-se necessário entender que a desigualdade racial no Brasil resulta da combinação de diversos fenômenos complexos, tais como o racismo, o preconceito, a discriminação racial . (Maria Firmino dos Santos).

Sobre a influência do Projeto no comportamento dos participantes, as respostas também são afirmativas, apontando para questões como a estratégia que motivou o envolvimento dos professores e a influência no reconhecimento da cultura africana e afro-brasileira, o que implica no sentido de reconhecimento e valorização da prática.

O projeto é muito bom e tem uma influência muito positiva para as crianças, principalmente as crianças negras que passam a se reconhecer e se valorizar ao identificarem semelhanças com as personagens dos contos (Clarice Lispector).

Conhecer através da literatura africana, afro-brasileira e indígena, novas histórias que vão além das costumeiramente trabalhadas que são as europeias. Rompendo com a história única eurocêntrica (Cora Coralina).

Os relatos acima se apresentam em concordância com explicitações encontradas nos estudos de Gomes em relação ao engajamento dos professores na promoção de aulas e projetos que se debruçam sobre a questão étnico-racial:

[...] tenho notado que, aos poucos, vem crescendo o número de educadores(as) que desejam dar um tratamento pedagógico à questão racial. Esse movimento tem impulsionado a escola brasileira a pensar sobre a necessidade de se criar estratégias de combate ao racismo na escola e de valorização da população negra na educação (GOMES, 2005, p. 147).

Os estudos sobre o continente africano, relativos à história de contribuição dos negros para a formação da sociedade brasileira e à devida apresentação da população negra como agentes sociais ativos é uma reparação que deve ser realizada na escola como contribuição a toda a sociedade, ampliando seu sentido cultural, para além de um olhar eurocêntrico.

Diante dessa expectativa, releva-se a importância do conhecimento das visões dos professores sobre a repercussão do Projeto e suas contribuições, associadas às dificuldades encontradas durante a sua aplicação, dentre elas a percepção da importância do Projeto Leituraço e incompatibilidades quanto à sua implementação, numa visão construtiva voltada à necessidade de aperfeiçoamento para enriquecimento da prática escolar.

O projeto colabora quando propõe o estudo e o conhecimento da história é cultura Africana, promovendo ações afirmativas para que adolescentes e crianças consigam identificar- se com heróis e heroínas, com pessoas que realizaram grandes feitos e que são negras, africanas como a grande maioria de nossos alunos (Maria Firmino dos Santos).

Através da literatura valores demos um mundo de grandes riquezas culturais (Carolina Maria de Jesus).

O projeto contribui muito para a imaginação, a fantasia e o próprio conhecimento das crianças, além de influenciar na formação de condutas e autoestima das mesmas. Acredito que poderia ter formação para os professores sobre o assunto (Clarice Lispector).

O apoio à continuidade do Projeto Leituraço é visível por parte dos professores, que percebem sua importância em relação à formação para enriquecer as relações étnico-raciais, bem como para a formação diferenciada do aluno leitor, aguçando sua participação por meio de uma dinâmica curricular inovadora.

Os docentes apontam, ainda, caminhos que podem aprimorar a aplicabilidade do Projeto, sugerindo que a frequência nas atividades seja intensificada, o que permitiria criar uma cultura escolar em que ações que incorporam a Lei 10.639/03 sejam rotineiras e mais vivenciadas pela comunidade ao longo do período letivo.

Ressalta-se, também, a importância da ampliação da formação, envolvendo todos os profissionais da comunidade escolar, o que permitiria que a participação efetiva não ficasse restrita aos professores, como aponta o relato a seguir: “[...] necessário que haja formações de hábito obrigatório a todas as pessoas relacionadas com o ambiente educacional não apenas gestores e professores” (Maria Firmino dos Santos).

No “Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Etnicorraciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana” a questão da formação dos profissionais da educação é citada como um dos passos para assegurar a implementação da Lei:

Criar e consolidar agendas propositivas junto aos diversos atores do Plano Nacional para disseminar as Leis 10639/03 e 11645/08, junto a gestores e técnicos, no âmbito federal e nas gestões educacionais estaduais e municipais, garantindo condições adequadas para seu pleno desenvolvimento como política de Estado (BRASIL, 2004, p. 28).

