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Revista e-Curriculum

On-line version ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.19 no.4 São Paulo Oct./Dec 2021  Epub Apr 12, 2022

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2021v19i4p1702-1721 

Artigos

Campos de silêncio sobre questões curriculares nas escolas de fronteira bilíngue no Brasil

Fields of silence on curricular issues in bilingual-border schools in Brazil

Campos de silencio sobre cuestiones curriculares en las escuelas de frontera bilingüe en Brasil

Janaína Moreira Pacheco de SOUZAi 
http://orcid.org/0000-0002-3826-7144

Luiz Antonio Gomes SENNAii 
http://orcid.org/0000-0002-1086-8829

i Doutora em Educação (Uerj). Professora Adjunta do Departamento de Estudos Aplicados ao Ensino da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: janamoreira@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-3826-7144.

ii Doutor em Linguística Aplicada (PUC-Rio). Professor Titular da área de Linguagem do Departamento de Estudos Aplicados em Ensino e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; pesquisador bolsista da Fundação Faperj pelo Programa Cientistas do Nosso Estado; Líder do Grupo de Pesquisa Linguagem Cognição Humana e Processos Educacionais. E-mail: senna@senna.pro.br - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-1086-8829.


Resumo

As escolas em regiões de fronteira no Brasil representam um desafio à crença em uma nação monolíngue. Em tais regiões, o bilinguismo é um fato ordinário nas salas de aula da educação básica, devendo, por este motivo, ser objeto da formação docente. Este trabalho analisa a presença de línguas minoritárias na educação escolar, considerando particularmente a figura do sujeito escolar não falante do Português. Trata-se de estudo teórico que tem por objetivo caracterizar a demanda por uma escola aberta à integração da diversidade linguística e às identidades dos falantes de línguas minoritárias. O estudo divide-se em três segmentos: (i) resenha teórica; (ii) análise do perfil do cenário escolar bilíngue em, diferentes regiões do Brasil; (iii) argumentação pelo desenvolvimento de políticas linguísticas e curriculares que tratem de línguas minoritárias em contextos escolares no Brasil.

Palavras-chave: Formação de professores; Educação inclusiva; Bilinguismo; Escolas de fronteira

Abstract

Schools in border regions in Brazil represent a challenge to the belief in a monolingual nation. In such regions, bilingualism is an ordinary fact in classrooms of basic education, and should therefore figure as an object of teachers education. This paper analyzes the presence of minority languages in school education, particularly considering those that don´t speak Portuguese. This is a theoretical survey that aims to characterize the demand for a school open to the integration of linguistic diversity and to the identities of minority language speakers. The study is divided into three segments: (i) theoretical review; (ii) analysis of the profile of bilingual schools in different regions of Brazil; (iii) argumentation towards the development of linguistic and curricular policies dealing with minority languages in school contexts in Brazil.

Keywords: Teacher´s formation; Inclusive education; Bilingualism; Border schools

Resumen

Las escuelas en las regiones fronterizas de Brasil representan un desafío a la creencia en una nación monolingüe. En tales regiones, el bilingüismo figura como hecho ordinario en las aulas de educación básica y, por lo tanto, debe ser objeto de formación docente. En este trabajo se analiza la presencia de lenguas minoritarias en la educación escolar, especialmente teniendo en cuenta la figura del alumno no hablante del portugués. Se trata de una investigación teórica que busca caracterizar la demanda de una escuela abierta a la integración de la diversidad lingüística y a las identidades de los hablantes de lenguas minoritarias. El estudio se divide en tres segmentos: (i) revisión teórica; (ii) análisis del perfil del escenario de la escuela bilingüe en diferentes regiones de Brasil; iii) argumentación en favor del desarrollo de políticas lingüísticas y curriculares que se ocupen de las lenguas minoritarias en los contextos escolares de Brasil.

Palabras clave: Formación de profesores; Educación inclusiva; Bilingüismo; Escuelas de frontera

1 INTRODUÇÃO

A partir do século XX, vivenciamos uma comunicação intercultural com dimensões nunca antes vistas no mundo. A era da tecnologia propagou a possibilidade de as pessoas interagirem em tempo real sem o medo de não compreender o “outro”, mesmo não falando a mesma língua. Essa ferramenta tecnológica acrescentou benefícios para aqueles que se dispuseram a conhecer aquilo que parecia ser tão distante da realidade que os cercava. Muitos puderam viajar pelo mundo através das câmeras, conheceram museus, conversaram com pessoas de outros países, tiveram acesso a textos de bibliotecas de várias partes do mundo e conseguiram manter laços afetivos.

Aprender línguas e culturas diferentes tem sido uma das tendências das gerações do século XXI. A todo instante, os alunos aprendem, através de recursos tecnológicos, que o mundo é muito maior do que a televisão e que eles podem interagir com pessoas de vários lugares. Porém, parece que a escola anda a passos lentos, com relação ao acompanhamento dessa tendência, pois o que nela se vê é a representação de um mundo paralelo que vive de tradições e que não tem acompanhado as demandas do século atual.

