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Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.20 no.2 São Paulo abr./jun 2022  Epub 21-Nov-2022

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2022v20i2p646-668 

Artigos

O ensino de história das diretrizes do estado do Paraná e da Base Nacional Comum Curricular:divergências teóricas e aproximações

The teaching history of the guidelines of the state of Paraná and the National Common Curricular Base:theoretical divergences and approximations

La historia de la enseñanza de las directrices del estado de Paraná y la Base Curricular Común Nacional:divergencias teóricas y aproximaciones

Renata Madureira PAVANi 
http://orcid.org/0000-0002-8503-8969

Marlene Rosa CAINELLIii 
http://orcid.org/0000-0002-9709-3834

i Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Londrina. Professora efetiva da Rede Estadual de Roraima: E-mail: renatampavan@hotmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-8503-8969.

ii Doutorado em História Social pela Universidade Federal do Paraná. Professora Sênior da Universidade Estadual de Londrina. Professora do Programa de Mestrado e Doutorado em Educação e do Mestrado em História. E-mail: cainelli@uel.br ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-9709-3834.


Resumo

O presente artigo discute o ajustamento estabelecido pelo Referencial Curricular do Paraná (2018) entre as propostas de ensino de História das Diretrizes Curriculares da Educação Básica de História do estado do Paraná (2008) e da Base Nacional Comum Curricular (2018) dos anos finais do ensino fundamental. A análise de conteúdo (BARDIN, 1977) pautou-se nas contribuições teóricas do campo da Educação Histórica e da Teoria da História de Jörn Rüsen e sua Teoria da Aprendizagem Histórica (2012). O entendimento foi de que o RC (2018) buscou dar continuidade ao caminho potente que está sendo construído e referenciado na própria História pelo ensino de História, no estado do Paraná, na contramão da BNCC (2018), em nível nacional, com a proposta de desenvolvimento de competências e habilidades.

Palavras-chave: ensino de história; diretrizes do Paraná; BNCC

Abstract

This article discusses the adjustment established by theParaná Curriculum Framework (2018)between the proposals for teaching History of theCurriculum Guidelines for Basic Education in the State of Paraná (2008) and theCommon Curricular National Base (2018)of the final years of the elementary School. Content analysis (BARDIN, 1977) was based on theoretical contributions from the field of Historical Education and the Theory of History by Jörn Rüsen and hisTheory of Historical Learning (2012). The understanding was that theRC (2018) sought to continue the powerful path that is being built and referenced in History itself by teaching History, in the state of Paraná, against theBNCC (2018), at the national level, with the proposal skills and abilities development.

Keywords: history teaching; Paraná guidelines; BNCC

Resumen

Este artículo analiza el ajuste establecido por el MarcoCurricular de Paraná (2018) entre las propuestas para la enseñanza de Historia de lasDirectrices Curriculares para la Educación Básica en el Estado de Paraná (2008) y laBase Nacional Curricular Común (2018) de los últimos años de la enseñanza fundamental. El análisis de contenido (BARDIN, 1977) se basó en contribuciones teóricas del campo de la Educación histórica y la teoría de la historia de Jörn Rüsen y suTeoría del aprendizaje histórico (2012). El entendimiento fue que elRC (2018) buscó continuar el camino poderoso que se está construyendo y referenciando en la Historia misma al enseñar Historia, en el estado de Paraná, contra elBNCC (2018), a nivel nacional, con la propuesta habilidades y desarrollo de habilidades.

Palabras clave: enseñanza de historia; directrices Paraná; BNCC

1 INTRODUÇÃO

A pesquisa desenvolvida buscou compreender as concepções de ensino de História, presentes nas Diretrizes Curriculares da Educação Básica de História do estado do Paraná (2008) e da Base Nacional Comum Curricular (2018) referentes aos anos finais do ensino fundamental a partir do ajustamento realizado pelo Referencial Curricular do Paraná (2018). Objetivou-se interpretar os distanciamentos e as aproximações entre as duas propostas do currículo de História, considerando os pressupostos teórico-metodológicos de embasamento de ambas. Foram analisadas as concepções de aprendizagem e ensino de História explicitadas nos documentos - estadual e nacional -, assim como a de História, orientadora da seleção e organização curricular.

A interpretação das comunicações textuais a partir de Laurence Bardin (1977), numa abordagem qualitativa (LUKDE; ANDRÉ, 2018), permitiu compreender os contextos de produção dos documentos curriculares à luz dos subsídios teóricos do campo da Educação Histórica, na apropriação da teoria da consciência histórica de Jörn Rüsen (2001) e sua Teoria da Aprendizagem Histórica (2012), fundamentando a análise quanto aos caminhos teóricos divergentes entre as propostas curriculares de História e suas aproximações.

O conceito de sentido na perspectiva de Rüsen (2001) é pensado para o ensino e a aprendizagem da História na possibilidade de significação às experiências do tempo, considerando que o aprendizado histórico conecta a Didática da História à Teoria da História, quando esta última explicita a especificidade do pensamento histórico, e o que lhe é inerente, independentemente da forma que assumir, seja comum ou científica. Por conseguinte, o conhecimento histórico é entendido como resultado da constituição histórica de sentido, por meio de processos cognitivos e atividades criativo-significativas que mantêm interconectadas subjetividade e objetividade, articulando as três dimensões do tempo: presente, passado e futuro.

Concepções de sentido consistem, pois, em saberes conectados, em explicações abrangentes do mundo, em determinações normativas do direcionamento e de metas do agir no tempo e no espaço, na unidade entre explicação do mundo e intenções de agir e, por fim, na formatação de identidade e diferença de pertencimento e demarcação (RÜSEN, 2015, p. 104).