A contribuição para a autoestima dos envolvidos é apontada em estudo realizado por Silva (2005), ao ressaltar que trabalhar com a representatividade por meio dos livros é uma prática propiciadora de novas aprendizagens sobre as diferenças:

Identificar e corrigir a ideologia vigente, ensinar que a diferença pode ser bela, que a diversidade é enriquecedora e não é sinônimo de desigualdade, é um dos passos para a reconstrução da auto-estima, do auto-conceito, da cidadania e da abertura para o acolhimento dos valores das diversas culturas presentes na sociedade (SILVA, 2005, p. 31).

Considerando as respostas de um número representativo de profissionais entrevistados, podemos concluir que o Projeto Leituraço é reconhecido na sua importância por contribuir para a formação cidadã dos sujeitos da comunidade escolar, cuja continuidade poderá ser fortalecida por meio da qualificação da formação dos professores sobre a temática relativa à realidade étnico-racial.

Os relatos são importantes para que futuramente a unidade escolar possa promover adaptações na sua prática em consonância com as demandas da comunidade escolar, mudanças e exigências da realidade social, por meio de um acompanhamento competente e de uma constante avaliação do desenvolvimento de suas ações.

Pode-se perceber, por meio das respostas dos sujeitos da pesquisa, a importância do estudo prévio sobre o significado da Lei 10.639/03, tendo em vista que o entendimento da lei pelos professores permitiu o avanço de sua aplicação no currículo escolar. A implementação da lei nas práticas escolares é proporcional ao número de professores que a conhecem e sua importância para a formação do sujeito e melhoria de suas relações interpessoais.

A partir dos relatos dos professores que participaram desse processo coletivo de implementação do Projeto Leituraço, será possível, por meio de avaliação coletiva e críticas, gerar um aperfeiçoamento de políticas de ações afirmativas e enriquecimento de projetos bem-sucedidos como o Projeto Leituraço.

5 REFLEXÕES ESTIMULADORAS DE INOVAÇÕES CONTÍNUAS

Considera-se, de modo geral, a relevância da possibilidade da socialização irrestrita de conhecimentos científicos na qual coloca-se a intenção deste artigo ao apresentar os resultados da pesquisa que teve como objeto de estudos o Projeto Leituraço, e seu desenvolvimento em uma comunidade escolar, revelando os significados de sua implementação no tocante à inovação curricular sobre estudos relativos à cultura e história afro-brasileira.

Destaca-se, também, o diferencial das reflexões desenvolvidas, tendo em vista a necessidade de priorizar a descolonização do currículo na contraposição às desigualdades e não garantia dos direitos humanos, o que exige protagonismos decorrentes de construções coletivas e inovadoras, em especial, frente aos desafios impostos pelo contexto pandêmico que afeta todas as instituições, em particular as escolas que necessitam ressignificar suas políticas e práticas, reafirmando projetos humanizadores que promovam a educação emancipadora e libertadora.

As análises realizadas permitem afirmar que o Projeto Leituraço é referência de uma prática escolar estimuladora de reflexões que promovem a desnaturalização das condições de invisibilidade da população negra no currículo escolar. Essa argumentação impulsionou que se dissertasse sobre a iniciativa do Projeto, bem como sobre suas repercussões. Idealizado por meio de uma política pública municipal, o Projeto Leituraço teve seu êxito alcançado com a participação dos agentes do processo educativo que se destacaram por seu envolvimento na efetivação de suas proposições.

As investigações realizadas visam contribuir para a construção de novos conhecimentos acerca da realidade das relações étnico-raciais, sob o recorte de um projeto literário de ação afirmativa, o que intensifica a credibilidade nas possibilidades de inovações curriculares e aprendizagens significativas.

