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Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.20 no.2 São Paulo abr./jun 2022  Epub 21-Nov-2022

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2022v20i2p552-571 

Artigos

Atravessamentos moderno/coloniais no currículo:reflexões de(s)coloniais

Modern/colonial crossings on the curriculum:decolonial thoughts

Cruzamientos moderno/coloniales en el currículo:reflexiones de(s)coloniales

Marcelly Machado CRUZi 
http://orcid.org/0000-0001-8150-2368

Éder da Silva SILVEIRAii 
http://orcid.org/0000-0002-1242-2126

i Mestranda em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (Prolam/USP). E-mail: marcelly@usp.br - ORCID iD: http://orcid.org/0000-0001-8150-2368.

ii Doutor em História (Universidade do Vale do Rio dos Sinos/Unisinos) com Pós-doutorado em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Docente do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade de Santa Cruz do Sul (PPGEdu/UNISC). Líder do Grupo de Pesquisa Currículo, Memórias e Narrativas em Educação-CNPq. E-mail: eders@unisc.br - ORCID iD: http://orcid.org/0000-0002-1242-2126.


Resumo

Neste artigo, busca-se identificar e analisar as manifestações da matriz colonial de poder no currículo de um curso de graduação em Relações Internacionais no estado do Rio Grande do Sul-Brasil. Realiza-se uma análise crítica e qualitativa do Projeto Pedagógico de Curso (PPC) a partir de interlocuções teóricas entre currículo e de(s)colonialidade à luz da Análise Textual Discursiva. Argumenta-se que, na modernidade/colonialidade, o currículo se constitui também como dispositivo colonial de regulação e controle. As colonialidades do ser, do poder e do saber nele se manifestam e orientam sua dimensão prescrita, real e oculta. A análise reconhece que a universidade incorpora e reproduz o paradigma da modernidade, reforçando essas colonialidades no e por meio do currículo.

Palavras-chave: currículo; decolonialidade; matriz colonial de poder; relações internacionais

Abstract

This paper seeks to identify and analyze the manifestations of the colonial matrix of power in the curriculum of an undergraduate course in International Relations in the state of Rio Grande do Sul-Brazil. A critical and qualitative analysis of the Course Pedagogical Project (PPC) is carried out based on theoretical interlocutions between curriculum and de(s)coloniality in the light of Textual Discourse Analysis. It is argued that in modernity/coloniality the curriculum is also constituted as a colonial device of regulation and control. The coloniality of being, power, and knowledge manifest in it and guide its prescribed, real, and hidden dimensions. The analysis recognizes that the university incorporates and reproduces the paradigm of modernity, reinforcing these colonialities in and through the curriculum.

Keywords: curriculum; decoloniality; colonial matrix of power; international relations

Resumen

Este artículo busca identificar y analizar las manifestaciones de la matriz colonial de poder en el currículo de un curso superior en Relaciones Internacionales en el estado de Rio Grande do Sul-Brasil. Se realiza un análisis crítico y cualitativo del Proyecto de Curso Pedagógico (PPC) a partir de las interlocuciones teóricas entre currículo y de(s)colonialidad a la luz del Análisis Textual Discursiva. Se argumenta que en la modernidad/colonialidad el currículo también se constituye como un dispositivo colonial de regulación y control. La colonialidad del ser, del poder y del saber se manifiestan en el currículo y guían su dimensión prescrita, real y oculta. El análisis reconoce que la universidad incorpora y reproduce el paradigma de la modernidad, reforzando estas colonialidades en y a través del currículo.

Palabras clave: currículo; decolonialidade; matriz colonial de poder; relaciones internacionales

1 INTRODUÇÃO

Na qualidade de educandos e educadores, especialmente em instituições como escola e universidade, somos atravessados pelo currículo ao mesmo tempo que também o constituímos e ressignificamos. Nele se estabelecem e desenvolvem nossas experiências, expectativas, práticas e compartilhamentos. Há muitas formas de concebê-lo: currículo é prática discursiva que atribui significações e sentidos à realidade (LOPES; MACEDO, 2011); é território em disputa (ARROYO, 2013), onde se manifestam as tensões e os conflitos sociais (GOODSON, 2012); histórico e político (MOREIRA; SILVA, 2011)1, o currículo é arena onde os diferentes agentes contestam suas agendas, epistemologias, ontologias e cosmovisões. No currículo se manifesta a ideologia dominante (FREIRE, 2016), mas também práticas e projetos contra-hegemônicos que pleiteiam os sentidos da educação.

Conceito polissêmico, o currículo não se restringe a uma dimensão prescrita. Compreendemos o currículo a partir da acepção freireana, em que é “a política, a teoria e a prática do que-fazer na educação, no espaço escolar, e nas ações que acontecem fora desse espaço, numa perspectiva crítico-transformadora” (SAUL, 2018, p. 129, grifos no original). O currículo pode ser também práxis. Nessa perspectiva, como destaca Giovedi (2016, p. 121), ele “se manifesta, se realiza e se concretiza em todas as políticas, nas intenções declaradas e nas práticas” e não se limita aos espaços formais, pois existe “nas diferentes formas das manifestações educativas” (GIOVEDI, 2016, p. 82).

