SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.20 número2A “Cátedra por Nariño” na Colômbia: índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.20 no.2 São Paulo abr./jun 2022  Epub 21-Nov-2021

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2022v20i2p503-509 

Editorial

Edição 20 (2) abril/junho 2022

i Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, Brasil. E-mail: anchizo@uol.com.br

ii Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, Brasil. E-mail: tresponces@gmail.com

iii Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, Brasil. E-mail: taicosta@yahoo.com.br


EXIGÊNCIAS DO PRESENTE EM BUSCA DE UM FUTURO DEMOCRÁTICO: ESFORÇO DA REVISTA e-CURRICULUM

Em momento de tensões provocadas, ainda, pelo surto epidêmico da Covid-19, somado a um momento político-governamental adverso para a população brasileira, que tem gerado crescentes tensões econômicas e sociais alimentadas pela proximidade do processo eleitoral, a Revista e-Curriculum, conforme a sua vocação, organiza e edita este novo número empenhada em mostrar possibilidades, boas experiências educacionais e boas análises críticas, apesar das contradições.

O contraditório protagonismo das novas tecnologias que surge neste momento de crise deixa uma marca que necessita ter realçada em sua boa face: a do avanço das ciências e da comunicação, a da possibilidade de viabilizar contatos humanos que antes seriam impossíveis e, hoje, possibilitam ações fundamentais. Entretanto, deve ser também objeto de reflexão o seu mau uso. Embora a criação de novos meios de comunicação tenha mantido grande parte da população excluída dos seus benefícios, um grande público foi alcançado, o que contribuiu para a emergência de um novo ecossistema operacional de diálogo social.

A Revista e-Curriculum vem acompanhando as tensões geradas pela proximidade do processo eleitoral, que está se dando no Brasil e em vários países da América Latina, crivado por desinformações, por fake news, por hostilidades crescentes, mas também por vitórias da Democracia. As condições especiais deste ano têm exigido atenção e esforço permanente de autores, de avaliadores, de equipe técnica e de responsáveis pela Revista para garantir a edição oportuna deste número.

O conjunto de trabalhos publicados nesta edição, todos advindos da demanda contínua, revela a efervescência crítica do campo do currículo, ao possibilitar debates a partir de estudos nacionais e internacionais, que reafirmam o compromisso deste periódico com a dialogicidade necessária para a produção científica em educação. Nesse sentido, apresentamos aos autores e às autoras e aos leitores e às leitoras uma edição que contempla 19 artigos originados em instituições das mais diversas regiões do Brasil e um produzido em Portugal, na Universidade do Minho, todos sucintamente descritos a seguir.

O artigo de autoria de Daisy Johana Fernández Giron e Helena Maria dos Santos Felício analisa a iniciativa da “Cátedra por Nariño” implementada nos anos de 1980 no Departamento de Nariño, Colômbia, com destaque para a proposta curricular alternativa desenvolvida em conexão com as lutas sociais da época. A partir de entrevistas realizadas com professores que integraram a experiência, os dados indicam para a possibilidade de transformação da realidade socioeconômica por meio da reflexão e da ação, gerando perspectivas emancipatórias. De acordo com os autores, o contexto analisado centrava-se fundamentalmente em três aspectos: 1) o fortalecimento da identidade regional; 2) a contextualização da educação por meio do conhecimento dos problemas reais enfrentados pelos estudantes e por suas famílias; e 3) a autonomia dos docentes para construir o currículo conforme suas experiências, seus conhecimentos, suas necessidades, suas expectativas e sua criatividade.