A apropriação do conceito de consciência histórica pela Educação Histórica relaciona ciência e vida prática, com a finalidade de fomentar, mediante o aprendizado histórico, uma consciência histórica de tipo crítico-genético, isto é, de caráter moderno. Esta consciência se estrutura na busca da racionalidade científica da História, percorrendo a aprendizagem histórica os caminhos de construção do conhecimento histórico científico, no desenvolvimento da competência narrativa com vistas à orientação existencial da vida prática. De modo que a

finalidade da aprendizagem é a construção do pensamento histórico e formação da consciência histórica complexa [...] O objetivo é uma consciência crítico-genética, onde a relação presente e passado seja fundamentada em narrativas mais complexas, que se prestem à uma orientação temporal para vida presente (SCHMIDT; URBAN, 2018, p. 14-15).

A interpretação da mediação realizada pelo RC1 (2018), entre as Diretrizes do Paraná (2008) e a BNCC2 (2018), explicitou os distanciamentos entre as duas propostas no que se refere aos pressupostos teórico-metodológicos de embasamento do documento paranaense e a proposta pedagógica do documento nacional, pautada no desenvolvimento de competências e habilidades, visto que as DCEH3 (2008) rechaçam as perspectivas históricas positivista e metódica, pois entendem que os paradigmas sustentados no século XIX não correspondem às transformações que a História, como ciência, sofreu no decorrer do século XX, no que se refere ao seu caráter dinâmico/histórico, isto é, ressaltando as produções historiográficas enquanto construção/perspectiva.

As concepções positivista e metódica de História são superadas pelo conceito de matriz disciplinar de Rüsen (2001), a qual fundamenta e orienta a seleção dos conteúdos históricos das Diretrizes do Paraná (2008), pois as duas primeiras não contemplam a subjetividade daqueles que narram a História, já que a partir delas acredita-se que seja possível alcançar a objetividade da História. Negligencia-se, assim, os processos de subjetivação nos quais os alunos constroem suas narrativas históricas, principalmente suas carências de orientação oriundas da cultura histórica de seu tempo no desencadeamento de suas atividades mentais. A BNCC (2018), na contramão das DCEH (2008), por sua vez, tem seus procedimentos metodológicos da aprendizagem histórica correspondentes a operações mentais genéricas, que, somente por se relacionarem com o conteúdo História, não necessariamente possuem caráter histórico. As competências a serem desenvolvidas, do documento nacional, objetivam a apropriação dos eventos históricos elencados numa ordem cronológica linear, respeitando a tradição seletiva (LAVILLE, 1999) de determinados fatos históricos, privilegiando a Europa Ocidental.

Em suma, a transgressão teórica realizada pelo RC (2018) em relação à proposta da Educação Histórica de formação do pensamento histórico com base na teoria da consciência histórica, articulando os subsídios teóricos mencionados aos processos referentes à “atitude historiadora” da BNCC (2018) - ressaltando a prática investigativa -, evidencia o esforço do RC (2018) no “ajeitamento” entre os dois currículos. Esse ajustamento garante os ganhos do ensino de História no Paraná nas duas últimas décadas, referenciados no campo epistemológico da História, concernentes às investigações e produções teóricas do campo da Educação Histórica no Brasil.

Em países como Inglaterra, Estados Unidos e Canadá, o campo da Educação Histórica desenvolveu investigações que contribuíram à formação de um arcabouço teórico que, a posteriori, serviu de referência a pesquisas de outros países, consolidando-se, assim, na Espanha, em Portugal e no Brasil. Investigadores como Alaric Dinckison, Peter Lee, Peter Rogers e Denis Schemilt, foram responsáveis, na Inglaterra, afirma Isabel Barca (2011), por conduzirem pesquisas em que a cognição histórica passou a ser investigada de modo que foram cunhados conceitos de segunda ordem, denominados assim por referirem-se à natureza do conhecimento histórico. Desse modo, houve um distanciamento de referenciais como os da Psicologia e da Pedagogia, privilegiando os da História em detrimento dos primeiros na direção de investigações que se desenvolveram sobre pensamento histórico, consciência histórica e aprendizagem histórica (SCHMIDT; URBAN, 2018).

Pesquisas desenvolvidas no campo da Educação Histórica no mundo e, em particular no Brasil, resultaram em dissertações, teses e publicações, construindo uma tradição teórica e fortalecendo o campo que se respalda na matriz disciplinar de Jörn Rüsen e em sua Teoria da Aprendizagem Histórica (2012) com base em seu entendimento sobre a Didática da História, colocando a categoria consciência histórica na centralidade dos debates referentes à aprendizagem da História. Ao assenhorar-se da perspectiva ruseniana, concernente à constituição histórica de sentido, a Educação Histórica estabeleceu sua tese de que aprender História é aprender a narrá-la, para tanto, faz-se mister que os alunos desenvolvam competências históricas, sendo elas experimentar/perceber, interpretar, orientar e motivar.

No entanto,

Não são apenas as quatro operações da constituição histórica de sentido (experimentar, interpretar, orientar e motivar) que podem ser reconhecidas didaticamente como processos de aprendizagem mediante competências específicas. No campo da didática da história, também e com mais propriedade, os quatro tipos da constituição histórica de sentido (tradicional, exemplar, genético, crítico), valem como formas de aprendizagem. É inerente à lógica desses tipos - mais precisamente, à lógica da sua correlação sistemática - poderem ser interpretados na perspectiva de uma lógica evolutiva (RÜSEN, 2015, p. 262).

