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Revista e-Curriculum

On-line version ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.20 no.1 São Paulo Jan./Mar 2022  Epub May 06, 2022

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2022v20i1p128-154 

Dossiê Temático CURRÍCULO, DIVERSIDADE E DIFERENÇAS CULTURAIS

Trajetórias de escolarização de negros/as e quilombolas:algumas referências para diversificar os currículos

Schooling trajectories of negros/as and quilombolas:some references to diversify the curriculums

Trayectorias escolares de negros / as y quilombolas:algunas referencias para diversificar los curriculares

Osvaldo Martins de OLIVEIRAi 
http://orcid.org/0000-0003-4697-6722

Luana Ribeiro da TRINDADEii 
http://orcid.org/0000-0001-7703-7352

Paula Aristeu ALVESiii 
http://orcid.org/0000-0003-4801-2628

i Doutor em Antropologia Social. Professor no Departamento de Ciências Sociais e no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Pesquisador associado ao Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) da UFES. E-mail: oliveira.osvaldomartins@gmail.com - ORCID iD: http://orcid.org/0000-0003-4697-6722.

ii Doutora em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos, mestra em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo. Professora substituta no curso de Serviço Social da Universidade Federal do Tocantins. E-mail: luana.rt@hotmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0001-7703-7352.

iii Mestra em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail: paula.aristeu@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0003-4801-2628.


Resumo

Este artigo resulta de pesquisas sobre o acesso de negros/as e quilombolas à educação escolar. O objetivo, aqui, é refletir sobre a diversidade do currículo escolar a partir de reivindicações de estudantes negros/as e quilombolas pela inclusão da cultura afro-brasileira e das trajetórias de escolarização de personagens e intelectuais negros/as no currículo escolar de todos os níveis de ensino. A metodologia empregada é a revisão de bibliografia sobre trajetórias negras e entrevistas com estudantes negros e quilombolas. Ao analisar os dados, verifica-se que a história, memória e legados de autores/as negros/as no Brasil e na diáspora que escrevem sobre história e culturas negras influenciam as ações desses estudantes, mas esses personagens foram silenciados e não reconhecidos nos currículos das escolas e dos cursos universitários. A reivindicação é que sejam incluídos.

Palavras-chave: negros; quilombolas; trajetórias de escolarização; educação; currículo

Abstract

This article is the result of research on the access of black people and quilombolas to school education. The objective here is to reflect on the diversity of the school curriculum based on the demands of black and quilombola students for the inclusion of Afro-Brazilian culture and the trajectories of schooling of black characters and intellectuals in the school curriculum at all levels of education. The methodology used is a bibliography review on black trajectories and interviews with black students and quilombolas. By analyzing the data, it appears that the history, memory and legacies of black authors in Brazil and in the diaspora who write about black history and cultures influence the actions of these students, but these characters were silenced and not recognized in the curricula schools and university courses. The claim is that they are included.

Keywords: blacks; quilombolas; schooling trajectories; education; curriculum

Resumen

Este artículo es el resultado de una investigación sobre el acceso de los negros y quilombolas a la educación escolar. El objetivo aquí es reflexionar sobre la diversidad del currículo escolar a partir de las demandas de los estudiantes negros y quilombolas para la inclusión de la cultura afrobrasileña y las trayectorias escolares de personajes e intelectuales negros en el currículo escolar en todos los niveles educativos. La metodología utilizada es una revisión bibliográfica sobre trayectorias negras y entrevistas a estudiantes negros y quilombolas. Al analizar los datos, parece que la historia, la memoria y los legados de los autores negros en Brasil y en la diáspora que escriben sobre la historia y las culturas negras influyen en las acciones de estos estudiantes, pero estos personajes fueron silenciados y no reconocidos en los planes de estudio de las escuelas y cursos universitarios. El reclamo es que están incluidos.

Palabras clave: negros; quilombolas; trayectorias escolares; educación; currículo

1 INTRODUÇÃO

As análises, aqui propostas, foram constituídas, sobretudo, com base em pesquisas conduzidas pelas autoras e pelo autor do presente artigo, principalmente no âmbito institucional de suas formações e atuação acerca do acesso de negros/as e quilombolas ao processo de escolarização. Por isso, focaremos, sobretudo, no objetivo de refletir sobre as trajetórias de escolarização de alguns personagens e estudantes negros/as e quilombolas do passado e do presente, visando combater o racismo produtor de invisibilidade, esquecimento e silêncio sobre a presença de pessoas/personagens negras e quilombolas no campo da escrita e da educação escolar brasileira.

O desejo de acesso à educação escolar faz parte de projetos de diferentes personagens negras do passado e do presente, e vem, desde o princípio da formação da sociedade brasileira, se configurando como uma das principais reivindicações e pautas de luta dos descendentes de africanos, que têm criado suas próprias estratégias de enfrentamento à segregação a qual foram (e são) submetidos.

Importante destacar que, como referencial teórico, para delimitar o que estamos chamando de trajetórias de personagens negros/as, tomamos como ponto de partida os conceitos de trajetória de Bourdieu (1998) e de personagem de Mauss (2003). Para Bourdieu, trajetória se refere à “[...] série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou um mesmo grupo) num espaço que é ele próprio um devir, sujeito a transformações” (BOURDIEU, 1998, p. 189). Na definição do mesmo autor, a análise de uma trajetória requer a construção dos estados sucessivos do campo em que ela se desenvolveu, que para o tema do presente artigo é o campo da educação. A análise das condições objetivas que relacionaram os agentes (ou personagens) estudados com os outros agentes envolvidos no campo da educação é de fundamental importância. Na análise das trajetórias de tais personagens negras/os, em vez de pressupor que os acontecimentos de suas vidas tenham ocorrido de forma linear, coerente, romanceada e obedecendo a uma ordem cronológica, consideraremos os diversos elos estabelecidos por esses personagens que recriaram suas próprias histórias, atentando para o contexto relacional das situações sociais e políticas de seus tempos. Assim, na análise dessas trajetórias, caracterizadas por singularidades e valores específicos, observamos que toda narrativa biográfica passa por recortes seletivos, senão pelos próprios biografados, pelos autores das biografias, visto que essas seleções dependem das posições ocupadas pelos biografados e/ou da posição que os autores das biografias pretendem acentuar.

No referido texto de Mauss (2003), através da noção de pessoa em diferentes sociedades, o autor situa o lugar da pessoa, o papel desempenhado por ela como personagem, em diferentes períodos da história e em cada sociedade. Portanto, a categoria pessoa/personagem não diz respeito às ações individuais ou ao indivíduo enquanto categoria do pensamento moderno, mas àqueles/as que, nos contextos das relações sociais e políticas tradicionais, representam os projetos e interesses das coletividades e dos segmentos sociais que fazem parte. Ainda a respeito da categoria pessoa/personagem, recorremos, também, a Pollak (1992), segundo o qual, pessoas/personagens de memória se referem às pessoas do passado que estão relacionadas aos acontecimentos que são rememorados pelas coletividades que consideram-as como suas referências socioculturais. Essas pessoas/personagens têm seus nomes empregados por segmentos sociais para nomearem lugares e monumentos, bem como têm seus nomes associados às datas comemorativas e feriados, constituindo, assim, elementos que estruturam a memória de segmentos sociais.