Há cada vez mais estímulos, em alguns países europeus, para que as crianças aprendam diversos idiomas estrangeiros como forma de promoção do multilinguismo individual. Estudos como o de Hufeisen (2000) demonstram que há um movimento para que as crianças na Europa comecem a estudar sua primeira língua estrangeira entre os 7 e 12 anos de idade, a segunda entre as idades de 12 e 16, a terceira entre as idades de 13 e 16, podendo ainda ter a opção de aprender uma quarta língua.

Tal prática evidencia o discernimento pedagógico e o trabalho voltado à cultura da diversidade que há nessas escolas europeias, as quais visam a ações voltadas para um contexto em que as pessoas, cada vez mais, estão interconectadas, se aproximando de diferentes culturas e línguas, com o intuito de alargar sua bagagem pessoal e/ou profissional. Observa-se, através dessas ações, que existe, concretamente, uma demanda social pelo ensino de línguas na Europa e que as escolas já estão conseguindo desenvolver práticas que atendam a essa nova demanda.

Baker (2001) defende que a escola precisa desenvolver uma educação multicultural concentrada nas diferentes “crenças, valores, hábitos alimentares, atividades culturais e línguas dos alunos.” (p. 406). Para tanto, ele sugere que haja uma reapreciação do currículo escolar, com análise de assuntos aparentemente neutros que perpetuam a cultura dominante, pois “[o] medo e a ignorância que tendem a gerar racismo podem ser cometidos de maneira não intencional. Em vez de celebrar a identidade étnica e a diversidade cultural, uma visão de desigualdade cultural pode ser transmitida latentemente” (p. 410). Oferecer uma educação baseada nesses moldes pode ser uma maneira de melhorar as relações entre grupos étnicos, despertando a consciência dos alunos sobre suas origens, características de sua própria língua e seu lugar no mundo.

Crisp e Turner (2011) contribuem para essa reflexão, alertando para o fato de que esse movimento de valorização e reconhecimento linguístico-cultural, cuja perspectiva é integrativa, evita o estresse aculturativo de crianças que necessitam aprender uma segunda língua, possibilitando-lhes uma maior flexibilidade cognitiva. Segundo eles, quando isso acontece, “elas superam o estresse aculturativo e se envolvem plenamente tanto com a cultura original, quanto com a cultura de acolhimento” (p. 32). Além disso, pontuam que o contato com a diversidade leva o indivíduo a apresentar menos estereótipos e preconceitos: “indivíduos biculturais têm uma melhor capacidade de interpretar pessoas, objetos e ideias de uma forma menos rígida, estereotipada em comparação com indivíduos que têm internalizadas apenas uma cultura” (p. 34).

No que tange à questão do bilinguismo, Crisp e Turner (2011) apresentaram resultados de uma pesquisa, indicando que “indivíduos bilíngues que estavam proficientes em pelo menos uma das línguas superou participantes monolíngues, com relação à habilidade, pensamento divergente e criativa solução de problemas” (p. 40). Para os autores, os participantes bilíngues foram mais capazes de ativar vários conceitos e mantê-los ativos durante o processo de pensamento.

Vygotsky (2005) corrobora a discussão sobre o processo de aprendizagem de línguas quando defende que ele só contribui para o desenvolvimento cognitivo da criança, pois lhe possibilita uma maior reflexão sobre sua própria língua, fazendo com que desenvolva um grau elevado de pensamento. O autor ressalta que o aprendizado de uma língua estrangeira jamais prejudicará o aprendizado da língua materna, pois são desenvolvimentos diferentes. Neste sentido, a aprendizagem de uma outra língua faz com o que a criança compreenda melhor a estrutura linguística, amplie o olhar para seu próprio conhecimento e para sua experiência cultural, afinal toda língua traz com ela um conjunto de valores que precisam ser reconhecidos durante a ação pedagógica, tendo em vista que:

[...] a solução será extremamente complexa e dependerá da idade das crianças, do caráter do encontro das duas línguas e, finalmente (e o mais importante), da ação pedagógica no desenvolvimento da fala materna e estrangeira. Uma questão já é certa: as duas línguas, dominadas pela criança, não se chocam mecanicamente e não seguem as simples leis de entravamento mútuo (VYGOTSKY, 2005, p. 1).

No Brasil, ainda são raras as propostas curriculares que contemplem o multilinguismo nas escolas públicas, todavia há exemplos pontuais como o do Colégio de Aplicação (CAP), do Rio Grande do Sul, que tem concentrado esforços para promover esse tipo de ação, adicionando ao currículo, além do inglês como língua obrigatória, o espanhol, o alemão e o francês. Essa situação é apoiada por Broch (2014, p. 19), ao referir-se à questão da pluralidade, atestando que “ser plural não representa uma condição excepcional; que cabe à escola estimular e encarar o plurilinguismo como fenômeno natural e comum a todos”. Somando-se a isso, como já pontuado, também existem estudos (VYGOTSKY, 2005; CRISP e TURNER, 2011; HUFEISEN, 2000) que revelam os benefícios da oferta do processo ensino-aprendizagem multilíngue nos espaços escolares.