Rüsen (2011a) articulou uma concepção do aprendizado histórico na qual a consciência histórica é uma categoria central, ressaltando sua peculiaridade fundamentada numa categoria que traz em si a especificidade do histórico. Ao afirmar que o aprendizado histórico é o objeto da Didática da História, sendo uma das dimensões e expressões da consciência histórica (RÜSEN, 2011b), o autor propõe compreender esta última como processo de aprendizado em que o ensino de História considera, organiza e influi nas operações mentais da consciência histórica, articulando as temporalidades históricas com vistas a orientar culturalmente os indivíduos a partir de uma estrutura abrangente de sentido. Percorre-se, assim, a função prática do conhecimento histórico, em que aprender História retoma os fatores didáticos da matriz disciplinar ruseniana: as carências de orientação e as funções de orientação existencial, interconectados aos caminhos de construção do conhecimento histórico-científico pautado na rigorosidade do método da História (SCHMIDT, 2019). O aprendizado histórico, na esteira da Didática da História pensada por Rüsen (2012), não tem por finalidade, por meio dos procedimentos metódicos, construir conhecimentos científicos, preocupa-se com o desenvolvimento da competência narrativa da consciência histórica. O trecho abaixo é elucidativo:

Tanto a história como ciência quanto o aprendizado histórico estão fundados nas operações e nos processos existenciais da consciência histórica: a teoria da História e didática convergem, assim, nesse tema. Elaboram-no, contudo, de maneiras diferentes. A teoria da História pergunta pelas chances racionais do conhecimento histórico e a didática pelas chances de aprendizado da consciência histórica (RÜSEN, 2007, p. 93).

O interesse da Teoria da História é o de garantir o máximo de potencial racional na construção do conhecimento histórico científico e o da Didática da História é o de desenvolver a competência narrativa no processo de ensino e aprendizagem da História, sem deixar de beneficiar-se do potencial racional da ciência da História.

2 HISTÓRIA CIÊNCIA E VIDA PRÁTICA: INTERCONECTADAS PELO PROCESSO DE FORMAÇÃO HISTÓRICA

Na formação histórica que se realiza pelo ensino da História nas escolas, o processo da aprendizagem histórica, como destaca Arthur Assis (2010), a partir da Teoria da História ruseniana, é dúplice: pela apropriação do conhecimento referente à experiência do tempo concomitante ao desenvolvimento da competência narrativa, para que os alunos interpretem o conteúdo histórico concernente às produções historiográficas em conjunto com o material empírico do passado. Segundo Assis (2010, p. 31-32), “a formação histórica permite que os sujeitos humanos relacionem suas carências de orientação com os estoques de conhecimento acumulados pela ciência histórica.” Continua o autor:

Nessa interação entre subjetividade e conhecimento acumulado (sob forma de cultura histórica), ocorreria a “complementação” do trabalho especializado da ciência da história. Tal interação permitiria uma racionalização geral da orientação da vida prática (ASSIS, 2010, p. 33).

A formação histórica, com base no pensamento ruseniano, permitiu elaborar uma Didática da Educação Histórica, como traz Schmidt (2019), a qual entende que a formação histórica se realiza na conexão fundamental entre vida prática e ciência. Ou seja, o pensamento histórico comum (genérico), nos processos cognitivos em direção ao método da História, sofre uma racionalização, permitindo que as competências históricas sejam ampliadas: responsáveis por engendrar um pensamento histórico de caráter moderno, isto é, argumentativamente fundamentado:

As ideias históricas prévias dos aprendizes devem ser o ponto de partida e de chegada do ensino de História, partindo das carências e interesses dos sujeitos, sempre relacionados ao mundo eles estão e poderão ser envolvidos. A partir das ideias prévias e dos interesses pode-se levar aos processos de produção da ciência da história, depositários dos conceitos históricos, sejam eles substantivos (relacionados aos conteúdos da História), ou epistemológicos (relacionados aos processos cognitivos do pensamento histórico), tais como evidência e explicação histórica) (LEE, 2011) (SCHMIDT, 2019, p. 28-29).

Os métodos de ensino baseados numa Didática da História, que traz as bases epistemológicas da História como fundamentação, contribuem para a construção das narrativas históricas dos alunos nas quais os fatos se revestem de sentido histórico quando são organizados e relacionados em forma de respostas às necessidades de orientação. Ou seja, os processos de subjetivação, concernentes às operações cognitivas, incidem sobre a facticidade do passado, dando-lhes significado, relevância frente à suas próprias vidas.

Um tal fato não possui sentido, significado ou significância especificamente históricos em si próprio. Ele se reveste desse sentido “histórico” apenas numa determinada relação temporal e semântica para com outros fatos. Essa relação é produzida pela interpretação histórica (RÜSEN, 2011d, p. 142).

As experiências do passado, vivas no presente, são plenas de sentido, no processo de pesquisa histórica por parte dos historiadores, mediante o procedimento metódico de interpretação do material empírico à luz das concepções teóricas, o passado investigado é interpretado enquanto perspectiva, podendo ser transformadas até mesmo as teorias. A atribuição de significado prossegue em um modo próprio e peculiar, como destaca Rüsen (2007), com a formatação historiográfica, a qual apresenta os resultados da pesquisa ao público-alvo com o objetivo de convencer sem ser impositiva, já que, segundo o autor, toda narrativa histórica tem a pretensão de ser verdadeira (RÜSEN, 2015). Nas palavras do Rüsen (2007), existe uma teleologia retórica configurada em modos tópicos do discurso historiográfico, caracterizados pelas dimensões estética e retórica, responsáveis pela imaginação na constituição de sentido e pela interpelação àqueles que as Histórias se dirigem. Não somente tem pretensões de influir na orientação da vida prática dos indivíduos, bem como pretende capacitar os indivíduos a compreenderem seu mundo e os contextos em que estão inseridos com os demais, de modo que eles não se sintam coagidos pela sua memória histórica, mas em liberdade para refletir e interpretar os modelos existentes de interpretação histórica.

A historiografia constitui-se, na perspectiva ruseniana, a partir de seu quadro tipológico de orientação histórica, sendo regida pelo princípio da negação/contraposição, o qual age como intermediário entre os demais, como o da afirmação, correspondente ao tópos da narrativa tradicional, o da regularidade referente ao tópos de sentido exemplar e, por último, num entendimento evolutivo do pensamento histórico, o tópos da narrativa de sentido genético concernente ao princípio da transformação. Todos os princípios coexistem numa narrativa histórica, ou seja, “os outros tipos não desaparecem do campo denominado pelo pensamento genético, mas articulam-se com o genético de modo tal que este lhes permite assumir uma forma moderna” (RÜSEN, 2015, p. 212).