Sobre a noção de invisibilidade histórica relacionada à população negra do sul do Brasil, Leite (1991) analisa a invisibilidade e segregação de personagens negras que se destacaram na literatura, política e em outros cenários sociais, mas para os meios de comunicação e a história oficial, contando, inclusive, com a conivência de outras áreas dos estudos acadêmicos, era como se esses personagens nunca tivessem existido até então. Como se verifica em Leite (1991), a ciência tem compactuado e criado mecanismos que reforçam a invisibilidade dos negros como protagonistas na formação da sociedade brasileira. A invisibilização se dá nas diversas áreas, como artes, culinária, linguagem, literatura e técnicas agrícolas. Esses sujeitos foram excluídos da historiografia brasileira, reservando-lhes o lugar de pervertidos, rebeldes e inferiores. Mantê-los nesta condição fazia parte das investidas dos senhores, donos de escravizados, que estrategicamente buscavam meios para que permanecessem fora do sistema regular de ensino. Desse modo, o que se observa com a leitura da autora acima é um processo de invisibilização do negro, seja porque não intencionam revelar sua efetiva contribuição, seja porque a literatura se detém na sua ausência, na reafirmação de uma suposta inexpressividade.

Na história da educação, verifica-se que o marco legal que regulou as primeiras legislações de ensino no Brasil excluía a população negra do acesso à escola. A província de Minas Gerais foi pioneira na criação de regulamentação da instrução básica, criando a Lei nº 13, de 28 de março de 1835, cujo Art. 11 especifica que somente homens livres podiam frequentar escolas públicas. Também Goiás, Espírito Santo, Rio Grande do Norte e Mato Grosso, respectivamente, apresentavam legislações com o mesmo teor de exclusão. Na Paraíba, a primeira legislação, em 1835, não especificava quem poderia ser matriculado, porém, dois anos após, criou novo marco em que os professores eram obrigados a receber somente homens livres nas escolas. As proibições seguiram por todo o país e somente a partir da década de 1870, com a implementação do ensino noturno, começam a surgir, na Paraíba e no Paraná, espaços de inserção do negro escravizado e liberto no ensino regular (BARROS, 2016).

A vedação do acesso ao ensino público a negros escravizados e africanos era a principal característica do regime escravocrata que os enxergava como seres incapazes e intelectualmente inferiores. A suposta necessidade de controlá-los para evitar as rebeliões e fugas foi um dos argumentos utilizados para mantê-los fora da escola. Todavia, em meio a este cenário, é importante salientar o lugar ocupado pelo negro na história do Brasil e, ao contrário daquele sujeito erroneamente entendido como passivo, ou como àquele que “se voluntariou à escravidão” (BRANDÃO; SILVA, 2008, p. 425), suas lutas se fundaram e continuam se pautando na resistência aos sistemas opressores, em todos os seus níveis, como observado nas estratégias em prol do acesso ao processo de escolarização.

Segundo Dávila (2006), durante a primeira metade do século XX (entre 1917 e 1945), quando as instituições educacionais contemporâneas foram formadas, o pensamento da época estava guiado por correntes intelectuais e científicas internacionais. Imaginava-se um Brasil moderno, desenvolvido, democrático e vinculado à brancura, livre da degeneração da população. Para educadores, intelectuais, médicos e cientistas sociais era preciso criar escolas públicas, com mais recursos, oportunidades e acessíveis aos brasileiros pobres e não brancos, em sua maioria, excluídos da educação, na virada do século, transformando seu comportamento, cultura, higiene e até mesmo sua cor da pele.

Conforme escreve Cruz (2005), as abordagens históricas no Brasil sobre as experiências escolares dos negros só tiveram visibilidade a partir da década de 1960, quando ocorreu a expansão do número de vagas na rede pública de ensino.

Nesse sentido, dialogando com o trabalho de Leite (1991), este artigo tem o papel de agregar esforços no combate à invisibilidade histórica imposta aos nomes de personagens negros/as, e recuperar seu protagonismo na luta contra o racismo e pelo acesso à educação escolar na sociedade escravocrata e no pós-abolição. Ao garimpar atentamente alguns fragmentos da história da educação no Brasil, verificamos que a luta de diversos negros/as pelo acesso à educação escolar ocorreu mesmo na condição de escravizados. Registros historiográficos demonstram tais fatos e apresentamos, nesta introdução, apenas alguns nomes desses/as personagens negros/as que se destacam no decorrer dos séculos XIX e XX: a) Preto Cosme (1802-1842), responsável pelo projeto de criação de uma escola no quilombo de Lagoa Amarela, no Maranhão; b) Luiz Gama (1830-1882), escritor e militante pela libertação dos escravizados; c) Virgínia Leone Bicudo (1910-2003), socióloga e psicanalista; d) Abdias do Nascimento (1914-2011), ativista negro, professor, escritor, ator, criador do Teatro Experimental do Negro (RJ) e político; e) Maria Beatriz Nascimento (1942-1995), historiadora, professora, poeta, roteirista e escritora; e f) Lélia Gonzalez (1935-1994), escritora e professora de filosofia e antropologia.

Esses são alguns exemplos de personagens negros/as protagonistas que, por meio de suas ações, se tornaram referências aos descendentes de africanos no Brasil por meio de sua inserção ao universo educacional1. Embora já fizessem parte da memória das organizações de movimentos negros, esses/as e muitos/as outros/as personagens têm ressurgido com muita persistência a partir do início do século XXI na memória e nos escritos de militantes, intelectuais e estudantes negros/as, sob os argumentos políticos/jurídicos da necessidade de fazer implementar as determinações da Lei 10.639/2003. Esses personagens vêm sendo interpretados como referências e inspirações para fortalecer os sentimentos de autoestima e identidade de jovens negros/as, visando inscrever os nomes desses ancestrais na história de acesso à educação escolar, não deixando-os cair no esquecimento e invisibilidade.

Conforme argumentam nossos entrevistados, a Lei 10.639/2003 estabelece que a história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil (inclusive pelo acesso à educação escolar em todos os níveis), a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional devem ser incluídas em todo o currículo escolar ou em todos os níveis de ensino, considerando os africanos e seus descendentes que participaram do processo de construção da sociedade nacional brasileira. Argumentam, ainda, que, em suas interpretações da referida Lei, as disciplinas que compõem as grades curriculares da educação de todos os níveis, inclusive da graduação e da pós-graduação, devem “resgatar a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil” (Lei 10.639/2003). Complementando o que estabelece a referida Lei, nossos entrevistados argumentam que ela estabelece que os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira, incluindo história, memórias e cultura de personagens afro-brasileiros, devem ser ministrados no âmbito de todo o currículo escolar.

Por tais razões, nas linhas que seguem, analisaremos, no primeiro tópico, dados de pesquisas sobre a inclusão da cultura africana e afro-brasileira no currículo escolar, principalmente a partir de entrevistas com estudantes negros/as e quilombolas. No segundo tópico, analisaremos algumas considerações sobre o uso da escrita e trajetórias de acesso ao processo de escolarização de afro-brasileiros, isto é, de negros/as e quilombolas.

