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Revista e-Curriculum

On-line version ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.19 no.4 São Paulo Oct./Dec 2021  Epub Apr 12, 2022

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2021v19i4p1627-1649 

Artigos

Avaliação em larga escala para a alfabetização e os direitos de aprendizagem em língua portuguesa:entre aproximações e distanciamentos

Large-scale evaluation for literacy and learning rights in portuguese language:between approaches and distancing

Evaluación a gran escala de alfabetización y derechos de aprendizaje en lengua portugués:entre enfoques y distancias

Giovanna Rodrigues CABRALi 
http://orcid.org/0000-0002-4780-516X

Ilsa do Carmo Vieira GOULARTii 
http://orcid.org/0000-0002-9469-2962

Lenise Teixeira de SOUSAiii 
http://orcid.org/0000-0001-5938-8933

i Doutora em Educação. Professora do Departamento de Educação e do Programa de pós-graduação em Educação, da Universidade Federal de Lavras. Coordenadora adjunta do “Núcleo de Estudos em linguagens, Leitura e Escrita”. E-mail: giovanna.cabral@ufla.br - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-4780-516X.

ii Doutora em Educação. Professora do Departamento de Educação e do Programa de pós-graduação em Educação, da Universidade Federal de Lavras. Coordenadora do “Núcleo de Estudos em linguagens, Leitura e Escrita”. E-mail: ilsa.goulart@ufla.br - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-9469-2962.

iii Doutora em Educação. Professora da Prefeitura Municipal de Juiz de Fora/Minas Gerais. Pesquisadora do Grupo de estudo, pesquisa e extensão em Gestão e Políticas Públicas para Educação - GEPPEDUC da Universidade Federal de Lavras. E-mail: lenise_sousa@yahoo.com.br - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0001-5938-8933.


Resumo

Neste artigo, busca-se refletir sobre as relações entre as matrizes de referência utilizadas na Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) e os direitos de aprendizagem em Língua Portuguesa dos alunos do Ciclo Inicial de Alfabetização, com intuito de problematizar as relações estabelecidas entre eles. Tanto a ANA, quanto os direitos de aprendizagem consolidaram-se no cenário nacional como eixos norteadores do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic). Para tanto, desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa, de análise documental, com ênfase em aspectos descritivos e reflexivos de documentos oficiais relacionados aos eixos norteadores do Pnaic. O estudo evidenciou um alinhamento entre os direitos de aprendizagem definidos no eixo da formação continuada do Pnaic e as políticas de avaliação propostas pelo governo federal.

Palavras-chave: Avaliação; Alfabetização; Direitos de aprendizagem; Língua Portuguesa

Abstract

This article seeks to reflect on the relationships between the reference matrices used in the National Literacy Assessment (ANA) and the learning rights in Portuguese language of students in the Initial Literacy Cycle, in order to problematize the relationships established between them. Both ANA and learning rights were consolidated on the national scene as guiding principles of the National Pact for Literacy at the Right Age (Pnaic). For that, a qualitative research was developed, of documentary analysis, with emphasis on descriptive and reflective aspects of official documents related to the guiding axes of the Pnaic. The study showed an alignment between the learning rights defined in the Pnaic continuing education axis and the evaluation policies proposed by the federal government.

Keywords: Evaluation, Literacy; Learning rights; Portuguese language

Resumen

Este artículo busca reflexionar sobre las relaciones entre las matrices de referencia utilizadas en la Evaluación Nacional de Alfabetización (ANA) y los derechos de aprendizaje en lengua portuguesa de los estudiantes del Ciclo Inicial de Alfabetización, con el fin de problematizar las relaciones que se establecen entre ellos. Tanto ANA como los derechos de aprendizaje se consolidaron en el escenario nacional como principios rectores del Pacto Nacional por la Alfabetización en la Edad Correcta (Pnaic). Para ello, se desarrolló una investigación cualitativa, de análisis documental, con énfasis en aspectos descriptivos y reflexivos de los documentos oficiales relacionados con los ejes rectores del Pnaic. El estudio mostró una alineación entre los derechos de aprendizaje definidos en el eje de educación continua del Pnaic y las políticas de evaluación propuestas por el gobierno federal.

Palabras clave: Evaluación; Literatura; Derechos de aprendizaje; Lengua Portuguesa

1 INTRODUÇÃO

No âmbito das ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) (BRASIL, 2007) que visam, prioritariamente, à promoção de uma Educação Básica de qualidade para todo o país, um dos pontos de mudança refere-se à avaliação da educação básica, ao estabelecer o enlace entre resultados, financiamento e gestão, introduzindo, consequentemente, o conceito de responsabilização. A competitividade entre países tem levado os governos a se preocuparem cada vez mais com os resultados dos seus sistemas educacionais. Ao mesmo tempo, o volume de recursos destinados à educação suscita questões relativas à eficácia dos investimentos nesse setor e impõe uma aferição cada vez mais detalhada da qualidade da educação oferecida (ANDERSON, 2005).