3 EDUCAÇÃO HISTÓRICA, UMA ÁREA DE INFLUÊNCIA SOBRE O CAMPO DO ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL: O CONCEITO DE SENTIDO SOB AS LENTES DO CAMPO DA EDUCAÇÃO HISTÓRICA

O ensino da História no Brasil, como disciplina autônoma, começou sua trajetória no século XIX a partir dos processos de escolarização que se desenvolveram com vistas à formação de uma identidade nacional, relacionado à História da Europa Ocidental, sendo o modelo de educação francês seguido, como destaca Kátia Abud (2011). No percurso histórico em que os processos de escolarização foram engendrando as práticas de ensino no Brasil, conforme Maria Auxiliadora Schmidt (2012), ao se apropriar do conceito de código disciplinar de Cuesta Fernandez (1998), a autora estabeleceu o da História, construindo uma periodização em relação à sua constituição: construção (1838-1931), consolidação (1931-1971), crise (1971-1984) e reconstrução (1984 até os dias atuais), a partir de discussões e produções oriundas do campo do ensino de História por parte de professores/pesquisadores de História.

Durante a maior parte do século XX, a História foi ensinada, pautada na Psicologia e na Pedagogia, nas palavras de Schmidt (2012), processo que começa na década de 1930 com a criação do Ministério da Educação. As produções destinadas aos professores, com a preocupação com as formas de ensinar e aprender, centralizaram-se nas áreas da Didática Geral e da Psicologia, contribuindo para a pedagogização da História:

Essa pedagogização caracterizou-se, principalmente, pela incorporação de aspectos relacionados aos métodos e técnicas de ensino e aos estudos referentes à personalidade e psicologia do educando, importados da Psicologia e da Didática Geral, indicando a existência de um novo tipo de conhecimento ou de uma didática específica, cujos conteúdos destinavam-se ao ensino e aprendizagem da história (SCHMIDT, 2012, p. 79).

Cabe destacar que o ensino e aprendizagem da História, a partir elementos referenciados em áreas associadas à História, corroborou para que houvesse um distanciamento do método da História e da Filosofia da História, de modo que a perspectiva da transposição didática foi a que predominou em detrimento de um método de ensino em que as bases epistemológicas da História fundamentassem seu estudo. Com o fim da Ditadura Civil-Militar (1964-1985) e o período de pós-redemocratização, efervesceram investigações no campo do ensino de História, com o ensino e a aprendizagem da História, assim como a cultura escolar em que os processos se desenvolviam, que começaram a se tornar objeto de estudo:

cresceu a pesquisa científica cujo objeto de estudo é o ensino e a aprendizagem de História; passou-se a valorizar, cada vez mais, a cultura escolar, os saberes e as práticas educativas, desenvolvidos em diferentes lugares por docentes e outros atores do processo educativo. Essa foi uma conquista importante porque reafirmou, entre nós, a concepção de que ensinar História não é apenas repetir, reproduzir conhecimentos eruditos produzidos noutros espaços: existe também uma produção escolar (SILVA; FONSECA, 2010, p. 14).

Nesse cenário, em que o processo de ensino e aprendizagem da História ainda se encontrava apartado do campo da História, foram se desenvolvendo pesquisas e investigações que adentraram o campo do ensino de História e trouxeram à baila conceitos e categorias oriundas da Teoria da História, da Filosofia da História e o método da História como referência à aprendizagem histórica, objetivando pensar as práticas metodológicas de ensino a partir de um campo específico, o da Educação Histórica. A proposta da Educação Histórica, enquanto campo de investigação, teórico e de aplicação, ao encampar a Teoria da História de Jörn Rüsen e suas contribuições filosóficas engendradoras da categoria “constituição histórica de sentido”, confluiu com a disciplina Didática da História que estava se reconstruindo em sua especialização, forjando seu campo a partir de métodos e pressupostos teóricos próprios, de início, na Alemanha Ocidental, a partir da década de 1960. O caminho de encontro da Educação Histórica de origem anglo-saxã com a Didática da História alemã, apesar de seus percursos distintos, foi possível, segundo Ronaldo Cardoso Alves (2011), pelas demandas e os objetivos consonantes dos campos teóricos, no que toca à racionalização do pensamento histórico proposto pela Didática da História. Por exemplo, ao ser destacada como ciência do aprendizado histórico em sua apropriação da categoria consciência histórica, enfatizando a especificidade do ensino e da aprendizagem da História mediante a singularidade do pensamento histórico. Segundo Rüsen (2011a, p.42), “Concepções teóricas do aprendizado podem ser fecundamente aplicadas à especificidade do histórico, quando isto ocorre no curso de uma didática da história que tenha a consciência histórica como seu objeto mais importante.”

Dessa maneira, a finalidade da Didática da História é o desenvolvimento da competência narrativa, responsável pela promoção da consciência histórica de tipo ontogenético mediante um raciocínio histórico pautado nos processos cognitivos próprios à construção do conhecimento histórico científico, de caráter moderno (RÜSEN, 2015). Por sua vez, a Educação Histórica, para Alves (2011), ao objetivar a construção de ideias históricas mais sofisticadas, no desenvolvimento da progressão do pensamento histórico, revela a necessidade de competências históricas a serem desenvolvidas a fim de que os indivíduos realizem sua leitura de mundo e possam agir nele. Conforme Alves (2011), a Educação Histórica, propõe, por meio de metodologias, que os processos cognitivos com base na racionalidade histórica moderna possam ser estimulados, pautando-se nos caminhos da construção do conhecimento histórico que perpassa o método histórico, indo de encontro, portanto, à proposta da Didática da História de racionalização do pensamento histórico.

