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Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.20 no.1 São Paulo jan./mar 2022  Epub 06-Maio-2022

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2022v20i1p178-197 

Dossiê Temático CURRÍCULO, DIVERSIDADE E DIFERENÇAS CULTURAIS

Percepções sobre o currículo e a diversidade cultural na sala de aulas com educandos adultos

Perceptions about curriculum and culture diversity in the classroom with adult learners

Percepciones sobre el currículo y la diversidad cultural en el aulas con ducandos adultos

António Salvador Domingos ESPADAi 
http://orcid.org/0000-0002-3197-097X

i Doutor em Educação: Currículo (PUC-SP). Docente de mestrados e licenciaturas em Ciências Policiais. Chefe do Departamento de Ensino e Aprendizagem da Academia de Ciências Policiais (ACIPOL) - Moçambique. E-mail: fontepreciosa2017@gmail.com - ORCID Id: https://orcid.org/0000-0002-3197-097X.


Resumo

O objetivo deste artigo é realçar algumas percepções sobre o conceito de currículo e a relevância da sua contextualização no processo de Ensino e Aprendizagem, tendo em conta a diversidade cultural baseada em idade que se manifesta na sala de aula, principalmente, no curso noturno, onde há uma mistura de educandos considerados crianças, jovens e adultos. Foi usada a metodologia descritiva baseada em leituras feitas sobre a matéria e interpretação de ideias-chave defendidas por alguns autores e, também, tem como base a pesquisa que realizei no período 2015 - 2017, na cidade de Maputo. O problema é que os educandos adultos, quando misturados na mesma sala de aula com crianças e jovens, ficam retraídos e isto prejudica o processo de Ensino e Aprendizagem. Entre outros resultados da pesquisa, destaca-se a urgência para o desenho e implementação de um currículo específico até a 12ª classe para os educandos adultos que ingressam na Alfabetização e educação de adultos.

Palavras-chave: currículo; diversidade cultural; educandos adultos; sala de aula

Abstract

The aim of this article is to emphasize some perceptions of the curriculum concepts and its contextualization relevance in the process of teaching and learning, considering a culture diversity based on age which comes up in the classroom, mainly during night class, where there is a mixture of learners considered children, youths and adults. I used descriptive methodology, based on readings and interpretations of key ideas defended by some authors and also based in the research that I have done during 2015 - 2017, in Maputo city. The problem is when adults learners are mixed with children and youths in the same classroom, they become restrained and that influences negatively in their teaching and learning process. Among the other results, stands out the urgency for design and implementation of the specific curriculum up to 12th grade for adults learners whom start from literacy.

Keywords: curriculum; culture diversity; adults learners; classroom

Resumen

El propósito de este artículo es destacar algunas percepciones sobre el concepto del currículo y la relevancia de su contextualización en el proceso de Enseñanza y Aprendizaje, teniendo en cuenta la diversidad cultural basada en la edad que se manifiesta en las aulas, principalmente en el curso nocturno, donde hay una mezcla de estucandos considerados niños, jóvenes y adultos. Se utilizó metodología descriptiva basada en lecturas realizadas sobre el tema y interpretación de ideas clave defendidas por algunos autores y, además, se basa en la investigación que realicé en el período 2015 - 2017, en la ciudad de Maputo. El problema es que cuando los educandos adultos, se mezclan en el mismo aula con niños y jóvenes son retraídos y esto perjudica su proceso de Enseñanza y Aprendizaje. Por lo tanto, se necesita con urgencia el diseño de un currículo específico hasta el grado 12 para estudiantes adultos que ingresan en la modalidad de Alfabetización y Educación de Adultos.

Palabras clave: currículo; diversidad cultural; educandos adulto; el aulas

1 INTRODUÇÃO

O conceito de currículo apresenta-se com muitas definições (é polissémico), cada uma podendo ser enquadrada num contexto próprio, ou seja, no tema que cada autor se propõe a pesquisar ou a defender. Também entendo que a diversidade cultural é uma necessidade extrema em prol do desenvolvimento curricular para que se alcance os resultados que se pretendem no processo de Ensino e Aprendizagem, em particular na Educação formal, mas coloca-se a seguinte questão, qual é a relação entre o currículo e a diversidade cultural na sala de aula, onde os adultos são misturados com educandos considerados crianças e jovens?

O problema constatado é que os educandos adultos, quando misturados na mesma sala de aula com crianças e jovens, ficam retraídos e isto prejudica o processo de Ensino e Aprendizagem. Nesse sentido, o tema proposto tem como objetivo realçar algumas percepções sobre o conceito de currículo e a relevância da sua contextualização no processo de Ensino e Aprendizagem, tendo em conta a diversidade cultural baseada em idade que se manifesta na sala de aula, principalmente, no curso noturno, que é vista como prejudicial por educandos adultos.

Em Moçambique, de acordo com a Constituição da República de 2004, actualizada pela Lei nº 1/2018, de 12 de junho, a Educação é tanto dever como direito de todos os cidadãos. No Programa Quinquenal do Governo 2015 - 2019, consta que uma das acções prioritárias de Alfabetização e Educação de Adultos (AEA) é proporcionar ao adulto habilidades para a vida, ou seja, prepará-lo para participar activamente nas acções de desenvolvimento do país. No Sistema Nacional de Educação (Lei nº 6/92, de 6 de maio), segundo quadro abaixo, o Ensino Básico compreende três ciclos (1º, 2º e 3º), sendo que o 1º é da 1ª à 2ª, o 2º é da 3ª à 5ª e o 3º é da 6ª à 7ª classes. Cada classe é frequentada em um ano lectivo. O quadro ilustra que os anos de frequências de AEA têm uma equivalência nos ciclos do Ensino Básico. Os educandos adultos que terminam com sucesso o 2º ano de Alfabetização e 3º ano de Educação de Adultos (EA) recebem os certificados de equivalência de 2ª e 5 ª classes do Ensino Básico, respetivamente.