Até 2005, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) era realizado, a cada dois anos, por uma parcela dos alunos da rede pública. Essa configuração, apesar de oferecer uma visão geral do sistema, não permitia aos municípios e escolas um retrato específico do rendimento de seus alunos. A partir de 2005, acontece a reformulação do Saeb, com a criação da Anresc (Prova Brasil) como uma avaliação censitária, nas áreas de Língua Portuguesa e Matemática, para todos os alunos da quarta e oitava séries das redes públicas urbana e rural, atualmente, 5º e 9º anos. Assim, os dados que antes eram amostrais passaram a ser divulgados por rede de ensino e escola, levando a um maior acompanhamento por parte dos professores, pais e sociedade, em geral, dos resultados obtidos. Se, por um lado, a Prova Brasil revelou boas práticas que estavam sendo feitas nas escolas para um melhor aprendizado dos alunos, por outro lado, revelou, também, desigualdades educacionais, muitas vezes, em um mesmo sistema de ensino (BRASIL, 2007)

Com os resultados desiguais “revelados” pela Prova Brasil, outro problema que ganhou evidência no horizonte educacional foram os índices não satisfatórios obtidos pelos alunos em Língua Portuguesa ao final do 5º ano de escolaridade, refletindo um processo de alfabetização e letramento que não garantia a aquisição de competências básicas para esses alunos. Esse problema demandou atenção e acompanhamento, tanto por parte das políticas públicas quanto das instituições educacionais.

A alfabetização precária de crianças foi apontada por vários especialistas (SOARES, 1998; CAMPELO, 2002; CARVALHO, 2005; SAVIANI, 2007; SAMPAIO, 2008; KRAMER, 2010) como uma das questões cruciais a serem enfrentadas para melhorar a qualidade da educação, sobretudo porque dificuldades em leitura, escrita e matemática tendem a se agravar ao longo da vida escolar, o que induz às taxas futuras de repetência e evasão. Dessa situação, merecem destaque os programas de formação de professores alfabetizadores como estratégia para qualificação dos processos de ensino e de aprendizagem nos anos iniciais do Ensino Fundamental, momento em que se destaca o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic).

Essa é uma enorme perda social (referindo-se a repetência e a evasão), sobretudo para as crianças oriundas de lares com menor desenvolvimento socioeconômico. É nesse contexto que nasce o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa do Governo Federal, destinado a beneficiar oito milhões de alunos matriculados nos três primeiros anos do Ensino Fundamental (GOMES, 2013, p. 5).

O referido programa foi instituído pelo Governo Federal, em 2012, por intermédio do Ministério da Educação (MEC), como uma das ações do PDE, e teve como finalidade garantir a alfabetização plena de crianças até oito anos de idade em todo o território brasileiro, atendendo assim ao elencado no inciso II, do art. 2º do Decreto 6094/2007, que destaca as diretrizes do Compromisso Todos pela Educação. Essa diretriz esteve alinhada com a meta cinco do Plano Nacional da Educação (PNE) (BRASIL, 2014-2024), qual fosse alfabetizar todos os alunos até o final do terceiro ano do Ensino Fundamental.

Discorrendo sobre o Pnaic, destaca-se que esse programa apresentou quatro eixos norteadores: a) formação continuada de professores alfabetizadores: eixo a partir do qual a Educação passa a ser abordada de uma forma mais sistêmica, considerando que o professor está no coletivo, discutindo temas, como os direitos de aprendizagem, a avaliação, o planejamento, o uso dos materiais que chegam às escolas, e todos esses temas, ações e suas repercussões estão voltados para a melhoria da qualidade da alfabetização; b) avaliação da alfabetização: consiste no monitoramento do desempenho dos alunos ao final do bloco pedagógico; c) materiais didáticos e pedagógicos: apresenta-se como um dos eixos estruturantes do Pnaic, a partir do qual foram distribuídos para as escolas conjuntos de materiais específicos para alfabetização, que englobam livros didáticos, obras complementares e acervos de dicionários, entregues no âmbito do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), jogos pedagógicos de apoio à alfabetização e obras de referência, de literatura e de pesquisa entregues pelo Programa Nacional da Biblioteca da Escola (PNBE), obras de apoio pedagógico aos professores e jogos e softwares de apoio à alfabetização e d) gestão, controle e mobilização social: por meio desse eixo o MEC propôs ações para o fortalecimento dos conselhos de educação, dos conselhos escolares e mobilizou outras instâncias para que se estabelecesse o compromisso social com a educação pública de qualidade.

Neste artigo serão discutidos os quadros de direitos de aprendizagem elencados para o ciclo inicial de alfabetização no âmbito do eixo da formação continuada de professores e o da avaliação da alfabetização, com vistas a compreender as relações que se estabeleceram entre o que deveriam ser ensinado e aprendido pelos professores e alunos em Língua Portuguesa e as matrizes de referências utilizadas para elaboração da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) em Língua Portuguesa. Para tanto, desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa, de análise documental, com ênfase em aspectos descritivos e reflexivos de documentos oficiais relacionados aos eixos norteadores do Pnaic.

Cumpre ressaltar que a descrição de direitos de aprendizagem foi um movimento iniciado com o Pnaic mas que se consolidou na Base Nacional Comum Curricular, sendo ampliado para a educação infantil, anos finais do ensino fundamental e ensino médio, como um conjunto de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da educação básica.