Para quem? Por quem? Por quê? Para quê? são questionamentos que orientam a construção e a prática curricular. A inclusão e a exclusão de determinadas disciplinas, tópicos e temas evidenciam a natureza política do currículo. Essa operação, como informa Silva (2017), é uma operação de poder. Não há neutralidade na construção curricular, pois ela se inscreve em embates postulados por interesses que pretendem ser hegemônicos. No currículo, ocorre a reprodução de relações de dominação e subordinação presentes na sociedade (APPLE, 2006), e também as resistências que se travam contra essas relações (GIROUX, 1986), isto é, relações de poder. Na modernidade/colonialidade, por meio das instituições educativas, o currículo se constitui também como dispositivo colonial de regulação e controle.

Desse modo, se o currículo é atravessado pelas relações de poder, também as interpretamos como relações moderno/coloniais. No contexto latino-americano, pensar sobre o currículo é analisar as implicações das colonialidades do ser, do poder e do saber que se manifestam em suas formas prescritiva, real e oculta. Para isso, analisar o currículo em uma perspectiva de(s)colonial2 desvela o eurocentrismo em sua elaboração e ação e propicia a construção de um pensamento crítico latino-americano voltado à emancipação do Sul global. Tomar a América Latina como lócus privilegiado de enunciação epistêmica proporciona compreender nossa realidade a partir de um quadro teórico autorreferenciado (MIGNOLO, 2017).

Considerando o exposto, nossa proposta consiste em exercitar essa intersecção partindo da premissa de que o currículo, como território em disputa (ARROYO, 2013), é atravessado pela matriz colonial de poder. Consequentemente, pensá-lo nessa direção exige compreender de que modo a colonialidade do ser, a do poder e a do saber se manifestam nele e por meio dele. Como terreno empírico de investigação, escolhemos o currículo de Relações Internacionais (RI) de uma universidade do interior do Rio Grande do Sul para analisar a ação da matriz colonial em seu Projeto Pedagógico de Curso (PPC). Ainda que essa fonte de pesquisa represente apenas a dimensão prescritiva do currículo, sua análise, como um elemento de regulação e orientação do currículo, é potencialmente rica pelo discurso pedagógico que produz.

Composto de 76 páginas, o documento analisado é dividido em nove grandes seções: dados da instituição; a universidade; contextualização do curso de Relações Internacionais; organização didático-pedagógica do curso; políticas institucionais no âmbito do curso; formas de avaliação; corpo docente; apoio ao corpo discente; infraestrutura física utilizada pelo curso. Datado do ano de 2015, o documento explana o contexto de criação do curso, seus objetivos, as aspirações que orientam a construção do currículo e o perfil da/o profissional egressa/o. Detalha quais as visões e valores que o curso objetiva promover, além do contexto socioeconômico em que a IES está localizada - uma região de imigração alemã com predomínio da indústria e cultura do fumo (PPC, 2015).

Metodologicamente, realizamos uma análise crítica e qualitativa desse documento a partir de interlocuções teóricas entre currículo e de(s)colonialidade, utilizando como técnica a Análise Textual Discursiva proposta por Moraes (2003). Para tanto, o texto que segue divide-se em duas seções principais. Na primeira, explicitamos o que compreendemos por matriz colonial de poder e defendemos a potencialidade da intersecção entre currículo e de(s)colonialidade. Na segunda, analisamos alguns elementos da presença da matriz colonial de poder no PPC de um curso superior de Relações Internacionais, tecendo algumas reflexões que poderão servir de mote para debates mais amplos sobre a de(s)colonização do currículo.

O acesso ao PPC foi obtido com a coordenação do curso, que autorizou e acompanhou a pesquisa que originou o presente artigo. Ao final da pesquisa, essa coordenação recebeu o relatório final da análise com os resultados da investigação. Com relação aos critérios éticos adotados, o nome da instituição será preservado e, sempre que se fizer necessário, o documento analisado será citado como “PPC, 2015”, sem a identificação do nome da universidade, o qual, se preciso, será substituído pela sigla “IES” (Instituição de Ensino Superior).

2 A QUE ESTAMOS NOS REFERINDO QUANDO FALAMOS EM COLONIALIDADE?

O conceito de colonialidade do poder, elaborado pelo intelectual peruano Quijano (2005, 2010), fornece-nos uma chave analítica para compreender a complexa relação de dominação e exploração material e intersubjetiva, que tem na criação de identidades racializadas um dispositivo de controle. Essas identidades produziram e produzem lugares fixos hierarquizados e hierarquizantes, bem como papéis a serem desenvolvidos pelos sujeitos a partir da conotação racial a eles atribuída. Essa classificação racial para controle social legitimou o regime colonial/capitalista na América e se mantém na contemporaneidade. A colonialidade é aquilo que subjaz a matriz colonial de poder, agindo como força que persevera na dominação e subordinação das ex-colônias latino-americanas, mesmo após suas independências políticas. É o controle da “autoridade política, dos recursos de produção e do trabalho” (QUIJANO, 2010, p. 84) dos povos colonizados por meio da classificação racial/étnica.