2 A INSERÇÃO DA HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA NO CURRÍCULO ESCOLAR

Mediante pesquisas e vivências, por parte das autoras e do autor deste artigo, pode-se observar, a partir das narrativas trazidas pelos estudantes negros/as em entrevistas, que a descolonização dos currículos e a relevância do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira é parte do movimento que vem sendo empreendido nas escolas de nível fundamental e médio e nas universidades, pelos discentes negros e quilombolas.

Os/As entrevistados/as mencionam a necessidade de serem incluídos/as, nos conteúdos curriculares de seus cursos, autores/as africanos/as e afrodescendentes no Brasil e da diáspora que estudam e escrevem sobre história e culturas negras do passado e do presente. Tais autores, história e culturas negras, ao que indicam, se tornaram, além de símbolos demarcadores da identidade desses jovens negros/as e quilombolas, também personagens e elementos demarcadores de memórias afro-brasileiras na academia. Esse movimento ainda foi demonstrado em diferentes estudos, como Gomes (2017), Lima (2020) e Oliveira (2018).

O estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), aqui denominado J, entrevistado na pesquisa realizada por Trindade (2018), por exemplo, sinaliza que, junto com seus colegas, busca comprar ou conseguir livros de autores/as negros/as e sempre cria estratégias de encaixar as obras na disciplina cujos “currículos são brancos”. Já houve caso de uma professora do curso de psicologia procurar por ele para auxiliá-la na construção do programa de aula. A fala do universitário evidencia que debater e discutir sobre raça, racismo e relações raciais são ações que passam a ser cada vez mais reivindicadas dentro do espaço da universidade e os professores e demais funcionários precisam conhecer sobre esses temas. Com isso, os/as discentes negros/as são chamados/as para opinar. Os saberes e aprendizados destes/as são reconhecidos e entram em ação, dialogando com outros saberes e ignorâncias, conforme evidencia Gomes (2017).

Estas reivindicações e pressões internas dos/das estudantes também podem ser verificadas na nota emitida pelos discentes do curso de Ciências Sociais da Ufes, integrantes do coletivo Negros e Negras das CSOs, em novembro de 2017, para o Departamento de Ciências Sociais - DCSO/Ufes, solicitando a inclusão de pelo menos dois autores/as negros/as na grade curricular da graduação em Ciências Sociais.

No estudo de Alves (2020), também os estudantes quilombolas mencionam a ausência da cultura negra nas escolas municipais e estaduais do município de Santa Leopoldina (ES), que recebem os estudantes do quilombo de Os Benvindos. Dos/as quilombolas já formados/as em cursos universitários, M e A, ambos lideranças comunitárias e M, professora, questionam a ausência de diálogo do Centro Municipal Educação Infantil (Cemei), existente na comunidade, com os mestres da cultura quilombola tradicional local. O currículo escolar ignora a cultura e os saberes quilombolas tradicionais locais, contribuindo para a invisibilidade e silenciamento da cultura, memória e história da comunidade quilombola local e, de modo mais geral, também dos negros e quilombolas no estado do Espírito Santo. Ainda no contexto local, V relata, a partir de sua experiência como professor, a importância da cultura afro-brasileira no currículo escolar para a construção e afirmação da identidade quilombola. À medida que ele e alguns professores introduziram, ainda que de forma incipiente, a discussão da cultura e história quilombolas na escola em que atua no município, os estudantes quilombolas de Retiro, que cursam o ensino fundamental e médio, passaram a se sentir parte desta cultura e história e a falar de si, de sua comunidade e de sua cultura tradicional. Na interpretação do referido professor, iniciou-se uma espécie de ruptura com o silêncio de suas culturas e identidades. Esses dados etnográficos, a partir de pesquisa em uma comunidade quilombola do Espírito Santo, evidenciam, deste modo, que a inserção da história e cultura afro-brasileira nos currículos escolares é uma reivindicação que faz parte de estratégias construídas para o enfrentamento e combate ao racismo, segregação, invisibilidade e silenciamento de memórias e culturas de comunidades e personagens afro-brasileiras.

Conforme os dados etnográficos acima, cabe observar que, desde o início do século XX, a luta pelo direito à educação escolar esteve na pauta das organizações negras como estratégia de superação do racismo. E vale relembrar que, em 1983, o deputado federal Abdias do Nascimento já havia elaborado o projeto de Lei nº 1.332 para incorporação no currículo escolar e acadêmico de conteúdos relacionados às civilizações africanas e à cultura de seus descendentes no Brasil, mas o projeto não foi aprovado. No entanto, segundo os discursos de lideranças de organizações de movimentos negros, o projeto de Abdias representa uma etapa da luta dos descendentes de africanos que se iniciou antes dele e que tem continuidade após sua atuação no parlamento e depois de sua morte, o que o transformou em um dos personagens da memória da luta do povo negro pelo acesso à educação escolar em todos os níveis e pela inclusão da história e cultura africana e afro-brasileira nos diferentes níveis de educação.

No contexto capixaba, Forde (2016) salienta em seu estudo que as organizações de movimento negro buscavam uma educação que empoderasse a população negra ao educar e socializar as crianças desde pequenas, através de um referencial “negro positivo”. Várias foram as ações e projetos desenvolvidos na área da educação. Ao incentivar as escolas a implementar práticas curriculares com foco na negritude, o movimento coloca em pauta a inclusão da história e cultura no currículo. Para alguns dos entrevistados de Forde (2016), não bastava apenas incluir conteúdos curriculares, também era preciso transformar o modelo de educação, visando a transformar o padrão de relações étnico-raciais. O pensamento negro capixaba não aceita a hegemonia da matriz eurocentrada no currículo da educação escolar e rebate essa hegemonia, propondo e reivindicando a diversidade no currículo com a inclusão da história e cultura afro-brasileira, o que tem contribuído inclusive para que o movimento indígena do Espírito Santo pela educação entre nos embates pela diversificação do currículo, considerando a história e culturas dos povos indígenas.

A educação foi ponto de pauta crescente, sobretudo nos anos de 1990. Nesse período, foram registradas outras ações do movimento negro capixaba, tais como:

[...] realização do 1° Seminário Nacional de Entidades Negras na Área da Educação (Senenae); constituição da Comissão Intersecretarial na Sedu-ES para inclusão da História e Cultura do Povo Negro nos Currículos Escolares da Rede Estadual de Ensino; e a criação do Conselho Municipal do Negro no Município de Vitória (Conegro-Vitória) (FORDE, 2016, p. 152).

No âmbito do poder público, também foi criado um conjunto de marcos legais, um deles, direcionado à educação, à Lei 4.803/1998, que institui a inclusão da História Afro-Brasileira no currículo escolar do município de Vitória (FORDE, 2016). No final da década de 1990, o Centro da Cultura Negra (Cecun) protocolou, na Ufes, uma proposição de cotas para negros, a criação de um Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB-UFES) em 1996, e a inclusão nos currículos dos cursos disciplinas referentes à História e Cultura Afro-Brasileira (FORDE, 2016; SANTOS, 2014).