O mapeamento das percepções e representações de profissionais sobre o Projeto Leituraço, vivenciado na escola, evidenciou a importância da contribuição para o desenvolvimento das políticas de equidade e inclusão, na área da educação, voltadas à valorização da diversidade humana. Os resultados denunciam a necessidade de práticas emancipatórias, que assegurem os direitos de formação cidadã e digna a todas as crianças e jovens, respeitando suas realidades culturais, econômicas, de gênero e étnico-raciais, dentre outras, valorizando a concepção de uma educação escolar humanizadora.

Ressalta-se a efetivação do propósito de demonstrar que existem práticas educacionais inovadoras possíveis de serem concretizadas, por meio de projetos bem-sucedidos voltados à promoção de formação para as relações étnico-raciais. Essas práticas podem e devem compor o cotidiano do trabalho docente, com apoio e sustentação da formação continuada dos profissionais acerca das questões que envolvem a diversidade, a inclusão e os direitos humanos. Destaca-se que a formação profissional e o envolvimento dos professores e demais profissionais são condições primordiais para uma educação de qualidade, voltada a sua função social, sobretudo no momento em que vivemos.

O Projeto Leituraço se revela uma estratégia bem-sucedida no tocante à descolonização do currículo, um marco na implantação da Lei 10.639/03 que, na percepção dos professores, está sendo colocada em prática e, por meio do avanço das mobilizações dessas práticas e engajamento de gestores, docentes e discentes, poderá transformar e redimensionar o trabalho pedagógico.

Cabe reafirmar, em relação ao Projeto Leituraço, seu potencial efetivo de permitir a identificação da influência da cultura africana, desde a infância das crianças brasileiras, nas histórias contadas, cantigas, brincadeiras e notar que essa presença marca nossas crenças e valores.

O Projeto se constitui ainda em estratégia efetiva de colocar o negro como protagonista de sua própria história, uma vez que os autores definidos como referência, em sua maioria também são afrodescendentes ou africanos, e seus textos oportunizam que as histórias, poesias e contos sejam escritos a partir de uma perspectiva de vivência afro referenciada.

Em relação à ampliação da consciência histórica da formação do povo brasileiro, o Projeto também se mostra como meio efetivo de oportunizar o diálogo sobre os desvelamentos de preconceitos e estereótipos relacionados à história do Brasil, desafios para construir formas diferenciadas de ressignificar concepções de práticas educacionais, cuidando do redimensionamento e qualificação do processo de formação de todos os segmentos envolvidos nas ações educativas escolares.

Considera-se que o principal mérito do Projeto Leituraço é o de mobilizar a comunidade escolar no intuito de efetivar a prática e o movimento em direção a se privilegiar a literatura de temática afro-brasileira e africana na perspectiva de atender a demanda atual e permanente, contextualizada neste estudo. Em perspectiva ampliada, esta demanda tem como missão expandir e aprimorar o repertório cultural de todos a fim de proporcionar a construção de uma ação educativa libertadora no âmbito da Educação Básica, por meio da literatura.

Cabe ressaltar que a pesquisa na qual se pauta este artigo foi realizada em um contexto anterior às restrições impostas pela pandemia de Covid-19. Por ser o Projeto Leituraço, originariamente, uma atividade de natureza interativa e presencial, suas atividades que preveem intensa participação em grupos se viram interrompidas diante da necessidade de distanciamento.

No contexto atual, vivemos a busca de alternativas para que o Projeto continue, efetivamente, presente na dinâmica escolar envolvendo, de modo condizente aos seus propósitos, o uso de recursos tecnológicos, tais como conferências, comunicação dialogada a distância e reprodução de histórias por meio de vídeos. Coloca-se concomitantemente o desafio da retomada das atividades presenciais da educação escolar em sistema de redução de número de pessoas presentes no mesmo espaço, o que coloca a necessidade de o Projeto Leituraço atender especificidades das demandas sanitárias vigentes, no esforço persistente de manter o vigor das suas potencialidades aderentes à concepção de uma Educação humanizadora e democrática.

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Recebido: 10 de Outubro de 2021; Aceito: 29 de Novembro de 2021

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