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Revista e-Curriculum

versión On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.20 no.1 São Paulo ene./mar 2022  Epub 06-Mayo-2022

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2022v20i1p279-301 

Dossiê Temático CURRÍCULO, DIVERSIDADE E DIFERENÇAS CULTURAIS

Práticas comunitárias e currículo:educação do campo, das águas e florestas na Região Norte e Nordeste

Community practices and curriculum:education of the field, water and forests in the North and Northeast region

Prácticas comunitarias y currículo:educación del campo, agua y bosques en la región Norte y Noreste

Débora Mate MENDESi 
http://orcid.org/0000-0001-5312-3707

Kamila Karine dos Santos WANDERLEYii 
http://orcid.org/0000-0001-9528-5253

Karla Fornari de SOUZAiii 
http://orcid.org/0000-0002-8126-2488

i Doutora em Educação (UFPA). Docente do curso de Licenciatura em Educação do Campo - Ciências Agrárias e Biologia da Universidade Federal do Amapá (Unifap). E-mail: deboramate.ledoc@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0001-5312-3707.

ii Doutoranda em Educação (UFPB). Professora Substituta da Licenciatura em Educação do Campo - Ciências Agrárias (CFP/UFRB). E-mail: kamilakarinesw@hotmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0001-9528-5253.

iii Mestra em Educação (UFPE). Educadora Popular, Integrante do Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação de Jovens e Adultos e em Educação Popular (Nupep-CE- UFPE) e do Núcleo de Pesquisa, Extensão e Formação em Educação do Campo (Nupefec-CAA-UFPE). E-mail: davarzea@yahoo.com.br - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-8126-2488.


Resumo

O artigo visa apresentar um recorte de dados da pesquisa “Educação e práticas comunitárias: educação indígena, quilombola, do campo e de fronteira nas regiões Norte e Nordeste do Brasil”, realizada em parceria da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais e Porticus no Brasil no ano de 2020. O recorte proposto tem como enfoque as informações levantadas sobre a Educação do Campo e foi desenvolvido a partir da análise das Matrizes de Projetos para a referida pesquisa e de informações coletadas nos Projetos Político Pedagógicos dessas iniciativas. Constitui-se como um estudo de cunho qualitativo, do tipo descritivo-analítico. Os resultados indicam que apesar da constante negação de direitos que a Educação do Campo, da Águas e das Florestas enfrenta, seus povos se organizam e constroem experiências educativas vinculadas aos saberes locais dos seus territórios.

Palavras-chave: educação do campo; educação contextualizada; práticas educativas; pedagogia de alternância

Abstract

The article aims to present a data clipping of the research “Education and community practices: indigenous, quilombola, rural and border education in the North and Northeast regions of Brazil”, carried out in partnership with the Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais e Porticus in Brazil in 2020. The clipping the proposal focuses on the information collected about Rural Education and was developed from the analysis of the Project Matrices for that research and from information collected in the Political Pedagogical Projects of these initiatives. It is a qualitative, descriptive-analytical study. The results indicate that despite the constant denial of rights that Rural, Water and Forest Education faces, its peoples organize and build educational experiences linked to the local knowledge of their territories.

Keywords: countryside education; contextualized education; educational practices; alternation pedagogy

Resumen

El artículo tiene como objetivo presentar un recorte de datos de la investigación “Educación y prácticas comunitarias: educación indígena, quilombola, rural y fronteriza en las regiones Norte y Nordeste de Brasil”, realizada en alianza de la Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais e Porticus en Brasil en 2020. El recorte La propuesta se enfoca en la información recolectada sobre Educación Rural y fue desarrollada a partir del análisis de las Matrices de Proyectos para esa investigación y de la información recolectada en los Proyectos Político Pedagógicos de estas iniciativas. Es un estudio cualitativo, descriptivo-analítico. Los resultados indican que a pesar de la constante negación de derechos que enfrenta la Educación Rural, Agua y Bosques, sus pueblos se organizan y construyen experiencias educativas vinculadas al conocimiento local de sus territorios.

Palabras clave: educación rural; educación contextualizada; prácticas educativas; pedagogía de la alternancia

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo apresentar um recorte do mapeamento de experiências educativas da Educação do Campo, das Águas e das Florestas vinculadas aos saberes locais das comunidades em que estão inseridas nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, considerando alguns dados populacionais, escolares e sobre os conflitos que se estabelecem nestes territórios. Constitui-se de parte de uma pesquisa mais ampla que, além da Educação do Campo, mapeou experiências de Educação Indígena, Quilombola e de Fronteira, realizada pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) e contou com financiamento da Porticus no Brasil.

Entendemos o Campo como um território complexo, em disputas históricas (política, social, econômica e cultural) permanentes na história do Brasil e a diversidade camponesa que compõe o cenário brasileiro é caracterizada a partir de diferentes formas de organização da vida, das relações humanas com a natureza, com o sagrado e com o trabalho. Para compreendermos o território camponês, precisaremos direcionar o olhar para as questões das lutas pela terra, pelas águas e pelas florestas, as quais mesmo com a Constituição cidadã de 1988, seguem desafiando os direitos ao acesso e permanência na terra e às condições materiais e simbólicas de vida e trabalho dos povos e comunidades do Campo. São sujeitos que carregam em si, em suas histórias e territórios as profundas contradições de nossa história:

São os sujeitos da resistência no e do campo: sujeitos que lutam para continuar sendo agricultores apesar de um modelo de agricultura cada vez mais excludente; sujeitos da luta pela terra e pela Reforma Agrária, sujeitos da luta por melhores condições de trabalho no campo; [...] e sujeitos de tantas outras resistências culturais, políticas, pedagógicas (CALDART, 2002, p. 29).

São questões que estão intimamente ligadas aos desafios dos direitos humanos e, entre eles, da efetivação de políticas públicas que assegurem a universalização da educação básica em seus próprios territórios.