Assim, no contexto de lutas das organizações de movimento negro, no âmbito das políticas afirmativas, surge, na educação básica, a aprovação da Lei n° 10.639/2003, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da educação nacional, e tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até o ensino médio. Em 2004, ocorreu a aprovação de suas diretrizes que propõem novas perspectivas curriculares para o estudo da história e cultura afro-brasileira e africana. Trata-se do que pode ser caracterizado como educação das relações étnico-raciais, alertando para a necessidade de formação de professores, tanto para ministrar os temas propostos pela lei, quanto para a inclusão, nos currículos, da discussão das relações étnico-raciais em todos os níveis de ensino; exigindo, portanto, do ensino superior o compromisso com o desenvolvimento da formação e o conhecimento.

Este foi um importante movimento que abriu espaço para a construção de uma educação antirracista e a possibilidade, principalmente, no âmbito da educação superior, haja vista a universidade com a função de formação e fomento do pensamento crítico, profissionais preparados e informados sobre as diferenças e desigualdades existentes na sociedade brasileira.

Os/as discentes entrevistados/as questionam o despreparo de muitos professores para estimular os discentes a pensar criticamente outras questões que estão fora da grade curricular ou mesmo lidar com as relações raciais. Muitos/as ainda agem com posturas racistas e visão de mundo eurocêntrica e elitista. Podemos recordar, na Ufes, do caso do professor Malaguti que, no ano de 2014, em uma aula ministrada para estudantes do curso de Ciências Sociais, expôs que “detestaria ser atendido por um médico ou advogado negro”. Essa situação, conforme escreve Trindade (2018), repercutiu na grande mídia impressa e televisada em rede nacional.

Observamos que por mais que tenha se ampliado o acesso de estudantes negros/as e quilombolas no ensino superior, o governo não ofereceu recursos objetivos para que, de fato, isso se materializasse. Por isso, ainda é possível perceber o anseio dos estudantes negros/as e quilombolas por mudanças na estrutura curricular das escolas e universidades, entre outras demandas, mediante uma invisibilização da produção de conhecimento de um grupo sobre outro, a priorização das culturas hegemônicas. Para esses/as estudantes, é necessário tornar o ambiente mais democrático e diverso, de modo que todos os saberes e culturas sejam contemplados/as e valorizados/as.

Tendo em vista, que não é de hoje, os constantes e não visivelmente manifestos, os expressivos ataques ao ensino público brasileiro, é preciso defender uma educação pública laica e de qualidade em todos os níveis de ensino, mesmo frente às crises econômica, social e política que o país vem atravessando nos últimos anos. Sabendo que, principalmente, as universidades são estruturas rígidas e normatizadas, por isso, essa luta por mudanças implica conflitos, confrontos e constantes negociações para que, de fato, tenhamos “uma educação que incorpore a negritude na sua matriz curricular e esteja comprometida com o combate ao racismo” (FORDE, 2016, p. 115).

Assim, passamos para o próximo tópico quando trataremos de apresentar, de maneira sucinta, a trajetória de alguns personagens negros/as que têm sido amplamente mencionados e reivindicados como importantes referências para estudantes, professores e pesquisadores negros e quilombolas de diferentes níveis de ensino.

3 HISTÓRIA E MEMÓRIA DE ALGUNS PERSONAGENS NEGROS/AS NA EDUCAÇÃO ESCOLAR

Desde o período colonial o projeto de educação estava voltado para atender aos interesses da elite branca brasileira, restringindo, assim, o acesso à educação escolar para a população negra. No entanto, mesmo com todas as dificuldades e esforço realizado por muitas famílias negras para que seus filhos/as tivessem acesso à educação escolar, tendo em vista que isso era algo raro no começo no século XX (1° de janeiro de 1901 a 31 de dezembro de 2000), muitos negros, através de diferentes mecanismos, conquistaram o título universitário e obtiveram sucesso na carreira escolhida.

Pouca importância tem sido dada na história oficial ao protagonismo da população e de personagens negras. O silêncio ainda existente sobre a participação do homem negro ou da mulher negra na história do Brasil retrata uma das situações mais perversas presentes na sociedade brasileira relacionada ao racismo e ao preconceito. Aprendemos na escola que as grandes invenções, as principais lideranças do país foram protagonizadas por pessoas brancas. Poucos são os negros conhecidos e reconhecidos pela história oficial do Brasil. Há uma ausência de registros nesse plano da história, muitos não chegaram nem ser conhecidos(as), são “silenciados/ ocultados” pelas memórias brancas.

Antes de entrar nas trajetórias dos personagens negros propriamente ditos, dois dos quais ainda do século XIX, é importante destacar alguns dados antropológicos e historiográficos que envolveram a população negra e o acesso à escrita no mesmo século. Trata-se do uso político da escrita, feito pelos negros muçulmanos no Brasil. Deste modo, no que se refere à educação escolar, mesmo que as regras gerais para os negros fosse mantê-los afastados dos centros de ensino que proporcionavam o acesso à escrita e à leitura, vieram para o Brasil, da área mais penetrada pelo islamismo, negros maometanos de cultura letrada, ao que escreve Freyre (2006), superior à da grande maioria dos colonos brancos. O movimento Malê na Bahia é exemplo do quão grande é o destaque da cultura escrita de africanos escravizados, tanto que se configurou um movimento diferente das simples revoltas dos escravos africanos do período colonial. Em Freyre (2006), por exemplo, há registros que apontam o fato de que quase todos os escravos revoltosos sabiam ler e escrever em caracteres que se assemelhavam ao árabe, e o autor sinaliza, ainda, embora com outros propósitos, que talvez houvesse nas senzalas da Bahia, de 1835, maior número de gente sabendo ler e escrever do que no alto das casas-grandes.

Morais (2007) também faz menção a esta relação dos negros muçulmanos com a escrita. Segundo a autora, neste mesmo movimento, foram encontrados amuletos nos corpos dos revoltosos mortos que continham papéis escritos em árabe, produzido por escravizados muçulmanos, com a finalidade de proteção aos males de outros escravizados. A autora menciona, ainda, outros dois importantes documentos achados desta época: “um “livrinho malê” de 7,4 x 5cm, contendo 102 folhas (94 escritas em árabe) e um documento avulso de 41 a 32,2cm” (MORAIS, 2007, p. 496), contendo orações islâmicas ou passagem do Corão, ambos sob a guarda do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Estes fatos vão de encontro com as visões distorcidas construídas sobre os africanos que lhes atribuem uma suposta incapacidade intelectual, que ainda persiste nos dias atuais.

Tais conhecimentos provenientes de sua terra de origem permitiu que fossem realizados, no Brasil, diversos empreendimentos na área da educação. Os negros de cultura maometana, forçosamente trazidos para cá, criaram escolas e casas de oração, movimentos e organizações que demonstravam a expressividade dos malês em meio aos africanos. Pode-se observar2 que desde 1833 os negros escravizados sabiam ler e escrever e chegavam a recitar poemas de Castro Alves e Gonçalves Dias. Eram alfabetizados e, em alguns casos, mais letrados que seus senhores, causando grande espanto aos fazendeiros paulistas.

Além disso, por volta de 18363, há registros sobre a influência que a cultura árabe exercia sobre os escravizados baianos, atribuindo o fato de sua difícil dominação, ao contato estabelecido com os mouros e árabes. Muitos, entre eles, liam e escreviam o arábico. Do mesmo modo, havia a presença de escolas de negros em Pernambuco, bem como as aulas de catecismo e os emissários no Pará4. Nota-se, com isso, o protagonismo dos negros muçulmanos na criação de escolas na Bahia, em Pernambuco e no Pará, que eram usadas não somente como casas de oração, mas também para ensinar a ler e escrever em árabe, bem como em português (FREYRE, 1963).