Porém, essa realidade pouco difundida faz com que a temática não seja evidenciada pela academia e, consequentemente, não chegue às escolas. Com isso, a discussão sobre o multilinguismo em nosso país não ganha relevância, resultando que a educação bilíngue, principalmente nas escolas públicas brasileiras, seja algo incompreendido, talvez pela ausência da conscientização linguística.

É possível observar que há um hiato entre saber que em nosso país existe uma multiplicidade cultural e linguística e compreender o que se deve fazer com essa informação. Apesar de essa diversidade ser atestada por vários documentos, perpassando livros didáticos e a Constituição Brasileira, pouco se observam práticas efetivas que promovam tal realidade, o que representa um grande paradoxo.

Diante desse “saber que existe” e “o que eu faço com essa informação”, podemos nos indagar se o problema não reside no hábito de trazer receitas prontas, sem se preocupar com a conjuntura no entorno da escola, ou seja, sem levar em consideração as circunstâncias em que a educação se desenvolve.

Para amparar essa reflexão, apresentaremos a realidade do cenário das escolas de fronteira no Brasil, lugares em que a educação linguística teria de ser pautada em uma formação que visa o respeito à diferença e à pluralidade, considerando que a Língua Portuguesa não é a língua materna de muitos alunos imigrantes. Pensar sobre essas questões tendo por base os vários universos que permeiam a sociedade, como escolas, universidades e quaisquer outros espaços/instituições que estejam empoderados a discutir a educação brasileira, é uma maneira de repensar a crença e a cultura do monolinguismo em nosso país, que leva muitos à exclusão. Reconhecer esse quadro sociolinguístico brasileiro é entender que ele se compõe por pessoas de línguas minoritárias ou de imigração, e que, antes mesmo de essas pessoas terem acesso à escola, as utilizam como meio de comunicação para os mais variados fins e grupos.

2 A ESCOLA COMO PROMOTORA DA DIVERSIDADE LINGUÍSTICA

A comunicação intercultural não é possível exclusivamente pela internet. No Brasil, temos essa realidade próxima em vários espaços sociais, sobretudo nas regiões de fronteiras, porém muitas vezes fazemos questão de nos colocar na contramão dessa realidade, ao negligenciar a diversidade desses contextos. Segundo Baker (2001, p.58), “criar bloqueios e barricadas entre línguas é quase impossível no século XX”.

A língua é uma das ferramentas vivas que, nesses contextos, permite nos apropriarmos desses benefícios. Como afirmam Nettle e Romaine (2000, p.14), “[t]oda língua é um museu vivo e tem sido um monumento para cada cultura”. Através dela, podemos compreender diferentes formas de ver o mundo, ter acesso à visão do outro e, com isso, aprender.

Altenhofen e Oliveira (2011) afirmam que “não se sustenta mais na escola, no contexto atual, um ensino segmentado, sem a interdisciplinaridade e o intercâmbio de conhecimentos entre áreas/conhecimentos e olhares distintos, para o que a pluralidade linguística desempenha um papel crucial”. Mas, infelizmente, o ensino bilíngue em escolas públicas brasileiras tem caminhado na contramão dessas questões (SANTOS, 2012; SOUZA, 2014), quando excluem a língua materna do aluno e desconsideram o cenário interno vivido pela comunidade escolar.

A escola poderia incluir em seu currículo esse aprender, que é “apreendido” de maneira tão natural quando se dá voz à experiência do outro, mas, infelizmente, a cada dia que passa, observamos que não há espaço para validar aquilo que não está programado pelo currículo básico. E nestes casos, correríamos um sério risco de ter que fazer o processo inverso, primeiro ter acesso à informação para depois contextualizá-la. Mas será que nós, educadores, permitiríamos essa façanha pedagógica?

A ausência dessa façanha no contexto escolar, Altenhofen e Oliveira denominam de “Campo de silêncio” (2011, p. 196). Segundo os autores, a escola prefere não problematizar essas questões para não colocar à mostra as deficiências do sistema escolar e, consequentemente, os professores convivem com essa realidade como sendo invisível. Ou seja, quando instituições optam por tratar como nula uma realidade vigente, como é o caso da imigração no Brasil, a escola deixa de oferecer uma experiência escolar inclusiva. Quando a escola deixa de acolher o repertório linguístico do aluno, tratando-o como de baixo prestígio, deixa de promover a inclusão social. Quando a escola deixa de adaptar seu currículo ao contexto vigente, não cumpre sua função educativa plenamente.

Segundo Broch (2014), a ausência de uma visão holística sobre diversidade linguística em escolas e espaços de formação de professores corrobora o surgimento desse “campo de silêncio”.