Diogo Bandeiro de Souza, Maria Walburga dos Santos e Rafael Romeiro Doin, ancorados em uma epistemologia decolonial como uma alternativa de conhecimento que dá voz a outras formas de pensamento que não apenas as oriundas de um cânone europeu ou estadunidense, desenvolveram uma análise da Proposta Pedagógica Curricular do Curso de Letras da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Paraná, a fim de promover uma leitura decolonial do currículo proposto pela referida Instituição de Ensino Superior. Buscam, de modo principal, explicitar a(s) relação(ões) entre currículo e identidade, a fim de refletir sobre as conexões estabelecidas entre o campo curricular e as questões educacionais indígenas. O contexto do Ensino Superior, analisado em perspectiva decolonial, também é abordado no trabalho de Marcelly Machado Cruz e Éder da Silva Silveira, os quais buscaram investigar as manifestações da matriz colonial de poder no currículo de um curso de Graduação em Relações Internacionais no estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Por meio de uma análise crítica e qualitativa do Projeto Pedagógico de Curso (PPC), os autores argumentam que a universidade incorpora e reproduz o paradigma da modernidade, reforçando a colonialidade do ser, do poder e do saber no e por meio do currículo nas suas dimensões prescrita, real e oculta. A centralidade do argumento decolonial apresenta-se igualmente relevante no artigo de José Pascoal Mantovani. O autor analisa o fenômeno da desumanização a partir de lentes freirianas, indicando o papel da abordagem decolonial como dispositivo de enfrentamento da realidade opressiva explicitada no período da pandemia. As novas contingências suscitadas pela Covid-19, na perspectiva abordada, impõem considerar que não se vive uma “era” de mudanças, mas uma mudança de “eras”, em que a educação decolonial pode ser um caminho a oportunizar um viés dialogal, relacional e de comprometimento com a própria existência humana.

A partir do conflito provocado por tendências curriculares que apontam para o esgotamento da teoria crítica do currículo, a investigação bibliográfica realizada por Júlio César Maia e Michele Silva Sacardo assume como objetivo debater e analisar a importância da retomada das teorias críticas no entorno dos estudos curriculares. Os autores indagam em que medida as “teorias pós-críticas” e híbridas do currículo, respectivamente a partir do fomento ao multiculturalismo e à centralidade do conhecimento escolar, servindo-se da prerrogativa do “discurso pós-moderno”, têm enaltecido projetos de educação e de sociedade que sirvam às relações capitalistas de produção e aos interesses dos grupos sociais dominantes.

O artigo de Karla de Oliveira Santos e Laura Cristina Vieira Pizzi parte do argumento de que as reformas educacionais em curso desde a década de 1990, no Brasil, têm promovido mudanças estruturais, com ênfase na política de avaliações em larga escala. Nessa perspectiva, são apresentados dados de uma pesquisa realizada com a participação das crianças dos 5os anos do Ensino Fundamental de uma escola pública do município de São Miguel dos Campos, Alagoas, que realizam a Prova Brasil. A investigação possui uma abordagem qualitativa, a partir do Estudo de Caso e da Análise do Discurso de Michel Foucault, em busca de observar o poder pastoral, as tecnologias mobilizadas institucionalmente e o papel docente junto às crianças, conduzindo-as para os fins da Prova Brasil.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é abordada em dois estudos que integram esta edição. Andréia Francisco Afonso, Ana Carolina Araújo da Silva, Rita de Cássia Reis e Juliana Vicini Florentino apresentam uma análise com enfoque nas habilidades relacionadas ao conhecimento químico na área de Ciências da Natureza, presentes no documento. Já Renata Madureira Pavan e Marlene Rosa Cainelli discutem o ajustamento estabelecido pelo Referencial Curricular do Paraná entre as propostas de ensino de História das Diretrizes Curriculares da Educação Básica do estado e da BNCC dos anos finais do Ensino Fundamental. O contexto do Ensino Médio brasileiro é analisado em quatro artigos publicados.