2 POLÍTICA DE AVALIAÇÃO DA ALFABETIZAÇÃO

De acordo com dados do último Censo Demográfico realizado no país (IBGE, 2010), 15,2% das crianças, aos oitos anos, não sabem ler e escrever. Se comparada por regiões, essa taxa é ainda mais elevada no Norte (27,3%) e no Nordeste (25,4%), evidenciando a necessidade de desenvolvimento de ações que tornem o processo de alfabetização mais eficiente e universal. Os dados disponíveis apontam um cenário preocupante para os primeiros anos de educação escolar no Brasil. A Prova ABC, uma avaliação amostral feita em 2011 e 2012, pelo Movimento Todos pela Educação1, em parceria com o Instituto Paulo Montenegro/Ibope e a Fundação Cesgranrio, também encontrou resultados desanimadores, segundo a apreciação de Gomes:

Ao buscar conhecer o nível de aprendizagem de crianças egressas do 3º ano do Ensino Fundamental, os resultados da Prova ABC apontaram que pouco mais da metade delas aprenderam o que era esperado em leitura e uma proporção ainda menor (43%) alcançou o desejado em Matemática. Identificaram-se também grandes disparidades nos resultados entre as regiões do País e entre as redes de ensino pública e privada (GOMES, 2013, p. 4).

Tendo em vista a situação preocupante dos baixos índices dos resultados da alfabetização no Brasil, os quatro eixos norteadores do Pnaic direcionaram-se para atender algumas urgências, como formação continuada presencial para professores, distribuição e aumento de materiais didáticos e pedagógicos voltados à alfabetização nas escolas, realização de avaliações sistemáticas e gestão, controle social e mobilização da sociedade e da comunidade escolar.

Entre as ações de acompanhamento e monitoramento do processo de formação de professores e sua repercussão diante dos processos de ensino e de aprendizagem foi implantada, ao final do 3º ano de escolaridade, uma avaliação universal, a ANA, coordenada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep), com objetivo de avaliar o nível de alfabetização alcançado pelas crianças ao final do ciclo. Segundo Horta Neto (2013, p. 184), “essa ação toma como exemplo a pesquisa, coordenada pelo Movimento Todos Pela Educação, chamada Prova ABC, aplicada em 2011 e 2012”. Assim, com a instituição do Pnaic, o MEC passa a ser responsável pela aferição dos resultados da alfabetização, por meio de exame periódico específico em Língua Portuguesa e Matemática, deixando a Prova ABC de ser realizada a partir de 2013. O movimento Todos pela Educação atribuiu destaque à Prova ABC, pois

Graças a esse instrumento de avaliação externa, foi possível, pela primeira vez no Brasil, observar o desempenho das crianças brasileiras em leitura, escrita e matemática ao fim do chamado ciclo de alfabetização, que corresponde aos três primeiros anos do Ensino Fundamental de nove anos (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2013, p. 42).

Outra avaliação ligada à alfabetização, que pode ser utilizada pelos professores para o monitoramento interno, referiu-se à Provinha Brasil, aplicada em alunos do 2º ano do Ensino Fundamental, no início e ao final do ano letivo. Como não se trata de uma avaliação externa, pode ser vista como um instrumento que oferece aos professores e gestores escolares um diagnóstico imediato do processo de aprendizagem e desenvolvimento da alfabetização dos alunos. É corrigida pelos professores da própria escola e permite um acompanhamento longitudinal da trajetória do aluno, em dois momentos distintos do ano letivo. Desse modo, visa “monitorar a alfabetização nas escolas públicas do país por meio de avaliação diagnóstica do nível de desempenho dos alunos” (ESTEBAN, 2009, p. 574). Por não integrar o Sistema de Avaliação da Educação Básica e não gerar índices que reflitam a situação de todo o sistema de ensino, a Provinha Brasil não serve para instrumentalizar políticas públicas. Os resultados são de uso interno de cada unidade escolar.

Por outro lado, a ANA integra o Sistema de Avaliação da Educação Básica, também composto pela Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e pela Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc) (Prova Brasil), com objetivo de produzir índices sobre o conhecimento dos alunos e ajudar no cumprimento das metas do Pnaic.

O sistema avaliativo da ANA é composto por dois instrumentos que acontecem concomitantemente: o primeiro refere-se a um questionário contextual voltado aos professores e gestores das escolas que atendem ao Ciclo de Alfabetização, com objetivo de coletar informações sobre as condições de infraestrutura; formação de professores; gestão da unidade escolar; organização do trabalho pedagógico, entre outras (BRASIL, 2013a). O segundo caracteriza-se pelos testes de desempenho para os alunos matriculados no 3º ano, para aferir os níveis de alfabetização e letramento em Língua Portuguesa e Matemática.