A colonialidade é o lado oculto da modernidade, uma metanarrativa complexa que se manifesta nas práticas sociais e que celebra, produz e autoriza as conquistas da civilização ocidental, escondendo o genocídio, o epistemicídio e o extermínio de sua exterioridade. Mignolo (2014, p. 7, tradução nossa) afirma que a modernidade “produz feridas coloniais, patriarcais (normas e hierarquias que regulam o gênero e a sexualidade) e racistas (normas e hierarquias que regulam a etnicidade), promove o entretenimento banal e narcotiza o pensamento”. Conforme explicou Giovedi (2016, p. 88), com base em Dussel (1993), a “modernidade consiste nas diferentes estratégias que o mundo europeu precisou lançar mão para gerir o sistema-mundo a partir do centro”, isto é, “a maneira pela qual os europeus passaram a administrar o ‘centro’ e a ‘periferia’ a partir do momento em que a América foi conquistada”. Quijano (2010) acrescenta que a modernidade é um universo específico de relações intersubjetivas de dominação eurocentrada que corresponde às necessidades do capitalismo.

De acordo com Lander (2005), o neoliberalismo, expressão atual do capitalismo, é, para além de uma teoria econômica, um modelo civilizatório, uma cosmovisão que nos constitui e naturaliza as relações sociais desiguais. Esse modelo dita as premissas e valores básicos da sociedade contemporânea, inferindo no paradigma moderno. Para Lander (2005), o discurso neoliberal é excludente e hierárquico. Mais que uma doutrina econômica, o neoliberalismo é uma força de pensamento hegemônico que direciona todos os âmbitos da vida para a satisfação das necessidades cognitivas e materiais do capitalismo. Hoje, o neoliberalismo é percebido como ordem natural do mundo, em que a produção de desigualdades (por múltiplos fatores, entre os quais raça, classe e gênero) é tendência espontânea do fluxo histórico. Essa força do pensamento é uma herança colonial.

Lander (2005) propõe o conceito de colonialidade do saber, que respeita a epistemologia dominante estabelecida pelos colonizadores como peça fundamental na classificação social pela raça. Com a produção de um paradigma dominante, o moderno/colonial, o colonizador é capaz de marginalizar e/ou erradicar todas as outras formas e possibilidades de produção do conhecimento. O eurocentrismo, traço característico da modernidade, constitui-se como imposição, excluindo outras leituras e epistemologias para conceber e interpretar o mundo e seus fenômenos. Nesse sentido,

[...] em todo o mundo ex-colonial, as ciências sociais serviram mais para o estabelecimento de contrastes com a experiência histórica universal (normal) da experiência europeia (ferramentas neste sentido de identificação de carências e deficiências que têm de ser superadas), que para o conhecimento dessas sociedades a partir de suas especificidades histórico-culturais. [...] Afirmando o caráter universal dos conhecimentos científicos eurocêntricos abordou-se o estudo de todas as demais culturas e povos a partir da experiência moderna ocidental, contribuindo desta maneira para ocultar, negar, subordinar ou extirpar toda experiência ou expressão cultural que não corresponda a esse dever ser que fundamenta as ciências sociais. [...] Caracterizando as expressões culturais como “tradicionais” ou “não-modernas”, como em processo de transição em direção à modernidade, nega-se-lhes toda possibilidade de lógicas culturais ou cosmovisões próprias. Ao colocá-las como expressão do passado, nega-se sua contemporaneidade (LANDER, 2005, p. 14-15, grifos do original).

Em síntese, à colonialidade do poder integra-se à colonialidade do saber, que opera em uma lógica de legitimação e postulação da visão moderno/colonial. A universidade, para Lander (2000), possui papel fundamental nas dinâmicas da colonialidade do saber, na negação de conhecimentos alternativos. Essa instituição de educação formal não somente é atravessada pelas heranças coloniais, mas também (re)produz e reforça a lógica colonial de pensamento por meio de inúmeros mecanismos de regulação, entre os quais o currículo. Ela atua corroborando a manutenção da hegemonia cultural, política, econômica e social do Norte global - prevalecendo o eurocentrismo como fio condutor de produção intelectual.

Castro-Gómez (2007) afirma que, segundo a metanarrativa eurocêntrica, a universidade é um espaço privilegiado de construção do conhecimento, é ela quem versa sobre o que é e o que não é útil, classificando aquilo que se constitui legítimo ou não. Isso perpassa a discussão realizada por Santos (2007) sobre a racionalidade científica moderna, que determina a validade dos saberes e funciona como uma “monocultura”, eliminando a existência de saberes alternativos. Para Castro-Gómez (2007), a universidade emprega o que ele caracteriza como “hybris do ponto zero”3, refletida não somente nas disciplinas, mas também em sua organização administrativa estratificada.

À díade conceitual das colonialidades do poder e do saber soma-se a colonialidade do ser. Conforme Maldonado-Torres (2010), o ser é marcado pelas experiências coloniais que o constituem. O universo simbólico e concreto latino-americano é atravessado pela colonialidade. Nesse sentido, “a colonialidade do Ser refere-se ao processo pelo qual o senso comum e a tradição são marcados por dinâmicas de poder de caráter preferencial: discriminam pessoas e tomam por alvo determinadas comunidades” (MALDONADO-TORRES, 2010, p. 423).