Como verificado na literatura usada sobre o assunto, entre outros Freyre (2006), Leite (1945), Silva (2002) e Ferreira (2008), desde o período da escravidão, os negros escravizados e alforriados já possuíam ciência da fundamental importância que o acesso à escrita poderia exercer sobre suas vidas. Outros registros historiográficos também dialogam com a ideia que o movimento realizado pela população negra (organizada ou não), em busca do acesso à educação escolar, não é algo recente neste processo político histórico, pois, durante o período escravocrata, são encontrados registros de diversos casos de personagens negras/os que almejavam conquistar suas autonomias políticas e econômicas pelo acesso à educação escolar.

Com esses primeiros dados referentes ao século XIX, trazemos um breve resumo, apoiando-nos em diferentes textos e autores (BORGES, 2009; FERREIRA, 2008; DAMACENO, 2016; GOMES, 2013; RATTS, 2006; NASCIMENTO, 1980) sobre a trajetória de alguns personagens negros/as, tais como: Cosme Bento das Chagas, Luiz Gama, Abdias Nascimento, Virgínia Leone Bicudo, Beatriz Nascimento e Lélia de Almeida Gonzalez. Estes, assim como tantos outros/as personagens, são reivindicados por estudantes negros/as e quilombolas para que sejam trabalhados nas escolas e universidades, como vimos no tópico anterior.

Cosme Bento das Chagas, conhecido como Preto Cosme, nasceu em Sobral (CE) por volta de 1800. Nasceu livre, e sabia ler e escrever. Em 1839 iniciou sua participação na Guerra da Balaiada (1838-1841), liderando os escravizados nas várias fazendas às margens do Rio Itapecuru, suas ações neste movimento o deixaram conhecido como Imperador da Liberdade. Durante este período, no estado do Maranhão, na localidade de Lagoa Amarela, foi fundado um dos maiores quilombos e, nele, Preto Cosme protagonizou a criação de uma escola para que os quilombolas pudessem aprender a ler e escrever. A escola significava para Preto Cosme a possibilidade de os negros escreverem a própria história. Por esta iniciativa, é reconhecido como força expressiva dos interesses quilombolas e luta contra a escravidão. Preto Cosme foi enforcado em 1842, em Itapecuru, na Praça da Cruz, mas deixou marcada toda sua valentia em prol da luta pela liberdade do povo escravizado (BORGES, 2009).

Por sua ação política, Preto Cosme, como ficou conhecido entre as lideranças das organizações de movimentos negros e quilombolas, é visto como um dos ancestrais políticos das lideranças atuais nas lutas por direitos de acesso à terra-território e à educação escolar. Um exemplo disso, está no poema de Magno José Cruz, militante do movimento negro e quilombola do Maranhão, que descreve algumas ações de Preto Cosme. O poema é denominado “A Epopéia dos Guerreiros Balaios na Versão do Oprimido”. Os versos trazem à tona parte da trajetória de Preto Cosme e o que este representou ao lutar, bravamente, pela libertação dos escravizados e pela autonomia do quilombo. Retratam, ainda, o modo de vida do grupo que era liderado por Cosme e a relevância que é atribuída ao protagonismo dos quilombolas na luta pela construção, acesso e permanência aos territórios e aos lugares de transmissão da cultura escrita. Como observamos no discurso poético-político de Magno Cruz e nos discursos de outras lideranças quilombolas da atualidade, com as quais temos dialogado em nossas pesquisas, de uma forma ou de outra, essas (terra e educação) sempre foram as bandeiras e pautas de lutas do movimento quilombola.

Luiz Gama foi um intelectual negro, autodidata, único, a ter sofrido escravidão antes de integrar a república das letras, universo reservado aos brancos. Brasileiro, filho de africana e pai de origem portuguesa foi vendido por este como escravo quando ainda era criança. Sua trajetória apresenta processos dicotômicos: de criança livre, tornou-se criança escrava; de escravo, tornou-se homem livre; passou de analfabeto a homem de letras5, de “não cidadão” a homem político, do anonimato à notoriedade. Exerceu diversas funções, tais como escravo doméstico, soldado, ordenança, copista, secretário, tipógrafo, jornalista, advogado e autoridade maçônica. Advogou em prol dos escravizados, desafiando os poderes instituídos, dos juízes às altas autoridades da província, defendendo pessoas livres, criminosamente escravizadas, auxiliando suas alforrias. Luiz Gama, considerado “o grande homem”, fez coincidir sua determinação individual com a vontade coletiva de uma época, seu sonho era a luta em prol de “um Brasil americano, sem reis e sem escravos”. Sua obra Primeiras Trovas é classificada como a primeira vez, na literatura brasileira, que um negro ousara denunciar os paradoxos políticos, éticos e morais da sociedade imperial (FERREIRA, 2008).

Por meio da carta que escreveu a seu amigo Lúcio Mendonça6, Gama mostra um pouco de sua trajetória e seu legado enquanto abolicionista e militante republicano. Mais uma vez, observamos, na história, o papel fundamental da escrita na vida de um homem negro ou mesmo do segmento social, e étnico-racial, que ele representa. Percebemos que Gama a utilizou como forma de denúncia de um sistema opressor e como meio de combate às desigualdades sociais e raciais. Trechos de sua carta a Lúcio Mendonça retratam este fato:

Em 1847, contava eu 17 anos, quando para a casa do senhor Cardoso veio morar, como hóspede, para estudar humanidades, tendo deixado a cidade de Campinas, onde morava, o menino Antônio Rodrigues do Prado Junior, hoje doutor em direito, ex-magistrado de elevados méritos, e residente em Mogi Guaçú, onde hoje é fazendeiro. [...] Fizemos amizade íntima, de irmãos diletos, e ele começou a ensinar-me as primeiras letras. Em 1848, sabendo eu ler e contar alguma cousa, e tendo obtido ardilosa e secretamente provas inconcussas de minha liberdade, retirei-me, fugindo, da casa do alferes Antônio Pereira Cardoso, que aliás votava-me a maior estima, e fui assentar praça. Servi até 1854, seis anos; cheguei a cabo de esquadra graduado, e tive baixa de serviço, depois de responder a conselho, por ato de suposta insubordinação, quando tinha-me limitado a ameaçar um oficial insolente, que me havia insultado e que soube conter-se (COSTA, 2018, p. 132).

O trecho acima e o trecho a seguir revelam duas visões antagônicas e, ao mesmo tempo, complementares no que tange ao debate sobre as concepções de quilombos e dos quilombolas no Brasil: de um lado, sujeitos sociais que demarcam a resistência pela fuga ao trabalho escravizado; de outro, a interação com agentes mediadores (primeiro, António Rodrigues do Prado Junior e depois, Lúcio Mendonça) que facilitam adotar estratégias para acessar o universo da cultura escolar, até então considerado, pela elite branca, um mundo exclusivo para seus filhos, e excludente à população negra e quilombola. Também narra o momento em que encontrou o amigo Lúcio:

Agora chego ao período em que, meu caro Lúcio, nos encontramos no "Ipiranga", à rua do Carmo, tu, como tipógrafo, poeta, tradutor e folhetinista principiante; eu, como simples aprendiz-compositor, de onde saí para o foro e para a tribuna, onde ganho o pão para mim e para os meus, que são todos os pobres, todos os infelizes; e para os míseros escravos, que, em número superior a 500, tenho arrancado às garras do crime (COSTA, 2018, p. 133).