Quadro 1 Ciclos e Classes do Ensino Básico e Equivalências atribuídas após AEA 

Ensino Básico Alfabetização e Educação de Adultos Equivalências
Ciclos Classes Anos de frequência Níveis/Ano Anos de frequência Ensino Básico e AEA
1º CEB 1ª e 2ª 2 Nível de Alfabetização 1
2º ano EA 1 2ª Classe
2º CEB 3ª, 4ª e 5ª 3 3º ano EA 1 5ª Classe
3º CEB 6ª e 7ª 2

Fonte: Mined (2001, 2011) - Adaptado pelo autor.

Do ponto de vista de duração para a obtenção de equivalência, o quadro 1 mostra que os educandos do 3º ano de EA, em apenas um ano de frequência, são submetidos à aprendizagem de conteúdos equiparados aos do 2º Ciclo do Ensino Básico (CEB), lecionados em três anos e os que terminam com sucesso obtêm a equivalência de 5ª Classe. Os educandos adultos que, após o 3º ano de EA, querem continuar com os estudos, não existindo um Plano Curricular específico para a Pós-Alfabetização, ingressam no 3º CEB e ficam sujeitos a conteúdos, na sua maioria, destinados para a Educação Primária de pessoas consideradas crianças.

No que concerne à metodologia, a pesquisa teve uma abordagem descritiva, baseada em leituras feitas sobre as matérias do tema e interpretação de posições-chave, defendidas por alguns autores, tais como: Gratten (1964), referido por Vogt e Alves (2005), Freire (1970), referido por Bertrand (2001), Marsh e Willis (1999), Apple (1982), referido por Silva (2000), Silva (2000), Mangrasse (2004), etc. e, também, teve como base a pesquisa que realizei no período 2015 - 2017, com o título “Currículo do Ensino Básico e de Alfabetização e Educação de Adultos na Cidade de Maputo - Pertinência dos Conteúdos Temáticos e da Metodologia de Ensino e Aprendizagem”. Quanto ao tipo, a pesquisa é qualitativa e etnográfica que, por assim ser, é crítica e procura influenciar as políticas públicas educativas, em particular o currículo que está a ser implementado para a educação de adultos.

No desenvolvimento da mesma e para o presente artigo, discuti algumas percepções de autores, acima mencionados, sobre o conceito de currículo, a sua visão tradicional e crítica, bem como a influência da diversidade cultural baseada em idade na sala de aula. A seleção destes autores baseou-se, principalmente, na aproximação das suas percepções a respeito da realidade africana, em particular a moçambicana. Também fiz uso do método quantitativo para o tratamento de dados numéricos que foram recolhidos nas três escolas selecionadas como amostra, de um universo de 16 que, no período de 2015 - 2017, no curso noturno, lecionavam o 3º CEB, na Cidade de Maputo (Capital de Moçambique), nomeadamente, a Escola Primária Unidade 9 de Agosto, Escola Primária Unidade 18 e a Escola Primária Unidade 25. A amostra foi feita por critérios qualitativos que permitiram a manifestação de máxima diversidade cultural dos educandos, designadamente, a idade, naturalidade, religião e a língua materna (primeira). Das técnicas de recolha de dados, usei a análise documental, com destaque para os planos curriculares do 1º, 2º e 3º Ciclos do Ensino Básico, entrevistas com os responsáveis pedagógicos das respetivas escolas, questionário para educandos adultos selecionados e a técnica de observação, que consistiu em assistir seis aulas, tendo sido duas para cada escola selecionada.

Considero o tema deste artigo como sendo relevante porque, por um lado, realça alguns exemplos que justificam a necessidade de observância da diversidade cultural baseada em idade, tanto no desenho de currículos como no processo de ensino e aprendizagem na sala de aula, em particular no 3º CEB que também é frequentado por educandos oriundos de AEA. Por outro, chama atenção para a necessidade de maior envolvimento dos principais actores no desenvolvimento curricular para este grupo-alvo. Para além da introdução, fazem parte desta abordagem as seguintes secções: discussão conceptual do currículo e a percepção contextual, visão tradicional e crítica do currículo, idade como principal factor da diversidade cultural na sala de aula e a conclusão. Seguem-se algumas percepções sobre o conceito de currículo.

2 DISCUSSÃO CONCEPTUAL DE CURRÍCULO E A PERCEPÇÃO CONTEXTUAL

Na introdução, foi dito que o conceito de currículo é polissémico. Trago esta formulação como o fundamento da posição defendida por King (1986), referido por Gimeno Sacristán (2000, p. 22), segundo a qual, “o significado último do currículo é dado pelos próprios contextos em que se inserem.” Dentre os contextos mencionados pelo autor estão o pessoal e social que se baseiam nas experiências que se manifestam através de habilidades, aptidões e interesses que a pessoa leva para a escola. Neste posicionamento, encontro dois elementos considerados fundamentais para a Educação de Adultos, que são: experiências e interesses. Como experiências, são considerados os conhecimentos prévios que os adultos já levam consigo para a sala de aula e que estão prontos para partilhá-los. Os interesses traduzem-se nas razões pelas quais os adultos ingressam no processo de Ensino e Aprendizagem. Assim, julgo que seja importante a seleção de conteúdos específicos que vão ao encontro dos seus interesses.