Em um país de características tão diversas entre suas regiões, destacamos as regiões Norte e Nordeste. A primeira é caracterizada por suas riquezas naturais e culturais, mas também por ser a região onde ocorre o maior número de conflitos pela terra e perseguição às suas lideranças e a segunda, por ter o maior território camponês do país, por ser a região que tem maior número populacional nas áreas rurais, com 26,88% de pessoas vivendo no campo (IBGE, 2015).

Neste contexto, a complexidade da educação do campo é, também, definida pela perspectiva da diversidade dos sujeitos/povos do campo. São consideradas populações do campo, segundo o Decreto 7.352, de 2010, que dispõe sobre a Política de Educação do Campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera):

[...] os agricultores familiares, os extrativistas, os pescadores artesanais, os ribeirinhos, os assentados e acampados da reforma agrária, os trabalhadores assalariados rurais, os quilombolas, os caiçaras, os povos da floresta, os caboclos e outros que produzam suas condições materiais de existência a partir do trabalho no meio rural (BRASIL, 2010, p. 1).

Em relação à situação de funcionamento das escolas do campo, de acordo com o Censo Escolar (2018), temos um total, no Brasil, de 390.979 mil escolas do campo. A região Nordeste concentra 65.253 escolas. Porém, entre estas, temos um total de 36.535 escolas inativas, que foram extintas neste ano (5.838), ou em anos anteriores (15.523) ou que estão paralisadas (15.174). Nesta região, o Maranhão é o segundo estado com maior número de escolas do campo. São 6.833 em atividade e somando com as 4.847 fechadas.

Na região Norte, os números também são alarmantes. De um total de 21.381 escolas do campo, apenas 11.379 seguem em atividade. Denunciando que 10.002 foram paralisadas ou extintas. O estado do Pará foi o que mais fechou escolas do campo, apresentando 6.538 escolas em atividade, porém chega a 6.305 o somatório das extintas e paralisadas. Situação também grave a do Amazonas, onde o total de escolas é 4.272 e, destas, 2.609 estão em atividade e 1.663 foram paralisadas ou extintas. São alarmantes estes números, pois percebemos que, além da oferta não dar conta da demanda de estudantes por níveis de escolarização, apontam o dramático número de fechamento de escolas do campo, com destaque, mais uma vez, para a região Nordeste que concentra cerca da metade do número das escolas fechadas.

Em relação ao número de escolas do campo em funcionamento (INEP, 2018), a região Nordeste é a que concentra maior número, perfazendo um total de 63.858. Deste total, são 23.698 da educação infantil, 25. 502 do ensino fundamental, oferta que se reduz drasticamente para 655 do ensino médio, apenas 141 de educação profissionalizante (incluídas aí as de ensino técnico de agropecuária e agroecologia) e 6.936 de educação de jovens e adultos (EJA).

A região Norte apresenta um total de 22.340 escolas do campo, distribuídas em 7.855 escolas de educação infantil, 10.889 de ensino fundamental, novamente um corte dramático para 490 de ensino médio, apenas 44 de educação profissional e 1.773 de EJA. Convém mencionar que os dados do IBGE e Inep apresentam diferenças nos quantitativos das unidades escolares.

Nossa legislação defende o direito ao acesso e permanência na educação básica, mas os próprios dados oficiais denunciam uma oferta que rompe o processo de escolarização, ampliando os desafios enfrentados por estes sujeitos, sejam eles crianças, jovens, adultos ou idosos, na busca por uma educação emancipadora e que respeite sua diversidade e seja realizada em seu território. Pois entendemos que os sujeitos da educação do campo

possuem história, participam de lutas sociais, sonham, tem nomes e rostos, gêneros, raças e etnias diferenciadas, e que ao lutar pelo direito à terra, à floresta, à água, à soberania alimentar, aos conhecimentos potencializadores de novas matrizes tecnológicas com princípios agroecológicos e estratégias solidárias, vão recriando suas pertenças, reconstruindo sua identidade na relação com a natureza, com o trabalho e a cultura (SILVA, 2009, p. 74-75).

A dura realidade, apresentada em números, revela o descaso e a precarização com as populações do Campo, das Águas e das Florestas, ao passo que revela a força e organização desses sujeitos sociais no enfrentamento das condições desumanizantes e mais do que isso, a capacidade de luta e construção de projetos e propostas inovadores de educação nos seus territórios.

Nesse processo, os movimentos e organizações sociais do Campo, das Águas e das Florestas reafirmam a necessidade de garantir, para além da escolarização das crianças, jovens, adultos e idosos, “a construção de uma escola que não apenas esteja no campo, mas que sendo do campo seja uma escola política e pedagogicamente vinculada à história, à cultura e às causas sociais e humanas dos sujeitos sociais do movimento do campo” (FERNANDES; ARROYO, 1999, p. 59), práticas que consideram os territórios em que estão inseridas. Nosso estudo buscou mapear e apresentar essas experiências, as quais serão apresentadas no presente artigo.

2 PERCURSO METODOLÓGICO

O presente artigo se constitui um estudo de cunho qualitativo, do tipo descritivo-analítico na perspectiva apontada por Gil (2008, p. 28), o autor afirma que “[...] são inúmeros os estudos que podem ser classificados sob este título e uma de suas características mais significativas está na utilização de técnicas padronizadas de coleta de dados”.

Para tanto, nosso estudo apresenta um recorte de dados da pesquisa “Educação e Práticas Comunitárias: educação indígena, quilombola, do campo e de fronteira nas regiões Norte e Nordeste do Brasil” que teve por objetivo “identificar iniciativas e projetos que garantam direitos educacionais a essas populações” (FLACSO, 2020). O recorte proposto tem como enfoque as informações levantadas sobre a Educação do Campo e foi desenvolvido a partir da análise das Matrizes de Projetos elaborada pela Flacso para a referida pesquisa e de informações coletadas nos Projetos Político Pedagógicos dessas iniciativas. Os resumos das matrizes estão disponíveis para consulta em mapa georreferenciado disponível no site da organização.