O alinhamento entre os dois campos conceituais, da Educação Histórica e da Didática da História, efetivou-se, também, por meio do conceito de literacia histórica desenvolvido por Peter Lee quando da sua apropriação do conceito de consciência histórica ruseniano. Conforme Lee (2006), não basta que os alunos conheçam e compreendam os processos da pesquisa histórica - desenvolvimento de habilidades históricas -, faz-se necessário trabalhar com os alunos um quadro de orientação cultural, uma estrutura histórica utilizável (LEE, 2006), o qual remonta ao quadro temporal abrangente ruseniano, um todo integrado em forma de modelo que contemple as três dimensões temporais articuladas pela e na narrativa histórica (RÜSEN, 2011c), contribuindo à orientação interna (identidade histórica) e externa (agir humano). Para tanto, a Educação Histórica propõe que as ideias prévias dos alunos devam ser consideradas como ponto de partida a partir de sua investigação e intervenção por parte dos professores:

É nosso interesse entender como se formam as ideias históricas dos alunos. Em primeiro lugar, porque só se pode mudar aquilo que se conhece e, em segundo lugar, para promover situações de ensino de história que desenvolvam a consciência histórica e que não valorizem apenas a reprodução pouco refletida de temáticas curriculares (CAINELLI; BARCA, 2018, p. 3-4).

Martin Wiklund (2009), sobre o conceito de sentido definido por Rüsen, afirma que este abrange uma série de conceitos de sentido: relacionados à experiência, às intenções do passado, do presente e a aspectos teleológicos. A partir do entendimento de racionalidade de sentido, segundo Wiklund (2009), Rüsen buscou uma concepção de sentido em que o processo de intepretação fosse regido pela racionalidade científica, isto é, fazer com que o pensamento histórico comum passasse pelo percurso em direção ao método da História. Preza-se, assim, pelas garantias de validade que a ciência histórica tem a oferecer à aprendizagem histórica (por meio dos estoques de conhecimentos sistematizados historicamente) e do entendimento dos processos de construção do conhecimento histórico nos processos da ciência da História, por parte dos alunos, à orientação cultural. Não qualquer orientação histórica, mas uma que esteja atrelada à lógica de produção do conhecimento histórico de base científica, ressaltando que o sentido constituído por historiadores nas suas narrativas não significa recepção passiva.

O sentido do passado para um determinado público depende de suas intenções futuras e expectativas, bem como de sua compreensão do presente, isto é, quais aspectos e problemas são relevantes na situação histórica corrente: o sentido não é, pois, recebido passivamente (WIKLUND, 2009, p. 40).

Segundo Rüsen (2015), a categoria sentido está entrelaçada à cultura histórica porque nela se expressa e dela também constitui-se nas múltiplas determinações dos contextos do vivido; todo indivíduo atribui sentido às experiências do tempo, pois necessitam dele para responder as perturbações de sentido oriundas das contingências da vida prática.

Sentido é um produto do espírito humano, mediante o qual o mundo em que o homem vive adquire um significado viabilizador da vida. [...] Sentido torna possível a orientação. Ele situa a vida humana no horizonte das interpretações; torna o homem e o mundo compreensíveis, possui uma função explicativa; forma a subjetividade humana no construto coerente de um “eu” (pessoal e social) (RÜSEN, 2015, p. 42).

Portanto, se todo pensamento histórico é formado pela constituição histórica de sentido, as atividades referentes a este processo de construção da narrativa histórica, de significar as experiências do tempo, construindo o que Lee (2006) denomina de estrutura histórica utilizável a partir do conceito de literacia histórica - indivíduos letrados em História ou que sabem algo da História à sua compreensão do mundo na relação com os demais e sua intervenção nele -, não é exclusividade da ciência da História a competência supracitada.

4 O REFERENCIAL CURRICULAR DO PARANÁ (2018) E A CONSTRUÇÃO DO ELO ENTRE AS DIRETRIZES DO PARANÁ (2008) E A BNCC (2018)

A análise de conteúdo (BARDIN, 1977) recaiu sobre dois documentos curriculares, a Base Nacional Comum Curricular (2018) e as Diretrizes Curriculares da Educação Básica de História do estado do Paraná (2008), tendo sido analisado, inclusive, o Referencial Curricular do Paraná (2018), por ser responsável pela construção do ajustamento entre os dois currículos, no que se refere à concepção de ensino de História proposta. Com base numa metodologia qualitativa, a partir do entendimento de Menga Lukde e Marli André (2018), a relação entre o objeto de análise e o pesquisador é destacada pelo lugar que a subjetividade do primeiro assume, não sendo descartada em detrimento de uma objetividade total. Acredita-se que a subjetividade pode ser controlada, mas não descartada com sua carga de valores pessoais.

O RC (2018), produzido pela Secretaria de Estado da Educação (SEED/PARANÁ), passou a ter força normativa, servindo de orientação à reformulação ou reorganização curricular, no que se refere às Diretrizes do Paraná (2008) estarem em consonância à proposta pedagógica da BNCC (2018), a partir do dia 22 de novembro de 2018, data em que foi normatizado pelo Conselho Estadual de Educação (CEE). O RC (2018) forja a ligação entre as duas propostas curriculares de História, em nível estadual e nacional, dando grande ênfase à prática investigativa da História na aprendizagem histórica, propondo, com base na BNCC (2018), por meio do trabalho com objetos históricos, atividades de caráter metodológico como identificação, interpretação, comparação, contextualização e análise. Destaca-se, assim, a prática investigativa como conexão entre os pressupostos teórico-metodológicos das DCEH (2008) e a proposta pedagógica de competências e habilidades da BNCC (2018).

De acordo com Rüsen (2001) os procedimentos relacionados corroboram para o ensino de História, o qual tem como objetivo o desenvolvimento da consciência histórica nos indivíduos, uma vez que o raciocínio elaborado com a finalidade de entender as ações individuais e coletivas, num contexto de tempo e espaço, dão condições para que estes se orientem em sua vida prática no tempo presente (PARANÁ, 2018, p. 452-453).