A colonialidade do ser traça uma linha ontológica que classifica o moderno e o colonial, ratificando as dicotomias hierárquicas sociais. Essa linha, segundo Fanon (2008), é responsável por gerar zonas do ser e do não ser: zonas que delimitam e marcam quais corpos são humanos e quais não o são e que, portanto, localizam os sujeitos na sociedade. Isso implica efeitos diretos na experiência vivida dos sujeitos colonizados.

De acordo com Kahmann e Silveira (2018, p. 92), “a luta contra o colonialismo, que supostamente terminou com a independência, continua, pois, o processo de dominação política, econômica e cultural da metrópole sobre suas colônias permanece vigente na atualidade” por meio da colonialidade que se presentifica nas práticas sociais e instituições educativas. Desse modo, pensar sobre o currículo na perspectiva de(s)colonial, a partir do reconhecimento das colonialidades inscritas em sua constituição, expande as possibilidades de construção de um “pensamento alternativo de alternativas” (SANTOS, 2010, p. 50), para não esgotarmos a multiplicidade das experiências de ser e estar no mundo (SANTOS, 2007).

Abordar currículo em intersecção com os estudos de(s)coloniais é, antes de tudo, firmar um compromisso ético-político com a emancipação latino-americana, construindo ferramentas de (re)existência a partir do Sul. De acordo com Mignolo (2017), o conceito de colonialidade tem, em sua essência, a concepção de(s)colonial, pois se compromete a visibilizar as marcas do período colonial que persistem na contemporaneidade e moldam a forma como sujeitos e instituições se relacionam. A de(s)colonialidade, para Mignolo e Walsh (2018), não é um termo fechado, mas aberto a possibilidades, é a práxis do viver. Nesse sentido, há um horizonte a ser explorado quando interseccionamos currículo e de(s)colonialidade.

3 A AÇÃO DAS COLONIALIDADES NO CURRÍCULO

O PPC do curso de Relações Internacionais analisado anuncia, em sua seção 4, intitulada “Organização didático-pedagógica do curso”, a visão de mundo que fundamenta sua concepção. A aderência ao sistema capitalista e a elaboração de princípios de formação que atendam as demandas desse sistema são percebidas nas escolhas teórico-metodológicas que sustentam o documento.

A principal forma de integração entre os países historicamente tem sido representada pelo comércio. Hoje, esse comércio tem transformado o mundo em um grande mercado, onde os Estados comercializam livremente [...]. Antes mesmo da queda do muro de Berlim, já se notava o começo da eliminação das barreiras entre os Estados, sobretudo de natureza comercial. Porém, com a efetivação das regras do Consenso de Washington, a abertura comercial se constituiu como um caminho mundial para o desenvolvimento, em especial para os países chamados de Terceiro Mundo (PPC, 2015, p. 17).

Nessa perspectiva, a condição do livre-comércio no sistema internacional é valorada como (único) caminho mundial para o desenvolvimento, como uma ferramenta para diminuição dos conflitos entre Estados-nação baseado na interdependência econômica entre eles. Essa visão de mundo advém da tradição liberal de advogar a substituição de conflitos pela cooperação por meio da busca de soluções que promovam os direitos sociais e a proliferação dos lucros. A visão liberal - cooperação, integração, globalização, interdependência e transnacionalização em um viés econômico - das Relações Internacionais é o fio condutor que tece a construção curricular do curso de RI. O liberalismo é a expressão epistemológica da matriz colonial de poder, que, em sua disposição contemporânea, exprime-se nos fundamentos do neoliberalismo. Vale dizer que, nas Ciências Sociais, o neoliberalismo adentra como colonização do conhecimento a serviço do mercado e instauração do pensamento único. De acordo com Lander (2005), a doutrina liberal cria um senso comum que desestimula a construção de pensamentos-outros e se impõe hegemonicamente.

Para Apple (2011), a questão curricular é, para além de uma questão política, uma questão ideológica. De acordo com esse autor, em uma perspectiva histórica, a educação - e aquilo que permeia seu campo - esteve sempre correlacionada e condicionada às disputas no âmbito da raça, classe e gênero. Em uma leitura crítica, o currículo deve romper com a simples reprodução da ideologia dominante, que produz a subalternização dos sujeitos e que, nesses termos, é entendida como o paradigma moderno/colonial. Segundo Freire (2016), a educação não pode ser um depósito de conteúdo sobre um(a) educando/a “vazio”; ao contrário, deve construir a partir dos e com os sujeitos as condições para que eles e elas problematizem sua realidade e desenvolvam ferramentas de transformação da realidade social, de acordo com as tarefas e temas de sua época. É pela aprendizagem que há o processo de conscientização (FREIRE, 1978). Desse modo, a educação não deve se constituir em uma relação unilateral e autoritária de transferência do conhecimento.