Um dos conceitos de currículo que julgo ser enquadrável na Educação de Adultos é definido por Marsh e Willis (1999) como um conjunto de planos interligados e de experiências que os aprendentes implementam nas instituições de ensino, orientados por professores/educadores para que os objetivos preconizados sejam alcançados. Os autores também reputam o currículo como sendo a interação diária entre educandos, professores/educadores e o conhecimento para a descoberta de habilidades.

Para Gimeno Sacristán (2000), o currículo não se refere apenas a práticas pedagógicas de ensino, mas também a outras acções de ordem política, de supervisão, administrativa, de criatividade intelectual, mas que de forma autónoma e independente, acabam convergindo na acção pedagógica. O autor também defende que o currículo, com atribuições de educação escolar, prossegue fins socias e culturais. Portanto, para ele não faz sentido que uma escola não tenha conteúdos culturais porque o conhecimento nessa área confere valores que permitem a pessoa ter boas relações sociais e um pleno desenvolvimento da sua personalidade. As ideias, avançadas pelo autor, também se enquadram na área de Educação de Adultos porque, por um lado, alertam para a conformidade entre currículos e os contextos onde são implementados e, por outro, dão a entender que a implementação curricular deve ser flexível para atender outros conteúdos que no momento se revelam pertinentes, ou permitir a troca de saberes através da interação sociocultural entre os educandos e os professores/educadores na construção do conhecimento.

Gimeno Sacristán (2013) considera que o conceito de currículo aponta para dois sentidos: O percurso da vida profissional, que geralmente é chamado de curriculum vitae, e o processo de construção da carreira do estudante através da organização de conteúdos que este deverá aprender, seguindo uma determinada ordem. É neste sentido que enquadro este artigo na temática “Currículo, Diversidade e Diferenças Culturais”, a que fui convidado a dar o meu contributo. Assim sendo e, na óptica deste, o currículo desempenha duas funções, nomeadamente, a organizadora que tem a ver com a formação das turmas, definição dos cursos, tempo de duração, as idades para a frequência dos mesmos e o método pedagógico aplicável. A segunda função, que o autor chamou de unificadora, compreende a seleção de conteúdos para o ensino em concordância com os elementos da função organizadora, de modo que não haja escolhas arbitrárias do que deve ser ensinado.

Gratten (1964), referido por Vogt e Alves (2005, p. 203), realça que “o programa de educação de adulto deve adequar-se, quanto ao conteúdo, métodos e objetivos ao estudante adulto tal qual ele é e não como os colégios ou professores presumem que ele seja, ou deva ser”. Com esta percepção e do ponto de vista contextual, o autor enfatiza a necessidade de se considerar que o educando adulto aprende melhor e desenvolve as suas habilidades, se o currículo e os respectivos conteúdos estiverem harmonizados com os seus interesses e o método de ensino permitir uma partilha de experiências de vida. Por exemplo, na pesquisa que realizei entre 2015 e 2017, já referida na introdução, constatei que nas disciplinas de Educação Moral, Educação Visual, Ciências Naturais e Sociais há conteúdos que, do ponto de vista cultural e moral, quando são lecionadas, os adultos não se sentem confortáveis devido à presença de crianças e jovens na mesma sala de aula. Para Valle (2000), referido por Vogt e Alves (2005), o que se tem verificado é que, na maior parte dos casos, os programas e os métodos de ensino são pensados e desenhados como se fossem para lecionar às crianças.

Para a prossecução da ideia defendida por Gratten (1964), referido por Vogt e Alves, acima mencionados, Marsh e Willis (1999) propõem a aplicação do conceito de Desenvolvimento Curricular (DC), ou seja, o conjunto de actividades levadas a cabo desde a elaboração do currículo, a sua administração/gestão e implementação nas salas de aulas, incluindo aspectos que concorrem para a sua mudança. Os autores realçam que a mudança implica a alteração, introdução ou a retirada de algum conteúdo que não se adequa à realidade ou anseios dos educandos. Gimeno Sacristán (2000, p. 18), por considerar o currículo como “um elemento nuclear de referência para analisar o que a escola é de fato”, entende que a reforma curricular visa a ajustar o próprio currículo às necessidades dos educandos, incluindo os aspetos culturais e sociais.

Fullan e Miles (1992), referidos por Vogt e Alves (2005) realçam que deve ser implementado um currículo que possa ter um impacto nos estudantes. Entendo que o currículo tem um impacto nos educandos quando é contextualizado, no sentido de proporcionar conhecimentos valiosos que permitem um desenvolvimento sociocultural, económico e político da comunidade em geral, onde se encontram inseridos e sobretudo melhorar as suas próprias vidas. Assim, para a presente abordagem, o currículo é um conjunto de planos flexíveis e interligados que incluem a interação de experiências vivenciadas pelos educandos, professores/educadores, concorrentes para a satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, para o desenvolvimento pessoal e geral da sociedade em que estão inseridos.