O processo de análise foi realizado na perspectiva temática, conforme Braun e Clarke (2006). Para as autoras, “a análise temática é um método para identificar, analisar e relatar padrões (temas) dentro dos dados. Ela minimamente organiza e descreve o conjunto de dados em (ricos) detalhes” (BRAUN; CLARKE, 2006, p. 05). Desse modo, nosso Corpus foi constituído por 28 (vinte e oito) matrizes de projetos, os quais são desenvolvidos nos diferentes estados das regiões Norte e Nordeste do Brasil, em um total de aproximadamente 100 escolas, localizadas em 14 estados.

Nesse processo, foram agrupadas as 13 (treze) matrizes da região Norte, em dezesseis (16) municípios localizados nos estados de Rondônia (02); Pará (06); Amapá (03); Tocantins (02); Amazonas (02); e Acre (01). As 14 (quinze) matrizes da região Nordeste estão localizadas em oito (08) estados, sendo: Maranhão (02); Pernambuco (01); Sergipe (01); Paraíba (03); Bahia (01); Piauí (02); Ceará (03); e Alagoas (01). Verificamos que em algumas matrizes o objeto central não era único, o que nos conduziu para uma análise ampliada de, no máximo, dois temas centrais, em igual número: Práticas Educativas e Pedagogia da Alternância, 14 (catorze) matrizes cada.

Desse modo, obtivemos como resultado subcategorias analisadas da seguinte forma: Território tema presente em 9 (nove) matrizes. Agroecologia aparece em 4 (quatro) matrizes e Pedagogia do Movimento Sem Terra, Diálogo de Saberes e Sustentabilidade tiveram igual número em 5 (cinco) matrizes. Optamos em identificar as matrizes ao longo do texto por código. Como podemos perceber no quadro abaixo:

Quadro 1 Matrizes Mapeadas 

TEMAS SUBTEMAS MATRIZES LOCALIZAÇÃO CÓDIGO
Práticas Educativas Território Projeto Saúde e Alegria Baixo Amazonas - PA Matriz 1
Projeto Ecomuseu e Escola Maranguape - CE Matriz 2
Educação Ambiental no Contexto da Educação do Campo Cruz do Espírito/PB Matriz 3
Rede de Educação Contextualizada do Agreste e Semiárido Alagoano - RECASA Alagoas-AL Matriz 4
Sistema de Aprendizagem Tutorial Iranduba-AM Matriz 5
Agroecologia Projeto nossa horta: Agroecologia, Segurança Alimentar e Nutricional na Escola Santarém-PA Matriz 6
Projeto de Intervenção Pedagógica (PIP) Monteiro-PB Matriz 7
Educação do Campo no Contexto do Semiárido Pedro II-PI Matriz 8
Florestabilidade Amapá, Pará, Amazonas Matriz 9
Pedagogia do Movimento Sem Terra Inventário da Realidade Monsenhor Tabosa-CE Matriz 10
Trabalhando com Temas Geradores Mari-PB Matriz 11
Pedagogia do Movimento e Agroecologia Ituberá-Gandú-BH Matriz 12
Centro da Educação do Campo Roseli Nunes Campo Lagoa Grande do Maranhão-MA Matriz 13
Pedagogia do Movimento nas escolas de Ensino Médio do Ceará Ceará-CE Matriz 14
Alternâncias Território Casa Escola de Pesca Belém-PA Matriz 15
Curso Técnico em Alimentos da Agrobiodiversidade Arquipélago do Bailique - Macapá-AP Matriz 16
Plataforma de Trabalho Socioambiental de Desenvolvimento Sustentável e Solidário nas Cadeias de Valor da Amazônia Distrito do Carvão -Mazagão-AP Matriz 17
Magistério Extrativista Pará-PA Matriz 18
Diálogo de Saberes Escola Família Agrícola do Bico do Papagaio Padre Josimo Esperantina-TO Matriz 19
Educampo Ji-Paraná-RO Matriz 20
AEFARO Rondônia Matriz 21
Curso Técnico em Agropecuária e Curso Técnico em Agroindústria Poço Redondo -SE Matriz 22
Geografia Pronera/ IFRN Ceará- Mirim-RN Matriz 23
Sustentabilidade Pronera 2011 - Assentando o Conhecimento Rio Branco-AC Matriz 24
Escola Família Agrícola de Porto Nacional Porto Nacional-TO Matriz 25
Serviço de Tecnologia Alternativa - SERTA Glória de Goitá-PE Matriz 26
Casa Família Rural (CFR) Padre Josino Tavares Bom Jesus das Selvas-MA Matriz 27
Escola Família Agrícola dos Cocais Cocais-PI Matriz 28

Fonte: Dados da pesquisa.

As matrizes listadas no quadro acima apresentam uma diversidade de experiências de Educação do Campo, das Águas e das Florestas que desenvolvem ações, projetos, vivências intimamente vinculadas aos saberes locais das comunidades em que estão inseridas. Cabe mencionar que existem muitas outras práticas que nossa pesquisa não alcançou, porém, esse extrato demonstra a força e as lutas dos sujeitos coletivos presentes nas regiões Norte e Nordeste do Brasil.

As próximas seções apresentam nossas análises realizadas a partir do agrupamento de unidades de sentido das matrizes, as quais trazem as Práticas Educativas na/da Educação do Campo, das Águas e das Florestas articuladas nas subtemáticas de Território, Agroecologia e Pedagogia do Movimento Sem Terra e, posteriormente, as Alternâncias na Educação do Campo, das Águas e das Florestas organizadas nas subtemáticas de Território, Diálogo de Saberes e Sustentabilidade.

3 PRÁTICAS EDUCATIVAS NA/DA EDUCAÇÃO DO CAMPO, DAS ÁGUAS E DAS FLORESTAS

A primeira categoria organizada a partir do agrupamento das unidades de sentido diz respeito às “Práticas Educativas”, a qual vinculou um total de 14 matrizes de projetos articuladas em torno de três subtemáticas que são: Território com 5 matrizes, Agroecologia 4 matrizes e Pedagogia do Movimento Sem Terra com outras 5 matrizes.

É importante destacar que a temática Práticas Educativas está relacionada à elaboração de outros currículos que reconheçam e fortaleçam a diversidade de culturas, memórias, identidades e universos simbólicos das/dos educandas/os. Sendo assim, é possível afirmar que se encontram consistentes projetos de educação que desenvolvem o saber dos sujeitos produtores de conhecimentos, culturas, valores e história; especialmente aqueles que colocam em diálogos horizontais esses saberes com o conhecimento produzido pela humanidade (ARROYO, 2015).

Nessa mesma perspectiva no estudo de Arroyo (2015), o autor adverte que os currículos são a síntese das concepções e práticas de educação e dos conhecimentos. Dessa forma, esses conhecimentos e as análises sobre esse processo de construção histórica deveriam ser centrais nos currículos de formação docente nas escolas. Além disso, o autor destaca que, “Toda a riqueza de práticas educativas, formadoras que acontece no trabalho, nas ações coletivas emancipatórias pressiona por ser incorporada nos currículos” (ARROYO, 2015, p. 50). Nesse sentido, concordamos com Arroyo (2015), pois demanda-se currículos que incorporem, sistematizam e aprofundem saberes para a garantia do direito à educação dos povos do campo, das águas e florestas. Sendo assim, a questão posta está nas possibilidades e limites das instituições escolares, comunidades e movimentos sociais para a construção de currículos abertos a “consciência de mudança” e superação das “grades” em que nossa tradição curricular limita os conhecimentos a serem ensinados e aprendidos nas escolas.

Nesse sentido, o Território - primeira subtemática levantada pela nossa análise - reuniu as matrizes: Projeto Saúde e Alegria, Projeto Ecomuseu e Escola, Educação Ambiental no Contexto da Educação do Campo, Rede de Educação Contextualizada do Agreste e Semiárido Alagoano (Recasa) e Sistema de Aprendizagem Tutorial. Assim, vejamos a seguir trechos de duas matrizes que enfatizam o território como oportunidade de aprendizagem, protagonizado por esses sujeitos.

[...] Com um intenso trabalho de mobilização social, a equipe do PSA traz as comunidades para o centro das decisões sobre os programas que implementa, de forma a gerar benefícios reais e duradouros em organização social, meio ambiente, saúde, educação, economia, cultura e inclusão digital, entre outros, visando a melhorar a qualidade de vida e o exercício da cidadania. O uso da arte, do lúdico e da comunicação popular baseia o conceito Saúde e Alegria de atuação com as comunidades da Amazônia [...] (Matriz 01).

A Escola Municipal José de Moura usa o território como oportunidade de aprendizagem. Tem uma história marcada por resistência e trabalho coletivo. Para preservar a memória dos antepassados que deram origem ao Centro Comunitário, a Escola passou a usar o território como uma extensão da sala de aula. Por lá, as crianças participam de passeatas pelas ruas, aprendem com o relato dos vizinhos e exploram o Ecomuseu da cidade, que promove a educação patrimonial e o fortalecimento da identidade (Matriz 02).

Os trechos das matrizes evidenciam o diálogo permanente com as/os estudantes e comunidade, desenvolvendo atividades que contribuem para melhorar a qualidade da educação nas comunidades, o que reduz o espaço entre o ensino formal e a realidade sociocultural/ambiental das/dos estudantes, possibilitando uma aprendizagem significativa e contextualizada, por meio de formação e disseminação de abordagens pedagógicas inovadoras para a educação do Campo, Águas e Florestas.

O Projeto Saúde e Alegria - Baixo Amazonas - PA, por exemplo, “entende o território como um espaço marcado também pelas relações humanas. O entorno social, a comunidade são também territórios de aprendizagem” (Matriz 01). Nesse sentido, os conhecimentos locais são valorizados e equiparados em importância aos do currículo escolar.

A Escola Municipal José de Moura trabalha com “a concepção de currículo vivo, que transforma tudo em um ambiente de aprendizagem” (Matriz 02). Destacamos o projeto Ecomuseu e Escola: Educação Patrimonial. Este segundo promove ações na comunidade escolar de valorização do patrimônio cultural local por meio da educação patrimonial efetivada transversalmente nas atividades da minibiblioteca itinerante a ser sediada de modo itinerante nas residências das/dos estudantes da escola, com vista à construção de visão de mundo com as crianças e adolescentes da comunidade.

A perspectiva de território como oportunidade de aprendizagem, explicitada no trecho das matrizes, nos remete ao José Gimeno Sacristán (2013) quando afirma sobre o direito ao conhecimento, aos valores, à cultura das/dos estudantes. Isso porque “A escola sem conteúdos culturais é uma ficção, uma proposta vazia, irreal e irresponsável [...] O conteúdo cultural é a condição lógica do ensino e o currículo é a estrutura dessa cultura” (GIMENO SACRISTÁN, 2013, p. 10).

A subtemática Agroecologia - segunda levantada pela nossa análise - reuniu as matrizes: Projeto nossa horta: Agroecologia, Segurança Alimentar e Nutricional na Escola; Projeto de Intervenção Pedagógica (PIP); Educação do Campo no Contexto do Semiárido e Florestabilidade. As discussões aparecem especialmente nos projetos que reforçam a importância das práticas educativas vinculadas à reflexão sobre as matrizes tecnológicas dos processos produtivos agroecológicos, além do protagonismo do agricultor familiar e seus saberes e experiências na agricultura. Portanto, vejamos alguns trechos a seguir:

[...] são desenvolvidas atividades de agroecologia de forma multidisciplinar envolvendo a comunidade escolar. As ações ocorrem semanalmente, onde os atores sociais desenvolvem experiências do cultivar e manejar os canteiros e a farmácia viva, organizados nas respectivas escolas [...] (Matriz 06).

O Projeto de Intervenção Pedagógica (PIP) [...] , tem como tema: “Caatinga Saudável: Educação do Campo, Sustentabilidade e Meio Ambiente”, o qual reflete o desejo coletivo, tanto do corpo docente e administrativo da escola como de toda comunidade escolar, de promover não apenas o fomento no que se refere às habilidades e às competências dos alunos participantes (com conteúdo distinto, de caráter diversificado, interativo e criativo), desenvolvendo uma educação crítica, moral, ética, científica e socialmente consciente e sensível aos problemas da comunidade, mas também desenvolver e compartilhar conhecimentos e estratégias metodológicas que possam fortalecer a educação do campo e promover, sobretudo, os saberes relativos à Caatinga (Matriz 07).

Os dois trechos se intercruzam no sentido de apresentar situações em que o “Projeto Nossa Horta” e o “Projeto de Intervenção Pedagógica (PIP)” contribuem para uma nova visão de agroecossistemas que podem ser desenvolvidos na escola do campo juntamente aos processos educativos que envolvam a produção de agrossistemas na escola e/ou nos lotes dos estudantes. Outro elemento que foi possível observar no conjunto de registros, diz respeito a como a Educação do Campo passa a assumir um papel de destaque na adoção dessa perspectiva, em seus processos educativos que têm sido estratégicos na difusão e consolidação de um novo modelo de desenvolvimento territorial.

Como podemos observar, o currículo é um guia e a definição final da forma como ele se configura na sala de aula é de cada comunidade escolar. Sobre essa reflexão, Ribeiro et al. (2017) afirma que

Entende-se que a Agroecologia precisa ir além dos seus conteúdos específicos, pois deverá contribuir na construção da identidade dos educandos sem perder de vista o contexto social em que estão inseridos; ou seja, a discussão sobre a Agroecologia requer uma análise das questões ambientais, políticas, sociais e culturais em que a comunidade se insere (RIBEIRO et al., 2017, p. 32).

O Projeto de Intervenção Pedagógica (PIP) (Matriz 7), em sua maioria de cunho interventivo e/ou prático, começou a ser desenvolvido no decorrer do triênio 2018-2020. Essas ações, coordenadas e realizadas, de forma interdisciplinar, pelo corpo docente da escola, reforçam os aspectos e características inerentes à escola do campo, cuja “metodologia gira em torno do processo de ensino-aprendizado desenvolvido antes (com ações de reflexão teórico metodológica), durante (com as experiências em campo) e depois de cada aula de campo” (Matriz 7).

Ao tecer essas considerações, a escola nasce a partir do ano de 2013, fruto do movimento coletivo advindo de um antigo sonho dos moradores locais que almejavam poder ter, dentro de sua comunidade, uma escola que ofertasse o Ensino Médio.

Sendo a primeira escola campesina a ofertar o Ensino Médio no estado da Paraíba, o percurso traçado foi pioneiro em várias ações relativas à Educação do Campo. Nesse sentido, a Escola do Campo Bento Tenório de Sousa tem sua pedagogia centrada nos anseios da comunidade, no resgate dos valores éticos e na construção da cidadania (Matriz 7).

Nessa direção, a Matriz 6 expressa o contexto de trabalhar de forma diversificada as atividades de aprendizagem, saindo do espaço da sala de aula; além de ocupar e qualificar outros espaços do entorno da escola, mas que são voltados para a agroecologia e a produção de alimentos saudáveis. Assim, o projeto incide com o fornecimento de hortaliças que incrementam a alimentação escolar e realização de atividades de educação ambiental. Além disso, há outro ponto importante que aparece nessa matriz: o trecho que reafirma a “valorização do conhecimento tradicional e resgate dos saberes locais sobre a utilização de plantas medicinais, e o cultivo da mandioca, base alimentar do povo paraense” (Matriz 6).

Estudos como o de Ribeiro et al. (2017) indicam que para potencializar o desenvolvimento da Agroecologia se faz necessário fortalecer a identidade camponesa, pois a chave para esse processo está na construção do conhecimento através dos sujeitos do campo. Além disso, estudar a Agroecologia representa um mecanismo capaz de auxiliar no trabalho de mobilização, na autoestima, no fortalecimento da identidade camponesa; além de gerar renda e conscientizar as famílias acerca da importância de resistir no campo, assim, “compreendeu-se que a construção dessa proposta curricular de Agroecologia para as escolas do campo deveria respeitar a integração entre teoria e prática” (RIBEIRO et al., 2017, p. 10).

Os primeiros passos em direção à construção de uma proposta pedagógica em Agroecologia iniciaram-se a partir das práticas vivenciadas nos assentamentos da Reforma Agrária e em algumas escolas nelas localizadas. Nesse sentido, Pedagogia do Movimento Sem Terra - é a terceira subtemática levantada pela nossa análise - reuniu as matrizes: Inventário da Realidade; Trabalhando com Temas Geradores; Pedagogia do Movimento e Agroecologia; Centro da Educação do Campo Roseli Nunes Campo e Pedagogia do Movimento nas escolas de Ensino Médio do Ceará.

Vejamos propostas de organização curricular que apresentam diferentes realidades e experiências de educação na perspectiva da Pedagogia do Movimento Sem Terra:

A metodologia do Inventário é uma ferramenta que ajuda a estudar relações fundamentais entre produção e consumo de alimentos, agricultura, estrutura agrária, funcionamento lógico de exploração do capitalismo (sobre o trabalho e sobre a natureza) e construção de novas relações sociais de produção. O método tem incidência nos estudos que integram abordagens agroecológicas, políticas e socioculturais, adequando-os para cada faixa etária (Matriz 11).

O propósito do coletivo é construir uma educação contextualizada e crítica, numa perspectiva democrática e agroecológica, proporcionando uma formação tanto técnica quanto humana. [...] A presença e valorização da linguagem lúdica e de práxis críticas são elementos diferenciados na prática pedagógica. Além das práticas agroecológicas, realizadas toda semana (Matriz 12).

As Matrizes 11 e 12 usam o território conquistado como oportunidade de aprendizagem. Assim, ambas escolas são marcadas por luta, resistência e trabalho coletivo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Logo, a concepção de Educação do Campo, defendida pelas escolas, nasce da crítica ao projeto de educação e escola capitalista, amplia a função da escola como lugar de formação humana, considerando o ser humano em suas múltiplas dimensões, e se coloca como parte de um movimento de transformação social, na perspectiva de superação da sociedade capitalista.

Destacamos, como frente de ação integradora de educação e práticas comunitárias, diferentes ações desenvolvidas por projetos simultâneos, com diferentes tempos e duração, atendendo à pauta do MST e da localidade. Destacamos, ainda, alguns projetos em comum: Inventário da realidade (diagnóstico coletivo da realidade social nas comunidades para ser base de contextualização das disciplinas e objeto de estudo de ações interdisciplinares); Práticas agroecológicas no entorno da Escola; Tecnologias sociais no entorno da Escola; Mutirões na Escola, com o objetivo de melhora das suas estruturas; Oficinas de manejos agroecológicos no assentamento e em outras comunidades; Visitas técnicas e aulas nos lotes dos assentados; e Jornada de lutas do MST, envolvendo militância dentro e fora do assentamento.

Salientamos que as experiências mobilizam práticas educativas que fortalecem os vínculos comunitários que contribuem para enfrentar as fragilidades sofridas. No entanto, se faz necessária a reflexão de que essa educação emancipadora pressupõe a participação da comunidade e dos movimentos sociais. Além de que a comunidade e a escola estejam preparadas para o diálogo, cabendo à escola não só propiciar espaços de participação, mas também formação político-pedagógica para que as famílias possam, de fato, intervir e propor sobre o processo educativo.

Para tanto, há desafios de diversas ordens, que precisam ser enfrentados. Todavia, tais constatações nos levam a concluir que para escalonar as práticas de forma ampla é importante destacar o esforço coletivo. Mészáros (2005) adverte que se faz necessária a radical transformação da sociedade para uma participação ativa da educação, e somente é possível realizar mudanças significativas na educação numa direção emancipatória, num movimento radical de transformação social.

4 EDUCAÇÃO DO CAMPO E ALTERNÂNCIAS

A segunda temática, organizada pelo agrupamento de unidades de sentido, foi “Alternâncias”, a qual vinculou um total de 14 matrizes de projetos articuladas em torno de três subtemáticas que são: Território, com 4 matrizes; Diálogo de Saberes, 5 matrizes e Sustentabilidade, com outras 5 matrizes.

É importante destacar que a temática Alternâncias é apresentada no plural pois abarca uma diversidade significativa de experiências que envolvem educação básica e superior, Escolas Famílias Agrícolas e Casas Familiares Rurais em diferentes territórios. Os princípios, instrumentos e práticas da Alternância orientam projetos de educação de jovens e adultos, educação básica, educação profissional e ensino superior, desenvolvidos na perspectiva da Educação do Campo a partir de aspectos que orientam e organizam a oferta de ensino em diferentes contextos e buscam “dar conta de itinerários formativos que contemplam saberes e fazeres a partir das localidades, seus espaços e configuração local” (BRASIL, 2020, p. 04).

A Alternância possibilita articular momentos de aprendizagem em diferentes tempos e espaços, estabelecendo uma estreita relação entre a escola e a vida, tornando-se uma “ação integradora de educação e práticas comunitárias ancoradas na Educação do Campo. A sua materialidade acontece na mediação nos tempos/espaços/saberes para uma formação significativa no campo” (Matriz 28).

Nesse sentido, o Território - primeira subtemática levantada pela nossa análise - reuniu as matrizes: Casa Escola de Pesca; Curso Técnico em Alimentos da Agrobiodiversidade; Plataforma de Trabalho Socioambiental de Desenvolvimento Sustentável e Solidário nas Cadeias de Valor da Amazônia; Magistério Extrativista.

As referidas matrizes materializam formas pelas quais a Educação do Campo, por meio da Pedagogia da Alternância organiza o trabalho pedagógico, articulando escola e território, “correlacionando a escola às necessidades das famílias e comunidades em seus diferentes espaços, territorialidades e temporalidades” (BRASIL, 2020, p. 05). Esse processo ocorre de diferentes formas em decorrência das realidades e processos organizativos presentes nos contextos em que essas práticas estão inseridas, a saber:

A Escola assume um projeto político de educação baseada nos valores que representam a cultura amazônica [...]. Configura-se como a oportunidade aos jovens para retomar os estudos e acessar educação profissional na principal atividade produtiva no território ribeirinho de Belém, qual seja a pesca. Constitui-se uma experiência da Amazônia e no contexto da educação do campo e da Pedagogia da Alternância como uma importante alternativa ao enfrentamento de muitas dificuldades, principalmente relacionadas às condições de acesso e continuidade da escolaridade de sua população (Matriz 15).

Entre os benefícios que o curso traz para a região está a aproximação da ciência, tecnologia e inovação para as comunidades tradicionais com o intuito de construir mecanismos inovadores para os processamentos e beneficiamentos dos produtos da sociobiodiversidade. O auxílio da biotecnologia contribuirá com a produção local e ajudará a sair das cadeias de suprimentos secularmente dominadas pelos cartéis de atravessadores externos (Matriz 16).

[...] na gestão da sala de aula e atividades de aprendizagem, ao reposicionar o meio como matriz de planejamento curricular, o que altera o planejamento e a carga horária da teoria e prática, a implantação de projetos produtivos familiares, a comunidade e as famílias participando da reorganização curricular impactando no processo de planejamento e formação docente (Matriz 17).

Os trechos recortados de cada uma das matrizes nos apresentam situações distintas que permitem pensar a partir do que Arroyo (2003, p. 33) nos provoca ao fazer as perguntas: “Como pensar currículos, conteúdos e metodologias, como formular políticas e planejar programas educativos sem incorporar os estreitos vínculos entre as condições em que os educandos reproduzem suas existências e seus aprendizados humanos?”.

Educação e território estão intimamente vinculados nas experiências relatadas, em cada uma delas a relação é vivenciada de uma forma, seja pela profissionalização na pesca, pela superação dos processos de dominação nas cadeias produtivas ou pela implantação de projetos produtivos familiares, ou seja, o currículo considera como fundamental os conteúdos da base comum nacional, mas esses saberes não se apresentam como desvinculados da realidade no âmbito local, nacional e global.

Essa vinculação possibilita a prática da educação contextualizada por meio da vivência dos instrumentos da Pedagogia da Alternância, “à medida que a realidade socioprofissional dos(as) educando(as) é conteúdo sistematizado e discutido à luz dos referenciais teóricos nos planos de estudos e nas colocações em comum” (ANTUNES-ROCHA, 2013, p. 31), com foco no processo de formação e construção de projetos de vida das/os jovens.

Exemplos de como essas experiências superam barreiras e constroem resistências são, entre outras, o Magistério Extrativista na construção de ações disruptivas em seus vários elementos, mas especialmente na amplitude da formação realizada desde a alfabetização até conclusão de magistério num intervalo de 04 anos e na ancoragem teórica e dialética com a comunidade num desenho pedagógico inédito lançando bases de uma pedagogia extrativista (Matriz 18). No Curso Técnico em Alimentos da Biodiversidade que ainda não possui o espaço físico da escola (está em construção), a realização da Alternância é viabilizada em um processo onde os estudantes vinculados ao curso são adotados por famílias da comunidade Arraiol do Bailique, que sedia o curso. São 18 famílias que vivem na comunidade e cada uma adota um (ou dois) estudantes no período em que as aulas ocorrem. Ou seja, os jovens permanecem 15 dias na sua residência (nas diversas comunidades do arquipélago) e 15 dias vivem na casa das famílias da comunidade do Arraiol (Matriz 16).

A segunda subtemática, levantada no agrupamento de unidades de sentido, foi o Diálogo de Saberes que congrega 5 (cinco) matrizes, quais sejam: Escola Família Agrícola do Bico do Papagaio Padre Josimo; Educampo; AEFARO; Centro Estadual De Educação Profissional Dom José Brandão De Castro; Educação do Campo e Alternância no Curso de Licenciatura em Geografia Pronera/IFRN. Essas experiências evidenciam a importância dos saberes comunitários como referência na construção dos seus currículos e viabilizam esse processo por meio da Alternância. Vejamos a forma como o diálogo de saberes é explicitado em algumas matrizes:

A proposta metodológica construída e implantada gradualmente considera a realidade em que as escolas estão inseridas e busca por meio da alternância de tempos e espaços de ensino-aprendizagem construir estratégias de manutenção das escolas em funcionamento com a participação das famílias na escola e inserção das/os professoras/es nas comunidades. A inovação proposta pelo projeto foi a de construir uma pedagogia da alternância nas escolas públicas do campo no município (Matriz 20).

[...] oportunizam um diálogo entre conhecimento acadêmico e da comunidade, dando margem para criação de metodologias específicas e apropriadas para as diversidades territoriais. De maneira geral, a formação de professores em Geografia, dentro de uma proposta curricular, metodológica e conceitual atenta às especificidades do campo é uma alternativa para garantir um projeto que vincule a educação às questões sociais próprias à realidade local (Matriz 23).

Além disso, os relatos que os estudantes trazem da comunidade para escola, os TCs que são os trabalhos de tempo comunidade, troca de experiências, as entrevistas realizadas pelos estudantes, o plano de estudos. Ao final do curso os estudantes desenvolvem um projeto com o intuito de beneficiar suas comunidades e suas propriedades e posteriormente apresentam na escola (Matriz 19).

Os trechos destacados de cada uma das matrizes demonstram o potencial da Alternância no processo de integração dos diferentes saberes, ou seja, a “PA aparece-nos como dimensão organizadora dos tempos/espaços formativos que acontecem na escola e no contexto econômico, político, social e cultural dos educandos (as), de suas famílias e de suas comunidades” (ANTUNES-ROCHA, 2013, p. 30).

Cabe mencionar que cada uma das matrizes apresentadas possui diferenças claras, a primeira constitui uma experiência de Alternância em escolas públicas municipais do município de Ji-Paraná no estado de Rondônia, tem se tornado referência de Educação do Campo e nasceu em comunidades onde as escolas seriam fechadas. A segunda, trata-se de uma experiência de ensino superior, com foco na formação de professores de Geografia com vistas à criação de metodologias apropriadas para as diversidades territoriais onde está inserida. Já a terceira, é uma escola comunitária que possui como propósito beneficiar as comunidades e unidades produtivas de seus estudantes.

Ao analisarmos essas e outras alternativas desenvolvidas na perspectiva do diálogo de saberes e das alternâncias, constatamos a reflexão proposta por Freire (1996, p. 70) ao afirmar que “o sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na História”.

Esse processo nos desafia a conhecer, estudar, aprofundar as estratégias que alunos e professores têm realizado no cotidiano das escolas, valorizando as boas práticas educativas e ressignificando, com eles, os sentidos de currículo, de projeto pedagógico, de educação, de escola (HAGE, 2014).

Nesse sentido, Antunes-Rocha coloca a alternância como sendo “a consolidação do diálogo entre o mundo da escola e mundo da vida”. Para a autora, isso decorre da forma como na alternância “a superação da dicotomia entre teoria e prática é exercitada no cotidiano do fazer pedagógico, na utilização de instrumentos [...] que priorizam o diálogo de saberes, a experimentação, a valorização das culturas, o exercício da produção de conhecimentos” (ANTUNES-ROCHA, 2013, p. 30).

A terceira e última subtemática, organizada a partir do agrupamento de unidades de sentido, é a Sustentabilidade. Foram situadas, nessa subtemática, 5 (cinco) matrizes. São elas: Pronera 2011 - Assentando o Conhecimento; Escola Família Agrícola de Porto Nacional; Serviço de Tecnologia Alternativa (Serta); Casa Família Rural (CFR) Padre Josino Tavares e Pedagogia da Alternância: Experiência na Escola Família Agrícola dos Cocais. Essas experiências explicitam, de maneira clara, a preocupação com o desenvolvimento local sustentável e solidário.

Podemos observar, nos trechos abaixo, que a perspectiva da sustentabilidade está presente desde o nascimento da Escola Família de Porto Nacional, enquanto a EFA Cocais é fundamentada em princípios de desenvolvimento sustentável e a Escola da Floresta tem como foco na execução do Pronera da base tecnológica da produção rural/florestal, vejamos nas matrizes:

A educação com foco no desenvolvimento local, ou seja, a escola nasceu justamente com foco na sustentabilidade, no resgate das culturas camponesas, de incentivar os processos de produção sustentável, contribuir com a organização do próprio campo, a EFA nasceu com esse objetivo (Matriz 25).

A formação desenvolvida pelas EFA’s está fundamentada em princípios que visam o desenvolvimento sustentável e solidário, enfatizando o papel do estudante pesquisador, aplicando no seu dia-a-dia os novos conhecimentos compreendendo que o meio onde vive é indispensável para sua aprendizagem, a partir da formação social, política, econômica e cultural (Matriz 28).

A Escola da Floresta assume papel fundamental na formação de profissionais que atuem na transformação da base tecnológica da produção rural/florestal [...]. Os cursos técnicos nas áreas de desenvolvimento de atividades agroflorestais, de manejo sustentável de florestas, de processamento agroindustrial e de ecoturismo, visam suprir a demanda de técnicos capacitados para o mercado de trabalho e fortalecendo, assim, a política de desenvolvimento sustentável do Estado do Acre (Matriz 24).

O tema da sustentabilidade articula uma série diversa de possibilidades nas práticas educativas da Educação do Campo das Águas e das Florestas, pois a atuação das escolas do campo pressupõe a relação com o desenvolvimento territorial, o manejo sustentável das florestas, o fortalecimento das comunidades de modo que, como afirma Camacho (2016, p. 55), “a Educação do Campo é sustentável, [...] pois o modelo de produção baseado nas culturas alimentares básicas de maneira agroecológica, se mostra como uma alternativa ao modelo hegemônico vigente do agronegócio, garantindo a Soberania Alimentar”.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Educação do Campo, das Águas e das Florestas é território fecundo de práticas educativas contextualizadas que se constroem a partir da relação entre escolas, movimentos e organizações sociais, comunidades, sujeitos que se organizam e lutam em contextos de negação do direito ao acesso e permanência na escola.

Nosso estudo mapeou um total de 28 (vinte e oito) experiências educativas da Educação do Campo, das Águas e das Florestas vinculadas aos saberes locais das comunidades em que estão inseridas nas regiões norte e nordeste do Brasil, abrangendo aproximadamente 100 (cem) escolas em 14 estados. Uma diversidade de processos educativos desenvolvidos em escolas e universidades públicas, institutos federais, em escolas famílias, casas familiares rurais, educação básica e ensino superior, cada uma promovendo inovações curriculares e pedagógicas a partir dos seus locais de atuação.

Nesse sentido, nosso estudo agrupou essas experiências a partir de 2 (duas) grandes temáticas e cada uma delas com 3 (três) subtemáticas, quais sejam: Práticas Educativas na/da Educação do Campo que abarcou as subtemáticas Território, Agroecologia e Pedagogia do Movimento Sem Terra e, a Alternâncias que se organizou a partir das subtemáticas Território, Diálogo de Saberes e Sustentabilidade.

Esse agrupamento nos possibilitou inferir que a Educação do Campo, das Águas e das Florestas demanda, mas também constrói currículos que incorporam, sistematizam e aprofundam saberes para a garantia do direito à educação dos seus povos. As práticas e as Alternâncias mapeadas em nosso estudo reafirmam que propor uma educação contextualizada "Não se trata de negar o acesso à cultura geral elaborada, que se constitui num importante instrumento de luta para as minorias. Trata-se de não matar a cultura primeira do aluno" (GADOTTI, 2005, p. 33).

Sendo assim, a questão posta está nas possibilidades e limites das instituições escolares, comunidades e movimentos sociais para a construção de currículos abertos a “consciência de mudança” e superação das “grades” em que nossa tradição curricular limita os conhecimentos a serem ensinados e aprendidos nas escolas. Nessa perspectiva, as experiências educativas da Educação do Campo demonstram que é fundamental superar a ideia de que "para a escolinha rural qualquer coisa serve. Para mexer com a enxada não há necessidade de muitas letras" (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2004, p. 71), mas vislumbrar que "a escola e os saberes escolares são um direito do homem e da mulher do campo, porém esses saberes escolares têm que estar em sintonia com os saberes, os valores, a cultura e a formação que acontecem fora da escola" (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2004, p. 78).

Nosso estudo aponta, ao levantar os dados da dura realidade apresentada em números, o descaso e a precarização vivenciada pelas populações do Campo, das Águas e das Florestas no que se refere às condições de acesso à educação, o fechamento de escolas do campo e a constante negação de direitos conquistados, ao passo que demonstra a força e organização desses sujeitos sociais no enfrentamento das condições desumanizantes e, mais do que isso, a capacidade de luta e construção de projetos e propostas inovadoras de educação nos seus territórios.

Nesse processo, os movimentos e organizações sociais do Campo, das Águas e das Florestas reafirmam a necessidade de garantir, para além da escolarização das crianças, jovens, adultos e idosos, a construção, fortalecimento e manutenção de Escolas no/do Campo que desenvolvam práticas que consideram os territórios em que estão inseridas e seus sujeitos.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 30 de Junho de 2021; Aceito: 13 de Janeiro de 2022

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