A articulação entre essas duas etapas, a dos questionários contextuais e a dos testes de desempenho, gera desafios que, de acordo com Micarello (2015, p. 73), voltam-se para o processo de divulgação e apropriação dos resultados da ANA:

[...] um primeiro desafio que se impõe ao processo de divulgação e apropriação dos resultados da Avaliação Nacional da Alfabetização é o de articular esses instrumentos - testes cognitivos e questionários contextuais - na produção de um diagnóstico que englobe esses diferentes aspectos que impactam a qualidade da educação. Esse é um desafio importante, uma vez que ainda são poucos os estudos que busquem articular os fatores contextuais ao desempenho dos estudantes, sendo essa frágil articulação um dos fatores que contribuem para uma exclusiva responsabilização dos professores pelos resultados alcançados pelos alunos.

Em 2013, a ANA foi aplicada em apenas um dia, em sua primeira edição, para todos os alunos matriculados no 3º ano de escolaridade, no entanto, cumpre ressaltar que nem todos os alunos fizeram as duas avaliações. A estratégia utilizada foi a divisão dos alunos em dois grupos, sendo que um deles realizou o teste de Língua Portuguesa (leitura e escrita) e, o outro, realizou o de Matemática.

[...] embora a avaliação tenha sido universal, por ter sido realizada por todos os estudantes brasileiros concluintes do 3º ano do ensino fundamental, no que se refere aos componentes curriculares de Língua Portuguesa e Matemática, ela assumiu um caráter amostral, uma vez que apenas metade dos estudantes realizaram testes dessas disciplinas. Isso não invalida a consistência dos resultados, considerando que a amostra de ambas as disciplinas apresentou dados representativos da realidade brasileira (MICARELLO, 2015, p. 75).

Os resultados de desempenho nas áreas avaliadas são expressos em escalas de proficiência. As escalas de Língua Portuguesa (Leitura) e de Matemática da ANA 2013 são compostas por quatro níveis progressivos e cumulativos, organizados da menor para a maior proficiência. Nessa perspectiva, “quando um percentual de alunos foi posicionado em determinado nível da escala, pode-se pressupor que, além de terem desenvolvido as habilidades referentes a este nível, provavelmente também desenvolveram as habilidades referentes aos níveis anteriores” (BRASIL, 2013a, p.1).

A escala de proficiência de Língua Portuguesa (Escrita), da mesma forma, está composta por quatro níveis e, no geral, pressupõe a progressão da aprendizagem de um nível para outro. Vale ressaltar que, conceitualmente, o processo de aquisição da escrita não ocorre em etapas lineares.

As escalas de proficiência de Leitura, Escrita e Matemática não possuem equivalência de níveis, uma vez que cada área avaliada mede competências específicas e diferentes entre si. Assim, apenas quando se interpreta os resultados em termos de proficiências (insuficientes e suficientes), a articulação entre elas é possível. Tais escalas serão melhor compreendidas quando forem objeto de análise juntamente com os direitos de aprendizagem, é o que se pretende com a discussão da seção posterior.

Na edição da ANA em 2014, modificou-se a metodologia de realização dos testes, ou seja, todo o público-alvo realizou as avaliações das duas áreas de conhecimento, em dois dias consecutivos de aplicação. Ressalta-se que a escala de proficiência em Língua Portuguesa (Escrita) teve alteração da edição de 2013 para a edição de 2014, com a adesão de mais um nível de proficiência, passando a escala a ser composta por cinco níveis. Assim, como algumas informações foram agregadas à interpretação pedagógica não é possível comparar os resultados de 2013 e 2014.

Em 2015, o governo federal suspendeu a edição da ANA sob a justificativa da necessidade de melhor analisar os resultados obtidos nas edições anteriores, no entanto, pode-se pensar que tal atitude foi originada pela necessidade de contenção de gastos na esfera federal.

No ano seguinte, foi realizada a terceira edição da ANA, nos mesmos moldes da edição anterior (2014). Tomando por base a proficiência em Língua Portuguesa (Leitura), os resultados da avaliação de 2016, divulgados pelo Inep, revelaram que 54,73% dos estudantes acima dos oito anos, faixa etária de 90% dos avaliados, permaneceram em níveis insuficientes de leitura (níveis 1 e 2). Na edição anterior, realizada em 2014, esse percentual era de 56,1%. Outros 45,2% dos estudantes avaliados obtiveram níveis satisfatórios em leitura, com desempenho nos níveis 3 (adequado) e 4 (desejável). Em 2014, esse percentual era de 43,8%. Com esse comparativo, percebe-se que os níveis de leitura em 2016 são praticamente semelhantes aos obtidos em 2014. Esse mesmo comparativo pode ser feito nas proficiências de Escrita e Matemática. Assim, concluiu-se que o desempenho dos alunos do terceiro ano do ensino fundamental matriculados nas escolas públicas permaneceu estatisticamente sem avanço na avaliação durante esse período.

A partir das análises realizadas e com o objetivo de combater a estagnação dos baixos índices registrados pela ANA, o MEC lançou, também em 2017, a Política Nacional de Alfabetização. Trata-se de um conjunto de iniciativas que envolvem a BNCC, a formação de professores, o protagonismo das redes e o PNLD. Algumas das medidas propostas no âmbito dessa Política impactam a estrutura da ANA, que a partir da próxima edição, foi aplicada para os alunos do 2º ano do ensino fundamental, ano defendido pelo governo federal para que a alfabetização seja concluída. Além disso, a existência de uma BNCC a ser seguida por todas as escolas do país, pode acarretar a necessidade da revisão de todas as matrizes das avaliações externas, já que os parâmetros de ensino ficam mais claros a partir da definição da base comum.