Alessandra Figueiró Thornton e Luciana Vellinho Corso argumentam que a compreensão leitora é uma habilidade complexa e que desafia muitos estudantes nesse segmento. Contudo, os autores destacam que investigações nessa temática são ainda escassas, apesar de fundamentais. O ensino de literatura no nível médio é abordado por Nataniel Mendes, Márcia Manir Miguel Feitosa e Maria Altina da Silva Ramos por meio de uma revisão bibliográfica. As autoras buscaram identificar pesquisas empíricas sobre ensino de Literatura no Ensino Médio que respondam às seguintes questões: Quais as abordagens (metodologias, estratégias e recursos) utilizadas nos processos de ensino e de aprendizagem de literatura no Ensino Médio? Que teoria e/ou autores subjazem o trabalho docente? Que papel o professor desempenha e quais são seus procedimentos nesse processo? Quais são os resultados na aprendizagem dos alunos?

Em continuidade à temática, o artigo de autoria de Cíntia Régia Rodrigues e Valéria Contrucci de Oliveira Mailer apresenta um estudo que procurou construir um panorama do desenvolvimento profissional do docente da rede pública estadual de ensino de um município de Santa Catarina. Os resultados apontam para um descompasso entre formação e práticas docentes, bem como ausência de políticas públicas de carreira, formação continuada e melhores condições de trabalho nessa etapa da escolarização.

Com o objetivo de refletir sobre o papel do professor de Artes no Ensino Médio e a nova BNCC na prática docente, Carmen Tereza Velanga, Carlos Alberto Bosquê Junior e Melissa Velanga Moreira apresentam uma pesquisa qualitativa descritiva, realizada com professores de artes, alunos e membros da comunidade em um Instituto Federal na fronteira Brasil-Bolívia. A narrativa traz os preconceitos sofridos e as penalidades à produção artística livre na instituição, indicando o crescimento da censura e da intolerância à liberdade de expressão e do magistério alinhados a um currículo acrítico vinculado à obrigação de reproduzir conhecimentos padronizados.

O artigo de autoria de Fernanda dos Santos Paulo e Mônica Tessaro analisa a presença de Paulo Freire nos Grupos de Pesquisa cadastrados no Diretório de Grupos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), vinculados à área da Educação. Os dados apresentados oportunizaram a compreensão de como estão configurados os grupos de pesquisa, seus temas e quais constituem redes de sociabilidade. Constatou-se que a presença de Paulo Freire é representada por dois temas centrais: formação de professores e as práticas pedagógicas. Além desses temas centrais, foram localizados quatro elementos que conectam os grupos de pesquisa ao pensamento freiriano, a saber: epistemológico, político- pedagógico, ético e metodológico.

Adentrando em temáticas relacionadas à tecnologia, Maria Jacy Maia Velloso e Maria Lúcia Castanheira apresentam resultados de uma pesquisa que analisou as práticas de escrita no uso do computador e da Internet em um telecentro de uma comunidade quilombola situada ao norte de Minas Gerais/Brasil. Os dados discutidos mostram que, embora o curso de informática possa conter em sua programação um currículo prescrito para a inclusão do aluno no ambiente digital, essa inclusão pode estar mais relacionada à forma como os usuários se organizam e se envolvem em atividades usando computadores e a Internet em suas práticas cotidianas ligadas às identidades culturais particulares.

Em outro trabalho publicado, as práticas educacionais mediadas pelas tecnologias são analisadas textual e discursivamente por Hyan da Silva Cardoso dos Santos, Leide Costa Pereira dos Reis, Marlúbia Corrêa de Paula e Flaviana dos Santos Silva, na intenção de compreender as concepções teórico-metodológicas orientadoras do uso de Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) na Educação Básica. Por meio de uma revisão empírico- bibliográfica, argumenta-se que as metodologias ativas e seus vínculos com as TDIC têm transformado o ensino e a aprendizagem dos estudantes, possibilitando o uso de diferentes ferramentas, aparatos tecnológicos e metodologias como forma de promoção de ensino de qualidade pautado na BNCC.