Os dois relatos demonstram que Gama reconquistou sua liberdade após aprender a ler e escrever, o que propiciou juntar provas suficientes para demonstrar que era homem livre antes de ser vendido como escravo pelo seu pai. O acesso à escrita o tornou homem liberto e o fez libertar vários outros escravizados já que advogou nesta causa. Trazer as narrativas destas representatividades para o centro da discussão acadêmica é uma forma de resistir ao sistema hegemônico e segregador até hoje estabelecido, em que vozes são silenciadas, histórias são invisibilizadas (LEITE, 1991) e negadas e vidas negras são ceifadas. Tornar essas histórias evidente é relevante, uma vez que podem servir de inspiração para que negros e negras construam suas trajetórias com a esperança de que, em meio às limitações postas por uma sociedade excludente e racista, existe um modo de vida possível a ser alcançado.

Virgínia Leone Bicudo, nascida em 1910, em São Paulo, filha de Giovanna Leone, imigrante italiana e de Theofilo Júlio Bicudo, um jovem negro. Conforme escreve Gomes (2013, p. 48), “Virgínia Leone Bicudo recebeu o prenome da avó e os sobrenomes da mãe e do padrinho do pai”. Ela gostava de estudar e era bastante aplicada, seguindo as recomendações do pai. Teve acesso a uma escola de classe social distinta da sua. Formou-se no curso de Magistério; atuou como educadora sanitária na Seção de Higiene Mental; como visitadora psiquiátrica e, em seguida, supervisora das visitadoras na Clínica de Orientação Infantil de São Paulo. Como educadora sanitária, teve mais independência financeira e tornou-se funcionária pública, aposentando-se em 1962, como “psicologista” (GOMES, 2013). “Formou-se em 1938 em Ciências Políticas e Sociais pela Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP), cursou o mestrado em Sociologia (1941 e 1944), adotando a escola e a família como laboratório de pesquisas sobre relações raciais na sociologia brasileira” (GOMES, 2013, p. 100). Em 1945, defendeu sua dissertação, intitulada Estudos de Atitudes Raciais de Pretos e Mulatos em São Paulo (DAMACENO, 2016).

Em sua dissertação, Virgínia Bicudo “[...] discute a importância da formação de associações negras, como a Frente Negra Brasileira, na mobilização contra os obstáculos para a ascensão social dos negros” (GOMES, 2013, p. 16). Ela não aceitou que a norma geral do pensamento brasileiro era de que se vivia uma harmonia racial, provando a existência do preconceito de cor social do negro no Brasil e negando a possibilidade de embranquecimento social do negro em ascensão. A ascensão era para Virgínia o que estimulava a consciência de cor entre os negros, tendo em vista que, livres das restrições econômicas, eles sentiam na pele o preconceito de cor ao não serem incorporados na classe média branca. Por isso, existiam as associações negras e tinha uma consciência política. A sua dissertação, de apenas 65 páginas, foi publicada, em 1947, em uma das principais publicações da época, a revista Sociologia (DAMACENO, 2016).

Após defesa da sua dissertação, ela começou a lecionar na ELSP, sendo uma das primeiras professoras universitárias negras do Brasil. Por conta desta condição, foi convidada a participar do projeto Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em São Paulo, sob a coordenação de Roger Bastide e Florestan Fernandes. Foi quando escreveu seu segundo trabalho sobre relações raciais, Atitudes de Alunos de Grupos Escolares em Relação com a Cor dos seus colegas (1955). Esse trabalho foi publicado nos dois primeiros momentos do projeto Unesco (1953/ 1955) na Revista Anhembi, prestadora de serviço. No entanto, em outra publicação de 1959, que foi a versão final do projeto, o trabalho dela foi excluído. Com isso, o estudo de Virgínia Bicudo não ficou conhecido. Nas palavras de Gomes (2013, p. 147), “[...] o texto sumiu no tempo”. Esse trabalho foi o único a concluir a existência do preconceito racial no Brasil. Após a conclusão desses dois trabalhos, ela nunca mais escreveu sobre o tema (DAMACENO, 2016; GOMES, 2013).

Abdias do Nascimento foi poeta, ator, escritor, dramaturgo, artista plástico, professor universitário, político, ativista dos direitos civis e elementares da população negra e traz em suas ideias uma importante contribuição para as reflexões sobre a inserção social do negro no interior da sociedade brasileira. O Teatro Experimental do Negro (TEN), por exemplo, foi um espaço que propiciou aos descendentes de africanos uma inserção no universo educacional. Uma iniciativa criada por Abdias, em 1944, no Rio de Janeiro, que a partir de sua experiência como espectador em uma peça teatral, presenciou a representação de um herói branco tingido de preto. Tal cena lhe causara indagações e indignações que culminaram na criação de um espaço teatral que pudesse fornecer aos negros o protagonismo necessário para que fossem sujeitos e heróis das histórias que representavam. O objetivo era trabalhar a valorização social do negro no Brasil, por meio de cultura, educação e arte, indo de encontro com a cultura europeia dominante desde a colônia (NASCIMENTO, 1980).

Desse modo, o TEN pode ser pensado como uma organização concebida como instrumento de redenção e resgate dos valores negros africanos relegados a um plano inferior no contexto da cultura brasileira, que enfatiza os elementos bancos europeus. É um laboratório de experimentação cultural, artístico cujo trabalho, ação e produção explícita é enfrentar a supremacia cultural elitista das classes dominantes. Ele desmascarou, sistematicamente, a hipocrisia racial que permeia a nação, e desmascarou a “democracia racial”, disfarce utilizado pelas classes dominantes para permanecer usufruindo do monopólio de privilégios de toda espécie, enquanto os descendentes de africanos permaneciam sem usufruir de qualquer benefício social e econômico, sendo considerados sujeitos desqualificados. E além disso, alienados de si mesmo e de seus interesses, dotados pela falaciosidade da democracia racial. Algumas ações do Teatro Experimental do Negro estiveram voltadas para a organização e patrocínio de cursos, conferências nacionais, concursos e congressos, ampliando as possibilidades de o afro-brasileiro analisar, discutir, trocar informações e experiências (NASCIMENTO, 2002).

Segundo Oliveira (2019), na criação do TEN está inscrita a ideia de “quilombismo” de Abdias Nascimento que confere novos significados ao quilombo. O quilombismo é visto como um projeto de organização sociopolítica contra o racismo no Brasil, e pretendia elevar os descendentes de africanos ao poder político democrático. Se confronta com as premissas do mundo capitalista, pautado no individualismo, e se fundamenta como um sistema econômico, social e político, pautado nas concepções de comunitarismo, visto que se baseia no uso coletivo dos meios de produção e outros elementos da natureza. O objetivo do quilombismo é a implantação de um Estado Nacional quilombista, inspirado no modelo de Palmares no século XVII e em outros quilombos existentes no país. Desse modo, a trajetória de Abdias do Nascimento aponta que ele foi um personagem com atuação importante em prol dos negros e quilombolas, em especial nas áreas da cultura e educação, por isso é referenciado neste estudo e visto, também, como inspiração na luta antirracista protagonizada por negros e quilombolas.

Maria Beatriz Nascimento nasceu em Aracajú, Sergipe, em 12 de junho de 1942, filha de Rubina Pereira do Nascimento e Francisco Xavier do Nascimento, sendo a oitava entre 10 irmãos. Aos 7 anos, migrou com a família para o Rio de Janeiro, se estabelecendo no subúrbio da cidade. Entre 1968 e 1971 cursou história na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, posteriormente, tornou-se professora de história na rede estadual de ensino do RJ. Em sua militância, participou de grupos de ativistas negros (as), formando núcleos de estudos, entre eles, o Grupo de Trabalho André Rebouças7, na Universidade Federal de Fluminense e do Movimento Negro Unificado. O Filme Ori8, de 1989, narra sua militância sendo uma obra conhecida e até hoje visitada para quem deseja se debruçar sobre sua trajetória; ele retrata os movimentos negros brasileiros entre 1977 e 1988, discorrendo sobre a relação Brasil e África, focando o quilombo como ideia central da narrativa. A história de Beatriz Nascimento nos revela uma mulher, negra, nordestina, migrante, professora, historiadora, poeta, ativista e pensadora (RATTS, 2006, p. 28). Uma grande inspiração para os negros, em especial as mulheres, que sempre tiveram um lugar renegado nesta sociedade brasileira machista, fundada no patriarcado.

Em sua trajetória acadêmica, Beatriz Nascimento dedicou-se aos estudos das relações étnico-raciais, com foco principal nos quilombos que a seu ver apresenta uma conotação ideológica e doutrinária no sentido de agregação, de comunidade, de luta, onde os negros vivem um processo de autorreconhecimento enquanto pessoas que devem lutar por melhores condições de vida, uma vez que as merecem por serem parte desta sociedade (ORI, 1989). Beatriz Nascimento enfatiza a importância do quilombo nas vidas dos negros e lembra que seu significado está além de um espaço geográfico, se configura um território em nível de simbologia, como observado no trecho: “A terra é o meu quilombo, meu espaço é o meu quilombo, onde eu estou, eu estou; onde eu estou, eu sou” (ORI, 1989, on-line).

Pelo observado em pesquisa de campo realizada por Alves (2020), também os quilombolas de Retiro possuem esta percepção acerca do significado do quilombo, e entendem a terra-território como lugar onde se organizam geograficamente, dentro de uma totalidade que envolve toda construção de sua história ancestral. Esta é uma das reflexões possíveis a partir da trajetória de Beatriz Nascimento, personagem histórica e intelectual negra a quem atribuímos importância neste estudo, por seu posicionamento e estudos perspicazes e por ter ousado refletir sobre os quilombos e inserir este tema nas academias brasileiras, consideradas espaço pertencentes às elites brancas.

Lélia de Almeida Gonzalez nasceu em 1935, em Belo Horizonte, Minas Gerais e morreu em 11 de julho de 1994. Seu pai era um ferroviário negro e sua mãe de origem indígena e empregada doméstica. Lélia foi a penúltima dos 18 irmãos. Em 1942, migrou para o Rio de Janeiro, então capital do país, com sua família em busca de melhores condições de vida, após a morte do pai. Jaime de Almeida, irmão mais velho, havia sido contratado por um time de futebol carioca. O primeiro emprego de Lélia, na adolescência, foi como babá. Foi a única dos seus irmãos a conseguir um alto grau de escolaridade, graduou-se em História e depois em Filosofia. Iniciou como professora secundária e, após, seguiu carreira docente, ocupando cadeiras em importantes universidades, tais como a Pontifícia Universidade Católica e Universidade Estadual do Rio de Janeiro (RIOS; RATTS, 2016; VIANA; GOMES, 2010).

O seu engajamento na luta contra o racismo começou no início dos anos 1970, num período de fortes repressões militares. “O racismo foi, pois, uma experiência que a enegreceu, ou como ela gostava de dizer acerca das relações raciais em seu país natal: não se nasce negro, torna-se” (RIOS; RATTS, 2016, p. 388). Em 1976, criou o primeiro Curso de Cultura Negra no Brasil, na Escola de Artes Visuais, no Parque Lage no Rio de Janeiro, com enfoque nas instituições, nos valores culturais negros, assim como sua presença na cultura brasileira. Debatendo a questão racial com o objetivo de incentivar o engajamento de ativistas, Lélia percorreu o Brasil dando cursos e seminários. Posicionou o seu lugar de mulher negra e militante mediante sua experiência no Movimento Negro Unificado (MNU) e membro do Grêmio Recreativo de Arte Negra e Escola de Samba Quilombo. Lélia Gonzalez foi pioneira em articular racismo e sexismo, apropriando-se de consciência e de memória (VIANA; GOMES, 2010).

Como ativista do movimento feminista fez crítica ao discurso desse movimento sobre a mulher negra, já que viam a atuação delas como sendo agressiva e polêmica. “Essa articulação realizada pelas mulheres negras criou condições políticas para que as questões relativas à raça e gênero surgissem com força nos movimentos sociais no Brasil, no final dos anos 70” (VIANA; GOMES, 2010, p. 82). Rios e Ratts (2016) complementam, afirmando que “essa talvez seja uma das principais motivações para o crescimento dos interesses acadêmicos e políticos na produção intelectual de Lélia Gonzalez” (RIOS; RATTS, 2016, p. 389). A articulação entre raça, classe e gênero estava no centro do pensamento dela. O desafio dela, de acordo com esse autor, foi de articular raça e classe com sexo e classe. “É nessa correlação analítica que Lélia consegue antecipar no Brasil a recepção do que viria a ser chamado, uma década depois, de abordagem interseccional” (RIOS; RATTS, 2016, p. 397).

Por tanto, suas principais contribuições intelectuais, além da crítica radical ao pensamento social brasileiro e à cultura nacional, tendo deslocado os ensaios políticos para uma abordagem cultural, também buscava “[...] a construção original de uma categoria transnacional, capaz de abarcar a diáspora negra nas Américas, qual seja: Amefricanidades” (RIOS; RATTS, 2016, p. 389). Para Lélia Gonzalez, esse conceito recoloca as identidades negras indígenas de todo o continente americano.

Pelas pesquisas e produção intelectual sobre a trajetória acadêmica de Lélia Gonzalez, realizadas por estudantes, militantes e acadêmicos negros/as, que aqui foram citadas e diversas outras que não foram, mas que são de nosso conhecimento, podemos concluir que ela se tornou uma relevante referência para esses/as agentes no universo político e acadêmico. Nos termos que estamos analisando, a partir de Pollak (1989 e 1992), ela se tornou um personagem de memória sobre o acesso e a permanência na academia, na militância e na trajetória intelectual.

Na contemporaneidade, principalmente após a implementação da política de reserva de vagas reafirmada pela promulgação da Lei n° 12.711 de 29 de agosto de 2012 (conhecida como Lei de cotas), fruto de embates travados pelas organizações de movimentos negros pelo acesso à educação escolar desde a década de 1930, presenciamos um aumento significativo de estudantes autodeclarados negros nas universidades públicas brasileiras. Estes, por sua vez, ao perceberem que esses espaços ainda mantêm uma postura eurocêntrica e racista e perpetuam práticas elitistas, caracterizando-se como não sendo tão acolhedores à população negra e às discussões e estudos de epistemologias negras, passam a provocar as instituições de ensino para que suas reivindicações sejam atendidas e assim, serem reconhecidos, sobretudo em suas diferenças étnico-raciais e culturais. Por isso, entendem que os currículos das escolas dos ensinos fundamental e médio e das universidades devem contemplar as diversidades e diferenças étnico-raciais e culturais dos povos que participaram da formação social, econômica, política e cultural do Brasil.

4 CONCLUSÃO

O ponto de partida deste artigo foram os resultados de pesquisas sobre o acesso de negros/as e quilombolas ao processo de escolarização. A partir de então, analisamos as demandas de estudantes negros/as e quilombolas em curso e outros já formados (professores, administradores, assistentes sociais e cientistas sociais) para que a diversidade étnico-racial e cultural brasileira, nela incluída a história e a cultura das comunidades e personagens afro-brasileiras sejam incluídas nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, inclusive na graduação e na pós-graduação. Por indicação dos dados etnográficos, constituídos entre outras fontes, pela observação participante e entrevistas, refletimos sobre as trajetórias de escolarização de alguns personagens negros/as que foram esquecidos/as pela historiografia (das ciências e educação) oficial brasileira. A interpretação dos dados, levou-nos a perceber as memórias e legados (produção intelectual e outras) que influenciam nos projetos de escolarização e ações de estudantes negros/as e quilombolas da contemporaneidade. Por isso, tais estudantes reivindicam que autores/as africanos/as e afrodescendentes no Brasil e na diáspora que escrevem sobre história e culturas negras do passado e do presente sejam reconhecidos e incluídos nos currículos de seus cursos universitários e na educação de todos os níveis. Sendo assim, os dados de nossas pesquisas levaram-nos a adotar uma abordagem de rompimento com a invisibilidade, esquecimento e silêncio sobre personagens negros/as que se tornaram referências para os estudantes, pois entendem que exerceram relevantes contribuições em diversos campos das ciências, tendo como ponto de partida às oportunidades de acesso à educação escolar, que, como prevê a Constituição Federal de 1988, é um direito que deve ser assegurado pelo Estado a todos/as os/as brasileiros/as.

O acesso de negros/as e quilombolas a cultura da escrita, a escola e a universidade é parte de um processo que envolveu atores/as engajados/as na luta antirracista, que têm defendido a educação escolar como via para romper com a segregação a qual eram (e ainda são) submetidos. Os dados revelam que conhecer esta parte da história enriquece o debate e fortalece os embates políticos por melhorias nas políticas públicas, em especial de educação. Além disso, tal conhecimento pode tornar-se uma fonte de inspiração e de autoestima para que tantos outros estudantes negros/as construam também os seus projetos de escolarização.

Ao evocar os/as personagens aqui discutidos, por vezes desconhecidos/as ou esquecidos/as de nossa historiografia, entre as quais a historiografia das ciências, buscou-se atuar em duas frentes. Em primeiro lugar, atender às exigências das Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais no Brasil e da Lei 10.639/2003, sobretudo no que tange às ideias de desconstrução das mentalidades racistas e discriminatórias, de superação do etnocentrismo europeu e desalienação dos processos pedagógicos implementados nas instituições de ensino brasileira. Em segundo lugar, buscamos inserir no interior das discussões das Ciências Sociais vozes inaudíveis, numa pretensa de despertar reflexões sobre as formas e perspectivas de fazer ciência sobre os/as negro/as no Brasil.

REFERÊNCIAS

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NOTAS:

1 Por ser este um estudo desenvolvido no estado do Espírito Santo, cabe destacar que, entre diversas outras personagens negras no campo da educação, temos duas referências de nível nacional que possuem trajetórias importantes como intelectuais dos estudos das relações raciais. Um deles é o professor Cleber Maciel, capixaba, historiador, intelectual e militante negro defensor da história da cultura negra na educação escolar. Em 1985 defendeu sua dissertação de mestrado em História na Unicamp com título Discriminações raciais: negros em Capinas (1888-1926): alguns aspectos. Posteriormente, em 1987, tal trabalho tornou-se uma publicação em livro. Como professor de história da Ufes, desenvolveu estudos sobre a história dos povos africanos no Espírito Santo, resultando em outras duas obras: “Candoblé e Umbanda no Espírito Santo - Práticas Culturais e Religiosas Afro-Capixabas”, em 1992, e por fim, “Negros no Espírito Santo”, publicado em 2016, na qual enuncia aspectos da trajetória histórica dos negros em terras capixabas. O Instituto Elimu Cleber Maciel recebe este nome em sua homenagem, buscando imortalizar este personagem da memória afro-brasileira A outra personagem a quem nos referimos é a professora Maria Aparecida Santos Corrêa, mais conhecida na Ufes como Cida. Mulher, negra, pedagoga, mestra em Educação Especial e doutora em Educação. Enquanto professora no Departamento de Educação da Ufes, nos cursos de graduação e pós-graduação, teve sua trajetória acadêmica marcada pelos estudos voltados aos direitos humanos e educação das relações étnico-raciais. Foi vice-reitora da Ufes de 2012 a 2013, vindo a falecer neste último ano. Algumas dessas informações podem ser verificadas em Maciel (2016), Oliveira (2020) e Santos (2020).

2 Conferir nota de rodapé nº 39 da 13º edição de Casa Grande e Senzala, 1963.

3 Conferir nota de rodapé nº 62 da 13° edição de Casa Grande e Senzala, 1963.

4 Conferir nota de rodapé nº 70 da 13º edição de Casa Grande e Senzala, 1963.

5 Gama lançou a primeira edição de seu único livro - Primeiras Trovas Burlescas de Getúlio (1859) - uma coletânea de poemas satíricos e líricos até bem pouco rara.

6 Lúcio Mendonça havia solicitado informações a Luiz Gama com a intenção de escrever a biografia de seu amigo. Esta seria publicada no Almanaque Literário, publicação de grande circulação que pretendia contribuir para educação intelectual e para divertimento das famílias paulistas das Zonas rurais e urbanas. Todos os anos traziam artigos biográficos de personagens paulistas contemporâneos destacando seus talentos e realizações pessoais. Embora a carta tenha sido escrita em 25 de julho de 1880, Lúcio Mendonça publicou inicialmente um artigo biográfico sobre seu amigo e mesmo após a morte de Luiz Gama a carta fora mantida em segredo por anos, sendo desconhecida até 1920.

7 É importante destacar que, nos termos de Pollak (1989; 1992) esse grupo já constituía um lugar de memória, pois homenageava um personagem negro do passado que havia ascendido socialmente pelo processo de escolarização, o engenheiro militar baiano André Pinto Rebouças (1838-1898), que posteriormente se especializou na área realizando estudos, juntamente do seu irmão, o também engenheiro militar Antônio Pereira Rebouças (1839-1874), na Europa (SOARES, 2017).

8 Dirigido pela socióloga e cineasta Raquel Gerber.

Recebido: 29 de Junho de 2021; Aceito: 12 de Novembro de 2021

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