Dando sequência à proposta deste artigo, na próxima seção, toma-se como objeto de análise os quadros dos direitos de aprendizagem do ciclo inicial de alfabetização em Língua Portuguesa, apresentados pelo Pnaic, no âmbito do eixo de formação continuada de alfabetizadores e as matrizes de referência da ANA de leitura e escrita.

3 OS DIREITOS DE APRENDIZAGEM DOS ALUNOS E A FORMAÇÃO DO ALFABETIZADOR

No âmbito da formação de professores do Pnaic, a formação continuada de alfabetizadores caracteriza-se por ser um curso presencial, desenvolvido da mesma forma que o programa anteriormente instituído, o Pró-Letramento, com metodologia de estudos individuais e coletivos, atividades práticas e socialização de experiências.

Os encontros com os professores alfabetizadores foram conduzidos pelo Orientador de Estudo (OE), que fez um curso específico ministrado por docentes de universidades públicas.

Nos encontros presenciais, foram desenvolvidas ações que contribuíram para o debate acerca dos direitos de aprendizagem das crianças do ciclo inicial de alfabetização, para os processos de avaliação e acompanhamento da aprendizagem das crianças, para o planejamento e avaliação das situações didáticas, para o conhecimento e uso dos materiais distribuídos pelo MEC, voltados para a melhoria da qualidade da alfabetização.

Os direitos de aprendizagem foram concebidos de forma a orientar os professores quanto às metas de ensino e de aprendizagem nos diversos conteúdos escolares e são o ponto de partida para que se possa planejar o ensino nos anos iniciais da Educação Básica. Nesse sentido, Leal (2015, p. 30) reforça que “[...] é proposto que é dever da escola promover a aprendizagem de alguns conhecimentos e habilidades fundamentais, o que constitui uma defesa de currículo mínimo”.

Pode-se observar essa questão já nos objetivos do Pnaic presentes no Caderno de Apresentação (BRASIL, 2012, p. 31) “formar professores, contribuindo para que possam: [...] 2. Aprofundar a compreensão sobre o currículo nos anos iniciais do Ensino Fundamental e sobre os direitos de aprendizagem e desenvolvimento nas diferentes áreas de conhecimento.”

Na Unidade 1, do caderno de orientação de estudo, os direitos de Língua Portuguesa são apresentados por meio de quadros organizados em eixos de ensino, como, por exemplo, o primeiro deles expõe os direitos gerais de aprendizagem da Língua Portuguesa. Nos demais quadros, são detalhados conhecimentos e habilidades organizados por eixo de ensino da língua materna: Leitura; Produção de textos escritos; Oralidade; Análise Linguística (discursividade, textualidade, normatividade) e, Análise Linguística (apropriação do sistema de escrita alfabética). Os demais componentes curriculares aparecem de modo transversal nos cadernos de estudo seguidos de quadros específicos de direitos de aprendizagem relacionados a cada componente.

Na Unidade 2, por exemplo, o componente curricular História é referenciado explicitamente por meio da apresentação de quadros de direitos de aprendizagem e de reflexões sobre práticas docentes. Nos cadernos da Unidade 4 o ensino da Matemática é priorizado. Na unidade 5, Ciências e Geografia são priorizados. E na unidade 7, alguns conhecimentos curriculares da área de Arte são expostos. É evidente, nos documentos, portanto, que a alfabetização está sendo concebida em sentido amplo, agregando direitos de aprendizagem relativos à aprendizagem da leitura e da escrita, e direitos de aprendizagem relativos aos conteúdos de diferentes áreas do conhecimento (LEAL, 2015, p. 32).

Em que pese a preocupação com a possibilidade de o professor restringir o seu ensino aos direitos de aprendizagem como norteadores de sua prática, considera-se ser um avanço no fazer pedagógico do professor quando ele tenha a capacidade de fixar um objetivo de ensino (direito de aprendizagem) e construir um planejamento, selecionando atividades, sequências didáticas e formas de avaliação, para alcançá-lo. Ao fazer escolhas e opções de modo consciente em relação aos objetivos de ensino e de aprendizagem, o professor passa a ter conhecimento de qual trajetória percorrer com seu aluno para que ocorram avanços no processo de alfabetização. Nesse sentido,

Os Direitos de Aprendizagem, apresentados nos Cadernos do PNAIC de Alfabetização em Língua Portuguesa, apontam um caminho a ser percorrido, de forma a garantir que todas as crianças sejam alfabetizadas, considerando-se os diferentes conhecimentos e capacidades básicas para seu desenvolvimento pleno. Um exemplo desse trabalho seria através de um planejamento interdisciplinar, que considera os diferentes componentes curriculares, porém, articulando-os de forma significativa à vivência dos estudantes (BRASIL, 2015, p. 23).

Na citação acima, destaca-se a menção sobre o planejamento interdisciplinar, ponto que o Pnaic traz como perspectiva de trabalho, uma vez que a sua proposta não se limita a trabalhar direitos de aprendizagem de Língua Portuguesa e Matemática, avançando para disciplinas como História, Geografia, Ciências e Arte. Dessa forma, o professor pode, ao planejar suas atividades, a partir dos direitos de aprendizagem, perpassar vários componentes curriculares.

Fazenda (1995) verificou que no Brasil há uma diversidade de práticas intuitivas e projetos educacionais que se apresentam como “interdisciplinares”, no entanto não têm regras ou intenções claras e “em nome da interdisciplinaridade, rotinas estabelecidas são condenadas e abandonadas, e slogans, apelidos e hipóteses de trabalho são criados; muitas vezes eles são improvisados e mal elaborados” (FAZENDA, 1995, p. 7). Assim, apesar de constar em diferentes documentos orientadores do ensino, a interdisciplinaridade parece ainda pouco compreendida no que diz respeito ao processo de construí-la no fazer pedagógico. Refletir sobre esse tema e propor atividades que caminhem nesse sentido são contribuições que o Pnaic trouxe para a prática do professor do ciclo de alfabetização.

4 MATRIZ DE REFERÊNCIA DA ANA E DIREITOS DE APRENDIZAGEM DE LÍNGUA PORTUGUESA: APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS

Podemos constatar que alguns direitos de aprendizagem dos eixos de Língua Portuguesa, propostos no âmbito do Pnaic, estão contemplados na matriz e escala de proficiência da ANA. Para elucidar essa relação, desenvolveu-se uma pesquisa documental, com ênfase em aspectos descritivos e reflexivos de documentos oficiais relacionados ao Pnaic e a ANA.

Nesta seção, apresentam-se os quadros: “Matriz de referência de Leitura ANA - 2013; MEC/Inep”; “Quadro de direito de aprendizagem em Leitura - Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa” e “Quadro de direito de apropriação do Sistema de Escrita Alfabético - Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa”, estabelecendo algumas relações entre eles, evidenciando de que modo é possível articular conhecimentos e competências avaliados com os direitos de aprendizagem dos alunos, conforme apresentado pelo Pnaic.

Fonte: MEC/Inep, ANA-2013.

Quadro 01 Matriz de referência de Leitura ANA; MEC/Inep 

Pode-se observar que na matriz de Leitura são avaliadas desde a leitura de palavras compostas por sílabas simples, com consoante e vogal, no nível 1, passando pela habilidade de reconhecer e inferir a finalidade e o assunto tratado em diferentes gêneros textuais no nível 2, chegando, ao nível 3, com a capacidade de localizar informações explícitas em textos de diferentes gêneros, bem como identificar aspectos gramaticais relativos ao uso de pronomes e estabelecer relações lógicas entre elementos verbais e não verbais em textos. Já no nível 4, apresentam-se as habilidades mais complexas na escala, que são as relacionadas à capacidade de se fazer inferências de sentido de palavras e expressões e compreender os marcadores de diálogo, de tempo e espaço em diferentes textos.

Fonte: Brasil, Pacto Nacional pela Alfabetização na idade certa, 2012.

Quadro 02 Quadro de direito de aprendizagem em Leitura 

Foram dezenove direitos de aprendizagem elencados no quadro de leitura (Quadro 2) e quinze no quadro de análise linguística: apropriação do sistema de escrita alfabética (Quadro 3). Para facilitar o estabelecimento das relações entre a matriz de referência e os quadros de direitos, propõe-se numerar de um a dezenove os direitos do quadro de leitura e de um a quinze os da apropriação do sistema de escrita, tomando como referência a parte superior do quadro.

Fonte: Brasil, Pacto Nacional pela Alfabetização na idade certa, 2012.

Quadro 03 Quadro de direito de aprendizagem em análise linguística: apropriação do SEA 

O nível 1 da matriz (Quadro 1) por ser constituído pelas capacidades mais básicas da escala, apresenta os direitos de aprendizagem relacionados à análise linguística de apropriação do sistema de escrita (Quadro 3): “perceber que palavras diferentes variam quanto ao número, repertório e ordem de letras” (direito 8); “reconhecer que as sílabas variam quanto à sua composição” (direito 11); “perceber que as vogais estão presentes em todo as sílabas” (direito 12); “ler, ajustando a pauta sonora ao escrito” (direito 13).

O nível 2 da matriz (Quadro 1) está vinculado ao quadro 2 e abrange os seguintes direitos: “ler textos não verbais, em diferentes suportes” (direito 1); “reconhecer finalidades de textos lidos” (direito 5); “localizar informação explícita em textos de diferentes gêneros, temáticas, lidos com autonomia” (direito 8); “apreender assuntos/temas tratados em textos de diferentes gêneros, lidos com autonomia” (direito 14); “realizar inferências em textos de diferentes gêneros e temáticas, lidos com autonomia” (direito 10).

Os níveis 1 e 2 na escala de proficiência são considerados insuficientes. Ressalta-se que todos os direitos do nível 1 devem ser consolidados até o final do 1º ano de escolaridade, mesmo sendo avaliados ao final do 3º ano. E, todos os direitos do nível 2 devem ser introduzidos no 1º ano, aprofundados ao longo do ciclo e consolidados ao final do 3º ano. Ainda que estes direitos devam ser garantidos ao final do 3º ano, os resultados das avaliações mostram que mais da metade dos alunos estão nesses níveis da escala de proficiência, não sendo capazes de produzir sentido a partir do que leem.

O nível 3 (Quadro 1), considerado adequado na escala, abrange os seguintes direitos (Quadro 2): “realizar inferências em textos de diferentes gêneros e temáticas, lidos com autonomia” (direito 10); “localizar informação explícita em textos de diferentes gêneros, temáticas, lidos com autonomia” (direito 8); “estabelecer relações lógicas entre as partes de textos de diferentes gêneros e temáticas, lidos com autonomia” (direito 12); “interpretar frases e expressões em textos de diferentes gêneros e temáticas, lidos com autonomia” (direito 16); “relacionar textos verbais e não verbais, construindo sentido” (direito 18).

Já no nível 4 (Quadro 1), considerado desejável, os alunos devem ser capazes de desempenhar as capacidades mais complexas da escala e envolvem os direitos (Quadro 2): “realizar inferências em textos de diferentes gêneros e temáticas, lidos com autonomia” (direito 10); “interpretar frases e expressões em textos de diferentes gêneros e temáticas, lidos com autonomia” (direito 16); “estabelecer relações de intertextualidade entre os textos” (direito 17); “relacionar textos verbais e não verbais, construindo sentido” (direito 18).

Para avançar na reflexão, apresenta-se a matriz de proficiência em escrita da avaliação da alfabetização (Quadro 4) e os direitos de aprendizagem de produção de textos escritos (Quadro 5) e de análise linguística: discursividade, textualidade e normatividade (Quadro 6).

Fonte: MEC/Inep - ANA/2013.

Quadro 04 Matriz de referência de Escrita ANA; MEC/Inep 

Para compor essa análise, cumpre lembrar que a matriz de referência da ANA na edição de 2013 apresentava apenas quatro níveis, passando a cinco níveis nas edições posteriores. No quadro 4, encontram-se habilidades referentes à escrita ortográfica de palavras simples e à escrita de palavras complexas, no nível 1; no nível 2, a escrita ortográfica de palavras complexas, de frases e produção de textos ainda que com problemas ortográficos e de textualidade; o nível 3 abrange a escrita de texto narrativo, já com poucas inadequações de concordância e segmentação, mas ainda com problemas de textualidade; e, por fim, o nível 4, a escrita de textos narrativos com uso adequado de recursos textuais e aproximação da norma padrão da língua.

Ao tomar como referência os quadros de direitos de aprendizagem da produção de textos escritos e da análise linguística (discursividade, textualidade e normatividade), para tecer as relações com as capacidades elencadas na matriz, será adotado o mesmo procedimento de numerar os direitos nos quadros.

Fonte: Brasil, Pacto Nacional pela Alfabetização na idade certa, 2012.

Quadro 05 Quadro de direito de aprendizagem em Produção de textos escritos 

O nível 1 (Quadro 4) abrange os direitos do quadro de análise linguística: “conhecer e fazer uso das grafias de palavras com correspondências regulares diretas entre letras e fonemas” (direito 7); “conhecer e fazer uso das grafias de palavras com correspondências regulares contextuais entre letras ou grupo de letras e seu valor sonoro” (direito 8). No nível 2 (Quadro 4), os alunos devem ser capazes de: “conhecer e fazer uso das grafias de palavras com correspondências regulares contextuais entre letras ou grupo de letras e seu valor sonoro” (direito 8); e, “os relacionados ao quadro de produção de textos: produzir textos de diferentes gêneros com autonomia, atendendo a diferentes finalidades” (direito 4). Já, o nível 3 (Quadro 4) compreende os seguintes direitos: “analisar a adequação de um texto aos interlocutores e à formalidade do contexto ao qual se destina” (direito 1); “reconhecer gêneros textuais e seus contextos de produção” (direito 3); “usar adequadamente a concordância e reconhecer violações de concordância nominal e verbal” (direito 6); “pontuar o texto” (13); e com relação à produção de texto: “produzir texto de diferentes gêneros com autonomia, atendendo a diferentes finalidades” (direito 4); “organizar o texto, dividindo-o em tópicos e parágrafos” (direito 6); “pontuar o texto, favorecendo a compreensão do leitor” (direito 7). O último nível (Quadro 4) abrange todos os direitos anteriores e mais “conhecer e usar palavras ou expressões que estabelecem a coesão” (direito 4); “conhecer e usar palavras ou expressões que retomem coesivamente o que já foi escrito” (direito 5) e “gerar e organizar conteúdo textual, estruturando períodos e utilizando recursos coesivos para articular ideias e fatos” (direito 5).

Fonte: Brasil, Pacto Nacional pela Alfabetização na idade certa, 2012.