Acima, a parte referente aos procedimentos relacionados, diz respeito às atividades metodológicas, de forma que o RC (2018) realiza uma transgressão teórica na construção das convergências entre as duas propostas curriculares de História, articulando a concepção de Rüsen (2001) sobre a formação da consciência histórica presente nas Diretrizes do Paraná (2008) com as práticas referentes à “atitude historiadora” - proposta da BNCC (2018) com vistas à promoção das competências listadas para o componente curricular de História. As operações mentais que a BNCC (2018) propõe são genéricas e não propriamente históricas, isto é, processos cognitivos como os já mencionados (identificação, comparação etc.), não se referem aos conceitos de segunda ordem (BARCA, 2011) ou metodológicos (SCHMIDT, 2019), correspondentes “à forma como se investiga e constrói o passado e o significado que lhes outorgamos, categorias vinculadas ao trabalho do historiador, e que se tornam habilidades.” (SCHMIDT; SILVA; CAINELLI, 2019, p. 11), pois não se fundamentam nos pressupostos teóricos e filosóficos da ciência da História. Relacionar-se com o assunto História não implica que as operações da mente humana sejam necessariamente históricas: o quadro de continuidade temporal, que é comunicado pela narrativa histórica, deve considerar o desenvolvimento das três competências históricas, da experiência, da interpretação e da orientação4 em equilíbrio, interconectadas e interdependentes, sem que uma seja supervalorizada em prejuízo das outras. Esta unidade da narrativa revela a especificidade do histórico, assevera Rüsen em sua crítica às operações mentais que Karl-Ernest Jeimann considerava constituintes da aprendizagem histórica (análise, avaliação e julgamento):

Ele sugeriu considerar a formação dessas operações como a tarefa mais importante do ensino e do lidar com a história. Essa sugestão recebeu muita atenção e concordância (desde as orientações do ensino de história). Se analisarmos aspectos dessas três operações de manifestações concretas da consciência histórica e os organizarmos sob um mesmo aspecto do ensino de história, então só será possível, quando ficar claro onde está a união dessas três operações e como se formam suas características históricas específicas (RÜSEN, 2012, p. 48).

De acordo com a BNCC (BRASIL, 2018, p. 397), são as questões do tempo presente que justificam o estudo da História, isto é,

As questões que nos levam a pensar a História como um saber necessário para a formação das crianças e jovens na escola são as originárias do tempo presente. O passado que deve impulsionar a dinâmica do ensino-aprendizagem no Ensino Fundamental é aquele que dialoga com o tempo atual.

Percebe-se, assim, que, na perspectiva do documento nacional, a dinâmica do ensino e aprendizagem da História deve ocorrer mediante uma abordagem relacional entre passado e presente, na qual o primeiro é impulsionador da aprendizagem histórica. As Diretrizes do Paraná (2008) encampam a teoria da consciência histórica de Rüsen (2001) para além de uma abordagem relacional: explicitam as carências de orientação, originárias das experiências do tempo presente, como impulsionadoras da ida ao passado. Para o filósofo alemão,

Na origem da consciência histórica humana existe, portanto, uma experiência do presente, ou seja, aquela em que as condições de cada um dos afetados não podem ser, de forma alguma, modificadas. Esta experiência do presente deve, agora, ser interpretada pelas pessoas afetadas; e elas devem incorporá-las de forma significativa às orientações de suas vidas práticas, para que os critérios de sentido das ações sejam suficientes (RÜSEN, 2012, p. 74-75).

Dessa forma, o aprendizado, pela concepção adotada nas Diretrizes do Paraná (2008), é impulsionado pelas demandas dos próprios alunos, oriundas dos contextos de suas vivências, diversamente da proposta da BNCC (2018) de estreitamento de vínculo entre a experiência pretérita com a do tempo presente com vistas à reprodução dos conteúdos históricos (Objetos do Conhecimento), ao colocar os fatos históricos como ponto de partida da aprendizagem histórica. As DCEH (2008), por sua vez, ao incorporarem a teoria da narrativa histórica ruseniana, entendem que a aprendizagem histórica é disparada pelas carências de orientação dos alunos, as quais se tornam problematizações quando articuladas com as perspectivas históricas - correntes historiográficas - apresentadas pelos professores.

O caráter processual do aprendizado histórico nas narrativas da(s) história(s) pode ser descrito como segue: o estímulo e a força pulsional do aprendizado histórico encontram-se nas necessidades de orientação de indivíduos agentes e pacientes, necessidades que surgem para tais indivíduos quando de desconcertantes experiências temporais. O aprendizado histórico pode ser posto em andamento, portanto, somente a partir de experiências de ações relevantes do presente (RÜSEN, 2011a, p. 44).

Na contramão do documento nacional, que propõe o desenvolvimento de competências - elencados como objetivos de aprendizagem -, vinculadas à apropriação em quantidade de História substantiva, isto é, dos fatos históricos objetivos, as DCEH (2008) possuem uma concepção de ensino de História que tem por finalidade a formação do pensamento histórico configurado pela consciência histórica.

A finalidade do ensino de História é a formação do pensamento histórico dos alunos por meio da consciência histórica. Pode-se afirmar, a partir disto, que os Conteúdos Estruturantes são imprescindíveis para o ensino de História, pois são entendidos como fundamentais na organização curricular e são a materialização desse pensamento histórico. Esses Conteúdos Estruturantes são carregados de significados, os quais delimitam e selecionam os conteúdos básicos ou temas históricos, que por sua vez se desdobram em conteúdos específicos (PARANÁ, 2008, p. 63).