Tomando emprestada a análise de Apple (2011) sobre os movimentos de censura e demandas empresariais nas instituições de educação formal nos Estados Unidos, a centralidade do currículo está posta quando olhamos para o Brasil dos anos 2010 e vemos o fortalecimento de ideias conservadoras e reacionárias na educação, entre as quais o projeto “Escola Sem Partido”, que disputa os sentidos da educação e prescreve um currículo mecanicista e dogmático4. A assimilação do currículo pelas normativas da lógica capitalista, ideologia dominante, é premissa para o funcionamento da ordem vigente. Nesse sentido, conforme Apple (2011), há um apelo para que as escolas, universidades e demais instituições de educação sigam o modelo empresarial de gestão, controle, uniformização, competências e competição. Essa é uma questão de poder.

A incorporação do discurso moderno/colonial pela universidade é, como apontam Castro-Gómez (2007), Lander (2005) e Santos (2007), o eixo basilar na reprodução da visão moderno/colonial do mundo. A universidade, como instituição da educação, incorpora e reproduz o paradigma da modernidade, reforçando a colonialidade do saber que exclui aquilo que não se pauta pela racionalidade científica moderna.

São 45 disciplinas que compõem a grade curricular do PPC analisado e em nenhuma delas há menção à América Latina (PPC, 2015). Essa ausência pode ser entendida, conforme Grosfoguel (2010), como uma estratégia epistêmica - um pilar fundante do Ocidente, segundo o autor. A partir da hierarquização dos conhecimentos, o Ocidente classifica como superiores e inferiores os povos, suas culturas, cosmovisões etc. Da mesma forma, essa prática assume uma suposta neutralidade com relação ao conhecimento ocidental, o que mascara as relações de poder inscritas em sua construção. Em um curso de Relações Internacionais é problemático que não se trabalhem questões que dizem respeito ao contexto geopolítico no qual se insere, isto é, um contexto marcado pela herança colonial em que se (re)produzem relações de dominação e exploração entre Norte e Sul, evidenciando as especificidades histórico-estruturais da América Latina.

Ainda no debate sobre as disciplinas, ressaltamos: são 45 divisões do conhecimento em temas para serem investigados, debatidos e compreendidos. Conforme argumenta Castro-Gómez (2007), as disciplinas são também um efeito da colonialidade. Elas materializam a ideia de que sujeito, conhecimento e natureza podem ser separados e, de forma semelhante, recortam a realidade em fragmentos de análise.

No que tange às dinâmicas do capitalismo contemporâneo, a globalização imprime dicotomias paradoxais em sua proposição. Segundo Santos (2000), ao mesmo tempo que aproxima sujeitos localizados em espaços geográficos distantes e confere celeridade ao processo de comunicação, comércio e migração, por meio do avanço da ciência e tecnologias de informação, ela também é responsável por gerar desigualdades e acentuar diferenças entre periferia, semiperiferia e centro. Na modernidade/colonialidade, a globalização adquire caráter multifacetado: fábula, perversidade e possibilidade (SANTOS, 2000). Ao passo que facilita o acesso a bens e serviços para os e entre os indivíduos das classes médias e ricas, ela também se constitui como forma de precarizar os direitos e garantias dos trabalhadores e trabalhadoras, pela mobilidade industrial para países com atrativos fiscais e legislativos às empresas - agindo sempre na lógica do capital. A menção à “globalização como fábula” e à “globalização como perversidade” (SANTOS, 2000) é descrita no seguinte trecho do PPC:

Mais do que um fenômeno meramente econômico, a globalização se caracteriza por um fluxo de ideias e conhecimentos cujo impacto tem sido mais sentido pelos povos nações em desenvolvimento. O conhecimento, o transporte rápido e barato, a comunicação rápida e eficiente, a intensificação do fluxo de capital entre os países, o crescimento da renda, entre outros fatores, têm mudado a geografia do comércio mundial e encoberto uma maior desigualdade de ordem social, econômica e cultural, o que também implica em movimentos de poder (PPC, 2015, p. 20).

Chamamos a atenção, no primeiro trecho, para a afirmação de que os benefícios da globalização são mais sentidos nos países em desenvolvimento. Esses países, no sistema-mundo,5 são compreendidos como os países da semiperiferia que, como o Brasil, são sensíveis às transformações produzidas pelo estágio da globalização. Essa fabulação no currículo diz respeito ao que Fanon (1979) observou: o objetivo dos colonizadores está na distância posta entre eles e os colonizados e colonizadas. As colonialidades constroem e naturalizam diferenças entre o Norte e o Sul global - que são intransponíveis pela própria lógica capitalista do sistema-mundo. Por mais que a globalização seja utilizada como ferramenta para galgar espaço e reconhecimento, ela ainda é uma face do capitalismo, agindo para reproduzir e reforçar as assimetrias do sistema-mundo colonial/moderno. Por mais que o fluxo de conhecimento esteja mais “democrático” aos países da periferia e semiperiferia, o que ocorre no currículo é uma importação da epistemologia do Norte, e não uma troca mútua entre os diferentes matizes do conhecimento e suas formas de produção.

Nós, latino-americanas/os, temos maior acesso ao que é produzido nos grandes centros hegemônicos, mas movimento contrário é realizado de maneira pouco expressiva. No PPC analisado, a colonialidade do saber efetua-se tanto na dinâmica díspar de não mutualidade no intercâmbio e partilha de conhecimento quanto na proposição de um currículo ancorado na compreensão da globalização como fábula (SANTOS, 2000).

[...] o Curso de Relações Internacionais da [IES] busca formar profissionais éticos, dotados de uma cultura cosmopolita, conscientes de que as diferenças culturais são riquezas da humanidade e que os processos econômicos servem para a melhoria do bem-estar das comunidades (PPC, 2015, p. 2).

Aqui destacamos dois pontos. O primeiro deles faz referência ao que explanamos nos parágrafos anteriores sobre globalização e perspectiva liberal das Relações Internacionais. Ao afirmar que os processos econômicos são manejados e organizados para promover o bem-estar das comunidades, percebemos a colonialidade do poder em ação. A economia capitalista, em uma leitura de(s)colonial, tem agido historicamente para assinalar assimetrias entre pares e produzir e aprofundar a desigualdade como forma de garantir a distinção entre os países do Norte e os do Sul global no sistema-mundo. A “melhoria do bem-estar das comunidades” - conforme expresso no PPC do curso - insere-se na forma abreviada e equivocada de como essa questão é percebida nas dinâmicas do capitalismo moderno/colonial: com o aumento da qualidade de vida dos países do centro, ao mesmo tempo e por efeito, oculta-se a agudização das diferenças de classe nos países periféricos pela via do extrativismo.

De acordo com Castro-Gómez e Grosfoguel (2007), com o fim do colonialismo moderno, hoje nos encontramos em uma colonialidade global. Após o término do sistema colonial que marcou a história dos países periféricos, as formas de dominação transmutaram-se, mas a estrutura de exploração permaneceu. Os mecanismos de acumulação do capital ainda vigoram com a finalidade de desenvolver os países do centro a partir dos recursos saqueados da periferia. Na atualidade, organismos internacionais que buscam promover o “bem-estar” internacional e regular as relações econômicas, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), trabalham para impor uma agenda neoliberal que dilacera as economias de países de economia mais fragilizada. O neoliberalismo propagou a assertiva da economia capitalista como horizonte desenvolvimentista e como utopia para um sistema internacional equânime.

O segundo ponto faz referência à noção cosmopolita e de diferenças culturais, o que contradiz aquilo que a distribuição de disciplinas da grade curricular evidencia. No que tange ao sentido do conceito “cosmopolita”, percebemos, conforme Santos (2010), seu caráter excludente. O cosmopolitismo usualmente é empregado para estabelecer uma atitude de inclusão e tolerância, bem como de cidadania global, sinalizando o desejo de viabilizar e favorecer relações interculturais. Pretende-se, nesses termos, efetuar uma igualdade entre as culturas e diferentes povos. Entretanto, na descrição ou no ideal político cosmopolita, está entrelaçada a classificação social. Assim, de acordo com Santos (2010, p. 50), “o cosmopolitismo tem sido privilégio daqueles que podem tê-lo”. O termo propõe a completude, mas se alicerça na compreensão moderno/colonial do sistema-mundo de grupos com interesses excludentes. Os “cidadãos do mundo” são ocidentais.6 Verificamos essa questão a partir da parca presença de disciplinas que versam sobre o mundo não ocidental - apenas uma sobre cultura e filosofia oriental (PPC, 2015).

Ao final da página 21 do PPC, inicia a listagem de competências a serem desenvolvidas na formação do internacionalista. De acordo com Silva (2008), o termo competência é originário da linguagem empresarial, a qual ganha força a partir das transformações ocorridas no mundo do trabalho. Se o currículo é atravessado pelas relações de poder e é instrumento de inculcação de valores e costumes, o estágio atual do capitalismo demanda, assim, atribuir competências à formação de jovens e adultos para o mercado de trabalho. Atender as necessidades materiais e cognitivas do capitalismo torna-se primordial para sua reprodução e longevidade, a partir da reprodução das colonialidades do ser, do poder e do saber. As competências e habilidades específicas que o curso de Relações Internacionais da IES busca desenvolver em seu profissional são:

Reconhecer a influência cultural sobre as decisões dos agentes envolvidos em transações de natureza política e/ou comercial; Conhecer as diferenças entre as trajetórias do desenvolvimento de países e os seus condicionamentos históricos, institucionais, tecnológicos e econômicos; Compreender a realidade internacional e a forma como esta pode afetar as organizações nacionais públicas e privadas; Analisar a formação e as transformações dos mercados internacionais e as possíveis estratégias de atuação dos agentes econômicos nacionais nestes mercados; Auxiliar no estabelecimento e na manutenção de relações com organizações estrangeiras; Conhecer os principais acordos, tratados e organismos internacionais; Compreender o processo de formação de blocos econômicos e a união entre países e os relacionamentos dentro destes, entre blocos e entre regiões integradas e outros países; Desenvolver a capacidade de comunicação e fluência em idiomas, particularmente o inglês; Assessorar negociações internacionais entre agências governamentais ou no corpo diplomático assim como aquelas desenvolvidas entre organizações privadas; Auxiliar no desenvolvimento de estratégias de inserção internacional de organizações e empresas nacionais; Representar o papel de agente moderador de conflitos, qualificando-se como um possível árbitro eleito pelas partes divergentes; e atuar nas agências diplomáticas, consulados, chancelarias e embaixadas (PPC, 2015, p. 21-22).