Quadro 06 Quadro de direito de aprendizagem em Análise linguística: discursividade, textualidade e normatividade 

A matriz de Língua Portuguesa (Leitura e Escrita), abrange diferentes níveis que vão desde a avaliação da leitura e escrita de palavras até a avaliação da leitura e escrita de textos, incluindo-se conhecimentos e habilidades linguísticas necessárias à proficiência na leitura e na escrita, esperadas para os anos de escolaridade do ciclo de alfabetização. Considera-se que, dentre os conhecimentos e habilidades a serem avaliados, o peso maior está nas habilidades de compreensão e escrita de textos, e não nos conhecimentos relativos ao uso das correspondências som-grafia na leitura e escrita de palavras isoladas.

A partir da relação estabelecida entre os direitos de aprendizagem que foram estudados e incorporados pelos docentes alfabetizadores em seu trabalho de sala de aula e as matrizes de Língua Portuguesa - Leitura e Escrita, percebe-se que apenas habilidades e capacidades básicas e mínimas foram aferidas na primeira edição da Ana em 2013, muito aquém daquilo que vem sendo elencado como direito de aprendizagem para os alunos do 1º ao 3º ano. Talvez isso se deva ao fato de as capacidades elencadas nas matrizes corresponderem àquelas possíveis de serem mensuradas por meio de avaliações padronizadas como a ANA, com questões de múltipla escolha (Leitura e Matemática) e, questões abertas, para aferir desempenho em Escrita. Com isso, surge a preocupação, destacada por Micarello (2015, p. 75):

[...] as matrizes não podem ser tomadas como o currículo, sendo este um dos perigos a serem evitados quando se trata de avaliações em larga escala. Outras tantas habilidades que não estão descritas nas matrizes, mas que concorrem para o desenvolvimento daquelas que ali estão, devem ser trabalhadas pelos docentes em seu cotidiano com os estudantes.

Corroborando Micarello, evidenciamos a possibilidade de estreitamento do currículo dos anos iniciais, caso essas matrizes sejam tomadas, exclusivamente, como referência para o trabalho no ciclo inicial de alfabetização, uma vez que apresentam capacidades e habilidades básicas dos eixos de Leitura, Escrita e Matemática, e desconsideram tantas outras necessárias ao pleno desenvolvimento do educando.

No âmbito da formação de professores do Pnaic, a formação continuada de alfabetizadores caracteriza-se por ser um curso presencial, desenvolvido da mesma forma que o programa anteriormente instituído, o Pró-Letramento.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considera-se que o trabalho pedagógico sugerido, por meio das ações do Pnaic, extrapolou as áreas de Língua Portuguesa e Matemática, tomando como referência o foco atribuído aos programas anteriores, e inseriu a perspectiva de um trabalho interdisciplinar com as outras áreas do conhecimento. Abordou os direitos de aprendizagem de Geografia, Ciências, História, Arte, e, ainda, priorizou cadernos específicos para a Educação do Campo e Educação Especial que contemplam a realidade de muitas escolas brasileiras.

O programa Pnaic reforçou, no âmbito das práticas de ensino no ciclo de alfabetização e das práticas formativas dos professores alfabetizadores, o conceito de aprendizagem como direito humano, colocado como base das ações desenvolvidas.

Evidenciou-se, ainda, um alinhamento entre os direitos de aprendizagem elencados nas ações formativas para alfabetizadores dentro do Pnaic e as políticas de avaliações externas voltadas para a alfabetização de crianças no país. A partir da instituição das avaliações, o Governo Federal passou a exercer função estratégica na coordenação das políticas, induzindo e controlando programas e ações. Essa difusão de uma cultura avaliativa baseou-se na expectativa de que a realização das avaliações e simples divulgação de seus resultados, por escolas e sistemas, induziria à melhoria de qualidade, tanto por meio de iniciativas autônomas dos próprios sistemas e escolas quanto como resultado de uma maior pressão da comunidade escolar.

Pensar a articulação das políticas públicas implantadas para a área de Educação permite que se avalie as ações propostas, os resultados e os seus impactos educacionais, propiciando decisões sobre manutenção das iniciativas que se mostraram efetivas e a reformulação dos aspectos restritivos ao desenvolvimento do que foi proposto. A ANA, como uma das avaliações sistêmicas do país tem proporcionado, ao permitir a construção de séries históricas de desempenho das redes de ensino, informações sobre os níveis de proficiência de Leitura e Escrita dos alunos no sentido de subsidiar novas políticas.

A articulação entre as políticas públicas educacionais demanda profunda reflexão e amplo debate sobre o que se considera qualidade da educação, pois o cumprimento de metas e elevação de índices de desempenho não expressam necessariamente uma efetiva ampliação dos conhecimentos pelos estudantes ou uma ruptura com os mecanismos de produção das desigualdades escolares.

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NOTA

1 Fundado em 2006, o Todos Pela Educação é um movimento da sociedade brasileira que congrega representantes de diferentes setores da sociedade, como gestores públicos, educadores, pais, alunos, pesquisadores, profissionais de imprensa, empresários. Tem como missão contribuir para que até 2022, ano do bicentenário da Independência do Brasil, o País assegure a todas as crianças e jovens o direito a Educação Básica de qualidade. Informações disponíveis em: http://www.todospelaeducacao.org.br/.

Recebido: 24 de Setembro de 2020; Aceito: 15 de Março de 2021

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