A organização curricular e os conteúdos históricos das DCEH (2008), como foram estabelecidos a partir da perspectiva ruseniana de matriz disciplinar da História, contempla os Conteúdos Estruturantes referentes à Nova História, Nova Esquerda Inglesa e Nova História Cultural, articulando-se aos Conteúdos Básicos, os quais referem-se aos temas a serem problematizados à luz das carências de orientação dos alunos, desembocando nos Conteúdos Específicos, concernentes à seleção realizada por professores com base na investigação das ideias históricas dos alunos e suas demandas existenciais, sendo explicitados no Plano de Trabalho Docente. Dessa maneira, o currículo paranaense possibilita autonomia, liberdade e autogestão aos sujeitos do processo de ensino e aprendizagem da História. Em contraposição, a BNCC (2018) traz uma lista fechada de eventos históricos que deve ser vencida, a qual reproduz uma História objetivada (conteúdos históricos convencionais), cânones de uma tradição seletiva (LAVILLE, 1999), a partir dos quais são elencadas as setes competências do componente curricular de História da BNCC (2018), com verbos no infinitivo como: compreender, elaborar, identificar, produzir, avaliar, utilizar, problematizar etc., as quais são estabelecidas com vistas a ressaltar a preocupação com a “apreensão” dos excessivos Objetos do Conhecimento. Não há espaço na aprendizagem histórica da BNCC (2018) aos processos de subjetivação que corroboram às operações mentais de significar o passado, a partir do contato com as atribuições prévias de sentido apresentadas pelos professores - correntes historiográficas - e as fontes históricas, de modo a desenvolver a competência narrativa:

uma competência cuja aquisição só é possível através do trabalho da consciência histórica e cuja necessidade para a vida prática pode ser tomada suficientemente plausível. [...] Competência narrativa é, pois, uma determinação qualificadora da aprendizagem, que designa seu caráter histórico fundamental (RÜSEN, 2012, p. 104).

As estruturas cognitivas são transformadas juntamente ao conhecimento a ser aprendido, numa outra direção da recepção passiva dos conteúdos históricos em que são abandonados os processos de subjetivação, como destaca Rüsen (2011c, p. 90):

A dinâmica da subjetividade leva a uma estagnação quando a história é ensinada como algo dado. O conhecimento histórico que é aprendido simplesmente pela recepção, impede, ao invés de promover, a habilidade de dar significado à história e orientar a si mesmo de acordo com a experiência histórica.

Assim sendo, o aprendizado histórico somente se realiza quando fatos históricos deixam de ser recepcionados como conhecimento a ser internalizado e sua interpretação (narrativas históricas elaboradas pelos historiadores) passa a ser refletida, questionada, criticada e interpretada - significada - no processo de formação histórica. Sendo que “Formação é um modo de recepcionar esse saber, lidar com ele, de tomar posição quanto a ele, de utilizá-lo” (RÜSEN, 2007, p. 108).

A organização curricular das Diretrizes do Paraná (2008) se efetiva a partir dos Conteúdos Estruturantes, apresentados como Relações de Trabalho, Relações de Poder e Relações Culturais, referentes às narrativas/correntes historiográficas selecionadas a partir da matriz disciplinar da ciência da História de Rüsen (2001), regida por um racionalidade que se contrapõe à ideia de linearidade e organização temporal numa linha cronológica única, responsável por perpetuar o modelo quadripartite de História. As Diretrizes do Paraná (2008) rechaçam modelos de interpretação da História que possuem caráter metódico e positivista:

A partir dessa matriz disciplinar, a História tem como objeto de estudo os processos históricos relativos às ações e às relações humanas praticadas no tempo, bem como a respectiva significação atribuída pelos sujeitos, tendo ou não consciência dessas ações (PARANÁ, 2008, p. 46).

Os fatores didáticos da matriz disciplinar da História, como as carências de orientação e as funções de orientação existencial (RÜSEN, 2012), não estão justificados e explicitados, no documento nacional, por critérios referenciados nas bases epistemológicas da História e na Didática da História, pois entende-se o conhecimento histórico tão somente “como uma forma de pensar, entre várias; uma forma de indagar sobre as coisas do passado e do presente, de construir explicações, desvendar significados, compor e decompor interpretações” (BRASIL, 2018, p. 401). A BNCC (2018) ressalta a importância de trabalhar as diversas versões históricas com os alunos, de modo a fomentar o pensamento crítico e a formação para a cidadania - objetivos do ensino de História que não correspondem à especificidade do histórico -, no entanto, o que o documento traz é um rol taxativo de conteúdos históricos, que ancoram-se num pensamento de que toda a História da humanidade deve ser contemplada. Apesar de não apresentar perspectivas históricas e sim uma sucessão de eventos históricos fragmentados, mesmo a multiperspectividade inerente à ciência da História, trabalhada em sala de aula, a qual vai de encontro aos interstícios da ciência histórica, não é o suficiente para que, automaticamente, a Educação Histórica promova o desenvolvimento da estrutura útil à vida prática aos alunos, aponta Lee (2006, p. 145-146):

mesmo que os alunos tenham um senso de que o conhecimento histórico é possível, junto com algum entendimento de como os historiadores organizam e explicam o passado, isto não promove, neles mesmos, a estrutura substantiva que os alunos precisam para orientação. É claro que, se estiverem equipados com um kit de ferramentas intelectuais para se surpreender com as discordâncias dos historiadores, e não esperarem considerações históricas para espelharem o passado, terão alguma chance de desenvolver um “grande quadro”, ao confrontarem a multiplicidade de considerações plausíveis oferecidas pelo mundo fora da escola. Elas podem ser boas para reconhecer e demonstrar cuidado voltado para o passado prático, designado para provar este ou aquele ponto sobre quem nós (ou outros) somos, e o que nós (ou eles) devemos fazer depois (OAKESHOTT, 1962). Mas há pouca evidência para sugerir que isso virá automaticamente, mesmo com esse tipo de educação histórica, se nada for feito para desenvolver uma estrutura histórica utilizável.