Partindo do pressuposto que o currículo, segundo Gimeno Sacristán (2000, p. 20) é um “cruzamento de práticas diversas” que é direcionado tanto para professores/educadores como para educandos e que se adapta a um contexto, a sua construção e desenvolvimento devem ser enquadrados e percebidos dentro de um sistema educativo que tem em conta a conjuntura política e administrativa, condições estruturais, organizacionais e materiais, que define o seu significado real. A realidade curricular, em que se insere o ensino básico de adulto, por exemplo no caso de Moçambique, remete para as visões tradicional e crítica, com os fundamentos que se seguem.

3 VISÃO TRADICIONAL E CRÍTICA DO CURRÍCULO

Quanto à caracterização do currículo segundo a visão tradicional, Gimeno Sacristán (2000) equipara-o a um modelo de gestão científica burocrática em que o gestor é a única pessoa que pensa e decide o que deve ser feito, para que os outros apenas executem. Para o caso concreto, significa que as pessoas que implementam os currículos (gestores das escolas e professores/educadores) não são envolvidas na sua elaboração, apenas têm por obrigação cumprir com os objectivos ou metas traçadas. Apple (1982), referido por Silva (2000), também estabelece uma relação do currículo com o poder, ou seja, os conteúdos temáticos dos currículos refletem os interesses particulares das classes e grupos dominantes. Esta posição também é defendida por Gimeno Sacristán, acima referido, quando diz que o currículo representa o conflito entre interesses numa sociedade e a classe dominante é que gere o sistema educativo.

Na realidade moçambicana, tem sido o governo, por meio do Ministério que superintende a área de Educação que gere o sistema educativo e, quando se trata do desenho do currículo ou alguma alteração, os implementadores (professores/educadores) e o grupo-alvo (tratando-se de adultos) não são envolvidos, segundo o nosso entrevistado que é funcionário sénior da Direção Nacional de Alfabetização e Educação de Adultos. Assim, pode-se considerar que os conteúdos, objetivos e respectivas competências são impostos. O nosso entrevistado disse que, tratando-se de educandos crianças e jovens, a sua não participação no desenho do currículo é perceptível, mas como meio termo, os seus tutores ou encarregados de educação deveriam ser ouvidos para o seu enriquecimento.

Freire (1970) compara o currículo tradicional a um banco de depósito monetário, ou seja, o professor usa o aluno como um banco de depósito de conhecimento. Para este autor, o currículo tradicional está desligado da realidade. Na sala de aula, o aluno é passivo. Como alternativa, o autor introduziu o conceito de educação problematizadora que tem como elemento fundamental a intercomunicação, através da qual os homens se educam uns aos outros. Foi a partir deste pensamento que surgiu o programa de alfabetização denominado por Alfabetização Freireana Regenerada através de Técnicas de Potencialização Comunitária (Reflect). Gimeno Sacristán (2000) afirma, também, que na visão tradicional o currículo não tem em conta a dimensão social e cultural de onde é implementado, apenas preocupa-se com os resultados educativos. Na pesquisa, que realizei, apurei que, em média, a taxa de aproveitamento escolar, no período 2005 - 2014, para o 3º ano de Educação de adultos, foi de 74,1%, tendo sido um paradoxo o facto de alguns educandos adultos que, em 2016, frequentavam o 3º CEB (equivalente a 6ª e 7ª classes) terem manifestado dificuldades de leitura, escrita e cálculo.

Giroux (1981), referido por Silva (2000), caracteriza o currículo na visão tradicional como o promotor de desigualdades e de injustiças sociais, ou seja, a classe dominante que é a gestora do currículo, na sua elaboração, não se preocupa com as condições sociais e culturais em que será implementado e, como consequência, a escola torna-se num dos locais de manifestação de desigualdades. Estabelecendo a relação com a realidade constatada nas escolas que lecionam no 3º CEB, curso noturno, pode-se considerar que o facto de haver turmas com mistura de crianças, jovens e adultos, não se está a ter em conta os valores culturais que regram a convivência social, daí o retraimento dos educandos adultos quando são lecionados alguns conteúdos que, do ponto de vista cultural, não deviam na presença de crianças e jovens.

Baseando-se na análise marxista, Silva, acima referido, realça a relação que existe entre o local de trabalho e a escola e parte de princípio que é direcional, ou seja, do ponto de vista de economia, a escola é o reflexo do local de trabalho e vice-versa. O facto de a escola produzir o tipo de trabalhador que a empresa necessita, põe de lado o questionamento sobre os reais objectivos e partilha de experiência na implementação dos currículos. Portanto, a visão tradicional veda por completo a possibilidade de crítica. Para Gimeno Sacristán (2000), a crítica ao currículo surge a partir do momento em que os sistemas educativos começaram a considerar os conteúdos como principais elementos a ter em conta na preparação dos cidadãos para a vida adulta. Na mesma linha de consideração, acrescento que a crítica permite que os cidadãos, também sejam preparados para os desafios que a vida impõe no dia-a-dia.