A listagem das competências e habilidades revela como o curso de RI analisado se organiza para suprir as necessidades do capitalismo, formando suas/seus profissionais com base nas premissas constituintes do sistema-mundo capitalista moderno/colonial. Isso se verifica, pois o desenvolvimento de competências não é no sentido de entender a multiplicidade ontológica e epistemológica que há no mundo, nem de pensar em uma lógica contra-hegemônica à solidificada pela modernidade/colonialidade. No PPC, as competências sinalizam o comprometimento com a racionalidade colonial/moderna, que exclui de sua agenda curricular a alteridade. A colonialidade do saber, travestida de competências e objetivos, impõe os valores do capitalismo por meio do conhecimento (re)produzido em sala de aula que flui para o horizonte de reforço da estrutura vigente. De acordo com Silva (2008), a competência, derivada da competitividade, objetiva traçar distinções entre os sujeitos no mercado de trabalho e conferir-lhes maior vantagem perante suas/seus adversárias/os. É ação vital para o capitalismo estimular essa competitividade para que empresários maximizem seu aproveitamento e lucros. Formar a/o internacionalista de acordo com as demandas do mercado corrobora a manutenção da exploração e dominação do sistema-mundo capitalista moderno/colonial.

Chamamos a atenção para o trecho que menciona o profissional de RI como um agente moderador de conflitos. A partir de Walsh (2009), interpretamos essa moderação de conflitos como um dos mecanismos sofisticados das colonialidades para que o capitalismo se desenvolva sem expressivas perturbações e/ou interferências. O neoliberalismo necessita de uma sociedade apaziguada para seguimento de sua agenda. A multiplicidade cultural é característica do mundo, e conflitos e tensões entre diferentes culturas existem quando há a imposição de uma sobre a outra. Assim, coexistência harmônica entre as culturas ao lado da compreensão da diferença como multiplicidade a ser celebrada é marca de uma atitude de(s)colonial. Refletir e discutir sobre essas questões configuram uma ação necessária para de(s)colonizar o currículo. Uma ação que permite compreender que o tema da emancipação na América Latina, indissociável do movimento de(s)colonial, é uma trama complexa. Isso exige o reconhecimento de que essa emancipação é movimento e possibilidade, é projeto e horizonte, é luta e resistência nos cantos de experiência palpável e inconteste, em que a liberdade, a autodeterminação e a dignidade humana imperem, vedando as frestas e as possibilidades de passagem das armadilhas e das violências coloniais que classificam os sujeitos e suas culturas hierarquicamente.

As colonialidades do e no currículo podem nos levar ao erro de impor determinados aspectos e valores de uma cultura sobre a outra ou compará-las pela mesma régua. Conforme Lander (2005), o Ocidente é exitoso em produzir discursivamente a neutralidade. Isso tem efeito na separação entre as culturas dos povos não europeus, caracterizadas arcaicas, e a cultura europeia, considerada sinônimo do progresso e referência moderna.

No tocante à dimensão prática do currículo, mesmo que não tenha sido o escopo deste texto, é possível igualmente destacar um dos pontos desenvolvidos na pesquisa que originou o presente artigo e que diz respeito às dinâmicas de ensino e aprendizagem observadas no caso de estudo para além do PPC. Majoritariamente, constatamos que elas se reduziam a monólogos docentes em ambientes cuja disposição das classes em sala de aula contribuía para coibir uma educação dialógica, democrática e emancipatória. Embora o PPC afirme que o “plano de ensino tem como princípio norteador a interação constante entre professor-aluno-objeto de conhecimento”, para que haja superação da “ilusão de facilidade que o aluno tem ao assistir passivamente a explicação do professor” (PPC, 2015, p. 37), o que ocorria em sala de aula eram disciplinas ministradas com metodologia expositiva unilateral. Às vezes, professoras/es que usufruíam de tempo delimitado para explicar conteúdos densos e complexos sentiam-se na obrigação de diminuir ou mesmo solapar o debate em sala de aula como condição para “vencer os conteúdos” da matéria. Nessas práticas, também operaram as colonialidades. O êxito de transmitir todo o conteúdo previsto em plano de ensino, mesmo que para isso não haja debate e reflexões coletivas, é percebido pela universidade moderna ocidental como triunfo.

4 CONCLUSÃO

Nosso esforço neste escrito foi, por meio da apresentação de alguns elementos da ação da matriz colonial de poder no PPC de um curso superior de Relações Internacionais, tecer reflexões acerca da potencialidade da intersecção das categorias currículo e de(s)colonialidade. O artigo focaliza como temática principal a crítica decolonial ao currículo a partir de uma análise conceitual da proposta curricular expressa nesse documento.