Conhecer as versões da História em suas diferentes narrativas não contribui para a literacia histórica se os fatos históricos são apresentados fragmentados, sem conexões de sentido estabelecidas, ou seja, sem que a História substantiva seja conformada em uma estrutura de orientação existencial. De acordo com o autor, ser historicamente letrado é “Desenvolver uma imagem do passado que permita que os alunos se orientem no tempo” (LEE, 2016, p. 121).

A partir da organização curricular e da seleção dos conteúdos, foi possível perceber a concepção metódica e positivista de História presente no documento nacional, que ressalta, ligeiramente, a importância das bases epistemológicas da História, mas não as evidencia no texto, nem sequer traz discussões teóricas e didáticas que justifiquem e legitimem os conteúdos históricos. Por meio de procedimentos metodológicos, a BNCC (2018) tem a pretensão de seguir os caminhos da pesquisa histórica, mas sua fundamentação se estrutura em uma proposta de desenvolvimento de competências da década de 1990, presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (SCHMIDT, 2009, 2015). Percebe-se que,

se o currículo não consiste apenas em uma lista de conteúdos, nem mesmo se reduz a um conjunto de objetivos para o ensino, foi exatamente em relação a esses dois elementos que constituem o currículo, ainda que não sejam o seu todo, que se deram os termos das disputas e dos conflitos (PEREIRA; RODRIGUES, 2018, p. 4).

Como afirmam os autores acima, a proposta de ensino de História da BNCC (2018) insere uma perspectiva de objetivos a serem cumpridos, em que os procedimentos metodológicos explicitados como “atitude historiadora” servem aos objetivos de aprendizagem na apreensão de conteúdos históricos. A preocupação do ensino de História é, primeiro, com os fatos históricos, a partir dos quais gravita a aprendizagem; mesmo que a BNCC (2018) tenha trazido em seu texto procedimentos referentes a uma metodologia do ensino de História, ainda assim, reproduz uma proposta pedagógica de competências e habilidades a serem desenvolvidas, a qual não se respalda em subsídios teóricos oriundos do campo da História, no qual os processos mentais referentes à especificidade do histórico possam fundamentar a proposta de ensino de História.

5 CONCLUSÃO

A análise realizada dos documentos curriculares, em nível estadual e nacional, possibilitou compreender, a partir das construções teóricas do campo da Educação Histórica, na incorporação da teoria da consciência histórica de Rüsen (2001) e de sua Teoria da Aprendizagem Histórica (2012), as propostas de ensino de História explicitadas nos documentos, na articulação promovida pelo Referencial Curricular do Paraná (2008).

Percebeu-se que a proposta da BNCC (2018) de ensino de História contrapõe-se à das DCEH (2008), exigindo a transgressão da teoria da consciência histórica presente nas Diretrizes do Paraná por parte do RC (2018) na articulação promovida, pelo fato de que o documento nacional ressalta a preocupação com a História substantiva em detrimento dos processos de subjetivação dos alunos, isto é, os procedimentos metodológicos com os objetos históricos e as competências (objetivos de aprendizagem) buscam “dar conta” de todos os conteúdos históricos taxativamente elencados, numa ordem cronológica linear, correspondente à de uma História quadripartite, em que a História da Europa Ocidental ocupa grande espaço (conteúdos convencionais). Numa perspectiva oposta, as Diretrizes do Paraná (2008) rechaçam a História positivista e metódica, absorvendo suas contribuições, mas superando-as a partir das transformações inerentes ao campo da História. Dessa maneira, entende-se que a História não é imparcial, porque, enquanto construção, é narrativa, por sê-la, não significa que as produções históricas sejam relativas, haja vista os consensos mínimos e as garantias de validade que legitimam a História: as funções de orientação e o método da História, de modo que ciência e vida prática encontram-se imbricadas.

A racionalidade histórica, proposta pela matriz disciplinar ruseniana (2001) e incorporada pelas Diretrizes do Paraná (2008), traz à baila perspectivas históricas fundamentadas e justificadas a partir de suas contribuições à formação do pensamento histórico, como finalidade do ensino de História - no desenvolvimento da narrativa histórica dos alunos em que estejam contempladas as competências históricas da experiência, da interpretação e da orientação, numa unidade integrada de sentido -, acessadas à luz das carências de orientação dos alunos. Diversamente da História apresentada pela BNCC (2018), na qual os fatos históricos estão excessivamente elencados, sem explicitação teórica e didática que os justifiquem e os legitimem no currículo. O conhecimento de diversos sujeitos e histórias, segundo a BNCC (2018), contribui à formação do pensamento crítico e à cidadania, de forma que a apresentação de fatos históricos pela proposta significa a reprodução da memória histórica e não a rememoração histórica (RÜSEN, 2001), na qual a experiência do passado é interpretada na continuação de atribuição de sentido aos sentidos prévios anteriormente constituídos.

Portanto, vê-se a reprodução de uma proposta de ensino de História, do documento nacional, que não se estabelece e não se origina das discussões do campo da História e da Didática da História, considerando a peculiaridade do pensamento histórico, apesar de haver subsídios teóricos no Brasil, a partir do campo da Educação Histórica, para a construção de propostas curriculares que prezem por ensinar a pensar historicamente.

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NOTAS:

1 Referencial Curricular do Paraná (2018).

2 Base Nacional Comum Curricular (2018).

3 Diretrizes Curriculares da Educação Básica de História do estado do Paraná (2008).

4 Nas palavras de Rüsen (2011c) é comum que se negligencie as competências de interpretação e orientação em detrimento do saber empírico, deixando de lado que o saber histórico é resultado da experiência e da interpretação e não reprodução dos fatos históricos sem ressignificação à luz das demandas presentes dos indivíduos, partindo do sentido prévio da cultura histórica de seu tempo, numa relação de continuação da atribuição de sentido.

Recebido: 18 de Agosto de 2020; Aceito: 01 de Novembro de 2021

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