Silva (2000) considera ainda que o questionamento dos conteúdos temáticos é a característica principal da visão crítica do currículo, pois preocupa-se com as conexões entre saber, identidade, poder e desconfia do status quo, responsabilizando-o pelas desigualdades sociais. Do ponto de vista social, a visão crítica questiona a finalidade da educação, se é para ajustar as crianças, jovens e adultos à sociedade tal como ela é ou prepará-los para transformá-la. No mesmo diapasão, Dewey (1916), referido por Westbrook e Teixeira (2010), já criticava a educação pelo facto de fazer das escolas em locais de reprodução das sociedades e não da sua transformação, ou seja, para este autor as escolas devem ser transformadas em instrumentos de democratização. Como exemplo elucidativo desta percepção, Freire (s/d) referido por Archer e Cottingam (1997), fala da participação activa de alfabetizandos/educandos na construção do conhecimento. Trata-se do programa de alfabetização denominado por Reflect. Através dele, os alfabetizandos apresentam as suas preocupações, chega-se ao consenso sobre qual deve ser o tema do dia e promove-se um debate, em que todos são envolvidos na busca de soluções, cabendo ao alfabetizador o papel de mediador desse processo de aprendizagem.

O tema deste artigo também é parte da visão crítica do currículo, sobretudo quando, por um lado, se refere à constatação feita do aproveitamento escolar dos educandos adultos, que tendo concluído o 3º ano de EA, mas na frequência da 6ª e 7ª classes, revelavam fraco domínio na leitura, escrita e cálculo, por outro, a referência à diversidade cultural que, segundo uma das conclusões da pesquisa que realizei entre 2015 e 2017, não é satisfatória, devido à mistura, na mesma sala de aula, de educandos adultos com crianças e jovens, inibindo a interação entre eles, principalmente quando trata-se de conteúdos que, cultural ou moralmente são considerados apenas de adultos, o que, por si, revela, a não participação dos professores/educadores, na qualidade de implementadores do currículo e do próprio grupo-alvo (educandos adultos), na seleção de conteúdos temáticos e na definição de objectivos de aprendizagem.

No domínio cultural, o currículo nas escolas tem como base dominante a língua de ensino, segundo Bourdieu e Passeron (1970), referidos por Silva (2000). Apple (1982), também citado por Silva (2000) menciona que no currículo predominam os códigos culturais da classe dominante ou no poder. No caso de Moçambique, a perceção que tenho é de que o currículo não se baseia nos ideais culturais de uma classe, tida como dominante, pois a língua portuguesa é nacional e todos têm acesso a ela, não existe nenhuma tradição cultural que é tida como dominante ou superior às outras, para além de que há uma valorização e incitamento para o ensino em línguas locais, para determinados níveis escolares, incluindo os de Alfabetização e Educação de Adultos (AEA), ou seja, quanto ao factor linguístico, por exemplo, o currículo do 3º CEB é implementado na língua portuguesa, mas há espaço para, tanto os professores/educadores como os educandos, fazerem o uso das suas línguas maternas, em determinados momentos, durante as aulas, para apresentar uma dúvida, caso não se possa fazer entender na língua portuguesa e o professor pode usar a mesma língua para esclarecer a respectiva dúvida.

Silva (2000), ainda no domínio cultural, remete a sua crítica à visão tradicional do currículo, numa perspetiva fenomenológica, em que dá primazia à troca de experiências da vida quotidiana dos professores e dos estudantes, como forma de enquadrar os conteúdos das disciplinas académicas na vida real. Na minha percepção, este posicionamento assenta sobre um dilema. Se, por um lado, constatou-se que a mistura de criança, jovens e adultos na mesma sala de aula inibe a interação, por outro, essa mistura pode ser benéfica, pois é uma oportunidade de os adultos transmitirem seus conhecimentos e experiências de vida para os mais novos, tendo em conta que nem todos têm a possibilidade de lhes ser transmitido fora do recinto escolar, por exemplo, os que são órfãos ou que, por outras razões circunstanciais, dependem de si próprios para o dia-a-dia da vida.

Ainda na plataforma cultural, Giroux (1981), também referido por Silva (2000), depois de caracterizar o currículo na visão tradicional como o promotor de desigualdades e de injustiças sociais, considera que a escola e o currículo devem funcionar como uma esfera pública democrática, ou seja, locais de questionamento sobre o senso comum, locais onde deve haver oposição e resistência de ideias, onde os estudantes devem dar a sua contribuição no desenvolvimento sociocultural. Freire (1970, p. 68), num dos fundamentos da crítica à visão tradicional do currículo, já defendia a ideia de que “ninguém educa ninguém e nem ninguém se educa a si próprio; todos nos educamos uns aos outros em comunhão com o mundo.” Para Freire, o Homem deve ser o sujeito da sua educação e não objecto dela, eis a razão pela qual ninguém educa a ninguém e porque a busca deve ser feita em partilha com outros homens. Por isso, estamos todos nos educando, ou seja, todos somos sujeitos do mesmo processo para uma boa educação e relacionamento uns com os outros e, para o efeito, o autor realça que o diálogo é indispensável.

Quanto à valorização do diálogo na construção do conhecimento que, no meu entender, também é uma crítica à visão tradicional, Freire (1970), referido por Bertrand (2001), defende que deve haver uma Pedagogia de comunicação, o que significa que o ambiente da sala de aula deve ser de interação entre o professor e o estudante para a construção de conhecimento. No mesmo diapasão, para o caso moçambicano, o ideal seria que houvesse um currículo específico também para níveis pós-Alfabetização e Educação de Adultos, que pudesse ser elaborado, tendo em consideração os interesses particulares dos educandos adultos e com a participação dos professores/educadores. Isso iria fazer com que, tanto os educandos como os professores/educadores se identificassem com o mesmo (currículo), dialogassem para o seu desenvolvimento e não haveria necessidade de misturá-los com educandos crianças e jovens. Na secção que se segue, debruço-me sobre a diversidade cultural, tendo como factor principal a idade, que no meu entender exerce uma influência significativa no processo de ensino e aprendizagem.

4 A IDADE COMO PRINCIPAL FACTOR DA DIVERSIDADE CULTURAL NA SALA DE AULA

Nesta subsecção, discuto as perceções sobre o estatuto social que define a criança, jovem e o adulto, em duas perspetivas, a saber, a cronológica/formal, baseada em idade e a cultural que mais interfere no processo de Ensino e Aprendizagem na sala de aula, segundo a pesquisa realizada entre 2015 e 2017, já referida. Para os conceitos de criança, jovem e adulto, a discussão tem, por um lado, o ponto de vista legal, como forma de elucidar o entendimento do legislador moçambicano e, por outro, nas percepções baseadas na diversidade cultural, pois são essas que, também, ditam a forma de ser e estar na sala de aula.

Assim, do ponto de vista formal para o estatuto de criança na República de Moçambique, segundo o Código Civil vigente, no seu artigo 122º, a pessoa com menos de 21 anos de idade é considerada menor (MOÇAMBIQUE, 2013a). Para efeitos de Promoção e Proteção dos Direitos da Criança (Lei n.º 7/2008, de 9 de Julho), o indivíduo que tenha completado 18 anos de idade, deixa de ser considerado como criança. A Lei da família (Lei nº 22/2019, de 11 de Dezembro), nos artigos 294 e 295, estende a obrigatoriedade de os pais continuarem a assumir as despesas de formação para além de 21 anos, por exemplo se estiver a frequentar o ensino superior. O quadro jurídico para a eleição dos membros da Assembleia Provincial e do Governo de Província (Lei nº 2/2019, de 31 de Maio), diz que a pessoa que tenha completado 18 anos de idade já pode votar e ser eleita a deputada, ou seja, considera-se que o seu acto é consciente e tem a capacidade de exercer essa função. A pessoa que tenha completado 18 anos de idade pode exercer todo tipo de trabalho, nos termos da Lei 23/2007, de 1 de Agosto, (Lei de Trabalho).

Apesar dos pressupostos acima referidos, em Moçambique há casos de indivíduos que, mesmo tendo completado 18 anos, ainda não se revelam aptos e prontos para cumprirem com aquilo que a sociedade, do ponto de vista oficial, espera deles, por exemplo, não trabalham por insuficiência de instituições empregadoras e falta de apoio às iniciativas de desenvolvimento pessoal, não estudam por falta de vagas nos estabelecimento de ensino, por incapacidade psíquica ou física e outras razões, cuja responsabilidade não lhes pode ser atribuída. Todavia, há casos em que a responsabilidade é dos próprios indivíduos, quando enveredam em comportamentos antissociais, tais como, consumo excessivo de bebidas alcoólicas, drogas, prática de criminalidade e outros.

Do ponto de vista cultural e segundo Mangrasse (2004), a discussão sobre o estatuto da criança é de difícil desfecho, pois relaciona-se com questões económicas, psicológicas e sociológicas. O autor dá exemplo da consideração dada na comunidade makhuwa, que se localiza na região norte de Moçambique, segundo a qual, os ritos de iniciação e outros procedimentos determinam a passagem de um estatuto de criança para o de adulto. Para elucidar, o autor refere que um rapaz de 7 anos de idade pode deixar de ser considerado criança desde que tenha sido submetido a ritos de iniciação, mas também um individuo que tenha 20, ou mais anos de idade, continua a ser considerado criança se não tiver sido iniciado, ou seja, ele fica inibido de exercer determinados papéis sociais. Sabe-se que na região sul de Moçambique, antes e mesmo depois de 25 de Junho (data da independência nacional), em algumas comunidades, tais como, changana, matswa, chope e ronga, o indivíduo que conseguisse ir trabalhar nas minas da África do Sul, também, deixava de ser considerado criança, independentemente da sua idade.

Da descrição, acima feita, fica claro que em comunidades que se baseiam em valores culturais para atribuição de estatutos sociais, a idade cronológica não é por si determinante para se deixar de ser considerado criança, no entanto, é evidente a conflitualidade de percepções quando formalmente (pela faixa etária) as pessoas são consideradas crianças e culturalmente deixam de ser por ter cumprido com alguns rituais da comunidade em que estão inseridas. A conflitualidade de percepções sobre o conceito de criança influencia o processo de Ensino e Aprendizagem, sobretudo na sala de aula do curso nocturno, onde é evidente a discrepância de idades, ou seja, o indivíduo que, pela faixa etária, formalmente tem o estatuto de criança, é causa de preocupação para as pessoas de outras faixas, incluindo pais ou encarregados de educação, quando estes, ao invés de estarem a estudar no período diurno, passam a estudar no período nocturno e, na pesquisa feita entre 2015 e 2017, constatei que essa conflitualidade de perceções estatutária deve-se aos seguintes fatores:

  1. Falta de vagas no período diurno, daí o aparecimento de alguns educandos com idade inferior a 15 anos nas turmas do curso nocturno. Por estarem a estudar neste período, são confundidos com pessoas adultas;

  2. Atitudes e comportamentos manifestados, na sala de aula, pela maioria dos educandos, na faixa etária de 15 a 20 anos que, na percepção de pessoas adultas, são típicos de crianças e, por isso, culturalmente, isolam-se ou são por estes isolados.

Durante a recolha de dados efetuada para a pesquisa acima referida, no primeiro trimestre de 2015, a realidade mostrou-me que em algumas salas de aulas do 3º CEB, curso nocturno, dificilmente encontravam-se indivíduos com menos de 15 anos de idade, misturados com educandos adultos. Em algumas turmas da 7ª classe, na Escola Primária 10 de Janeiro e Triunfo, encontrei educandos com idade inferior a 15 anos. Entretanto, nessas turmas, não havia educandos adultos. Foi, prontamente, me dito que são educandos repetentes da classe e que não tiveram vagas para continuar a estudar no período diurno.

No ano seguinte (2016), revisitei as mesmas Escolas Primárias Completas, selecionadas como amostra da pesquisa, para o levantamento de dados e compará-los com os de 2015, no que concerne às faixas etárias, como ilustra o quadro abaixo. O objetivo principal era de verificar a situação das idades dos educandos, em relação ao número de ingressos no curso nocturno.

Quadro 2 Dados das escolas selecionadas, por sexo e faixas etárias entre 2015 e 2016 

Escola 2015 2016
Sexo Faixas etárias Sexo Faixas etárias
Mas. Fem. 13-14 15-20 >20 Mas. Fem. 13-14 15-20 >20
EPC 9 de agosto 139 159 0 180 118 142 134 12 204 173
EPC Unidade 18 222 179 0 211 190 213 197 0 183 177
EPC Unidade 25 52 118 0 81 89 128 107 0 93 79
Subtotal 413 456 483 438
Total 869 0 472 397 921 12 480 429

Fonte: Direções Pedagógicas das Escolas (2016) - Dados compilados pelo autor.

O quadro 2, no que concerne às idades, mostra que em 2015, nas turmas selecionadas, não foi registado nenhum educando que estivesse na faixa etária de 13 e14 anos e em 2016 o registo era de 12. A maioria de educandos, tanto em 2015, como em 2016, estava na faixa etária entre 15 e 20 anos de idade, considerados como educandos jovens. É de salientar que os educandos na faixa etária de 13 e 14 anos de idade, encontrei-os e de forma dispersa na Escola Primária Completa (EPC) 9 de agosto, nas turmas da 7ª classe. Dessa constatação, a conclusão foi de que no curso nocturno, em particular nas escolas primárias da Cidade de Maputo, frequentam alguns educandos que, pela idade cronológica, são considerados crianças. Os dados arrolados permitiram conceptualizar a criança para efeitos de Ensino e Aprendizagem, como sendo aquele/a educando/a com idade inferior a 15 anos, estando a frequentar o 3º CEB, curso nocturno.

Quanto ao estatuto de jovem, a Política de Juventude, em vigor na República de Moçambique, considera como tal, todo o indivíduo cuja idade situa-se na faixa etária de 15 a 35 anos de idade, tendo-se baseado no facto de que, em 2013, cerca de 33% da população moçambicana situava-se nessa faixa etária e 45% era constituída por indivíduos com menos de 15 anos de idade. Segundo a Resolução n.º 16/2013, de 31 de dezembro que aprova a Política de Juventude em Moçambique, os jovens constituem o principal recurso do país, esperando-se deles uma participação activa no processo da construção da Nação moçambicana. De uma forma implícita, da Resolução acima referida, pode-se considerar que indivíduos com menos de 15 anos de idade têm o estatuto de crianças e ele converge com o conceito de educando criança, nos termos acima referidos.

Do ponto de vista cultural, em África, o estatuto de jovem também se confunde com o de adulto, ou seja, não há uma delimitação rigorosa como pode-se verificar em alguns países europeus como é o caso de Inglaterra, como refere Tight (1996). As pessoas são consideradas adultas quando atingem a maioridade (quando completam 18 anos de idade). Prata (2020) refere que a pessoa atinge a maioridade pela idade fixada pela lei, a partir da qual adquire capacidade para o exercício dos seus direitos com responsabilidade para si, incluindo a disposição de bens. São exemplos de alguns direitos, o de eleger e ser eleito, casar, empregar-se etc. Todavia, as influências europeias, também fizeram com que o conceito de adulto em África se baseasse em leis para questões formais.

Em Moçambique, a pessoa que tenha completado 18 anos de idade pode eleger ou ser eleita, dependendo do tipo de eleições, pode trabalhar, cumprir o Serviço Militar Obrigatório e pode contrair matrimónio. Para efeitos civis, de acordo com Moçambique (2013a), entende-se que a pessoa que tenha completado 21 anos de idade já é considerada adulta e adquire a plena capacidade de gerir seus bens e a sua vida privada, nos termos dos artigos 122 e 130 do Código Civil (actualizado pelo Decreto-Lei nº 3/2006, de 23 de Agosto). O Ministério da Educação (MINED, 2011), para efeitos de AEA, considera adulto o educando com idade igual ou superior a 15 anos, que por algum motivo, não foi alfabetizado ou não tenha concluído o Primeiro Ciclo do Ensino Básico.

Para Mangrasse (2004, p. 5), adulto “é aquele que superou a puberdade e a adolescência, responde por si e pelos outros, possui alguma experiência válida e demonstra ter o nível aceitável de conhecimentos”. Neste conceito, encontro, em realce, os aspectos socioculturais que caracterizam uma pessoa adulta, designadamente, a responsabilidade pelo que faz ou deixa de fazer, a aceitabilidade da sua experiência vivenciada e fruto do conhecimento adquirido ao longo da socialização na sua família e na comunidade em que está inserida.

Tight (1996) considera três fatores que, em separado, podem determinar o que o adulto é, e são os seguintes: a fase em que a pessoa se encontra no ciclo de vida (idade cronológica); o estatuto da pessoa atribuído pela sociedade e a fase de desenvolvimento físico e psicológico, a partir da qual a pessoa pode orientar a sua vida. Na linha da perceção de Tight, acima referido, Rakoma (2000) defende que o enquadramento da pessoa adulta pode ser literal, figurativo e contextual no sentido restrito para a área cultural e social. Wlodkowski (1985), mencionado por Rakoma, define o adulto como a pessoa que executa papéis sociais, tipicamente adstritos para os adultos. Os papéis sociais referidos são, por exemplo, o de trabalhador, ter esposa ou esposo, ser pai ou mãe, ser soldado e outros.

Os autores Merriam e Brockett (1997), referidos por Nafukho, Amitabi e Otunga (2005), comungam a caracterização de Tight (1996), quanto ao estatuto da pessoa atribuída pela sociedade e definem o adulto como sendo um indivíduo que tenha cumprido com alguns rituais tradicionais, tais como, a circuncisão, o casamento, aprendizagem da caça, trabalhar nos campos agrícolas etc. Nesta ótica, também considero que o estatuto de pessoa adulta não só depende do critério formal que, muita das vezes, se baseia na idade estabelecida pelas normas vigentes, mas sim no reconhecimento sociocultural que a sociedade ou comunidade atribui a essa pessoa, ou seja, pode-se estar perante uma pessoa considerada adulta porque o factor idade assim o define formalmente, mas não ser reconhecido como tal pelos membros da sua comunidade, por não ter satisfeito algumas exigências culturais e morais da mesma.

No caso de Moçambique, existem indivíduos que não tendo completado 21 anos idade, mas por motivos de força maior são obrigados a comportar-se como adultos, por exemplo, órfãos, crianças abandonadas pelos familiares, pessoas que, por razões tradicionais, são submetidas a certos rituais que os confere o estatuto de adultos. Importa referir que, em algumas comunidades conservadoras de valores tradicionais, os indivíduos que não tenham cumprido com certos rituais obrigatórios, por exemplo, em relação à criança, tal como foi referido por Mangrasse (2004), independentemente da idade que tiverem, não são considerados adultos.

Na pesquisa realizada sobre o “Currículo do Ensino Básico e de Alfabetização e Educação de Adultos na Cidade de Maputo - Pertinência dos Conteúdos Temáticos e da Metodologia de Ensino e Aprendizagem” e da análise feita, considerei os seguintes conceitos: educandos Jovens - aqueles que estão na faixa etária dos 15 a 20 anos e que não tenham concluído o Ensino Básico. Esta delimitação conforma-se com as considerações acima feitas, tendo em conta que, formalmente, indivíduos com menos de 15 anos são considerados crianças e a partir de 21 anos de idade são adultos. Educandos Adultos são aqueles que têm idade igual ou superior a 21 anos e que não tenham concluído o Ensino Básico. A pesquisa confirmou que a idade é o fator principal da diversidade cultural porque na convivência social no recinto escolar e, em particular, o ambiente nas sala de aula, onde há uma discrepância de faixas etárias, os aspectos culturais que caracterizam a pessoa como criança, jovem ou adulta, interferem no processo de Ensino e Aprendizagem.

5 CONCLUSÃO

Esta abordagem teve como pano de fundo a discussão de conceitos de currículo e do estatuto cronológico e cultural de crianças, jovens e adultos, onde foi notória a diferença de percepções, sobretudo quando estes elementos são relacionados com o processo de Ensino e Aprendizagem. Por exemplo, a perceção do legislador sobre os conceitos de criança, jovem e adulto, na maioria dos casos não é reconhecida pelas comunidades onde estas pessoas se encontram inseridas, devido a certos tabus socioculturais que ainda prevalecem.

Associado as dificuldades que o Estado tem de dar resposta à demanda pelo ingresso nas escolas, principalmente para indivíduos, formalmente, considerados crianças e jovens, estes acabam sendo misturados com educandos adultos, nas salas de aulas, do curso nocturno. Constatou-se que essa diversidade cultural baseada em idade, que se supunha pacífica na sala de aula, acaba interferindo negativamente no processo de Ensino e Aprendizagem, principalmente para educandos adultos, pois estes não se sentem confortáveis para debruçarem-se sobre determinados conteúdos temáticos, no 3º CEB, tais como, a sexualidade, aparelho reprodutor masculino e feminino, casamento, doenças de transmissão sexual, pois, do ponto de vista cultural, só com pessoas consideradas adultas é que podem ser discutidas. Para o efeito, sugere-se que seja desenhado e implementado um currículo específico para atender as necessidades de Ensino e Aprendizagem de educandos adultos, até o nível de 12ª classe, para que não sejam misturados, na mesma sala de aula, com crianças e jovens.

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Recebido: 19 de Junho de 2021; Aceito: 10 de Janeiro de 2022

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