Dificilmente em uma aula de língua se fala sobre língua(s), sobre como as línguas se relacionam, sobre as línguas que são usadas na sociedade, sobre os direitos linguísticos de comunidades que falam línguas minoritárias ou sobre que línguas são faladas no território nacional (BROCH, 2014, p. 45).

O distanciamento existente entre a língua do aluno imigrante e a língua oferecida pela escola nas regiões de fronteira é uma outra questão que pode trazer transtornos pedagógicos, tais como o linguicídio e a xenofobia. Quando temos a oportunidade de conhecer algumas dessas regiões em nosso país, vemos que o contexto educacional reforça práticas linguísticas que privilegiam a prática do monolinguismo, mesmo sabendo que esse hábito não reflete a verdade presente naquele espaço. “Na verdade, a escola, assim como a sociedade, seleciona ou segrega de acordo com que os falantes destas línguas valem na sociedade como um todo” (BROCH, 2014, p. 33). Dessa maneira, infelizmente, pode-se afirmar que a escola tem corroborado para a prática secular de educar os cidadãos linguisticamente homogêneos através da erradicação das diferenças existentes.

3 O CENÁRIO EDUCACIONAL DAS REGIÕES DE FRONTEIRA

No Brasil, a partir do século XXI, o discurso sobre aprendizagem da segunda língua em escolas públicas vem ganhando alguma notoriedade, mas é fato que há, ainda, a necessidade de conceber, no plano pedagógico e político, ações e metodologias específicas que contemplem essas condições de forma mais abrangente, não pensando somente no aluno que tem como língua materna o português e quer adquirir uma outra língua, mas também naquele, que por motivos quaisquer, veio residir no Brasil e efetivou matrícula nas escolas públicas. Para corroborar esse argumento, serão apresentados estudos que sinalizam situações de exclusão desses alunos, despreparo do poder público e das universidades para lidar com essa situação.

Pires-Santos (2004), Dalinghaus (2009), Santos (2012), Souza (2014), Silva e Tristoni (2010) e Berger (2015) demonstram, através de seus estudos, que compartilham a preocupação de que sejam desenvolvidas ações que propiciem condições para que os educadores reflitam a respeito de suas crenças, ideologias e práticas pedagógicas para contextos de diversidade sociolinguística. Esses autores apontam os transtornos provocados pela escola ao tentar erradicar a língua de muitas crianças que estão inseridas em condição de minoria linguística. Essa erradicação pode se dar por diferentes vias: pela ausência de ações pedagógicas, pelo despreparo de profissionais ou por falta de apoio institucional e financeiro.

Para evidenciar um pouco da realidade desses cenários, foram escolhidas algumas regiões fronteiriças que evidenciam a problemática abordada: i) os municípios de Ponta-Porã (MS) (divisa com o Paraguai) e Foz do Iguaçu (PR) (divisa com Paraguai e Argentina), e ii) o município de Bonfim (RR), o qual faz fronteira com a República Federativa da Guiana.

Berger (2015), Silva e Tristoni (2010), Pires-Santos (2004) e Dalinghaus (2009) nos fornecem, através de seus estudos, um cenário que abrange o processo ensino-aprendizagem de imigrantes nas escolas da fronteira Brasil/Paraguai.

Berger (2015) caracteriza a realidade do bi/multilinguismo no município de Ponta-Porã, no Mato Grosso do Sul, como sendo um grave problema a ser enfrentado pela escola.

Um problema porque a escola brasileira não foi pensada para lidar com a diversidade linguística e um problema porque, dadas as desigualdades de diferentes ordens existentes entre os dois países (Brasil e Paraguai), existem atitudes e representações negativas por parte de muitos agentes da escola em torno dos paraguaios e de vários elementos que os representam - como é o caso da língua guarani. Disso resultam práticas de gestão de línguas - da gestão da presença e dos usos das línguas nos espaços da escola - como a interdição e vigilância das “línguas dos outros” (BERGER, 2015, p. 150, grifo nosso).

No município de Ponta-Porã, muitos alunos que chegam à escola têm o espanhol e o guarani como língua materna, mas tal fato não é relevante a ponto de essas línguas se constituírem oficialmente no processo de ensino-aprendizagem. Pelo que se observa, através dos relatos, o espanhol ainda é oferecido como língua estrangeira nessa região, seguindo os mesmos padrões e normas do restante do Brasil e, o guarani é tido como uma língua de ausência no espaço escolar.

Já no que se refere ao guarani, constituinte do repertório linguístico de grande contingente de alunos matriculados na escola, para o sistema escolar e organização curricular, a língua é uma ausência. Com base na observação das interações linguísticas nas escolas, verifica-se que os usos dessa língua pela comunidade ocorrem principalmente em recortes espaço-temporais como o horário de recreação, intervalo, entrada/saída dos alunos nas escolas (BERGER, 2015, p. 149).

Silva e Tristoni (2010) corroboram a discussão de Berger (2015) quando apresentam relatos de conflitos vivenciados por alunos brasiguaios no contexto escolar. Segundo as autoras, existem casos em que o professor, por falta de formação direcionada aos contextos específicos de bilinguismo, nem mesmo nota a presença de um aluno bilíngue na sala de aula, impossibilitando-lhe obter o auxílio necessário para superar as dificuldades durante o processo de ensino e aprendizagem. Também reforçam que esses alunos, por apresentarem identidades, línguas e cultura diferentes, carregam estigmas durante sua passagem pela escola, tais como: “ele não aprende mesmo”, “ele é paraguaio”, “ele vem do Paraguai”, “ele é preguiçoso”.

Tristoni (2015), em sua tese de doutorado, faz referência ao fato de os professores desconhecerem a circunstância que os alunos paraguaios são alfabetizados, no caso em espanhol e guarani, o que provoca imprecisão na correção textual desses estudantes, já que ela é pautada, prioritariamente, no eixo ortográfico do Português escrito. Mais uma vez, se torna visível o fato da formação acadêmica promover em seu currículo situações que permitam um olhar diferenciado para contextos bilíngues nas fronteiras brasileiras.

Essa ação de não perceber o aluno “brasiguaio” ou, em outras palavras, de ignorá-lo e apagá-lo, ocorre ao longo do trabalho letivo, ou seja, o professor não considerou as dificuldades apresentadas e até mesmo não percebeu a mescla do português e do espanhol na escrita. O professor, possivelmente por falta de formação, não consegue identificar a presença deste aluno, suas dificuldades e, portanto, não dará o auxílio necessário para que ele supere as dificuldades no processo de ensino-aprendizagem (TRISTONI, 2015, p. 18).

A pesquisa de Pires-Santos (2004) teve como foco investigativo o conflito linguístico entre a língua portuguesa e o espanhol na fronteira em escolas de Foz de Iguaçu. Mediante todo o contexto apresentado pela autora em sua tese, daremos enfoque à parte da pesquisa em que ela situa as dificuldades que os alunos oriundos do Paraguai encontram quando se deparam com a língua portuguesa escrita padrão e o processo de invisibilização que a escola lhes impõe. Esse processo se dá quando a escola tenta apagar a linguagem híbrida apresentada por eles, impondo a língua de prestígio, que é o português escrito, o que ratifica a crença no mito do monolinguismo no Brasil.

Não admitindo uma linguagem híbrida, a escola busca a unificação em que a diferença toma as dimensões da anomalia que é preciso ‘normatizar’. Uma das maneiras é justamente homogeneizar, mesmo que esse processo seja tão doloroso como ser marcado pela incapacidade, para assim suprir as ‘deficiências’ e torná-las ‘iguais’ (PIRES-SANTOS, 2004, p. 200).

A autora também sinaliza que a dificuldade apresentada pelo aluno “paraguaio” no processo da escrita serve para sustentar estereótipos sobre ele. Essas dificuldades não se justificam pelo fato de o aluno não saber ler ou escrever, mas por ele ter que conhecer e construir métodos específicos que o façam compreender a utilização da língua portuguesa escrita e o modo como a escola a emprega.

Como o texto escolar, salvo raras exceções, se presta principalmente à correção, a avaliação que se faz da escrita desse aluno geralmente é negativa. O problema maior, no entanto, é que esse julgamento muitas vezes acaba sendo correlacionado ao seu desenvolvimento cognitivo, o que pode reforçar o preconceito e o estereótipo do aluno incapaz (PIRES-SANTOS, 2004, p. 198).

Dalinghaus (2009) evidencia que os professores acreditam que, em um contexto fronteiriço, deveria haver metodologias e materiais de acesso diferenciados, propiciando aos alunos um ensino contextualizado e com recursos tecnológicos apropriados.

É preciso considerar que há lacunas no processo de formação docente, as quais não têm permitido, muitas vezes, um o olhar mais aguçado do professor para fora do senso comum e para o aluno imigrante que, a cada dia, está em maior número nas escolas brasileiras.

Sobre a realidade da região de fronteira no estado do Mato Grosso do Sul, apresentaremos imagens que relatam uma experiência vivenciada por nós, em novembro de 2015, durante a participação no I Congresso Internacional PTIntegração "Educação e desenvolvimento no território de fronteira".

Naquela ocasião, a convite da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, promovemos uma palestra e um minicurso sobre Multilinguismo e formação escolar em regiões de fronteira no Brasil, Campus de Ponta-Porã (MS), com o intuito de impulsionar reflexões acerca das relações educacionais nas áreas de fronteira. Verificou-se, a partir dessas reflexões, que há naquela região a construção de um habitus monilíngue, por parte da escola e das políticas educacionais, que tem prejudicado a relação ensino-aprendizagem naquele espaço.

Algumas imagens selecionadas do minicurso representam as vozes dos(as) pedagogos(as) que trabalham em escolas do município de Ponta-Porã e de graduandos em Pedagogia. Eles procuraram representar através das imagens a realidade da região fronteiriça e os desafios educacionais encontrados por eles.

Fonte: Os autores, pesquisa de campo (2021).

Figura 1 As faces da fronteira 

Fonte: Os autores, pesquisa de campo (2021).

Figura 2 As faces da fronteira 

Fonte: Os autores, pesquisa de campo (2021).

Figura 3 As faces da fronteira 

Essas vozes corroboraram o que foi apresentado pelos autores anteriormente sobre a educação nesses contextos de fronteira. Como muito bem colocado por alguns participantes durante o PTIntegração, a escola daquela região “tem diversas faces”, marcadas, principalmente, pela diversidade, pelo multilinguismo e pelo convívio de alunos chamados “brasiguaios”. Essa diversidade não refletida tem provocado uma série de equívocos educacionais como dificuldade no ensino, preconceitos e exclusão.

Além de apontar as demandas educacionais da região, os participantes levantaram propostas sobre possíveis ações que pudessem contribuir para o ensino em Ponta-Porã. Dentre elas, destacamos a que correlaciona “ensino-aprendizagem, olhar peculiar, valorização, respeito e ação”.

Fonte: Os autores, pesquisa de campo (2021).

Figura 4 Ações educativas 

A imagem, associada às reflexões promovidas naquele ambiente, nos proporciona a compreensão de que é necessário promover ações educativas que permitam um olhar peculiar para as regiões de fronteira no Brasil. Essas ações precisam promover o respeito e a valorização tanto do professor quanto do aluno imigrante, para, assim, efetivar uma relação de ensino-aprendizagem nessas escolas.

É válido pontuar que o fato de a UFMS promover um congresso para tratar das particularidades da região de fronteira já é um primeiro passo para que essas ações possivelmente sejam efetivadas. Acredita-se que as informações coletadas nesse encontro servirão de base para a elaboração de propostas curriculares, políticas educacionais e reflexões nos centros de formação, as quais contribuirão efetivamente para o caminhar das questões educacionais que afetam Ponta-Porã.

Espera-se que outros centros de formação localizados em regiões de fronteira sigam essa direção, pois, como veremos a seguir, se faz necessário reconhecer as demandas educacionais de alunos e professores em outras escolas de fronteira no Brasil, como por exemplo, as localizadas na região Norte.

Observa-se através dos estudos de Pereira (2007), Cunha (2012), Santos (2012), Souza (2014, 2019) e Lima (2015), que o princípio de interação e adaptação curricular são pouco valorizados pelas instituições de ensino no município de Bonfim (RR), quando andam a passos lentos no propósito de enxergar que o diferente está cada dia mais presente nas salas de aula daquele município e que a tentativa de invisibilizar essa diferença promove estigmas e exclusão.

Pereira (2007) enfatiza que as escolas da região carecem de políticas públicas que levem em consideração os aspectos particulares da fronteira e indica que os sujeitos sociais inseridos naqueles espaços vivem relações tencionadas, as quais expressam diferentes identidades étnicas e nacionais. O contato na escola, entre pessoas de origens diferentes, provoca representações diferenciadas, tanto por parte dos alunos, quanto dos professores. Segundo a autora, o contato interétnico entre crianças indígenas, guianenses e brasileiras acarreta estigmas dentro da escola.

Os professores que entrevistei apontaram que as crianças indígenas são mais difíceis de interagirem com as outras. Ainda que tenham sido contraditórios em seus depoimentos, reconhecem que tais comportamentos se associam à discriminação para com o índio em nossa sociedade, depois, julgam que tem a ver com a dificuldade em relação ao idioma e, por fim, chegam a afirmar que faz parte da “natureza” dessas crianças. Ao explicarem como percebem as diferenças entre os alunos em termos de comportamento, apontaram que as crianças negras guianenses se autopoliciam para terem o comportamento mais rígido, como se já soubessem que poderão ser discriminadas. Assim, segundo um professor, elas procuram evitar brincadeiras e brigas. Participam das aulas, entretanto, “não entram em grupinhos de bagunça e mantêm-se aliadas entre elas” (PEREIRA, 2007, p. 355).

Em relação à aprendizagem, a autora menciona que a fluidez da aprendizagem naquele espaço é impulsionada pela presença de “tradutores naturais” nos dois lados da fronteira. Também levanta a hipótese de o governo da Guiana, país que faz fronteira com o município, querer implantar a Língua Portuguesa na escola de ensino médio como estratégia de facilitar o acesso de guianenses no mercado brasileiro.

A professora daquele nível de ensino, o secondary school, que se localiza em St. Ignatius, informou que a intenção consiste em facilitar a educação para os adolescentes que, depois, buscam empregos no Brasil, ainda que isso possa aumentar o fluxo para Boa Vista. Para os alunos, é mais fácil estudar na cidade brasileira do que na capital da Guiana. Ao aumentarem os estudos, podem retornar depois de aprenderem uma profissão (PEREIRA, 2007, p. 354).

As pesquisas de Cunha (2012), Santos (2012), Souza (2014, 2019) e Lima (2015) convergem com relação a questões levantadas por Pereira (2007). Nelas, verifica-se o despreparo do professor ao lidar com a realidade bilíngue presente nas escolas da região, atestando que não há currículos e programas educacionais no município que valorizem essa diversidade linguística, tampouco uma mobilização do governo e das universidades no que tange à preparação desses profissionais já atuantes nessas escolas para lidarem com tal situação.

Cunha (2012) procurou evidenciar em sua pesquisa etnográfica alguns questionamentos que respondessem às questões: “Como atua o professor diante desse contexto interdisciplinar? Como o professor discursa diante dessa realidade de bilinguismo? Qual a importância das práticas discursivas do professor para o desempenho dos alunos bilíngues?" (p. 45).

Acerca desses questionamentos, observa-se através da análise dos dados expostos por Cunha (2012, p. 87) que os professores entrevistados se dizem despreparados para atuarem em sala bilíngue.

Dentro desse contexto, os próprios professores se dizem não estarem preparados para atuarem diante de um cenário bilíngue. Para ser professor em uma sala de aula onde se faz uso de mais de uma língua, independentemente da disciplina ministrada, o docente deve considerar as diferentes possibilidades de trabalhar e respeitar as competências linguísticas de seus alunos.

Diante desse cenário de dificuldades em lidar com outra língua dentro da sala de aula, os professores dizem apoiar-se nas experiências de vida que adquirem naturalmente na fronteira com os guianeses, ou, no caso da língua indígena, na descendência que alguns possuem. Explicitam, através de um dos questionamentos da pesquisadora, que a Universidade precisa se aprofundar nessas questões para ajudar a prática do professor, já que a prática do bilinguismo é uma realidade nas escolas de Bonfim: “Eu acredito que a universidade dá o conhecimento do que você irá trabalhar [...], mas não prepara o professor a ponto de ter um domínio dessa realidade [...]; existe sim uma análise do que você possa encontrar em sala de aula [...], mas preparar... não prepara, não” (CUNHA, 2012, p. 87).

Cunha (2012) pontua que as práticas discursivas presentes nas escolas do município de Bonfim baseiam-se, prioritariamente, na relação entre alunos quando estão em situações informais: “[...] eles utilizam a língua inglesa na sala de aula, no recreio, nas brincadeiras, principalmente quando eles não querem que os outros entendam o que eles estão falando. (CUNHA, 2012, p. 94).” Todavia, a transposição dessa prática para a aula não é comum, devido à incompreensão por parte do professor: “Minhas aulas [...] basicamente elas são em língua portuguesa por ser a língua oficial do Brasil até porque eu não compreendo e não entendo nem o inglês e tampouco Wapixana ou Macuxi (CUNHA, 2012, p. 97)”.

Constata-se, através do estudo da autora, que a escola não incentiva essas práticas discursivas bilíngues dentro da escola, o que provoca cada vez mais a soberania da Língua Portuguesa na prática pedagógica do professor e no ambiente escolar:

Não há nenhum incentivo por parte da escola ou do município em trabalhar outras línguas além do português... mesmo o inglês só é trabalhado na disciplina de língua inglesa. Nas demais disciplinas, as aulas são estritamente em língua portuguesa. Tanto é que só falo inglês quando um aluno me pergunta em inglês e sei que fica mais fácil para ele entender a minha resposta (CUNHA, 2012, p. 98).

Por fim, Cunha (2012) confirma, através de sua pesquisa, que a formação do professor de Língua Portuguesa ainda é pautada em concepções monolinguísticas, sem que haja uma percepção de práticas docentes que vislumbrem a realidade plurilinguística existente nas escolas de Bonfim. A compreensão dessas práticas, tanto por parte do corpo docente, quanto das universidades, ajudaria a constituir um primeiro passo para auxiliar na construção do conhecimento de alunos e professores em espaços bilíngues.

Ainda no ano de 2012, Santos publicou sua tese, cujo objetivo foi analisar o ensino da Língua Portuguesa no contexto de multilinguismo. A autora enfatiza em seu estudo que houve uma gradativa redução da diversidade de línguas e culturas na região de Bonfim e propõe uma política linguística que contemple essa diversidade e possibilite a aprendizagem da Língua Portuguesa a todos os alunos das escolas da região. Para tanto, a autora ainda destaca ser necessário existir formação específica dos professores que atuam nesse contexto e a formulação de uma política linguística, por parte do poder público competente.

Santos (2012) e Souza (2014, 2019) ratificam as informações sobre a existência do plurilinguismo na região de Bonfim. Destacam que, apesar de parte da população de Bonfim ser constituída por índios, é raro presenciar o uso de línguas indígenas no espaço escolar - fato que nos leva a refletir sobre o que se designa “massificação linguística” como forma de reprimir uma questão identitária.

Essa massificação linguística e cultural foi pontuada por Souza (2014, p. 82), ao destacar a fala de uma das professoras durante a pesquisa.

Então, tem a outra questão das línguas indígenas, que estão sendo esquecidas; não há investimento mais nessa área de permanecer a formação e a continuidade da língua. Então, por exemplo, as redes municipais, antes, tinham a língua materna e hoje já não têm mais. Quer dizer, automaticamente, esses alunos, esses novos indígenas que estão nascendo, eles não vão ter mais o domínio dessa língua, e os velhos vão morrer, e a língua vai se acabar. Inclusive, há uma discussão na Secretaria da Educação para que no próximo ano seja trabalhado novamente a questão da língua materna nas comunidades indígenas. Que tenha um professor da língua materna e ela tenha a mesma carga horária da língua portuguesa.

Para a autora, é necessário potencializar a formação docente de profissionais que atuam em regiões de fronteira para que estes consigam transitar com mais segurança entre a teoria e a prática pedagógica. A autora evidencia, também, que, nessas regiões, o multilinguismo é um fator naturalizado fora dos muros da escola. Demonstra que essa distância entre o que há fora dos portões e dentro dos bancos escolares é um grande paradoxo que se explica pela falta de políticas educacionais que contemplem as especificidades das escolas da região, provocando assim, o processo de exclusão daqueles que se matriculam nas escolas brasileiras sem ter o português como L1.

Para fundamentar esses argumentos, a autora utiliza-se de uma declaração que atesta a situação de profissionais que convivem com essa realidade no município de Bonfim.

Ainda não tem nenhum trabalho específico, porque, eu vejo assim, tem que haver uma capacitação para eles, e aí, os nossos professores ainda não tiveram nenhuma formação específica. Olha, assim como tu trabalha com mudo, você vai trabalhar esse tipo de linguagem, vai ter uma formação. Para trabalhar com um aluno com deficiência, tem que ter uma capacitação. Mas até hoje não despertaram para essa questão de ver que um aluno que fala só inglês, pode-se dizer que tem quase a mesma dificuldade de um aluno com deficiência, porque pra ele o que ele vai escutar ele não vai entender. Então, nós não temos (SOUZA, 2014, p. 54).

A declaração acima traduz a necessidade de haver reestruturação de políticas educacionais voltadas à formação de professores para atuarem em regiões/escolas de fronteira; todavia, esses contextos são invisibilizados, conforme apontam Oliveira e Altenhofen (2011, p. 199):

[...] justamente contextos em que se justificaria plenamente uma política de educação bi ou trilíngue diferenciada [...] Tais programas infelizmente, no entanto, vêm sendo restritos a modelos de escolas bilíngues de prestígio e escolas indígenas, cada qual com suas especificidades.

Essa invisibilização provoca males que são fortemente marcados pelas “ausências” pedagógica, política e financeira. Trata-se de uma invisibilização difícil de compreender, tendo em vista que há uma naturalização dessa realidade por parte dos que residem no município. Por isso, é necessário ir além de um ensino desassociado das condições linguísticas reais dos estudantes e de práticas pedagógicas homogeneadoras que invisibilizam cada dia mais aqueles que estão numa condição de exclusão. Ter domínio da língua portuguesa e aprender na/com a escola brasileira, nos contextos apresentados, também significa “ser incluído ou não”.

4 CONCLUSÃO

Frente ao panorama apresentado pelos diversos autores neste estudo, é possível considerar que existe a necessidade de se fomentar políticas linguísticas e repensar propostas curriculares que atendam o cenário linguístico-cultural das escolas situadas nas regiões de fronteira. Potencializar a necessidade de praticar um fazer que compreenda a real importância da aprendizagem na vida de pessoas que estão em busca da escola como espaço para alcançar conhecimento, reconhecimento identitário, transformação social é o que se espera dos profissionais que fazem e pensam a Educação brasileira.

Para isso, é preciso refletir sobre a necessidade de uma educação que queira cruzar fronteiras geográficas, sociais e linguísticas. Uma educação que tenha como fundamento e prática pedagógica ações para atender alunos e professores inseridos em escolas da fronteira, os quais convivem com identidades ambíguas e contestadas.

A busca pela identidade do “ser brasileiro para tornar-se um cidadão”, tão almejada por parte dos estudantes imigrantes que procuram vagas nas escolas brasileiras, serve para nos fazer pensar sobre o processo de naturalização arbitrário que a escola impõe quando ela persiste em não enxergar um cenário marcado pela diversidade e diferença presente tanto nas escolas de fronteira, quanto nas demais existentes em um país marcado pela miscigenação. E igualmente quando ela insiste em aplicar modelos de ensino que se distanciam de indagações pedagógicas necessárias no chão da escola: O que eu devo ensinar, para quem ensinar e com quais propósitos.

Portanto, acabar com os campos de silêncio que permeiam a educação brasileira é uma maneira de enfrentar as diferentes realidades que nos cercam e, a partir dessa atitude, pensar coletivamente sobre possíveis propostas curriculares para atendar os estudantes das escolas públicas, sejam eles falantes nativos ou não da língua portuguesa.

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Recebido: 17 de Novembro de 2020; Aceito: 06 de Abril de 2021

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