Pensar sobre as colonialidades no currículo sinaliza um comprometimento com o projeto de(s)colonial necessário para construir estratégias de superação das forças moderno/coloniais presentes nas instituições educativas e que oprimem e eliminam a alteridade. Entendemos que, contraditoriamente, o mesmo currículo que (re)produz as colonialidades do poder, do ser e do saber também oferece condições de possibilidade de uma formação crítica e de(s)colonial. Isso ocorre, ao contrário de uma visão dominante que reduz o currículo à grade curricular, porque acreditamos que ele é prática social e, nesse caso, não se limita às paredes da sala de aula nem mesmo à universidade. Se isso é possível, talvez este texto possa servir de mote para um debate crítico nesse sentido.

Portanto, reforçamos a importância de pensar fora dos limites do sistema-mundo moderno/colonial que marginaliza, invisibiliza e apaga a multiplicidade epistemológica e ontológica que há nas práticas curriculares. Resgatar e promover outras racionalidades vai ao encontro do esforço de pensar de(s)colonialmente, construir alternativas de um currículo que celebre todas as vozes em um projeto emancipatório. Entendemos que pensar sobre o currículo atravessado pelas relações de poder e como resultado de uma correlação de forças é necessário para construir ferramentas para projetos de educação contra-hegemônica. A ruptura com o paradigma moderno/colonial é possível por meio do que Mignolo (2008) denominou de “desobediência epistêmica”: desenhar novas propostas epistemológicas a partir da opção de(s)colonial, com uma produção do conhecimento autorreferenciada, ou seja, que toma a América Latina como lócus privilegiado de enunciação.

Nesse sentido, uma questão que fica em aberto e que julgamos importante aprofundar em outra oportunidade diz respeito aos sujeitos coletivos originários que vêm sustentando as lutas de(s)coloniais, estudadas pelos principais teóricos referenciados neste artigo e tecidas desde a práxis libertadora desses sujeitos e movimentos sociais populares. Considerar as críticas que esses sujeitos e movimentos sociais vêm tecendo às práticas e organizações educacionais coloniais identificadas com a colonialidade dos Estados latino-americanos certamente trará novas contribuições para o que nos propusemos neste texto. Considerar a de(s)colonialidade e a interculturalidade crítica como projeto epistêmico e ético que vem sendo construído pelas lutas dos povos originários é tarefa relevante para fundamentar movimentos e ou ações que promovam a de(s)colonização do currículo das instituições educativas ainda estruturadas pelas colonialidades do poder, do saber e do ser.

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NOTAS:

1 Com relação à grafia do nome de Tomaz Tadeu da Silva, optamos por respeitar em nossas citações e referências à grafia assumida e mantida na edição da obra Currículo, cultura e sociedade, que manteve apenas “Tomaz Tadeu” na capa, na ficha catalográfica e no interior do livro.

2 Nossas discussões são situadas no âmbito dos estudos da rede Modernidade/Colonialidade, um coletivo de latino-americanos e latino-americanistas múltiplo, heterogêneo e difuso, que propõe um giro epistemológico de pensar a América Latina a partir de categorias autorreferenciadas, e não eurocêntricas.

3 A “hybris do ponto zero” é um modelo epistêmico que separa natureza, conhecimento e sujeito. É pautada pela racionalidade científica e pela concepção de objetividade, separação entre o sujeito e o objeto investigado. Nesse modelo, a ciência pretende-se neutra, observadora a partir de um ponto inobservável, situada “fora” do mundo, localizada em um suposto ponto zero. A ciência pretende-se Deus, mas a ciência não é Deus, pois é produto humano. Para Castro-Gómez (2007), esse é o pecado do Ocidente, querer ter um ponto de vista sobre as demais coisas, mas não cogitar um ponto de vista sobre seu ponto de vista. Por isso “hybris” do ponto zero, figura mitológica que representa a indolência, a violência, a arrogância e o orgulho, para definir a prepotência colonial/moderna sobre as demais sociedades e culturas.

4 O “Escola sem Partido” pode ser concebido como movimento, organização, programa ou projeto que ataca a liberdade de cátedra e se posiciona contra o ensino de questões de gênero e sexualidade nas escolas brasileiras. Sua origem ocorre em 2004, por meio da iniciativa do então procurador do estado de São Paulo, Miguel Nagib. Tornou-se projeto de lei em 2014, no estado do Rio de Janeiro (PL 2.974/2014). Ver mais em: Ação Educativa (2016) e Penna, Queiroz e Frigotto (2018).

5 O sistema-mundo é estruturado em hierarquias que dividem o mundo em centros, semiperiferias e periferias a partir da divisão internacional do trabalho (WALLERSTEIN, 1998). “Na esteira do sociólogo peruano Aníbal Quijano [...], poderíamos conceptualizar o atual sistema-mundo como um todo histórico-estrutural heterogêneo dotado de uma matriz de poder específica a que chama ‘matriz colonial de poder’ (‘patrón de poder colonial’)” (GROSFOGUEL, 2010, p. 464, grifos do autor).

6 Para contrapor isso, Santos (2010) propõe um “cosmopolitismo subalterno” que seria a reivindicação de cidadão global daqueles sujeitos que são excluídos das narrativas hegemônicas e considerados sub-humanos pela linha ontológica que classifica os indivíduos.

Recebido: 01 de Setembro de 2020; Aceito: 20 de Setembro de 2021

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