O uso de metodologias ativas no contexto educacional também é destaque no artigo de Maria Valéria Pavan, Maria Helena Senger e Waldemar Marques, o qual apresenta o contexto de um curso de Medicina que reestruturou seu currículo em 2006, passando a utilizar métodos ativos de ensino. Ao avaliar a percepção dos docentes sobre o currículo em prática, observou- se que eles se dizem motivados para o trabalho e satisfeitos com o curso, avaliam positivamente o profissional formado, bem como a organização dos alunos em pequenos grupos e a inserção em atividades na atenção primária desde o início do curso. No entanto, os autores destacam que a dificuldade na avaliação dos alunos e a falta de capacitação contínua dos docentes foram considerados fatores que dificultam o andamento do currículo.

Tendo como ponto de partida a questão fulcral onde/como formar o docente para o Ensino Superior, Marcos Tarciso Masetto e Silvana Alves Freitas refletem e dialogam sobre duas iniciativas realizadas para encaminhar tal formação docente. Nessa intenção, os autores documentam o projeto de uma universidade que se propôs assumir o desafio de realizar a formação de professores para o magistério superior por meio de Programa de Mestrado e Doutorado Stricto Sensu. Para tanto, os pesquisadores recorreram à elaboração de uma situação de observação participante e às pesquisas bibliográfica e documental, apresentando como resultados as etapas e as produções realizadas ao longo da existência do projeto.

Os desafios da docência, porém no contexto da Educação Básica, despontam como foco de investigação do estudo de caso apresentado por Sandro de Castro Pitano e Camila Tatiane Silveira Alves realizado na rede de ensino do município de Canguçu, Rio Grande do Sul, que apresenta um elevado índice de professores ministrando disciplinas para as quais não possuem formação específica. Os autores investigaram a prática pedagógica de professoras com e sem formação na área em que atuam, em busca de identificar e de compreender suas características, evidenciar desafios e repercussões na docência e nos processos de ensino e de aprendizagem. Argumenta-se que a pesquisa permitiu constatar que as profissionais sem formação específica apresentam dificuldades diretamente relacionadas à habilitação em área distinta, além de insegurança e de descontentamento com essa condição, considerada como fragmentação da docência.

Em face do vigor do debate atual acerca da intensificação do controle do trabalho docente nas escolas públicas brasileiras, implantada nas reformas educacionais dos anos de 1990, Ana Paula Monteiro de Carvalho, José Deribaldo Gomes dos Santos e Maria das Dores Mendes Segundo discutem as políticas de Accountability (Responsabilização Docente) e o seu processo de articulação com o Estado, agente do mecanismo de controle social do capital no atendimento às necessidades do mercado. Ao mapear pesquisas acadêmicas sobre a temática no Banco de Dissertações e Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), os autores destacam que a implantação da política de Responsabilização Docente está alinhada aos interesses do capital em crise, cuja premissa maior se constitui em administrar a lei tendencial decrescente das taxas de lucros.

A ideia de identidade própria dos cursos de Licenciatura, expressa em Diretrizes Nacionais Curriculares (DCN) para o magistério na Educação Básica, em nível superior, configura-se como objeto da pesquisa apresentada por Danielle Camelo e José Batista Neto. Por meio da análise das Resoluções N° 1/2002, N° 2/2002, N° 2/2015 e N° 2/2019, do Conselho Nacional de Educação e do Conselho Pleno (CNE/CP), tendo em vista serem documentos norteadores da formação de professores no Brasil, os autores argumentam que a identidade proposta para os cursos de Licenciatura sofreu variações de acordo com o contexto histórico e o cenário político nos quais essas Resoluções estão inseridas.

Os temas urgentes e emergentes discutidos nos artigos apresentados reafirmam o compromisso ético da Revista e-Curriculum em pautar o campo educacional, em especial o campo do currículo, a partir de uma perspectiva crítica emancipatória. Favorece-se um debate epistemológico rigoroso e dialogal que também se configura como político, tendo como horizonte a construção de uma sociedade em que a justiça social se configure como valor fundamental.

A Revista e-Curriculum, em nome do Comitê Editorial, agradece a todos os que contribuíram com esta importante edição que, em ano eleitoral, se reveste de esperança democrática.

junho de 2022

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons