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Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.20 no.2 São Paulo abr./jun 2022  Epub 21-Nov-2022

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2022v20i2p694-716 

Artigos

Ensino de literatura no nível médio:uma revisão sistemática

Teaching of literature at the secondary level:a systematic review

La enseñanza de la literatura en el nivel secundario:una revisión sistemática

Nataniel MENDESi 
http://orcid.org/0000-0002-7360-2702

Márcia Manir Miguel FEITOSAii 
http://orcid.org/0000-0001-5750-8620

Maria Altina da Silva RAMOSiii 
http://orcid.org/0000-0002-5668-4304

i Doutorando em Ciências da Educação, especialidade Tecnologia Educativa, na Universidade do Minho. Professor do Instituto Federal do Maranhão - Campus São Luís - Centro Histórico. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA). E-mail: nataniel@ifma.edu.br - ORCID iD: http://orcid.org/0000-0002-7360-2702.

ii Doutorado em Letras (Literatura Portuguesa) pela Universidade de São Paulo. Professora Titular do Departamento de Letras da Universidade Federal do Maranhão. Docente permanente dos Programas de Mestrado em Letras e em Cultura e Sociedade da UFMA. Bolsista de Produtividade do CNPq - Nível 1D. E-mail: marciamanir@hotmail.com - ORCID iD: http://orcid.org/0000-0001-5750-8620.

iii Doutorado em Estudos da Criança, especialidade Tecnologias de Informação e Comunicação pela Universidade do Minho. Professora auxiliar no Departamento de Estudos Curriculares e Tecnologia Educativa da Universidade do Minho. E-mail: altina@ie.uminho.pt - ORCID iD: http://orcid.org/0000-0002-5668-4304.


Resumo

Objetivamos neste trabalho identificar pesquisas empíricas sobre o ensino de Literatura no Ensino Médio que respondam às seguintes questões: Quais as abordagens (metodologias, estratégias e recursos) adotadas no processo ensino-aprendizagem de literatura no Ensino Médio? Que teoria e/ou autores subjazem ao trabalho docente? Que papel o professor desempenha e quais seus procedimentos nesse processo? Quais os resultados na aprendizagem dos alunos? Para tanto, recorremos a uma revisão sistemática de literatura nas bases B-on, Web of Science e Portal de Periódicos da Capes. Os resultados encontrados apontam para a elaboração de estratégias que dialogam com o cotidiano dos alunos, que utilizam recursos digitais e valorizam a expressão das subjetividades dos leitores. Indicam, ainda, que o acompanhamento das atividades por parte dos docentes é um fator importante para o êxito dos trabalhos construídos em torno das leituras literárias.

Palavras-chave: ensino de literatura; ensino médio; revisão sistemática de literatura

Abstract

We aim at identifying empirical research on Literature teaching in High School that answers the following questions: What approaches (methodologies, strategies and resources) are used in the teaching-learning process of literature in High School? What theory and/or authors underlie the teaching work? What role does the teacher play and what are his/her procedures in this process? What are the results in students’ learning? To this end, we have used a systematic literature review on the platforms B-on, Web of Science and Capes Journals Portal. The results found point to the elaboration of strategies that converse with the students’ daily life, using digital resources and valuing the expression of the readers’ subjectivities. They also point out that teacher-monitored activities play an important role for the success of the work built around the literary readings.

Keywords: teaching of literature; high school; systematic literature review

Resumen

Buscamos identificar investigaciones empíricas sobre la enseñanza de la Literatura en el nivel secundario que respondan a las siguientes preguntas: ¿Qué enfoques (metodologías, estrategias y recursos) se utilizan en el proceso de enseñanza-aprendizaje de la literatura en la escuela secundaria? ¿Qué teoría y/o autores subyacen en el trabajo de enseñanza? ¿Qué papel juega el profesor y cuáles son sus procedimientos en este proceso? ¿Cuáles son los resultados en el aprendizaje de los estudiantes? Para ello, hemos utilizado una revisión sistemática de la literatura en las plataformas B-on, Web of Science y Portal de Revistas de Capes. Los resultados encontrados apuntan a la elaboración de estrategias que dialogan con la vida cotidiana de los estudiantes, que utilizan recursos digitales y valoran la expresión de las subjetividades de los lectores. También señalan que el seguimiento de las actividades por parte de los profesores es un factor importante para el éxito de la obra construida en torno a las lecturas literarias.

Palabras clave: enseñanza de la literatura; nivel secundario; revisión sistemática de la literatura

1 INTRODUÇÃO

A produção e a leitura literárias constituem-se como processos complexos de (res)significação da experiência humana. Ao longo dos anos, o ser humano, por meio da literatura, vem tramando palavras e construindo não somente um acervo de obras, mas, principalmente, uma teia de significações que colaboram para um conhecimento mais holístico da humanidade.

A leitura literária proporciona, entre outras coisas, o conhecimento e a experimentação de situações que os limites no tempo e no espaço, impostos a todos os indivíduos, jamais permitiriam. A interação entre autor, texto e leitor, quando da leitura de obra literária, catalisa maior compreensão de si e dos outros e desafia leitores a um exercício de reflexão que não cessa com o “fim” da leitura. Ao contrário, o “novo ser”, que emerge da experiência literária, pode carregar marcas para uma vida inteira.

Esses e outros atributos da leitura literária justificam sua presença no espaço escolar e exigem dos profissionais de educação, especialmente do professor, uma busca contínua por metodologias que potencializem a experiência do jovem leitor com o texto literário. A literatura na escola tem sido no País objeto de reflexão de autores que se dedicam ao tema (BORDINI; AGUIAR, 1993; COSSON, 2019a; 2019b; DALVI, 2013; ZILBERMAN, 1988) e que têm apresentado estudos relevantes na área, que favorecem a disseminação de um saber tão necessário àqueles que atuam para a educação literária de jovens aprendizes. Esses estudos, de modo geral, referem problemas atinentes ao ensino de literatura e apontam caminhos metodológicos que nos ajudam a compreender e superar os desafios colocados a pais, alunos, professores, bibliotecários etc. comprometidos com a educação literária.

A transmutação de uma expressão artística para uma disciplina escolar não passa incólume aos problemas que surgem no processo. A excessiva preocupação com a memorização da historiografia literária, com a biografia dos autores ou, ainda, com a “preparação” para a realização de exames tem gerado problemas amplamente debatidos na academia (CEREJA, 2004; LEAHY-DIOS, 2004; PAULINO; COSSON, 2009), mas ainda não superados na práxis escolar, aqui compreendida como as ações pedagógicas, acompanhadas de um exercício ininterrupto de reflexão sobre elas, na qual teoria e prática se retroalimentam.

Soma-se a isso o fato de que, com alguma frequência, a literatura possa ser utilizada como pretexto para o ensino gramatical. Para tanto, textos integrais são fraturados em excertos para que possam cumprir “melhor” essa inglória missão. Todos esses fatores acabam por amalgamar um todo disforme que colabora, infelizmente, para ampliar o fosso, pelo menos na escola, entre jovens e os textos literários.

Por conta desses aspectos, por ora apontados, a palavra “ensino”, quando associada à disciplina Literatura, pode gerar desconfiança, desconforto e necessárias críticas a um modelo que mais ensina sobre literatura (COSSON, 2019b) do que a leitura literária propriamente dita.

A existência desses problemas, no entanto, não invalida o ensino de Literatura. Trata-se de um processo legítimo e necessário na escola (SOARES, 2011). O que deve, sim, ser observado, avaliado, criticado e, sobretudo, aperfeiçoado é o método. Nesse sentido, as pesquisas em torno da leitura literária em contexto escolar podem apontar novos caminhos metodológicos que, compartilhados entre professores e pesquisadores, transformam-se em fontes para que possam ser questionados, aperfeiçoados e modificados para contextos distintos, a partir das condições objetivas dos sujeitos envolvidos.

Com o intuito de compreender as estratégias adotadas nas aulas de Literatura e conhecer os resultados na aprendizagem dos alunos, efetuamos uma revisão sistemática de literatura (RSL) para avaliação, interpretação e síntese dos resultados. A pesquisa é realizada a partir da seguinte questão: Quais as abordagens (metodologias, estratégias e recursos) utilizadas no processo ensino-aprendizagem de Literatura no Ensino Médio?

Como forma de organizar a exposição dos resultados, estruturamos o artigo em quatro partes. Inicialmente, trazemos alguns apontamentos sobre a leitura literária em contexto escolar para situarmos nosso problema de investigação. Na metodologia, descrevemos de forma detalhada como foi conduzida essa RSL. Nessa seção, discutimos a relevância da RSL, indicamos o protocolo utilizado, questões norteadoras, âmbito da pesquisa, estratégias de busca e composição do nosso corpus. Na seção 3, são analisados os resultados a partir das questões propostas. Na última seção, apresentamos os principais apontamentos e os limites da pesquisa, bem como indicação de estudos futuros para aprofundamento da discussão em torno da educação literária na escola.

2 METODOLOGIA

Para a realização deste trabalho, recorremos à RSL, a qual é definida por Kitchenham (2004, p. 1, tradução nossa) como “um meio de identificar, avaliar e interpretar toda a pesquisa disponível relevante para uma questão de pesquisa específica, área de tópico ou fenômeno de interesse”1. A metodologia permite “maximizar o potencial de uma busca, encontrando o maior número possível de resultados de uma maneira organizada” (COSTA; ZOLTOWSKI, 2014, p. 56). O método, que já possui uma tradição no campo das ciências da saúde, vem ganhando espaço nas ciências sociais e humanas. Nas ciências da educação, há autores que vêm utilizando a RSL como método (BOTTENTUIT JUNIOR; SANTOS, 2014; FARIA, 2014; PEZZI; MARIN, 2017; RAMOS; FARIA; FARIA, 2014).

Entre suas principais vantagens está o fato de minimizar o enviesamento, uma vez que é conduzida e validada, preferencialmente, por dois ou mais pesquisadores e definida por um protocolo de investigação. Essa abordagem permite uma ampliação de perspectivas, visto que a busca sistematizada pode conduzir os investigadores a resultados que se distanciam de suas suposições iniciais.

Antes de iniciarmos a pesquisa de forma sistemática, realizamos uma busca exploratória na web com duas finalidades: verificar se já havia alguma RSL recente sobre ensino de Literatura no Ensino Médio e, ainda, eleger os descritores que seriam utilizados na busca sistemática.

A existência de uma RSL sobre determinada temática não inviabiliza a elaboração de outra, conforme apontam Costa e Zoltowski (2014). No entanto, caso fosse verificado, nessa fase exploratória, um estudo recente de natureza semelhante, talvez fosse o caso de (re)avaliarmos o investimento de tempo e recursos para o prosseguimento desta pesquisa. Em nossas buscas, não encontramos estudos que tenham recorrido a uma RSL para pesquisar sobre o ensino de Literatura no Ensino Médio. Aqui cabe uma observação para evitarmos qualquer tipo de incompreensão ou mesmo um “eco” no texto. O vocábulo literatura aparece tanto no objeto de investigação quanto no método escolhido. Eis o motivo pelo qual omitimos a segunda ocorrência da palavra no título do trabalho. Então, sempre que nos referirmos à disciplina escolar, utilizaremos Literatura, com inicial maiúscula.

Ainda na fase exploratória, buscamos os termos mais recorrentes dos títulos, resumos e palavras-chave dos estudos sobre ensino de Literatura na educação básica, notadamente no Ensino Médio. Para a elaboração de nossa string de pesquisa, privilegiamos os termos recorrentes em língua portuguesa. Embora não tenhamos excluído, conforme será apresentado adiante, outros idiomas, a predileção pelo português tem a ver com os países de atuação dos pesquisadores, Brasil e Portugal. Nesse sentido, a string utilizada poderia levar a pesquisas realizadas nesses países, o que consideramos positivo: a reflexão sobre investigações que acontecem dentro do espaço de atuação dos autores deste trabalho.

Findada a fase exploratória, iniciamos a fase sistemática, com a elaboração de um protocolo adaptado a partir das contribuições de Faria (2014); Ramos, Faria e Faria (2014), com base em nossas questões de investigação. As etapas que compõem essa fase são descritas nas seções seguintes.

2.1 Definição da questão e subquestões de investigação

A definição de uma questão de investigação é um dos pressupostos mais relevantes para a realização de uma RSL (KITCHENHAM, 2004). Com o intuito de identificarmos pesquisas relevantes da área para compreendermos as estratégias utilizadas na disciplina Literatura no Ensino Médio, bem como conhecer os resultados na aprendizagem dos alunos, partimos da seguinte questão de pesquisa (QP):

Quais as abordagens (metodologias, estratégias e recursos) utilizadas no processo ensino-aprendizagem de Literatura no Ensino Médio?

Dessa questão norteadora definimos como subquestões de pesquisa (SP):

(SP1) Que teoria e/ou autores subjazem ao trabalho docente?

(SP2) Que papel o professor desempenha e quais seus procedimentos nesse processo?

(SP3) Quais os resultados na aprendizagem dos alunos?

2.2 Protocolo de investigação e estratégias de busca

Uma RSL exige a definição de um protocolo claro, que indique as bases consultadas, os critérios de seleção e o formato dos trabalhos. Apresentamos, no Quadro 1, um protocolo adaptado de Faria (2014):

Quadro 1 Protocolo de RSL 

OBJETIVOS
• Identificar pesquisas empíricas sobre o ensino de Literatura no Ensino Médio
• Compreender as estratégias utilizadas na disciplina
• Conhecer os resultados para a aprendizagem dos alunos
EQUAÇÕES DE PESQUISA
(“ensino literatura” OR “aprendizagem literatura” OR “educação literária” OR “letramento literário” OR “literacia literária”) AND (“ensino médio” OR “ensino secundário”)
ÂMBITO DA PESQUISA
• Portal de Periódicos Capes
B-on
• Base de dados Web of Science
CRITÉRIOS DE INCLUSÃO
• Artigos publicados entre 2015-2020;
• Publicações em língua portuguesa, inglesa ou espanhola
• Acesso livre
• Trabalhos completos revisado por pares
CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO
• Trabalhos de revisão bibliográfica
• Formato diferente de artigo
• Textos sem resumo
CRITÉRIOS DE VALIDADE METODOLÓGICA
Replicação realizada por dois investigadores

Fonte: Os autores, adaptado de Faria (2014).

A consulta nas bases de dados foi realizada no dia 4 de abril de 2020 e replicada por dois investigadores no dia seguinte. A partir da descrição minuciosa do protocolo e do compartilhamento de capturas de tela - print screen - com os resultados das buscas, entre os pesquisadores, foi possível corrigir as arestas iniciais da pesquisa. Assim, todos conseguiram obter os mesmos resultados.

Em todas as bases, optamos pela busca avançada, com aplicação de filtros, definindo, à partida, os critérios de inclusão como forma de melhor circunscrever os estudos de nosso interesse. Optamos por não restringir a busca apenas ao título, resumo e palavras-chave, mas também considerar os descritores em qualquer parte do texto. No caso da busca na base Web of Science, fizemos a tradução da string de pesquisa do português para inglês (“teaching literature” OR “learning literature” OR “literary education” OR “literary literacy”) AND (“high school” OR “secondary school”). A tradução foi necessária, visto que essa base indexa os títulos em inglês. Convém esclarecer que o descritor “literary literacy” aparece somente uma vez em nossa string, visto que, no português brasileiro e europeu, “letramento e literacia” são, respectivamente, traduções para o mesmo vocábulo, literacy, do inglês.

Apresentamos no Quadro 2 algumas informações sobre as bases selecionadas, disponibilizadas nos sites e elaboradas a partir de nossa experiência como usuários:

Quadro 2 Bases consultadas 

BASE DE DADOS CARACTERÍSTICAS
Portal de Periódicos, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) • É uma biblioteca virtual que reúne e disponibiliza a instituições de ensino e pesquisa no Brasil o melhor da produção científica internacional (CAPES, 2020, on-line);
• Possui bons recursos de filtros.
• Não possui recursos de exportação para softwares de gerenciamento de referências como Endnote, Mendeley e Zotero, o que torna o processo de recolha de dados mais moroso.
A Biblioteca do Conhecimento On-line ( B-on ) • Disponibiliza o acesso ilimitado e permanente às instituições de investigação e do ensino superior aos textos integrais de milhares de periódicos científicos e ebooks online de alguns dos mais importantes fornecedores de conteúdos (B-ON, 2020, on-line).
• Possui ótimos recursos de filtros e exportação para gerenciadores de referências.
Web of Science • É a designação comum dada a um conjunto de bases de dados também conhecidas como Science Citation Indexes (SDUM.UMINHO, 2020, on-line).
• Possui excelentes recursos de filtros e exportação para gerenciadores de referências, o que garante alguma agilidade ao processo de recolha de dados.

Fonte: Os autores (2020).

2.3 Constituição do corpus

Após a pesquisa utilizando nossa string e aplicando nossos critérios de inclusão, obtivemos um total de 76 trabalhos. A triagem dos artigos para análise decorreu de um processo compreendido em duas etapas, que resultou na seleção de seis trabalhos, conforme ilustrado no Quadro 3:

Quadro 3 Etapas de seleção 

FONTE ARTIGOS ENCONTRADOS (dados brutos) PRIMEIRA ETAPA SEGUNDA ETAPA
Portal Capes 9 4 3
B-on 35 4 1
Web of Science 32 4 2
TOTAL 76 12 6

Fonte: Os autores (2020).

Na primeira etapa, excluímos os trabalhos duplicados, fizemos a leitura de todos os títulos e resumos e selecionamos um total de 12 artigos, aparentemente pertinentes às questões propostas. Nesse processo, salientamos que na base Web of Science, embora tenhamos selecionado a opção “acesso aberto”, nem todos os trabalhos estavam disponíveis na íntegra, o que não correspondia, portanto, a um dos critérios de inclusão. O Quadro 4 apresenta os trabalhos obtidos nessa etapa.

Na segunda etapa, realizamos a leitura integral dos textos e selecionamos aqueles que respondiam a todas as questões de pesquisa. Os seis artigos que compõem nosso corpus são apresentados em ordem alfabética no Quadro 4:

Quadro 4 Corpus documental 

ID TÍTULO AUTORIA PERIÓDICO FONTE
A1 “As atitudes de leitura do Projeto Surpreenda-me: para uma didática da intermidialidade nas aulas de literatura” (MEDEIROS, 2015) SOLETRAS - Revista do Departamento de Letras da FFP/UERJ Portal Capes
A2 “Dicionários bizarros: fragmentos poéticos de experiências” (CORSO, 2018) Revista Anuário de Literatura - UFSC B-on
A3 “Formação do leitor literário no ensino médio: uma experiência de leitura do gênero romance em suportes digitais” (SILVA; COUTO, 2019) Revista Tempos e Espaços em Educação - UFS Web of Science
A4 “Leitura de Macbeth nas aulas de língua inglesa no ensino médio: uma experiência em sala de aula” (POLIDÓRIO; VIEIRA, 2016) Revista Acta Scientiarum. Education - UEM Portal Capes
A5 “Leitura literária e memes: análise de uma proposta” (SANTOS, 2019) Revista Periferia - UERJ Portal Capes
A6 “Leituras poéticas na construção da subjetividade dos alunos do ensino médio” (NEVES, 2016) Cadernos de Letras da UFF Web of Science

Fonte: Os autores (2020).

3 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Inicialmente, apresentamos uma breve contextualização dos trabalhos e, em seguida, os resultados a partir das subquestões de investigação para, ao término, retomarmos nossa questão norteadora.

O A1 é fruto de um trabalho que analisou textos que alunos de uma escola pública da Baixada Fluminense produziram a partir de suas experiências literárias. Os textos nascem no curso de um projeto intitulado Surpreenda-me e têm como característica a interação dos alunos com outras mídias e suportes textuais para reapropriação e ressignificação dos conteúdos. O autor reflete sobre três produções: um poema, um conto fanfic e um jogo que dialogam, respectivamente, com as obras Vidas secas e São Bernardo, de Graciliano Ramos e O Quinze, de Rachel de Queiroz.

O A2 apresenta uma atividade intitulada Dicionário Bizarro, desenvolvida com alunos de uma escola pública de Florianópolis, cujo mote foi o livro Mania de explicação, de Adriana Falcão e Mariana Massarani, que, grosso modo, apresenta verbetes que soam como poéticos e dão conta das experiências vivenciadas pelas autoras. Corso (2018) faz uma análise sobre a produção e os sentidos atribuídos a verbetes elaborados pelos alunos.

O A3 apresenta resultados de uma investigação realizada com alunos de uma escola pública de Barreiras, no estado da Bahia, a partir do acompanhamento das leituras de romances, realizadas por meio de dispositivos móveis. Uma das etapas consistiu na leitura compartilhada de trechos dos romances. Nessa etapa, os autores concentram o olhar sobre possíveis indícios de letramento digital e literário que emergissem durante o processo.

O A4 apresenta os procedimentos e os resultados alcançados a partir da leitura da obra Macbeth, de Shakespeare. As atividades foram realizadas nas aulas de Língua Inglesa, com alunos de uma escola pública do município de Assis Chateaubriand, no estado do Paraná. Além da obra, os alunos tiveram contato com resumos de outras obras do mesmo autor, sua biografia e alguns filmes.

O A5 apresenta uma experiência realizada em uma escola pública de Telêmaco Borba, município do estado do Paraná. Os alunos leram as obras O alienista, de Machado de Assis, e A hora da estrela, de Clarice Lispector e, após um período de discussão sobre os textos, produziram memes, abordando aspectos que julgaram mais interessantes dessas leituras.

O A6 analisa práticas de leitura de poesias em voz alta, em salas de aula do Ensino Médio, no Brasil e na França. A pesquisadora acompanhou o trabalho de docentes brasileiros e franceses com textos poéticos e observou como os alunos reagiam a essas leituras na dinâmica de sala de aula. A pesquisa foi desenvolvida em duas escolas privadas e uma pública, do interior de São Paulo, e em duas escolas públicas francesas.

3.1 Que orientação teórico-metodológica e/ou autores subjazem ao trabalho docente?

Todos os trabalhos analisados apresentam um referencial teórico que orienta a prática, dado que consideramos muito relevante para o exercício docente, especialmente quando se trata de educação literária, atividade sensível e complexa, que exige uma formação de professores sólida e comprometida com a pesquisa. No Quadro 5, apresentamos uma lista com alguns desses pressupostos teóricos:

Quadro 5 Teorias que orientam a prática 

ID Orientação teórica Autores
A1 Criação, circulação e recepção literária; Intermidialidade; Ensino de Literatura. José C. Bernardes, Rui A. Mateus; Miguel Rettenmaier; Nestor G. Canclini; Tânia Rösing; Regina Zilberman; Marisa Lajolo.
A2 Teoria sociointeracionista; Experiências com a linguagem; Integração entre a fala e a escuta, a leitura e a escrita. Mikhail Bakhtin; Jorge Larrosa; João W. Geraldi.
A3 Cibercultura; Tecnologias digitais e educação; Letramento literário e digital. Pierre Lévy; André Lemos; Ana Elisa Ribeiro; Nelson Pretto; Lucia Santaella; Umberto Eco.
A4 Ensino de Literatura; Leitura de clássicos; Língua e literatura inglesa. Renilson J. Menegassi; Marilurdes Zanini; Valdomiro Polidório; Regina Zilberman; Ângela Kleiman; Italo Calvino; Margaret Corchs; Denys Thompson; Gillian Lazar.
A5 Gêneros do discurso; Letramento literário; Aprendizagem e ensino de leitura. Mikhail Bakhtin; Rildo Cosson; Jean Foucambert.
A6 Letramento literário; Gêneros poéticos; Leitura subjetiva. Rildo Cosson; Michèle Petit; Gérard Langlade; Serge Martin.

Fonte: Os autores (2020).

O Quadro 5 não contempla todos os autores citados nos trabalhos, mas tão somente aqueles mais implicados no referencial teórico.

O A1, comprometido em compreender como as novas mídias contribuem para o ensino e geram outras leituras, apresenta referencial teórico que justifica a ressignificação de novos contextos e ambientes de criação verbal. Justifica ainda a valorização de aspectos do cotidiano dos alunos como meio para repercutir a compreensão e a retextualização de obras literárias, “interagindo com outras mídias e suportes textuais como forma de reapropriação e ressignificação dos conteúdos” (MEDEIROS, 2015, p. 245). Esse processo leva em consideração o contexto, as vivências e as experiências dos alunos.

Encontramos perspectivas teóricas semelhantes nos trabalhos A3 e A5, que exploram a leitura em suportes digitais e a criação de memes, respectivamente. A população imersa na cibercultura, especialmente os adolescentes, está habituada à utilização de recursos digitais. Aproveitar o potencial pedagógico das tecnologias para promover a leitura literária é, sem dúvida, um caminho que pode ser muito promissor, considerando que a cibercultura amplia as possibilidades de leitura e escrita. Nesse sentido, Silva e Couto (2019, p. 59) destacam que “o ciberespaço e a cultura digital oferecem novos suportes e espaços para a leitura e a produção de textos que, por sua vez, necessitam da construção de novos comportamentos leitores”. O trabalho foi desenvolvido a partir de aproximações teóricas entre a cibercultura e os tipos de leitores literários forjados nesse contexto.

Ainda nessa perspectiva, o referencial teórico do A5 é orientado para a compreensão do meme como gênero do discurso e para autonomia e atualização dos modos de ler um texto. Tanto o gênero selecionado quanto a concepção de leitor presente no trabalho valorizam aquilo que faz parte do cotidiano dos estudantes, se considerarmos que os memes emergem na e para as redes e que rapidamente “viralizam” e alcançam incalculável audiência, da qual, sem dúvida, os jovens são maior parte.

O trabalho aproveita o conhecimento e o interesse dos alunos pelo gênero para promover a leitura literária que explore os sentidos construídos. A autora pontua que “para que a produção faça sentido é preciso que o entendimento do texto tenha ocorrido e que se crie um novo que seja passível de compreensão pelo leitor do texto literário também [...]” (SANTOS, 2019, p. 77). Assim, só é possível uma recriação do texto literário a partir de uma compreensão, de modo que outros leitores também possam apreender os significados construídos.

O A4, ao tratar da leitura de um clássico shakespeariano no contexto escolar, apresenta fundamentação teórica voltada para a leitura de clássicos, para as peculiaridades do ensino de língua e literatura inglesas e para a relevância da presença do texto literário nas aulas de língua inglesa, com destaque para a componente cultural. Segundo os autores, “O aspecto cultural no texto literário não pode ser visto como uma maneira de aculturação, mas uma maneira de fazer com que os alunos conheçam outra cultura e aprendam a respeitá-la, como os falantes de outras línguas também devem respeitar a sua” (POLIDÓRIO; VIEIRA, 2016, p. 83). Nesse sentido, a leitura literária é, para os alunos, necessariamente um exercício de conhecimento, de reflexão sobre outras formas de vida, que carregam similitudes e diferenças em relação às suas.

Os A2 e A6 têm em comum, além do trabalho com o gênero poema, um referencial teórico que os orienta para a valorização das subjetividades e do aprofundamento da experiência, neste caso a literária. Uma experiência que exige tempo, acuidade e paciência para desligar-se dos automatismos e viver de forma mais intensa tudo o que a leitura e a produção poética podem oferecer aos alunos.

Ao ofertar maior tempo possível para a realização das atividades, Corso (2018, p. 80) assim o faz “para que se possa escolher, olhar, escutar, perceber, demorar-se nos detalhes, desligar-se do automatismo; para que se possa cultivar a atenção às palavras [...]”. A experiência literária pode fomentar processos de descoberta e compreensão de si, nos quais os sujeitos refletem sobre sua condição humana. Para Neves (2016, p. 64), “Pela leitura literária e através dela, podem (re)conquistar sua posição de sujeito, sua dignidade, sua condição humana, um trabalho quase psicanalítico na superação da dor e, portanto, na (re)construção de si”. A orientação teórico-metodológica voltada para a compreensão da literatura como fenômeno que tem sua primazia na condição humana é, sem dúvida, uma mais-valia para o processo ensino-aprendizagem de Literatura.

De modo geral, os trabalhos são orientados para uma abordagem que valoriza as vivências e a cultura dos alunos e que, ao mesmo tempo, tenta ressignificá-las para, assim, expandir os horizontes de percepção desses discentes a partir da leitura literária. Nesse caminho, o que fazem os professores?

3.2 Que papel o professor desempenha e quais seus procedimentos nesse processo?

A princípio, a resposta, ou respostas, para a questão que nomeia esta seção pode parecer óbvia. O professor ensina, “facilita”, medeia etc. No entanto, tratando-se de ensino de Literatura, dos desafios trazidos pelas especificidades da disciplina e da gama de recursos e possibilidades de que os docentes hoje dispõem, as estratégias podem variar bastante.

Observamos que em A2 e A5 uma proposta pedagógica para a leitura literária nasce a partir de experiências pessoais das pesquisadoras. Um livro ou uma notícia de jornal podem ser fontes para a elaboração de propostas para o ensino de Literatura. Então, um olhar atento, curioso, sensível e criativo para o mundo desponta como uma das características fundamentais à construção de propostas para a leitura literária em contexto escolar.

No A5, ao propor a criação de memes a partir de leituras literárias, além de dedicar um mês à discussão das obras, a professora apresentou aos alunos a matéria jornalística que deu origem à proposta. Nessa etapa, refletiu com eles sobre a atividade que seria desenvolvida e sobre o trabalho docente na busca por metodologias que subsidiassem a proposta. A autora destaca que, “Quase como uma experiência de metalinguagem, o intento é fazer, também, com que valorizem as aulas e a figura do professor, compreendendo que há uma preparação por detrás do que lhes é proposto” (SANTOS, 2019, p. 80). Esse tipo de abordagem nas aulas é fundamental para que os alunos compreendam e valorizem o trabalho docente. Esse exercício contínuo faz com que os alunos paulatinamente percebam que formação de leitores não é algo espontâneo ou casual, mas está, no contexto escolar, intimamente ligada ao trabalho de um professor e de outros profissionais que na escola atuam.

Acompanhar o andamento das atividades propostas é fundamental para perceber se aquilo que foi planejado está sendo construído. Em alguns casos, há a necessidade de reorientar as ações. No A2, ao propor a criação de “dicionários bizarros”, a ideia era que os alunos explorassem a criatividade, a conotação e a poeticidade presentes na obra que deu origem à atividade, o que não foi conseguido inicialmente. A construção de dicionários mais convencionais contrastou com o entusiasmo inicial dos estudantes, o que fez com que a professora chegasse à seguinte conclusão:

Ao refletir sobre o veemente entusiasmo dos estudantes contrapondo-o ao resultado inesperado, concluí que a falha residia justamente em mim, melhor dizendo, na fala, no encaminhamento da proposta. Então, no ano seguinte, trouxe para a sala de aula o livro Mania de explicação, mostrei-o aos estudantes e li alguns dos “verbetes” (CORSO, 2018, p. 78).

Refletir sobre a prática durante o processo e perceber eventuais equívocos não constituem nenhum demérito, ao contrário, são um válido expediente para potencializar a experiência literária dos alunos, o que veio a se concretizar nessa atividade.

Algo semelhante verificamos no A4. Inicialmente, a professora conversou com os alunos sobre o escritor William Shakespeare, expôs o projeto a ser desenvolvido e lhes apresentou, por meio de um texto em língua inglesa, sua biografia. Uma das atividades introdutórias foi produzir suas próprias biografias. Em seguida, os alunos leram resumos de obras diversas do autor e foram estimulados a buscar em outras leituras temáticas semelhantes. Ao perceber que os alunos não conseguiam estabelecer paralelos com outros textos, a docente teceu comentários sobre algumas obras de Machado de Assis. Assim, alguns puderam fazer associações entres textos literários.

Ainda sobre a reorientação das atividades, no A4, após a leitura da obra Macbeth, os alunos assistiram a um filme com legenda em inglês, o que, ao contrário da expectativa da professora, gerou muitas dúvidas. Por conta disso, “todas as legendas em inglês foram transcritas e entregues aos alunos. Foi feita, na sequência, a atividade de leitura e compreensão dessas legendas para que, só então, eles pudessem assistir novamente ao filme” (POLIDÓRIO; VIEIRA, 2016, p. 87-88). Os autores ainda reconhecem que, caso a mudança de estratégia não tivesse acontecido, o aproveitamento dos alunos teria sido nulo. Essas intervenções só ratificam a importância de acompanhar as atividades realizadas em torno do texto literário, tarefa sensível ao olhar cuidadoso do docente. Na sequência das atividades, os alunos produziram encenações da obra e as apresentaram na escola. Uma das equipes optou por filmá-las e mostrá-las sob a forma de vídeos para os colegas.

No A1, na primeira etapa do projeto Surpreenda-me, o professor indicou os conteúdos que seriam abordados no bimestre e solicitou que os alunos em grupo fizessem apresentação de uma obra, autor ou temática em formato de seminário, com elementos básicos de uma análise literária a partir da temática escolhida pelos alunos. O autor afirma que, ao expor o projeto no primeiro dia de aula, teve mais tempo para trabalhar os conteúdos e dar suporte para os alunos realizarem as atividades. Na segunda parte do projeto, os alunos tiveram oportunidade de apresentar suas leituras de modo diferente, mais livre, podendo recorrer a distintas mídias para tanto. Nessa etapa, “o professor queria ser surpreendido com as interpretações e os novos olhares dos alunos diante do objeto abordado. Esse componente da atividade não recebia nenhuma orientação do professor [...]” (MEDEIROS, 2015, p. 246).

Percebe-se aqui que o docente optou por uma etapa mais sistemática e outra mais livre, abrindo mão inclusive de uma orientação mais formal. A estratégia, tratando-se de Ensino Médio, pode, em nosso entendimento, concorrer para um desfecho não exitoso no que tange à aprendizagem dos alunos, fato que não ocorreu nesse trabalho, conforme será apresentado na seção seguinte. Acreditamos que a orientação e o acompanhamento das atividades devem ser prerrogativas essenciais do docente e que esse trabalho não solapa a experiência e a liberdade dos leitores, ao contrário, oferece mais elementos que permitem aos alunos maior envolvimento com os textos.

No A6, Neves (2016) relata os procedimentos de professores do Brasil e da França no que tange à leitura de poemas em sala de aula. O trabalho de leitura de poemas em sala de aula variou entre uma leitura meramente instrumental, reducionista, que buscava tão somente identificar figuras de estilo, analisar a estrutura, e uma leitura mais orientada e reflexiva que permitiu um diálogo com as subjetividades dos alunos. No primeiro caso, o papel do professor limitou-se a fazer perguntas de ordem estrutural do tipo “Qual a forma do poema?, Quantas sílabas?, Qual é a rima?” (NEVES, 2016, p. 53), para, em seguida, identificar e explicar as figuras de linguagem. Na segunda abordagem, o papel do professor foi criar uma atmosfera favorável de leitura, interpretação e reflexão sobre aquilo que era suscitado nos poemas, de modo que a leitura subjetiva pudesse aflorar. Em uma das ocasiões, em uma atividade introdutória sobre Modernismo, a professora recorreu ao poema de Waly Salomão, “Remix do século XX”, cantado por Adriana Calcanhoto. A partir daí, um dos alunos “tomou a vez e a voz para interpretar a letra do poeta baiano à sua maneira, subjetivamente. E P3 deixou-o à vontade, balançando a cabeça positivamente, sem se preocupar se a leitura de L. estava ‘correta ou não’” (NEVES, 2016, p. 61, grifos da autora).

A segunda perspectiva apresentada é, sem dúvida, aquela que deve ser norteadora do trabalho docente, a mesma verificada no trabalho de Corso (2018), especialmente quando se trabalha com leitura e escrita de poemas. A criação de um ambiente de parceria entre alunos e professores, de confiança mútua, no qual a disposição de tempo e a paciência são estratégias necessárias para o afloramento de uma experiência poética que dialogue com as subjetividades dos envolvidos.

No A3, os pesquisadores inicialmente coletaram informações sobre práticas de leitura dos alunos, acesso a tecnologias móveis e Internet e sua utilização para leitura literária. Foram indicados, a partir de uma seleção colaborativa, seis romances para que fossem lidos por meio de smartphones. Em um segundo momento, foram realizados três encontros colaborativos com finalidades específicas. Essas sessões ocorreram concomitantemente às leituras com os objetivos de, respectivamente, conhecer a relação que cada leitor construía com as obras; verificar as estratégias e os avanços de leitura no ambiente digital; e, por fim, realizar coletivamente leituras de trechos das obras que os alunos julgassem significativos. Os autores reforçam que:

Os sujeitos foram constantemente estimulados a utilizar de maneira produtiva e livre os dispositivos digitais móveis de que dispunham e a construir, ao longo de todo o período da pesquisa, um diário de leitura, no qual narravam em registros escritos, impressos ou digitais, todos os procedimentos e estratégias de leitura utilizados e colocavam em relevo sua compreensões, sensações, posicionamentos acerca das leituras literárias que faziam, bem como da relação que estabeleciam com os suportes digitais móveis nessas práticas (SILVA; COUTO, 2019, p. 64).

Aqui encontramos uma estratégia que, ao mesmo tempo que valoriza a liberdade dos alunos-leitores para construir significados e representar as sensações, valoriza igualmente o papel docente/pesquisador de acompanhá-los e encorajá-los para que consigam extrair o máximo da experiência literária.

As pesquisas no tocante ao papel docente demonstram que o acompanhamento das atividades planejadas, a reflexão com os alunos sobre as etapas e a criação de um ambiente de confiança e colaboração, no qual os alunos se sintam confortáveis para socializar suas leituras, favorecem a experiência literária. Uma das evidências, encontradas em alguns trabalhos, para a relevância do acompanhamento docente foi a necessidade de uma reorientação das atividades durante o processo. Além disso, as reflexões que uma das autoras faz com os alunos, seja sobre o processo de construção da proposta, seja acerca de sua dificuldade inicial de compreensão de um gênero textual, são fundamentais para que os alunos enxerguem na figura do professor não alguém iluminado, que nasceu detentor de conhecimento, mas alguém que estuda, pesquisa, planeja e caminha com os alunos.

3.3 Quais os resultados na aprendizagem dos alunos?

Os resultados apontam para experiências literárias pautadas por uma reflexão sobre o processo de formação humana e a capacidade de compreensão estética e leitura crítica, em maior desenvolvimento intelectual (SANTOS, 2019; MEDEIROS, 2015; SILVA; COUTO, 2019); maior envolvimento na realização das atividades (POLIDÓRIO; VIEIRA, 2016); e em uma oportunidade para valorizar a experiência literária a partir da expressão e (re)construção de subjetividades (CORSO, 2018; NEVES, 2016).

De maneira geral, observamos nos resultados maior envolvimento dos alunos com a leitura literária. Isso tem certamente relação com as ações planejadas pelos docentes que, embora não garantam o sucesso de uma “aventura” pelas tramas de um texto literário, fornecem, em contexto escolar, um norte necessário a jovens leitores.

Todos os resultados foram, de fato, exitosos. Observamos um processo criativo e reflexivo de ambas as partes: professores e alunos. As experiências com a disciplina Literatura aqui apresentadas foram muito além de estímulos à memorização da historiografia literária e valorizaram o protagonismo e as vivências dos leitores. Esse êxito deve-se, ainda, aos processos de negociação, com relativa liberdade dos alunos, para seleção de obras e dos recursos necessários para a realização das atividades propostas. Quando os alunos percebem que os professores caminham com, e não à frente deles, aumentam-se as possibilidades de maior envolvimento da turma com a leitura.

Ao retomar nossa questão de pesquisa, Quais as abordagens (metodologias, estratégias e recursos) utilizadas no processo ensino-aprendizagem de Literatura no Ensino Médio?, constatamos que não existe “o caminho”, mas estratégias, experimentações e desafios a docentes e discentes.

Um resultado que consideramos expressivo tem a ver com o uso de recursos digitais nas aulas de Literatura, que, embora não tenha sido uma categoria pensada à partida nesta pesquisa, aparece em quatro dos seis trabalhos analisados, seja vislumbrado pelos professores desde o planejamento (SANTOS, 2019; MEDEIROS, 2015; SILVA; COUTO, 2019), seja reivindicado pelos alunos (POLIDÓRIO; VIEIRA, 2016). Isso revela que a utilização de elementos que fazem parte da vida cotidiana dos alunos pode servir como um convite para leituras literárias. A produção e a compreensão de um meme, por exemplo, exigem um profundo entendimento dos textos lidos para que relações intertextuais possam ser percebidas. Esse exemplo faz cair por terra a ideia de que as tecnologias da informação e comunicação servem aos jovens somente para entretenimento. Se assim o é, cabe aos professores uma ressignificação dessas ferramentas, ou melhor, dessas linguagens, para uso pedagógico compatível com a maneira como concebem o ensino de Literatura.

Outro resultado que também consideramos expressivo é que as propostas, ao mesmo tempo que partem do cotidiano dos alunos, servem para rompê-lo. O caráter formativo da Literatura exige uma libertação do confinamento da experiência (GAMBOA, 2016). Nesse sentido, consideramos absolutamente legítimas, por exemplo, a indicação de obras a serem lidas, as discussões sobre temáticas suscitadas e a elaboração de roteiros/mapas/ desenhos para a aprendizagem. Isso não significa, claro, “encapsular” as leituras, mas fornecer alguns norteamentos necessários a jovens leitores para que, aos poucos, possam desenvolver sua autonomia, construir seus próprios percursos e ter elementos mais substantivos para fazer suas escolhas.

Claro que esse processo pode ser sensível a uma participação colaborativa dos alunos, como verificado em um dos trabalhos, mas é o olhar, a experiência e o compromisso do docente com o caráter formativo da leitura literária que serão determinantes na ampliação do olhar para a vida e para o mundo empreendida pelos alunos-leitores. Quantos alunos de uma escola pública brasileira indicariam espontaneamente uma leitura de um clássico shakespeariano? Provavelmente pouquíssimos. Não porque não gostam, mas simplesmente porque não conhecem. Daí surge outra questão: quantos teriam acesso a esse tipo de leitura sem a intervenção escolar? A propósito, um dos méritos do trabalho de Polidório e Vieira (2016) é exatamente levar para a aula de língua inglesa (de cultura inglesa, portanto) a literatura, expressão que geralmente é negligenciada nas aulas de línguas estrangeiras.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde a etapa de busca por artigos nas bases de dados, percebemos a escassez de trabalhos empíricos a respeito do ensino de Literatura no nível secundário. Há importantes e necessárias reflexões teóricas sobre a prática docente, sobre as legislações, sobre propostas didáticas etc. Igualmente importante é a comunicação científica de resultados obtidos no melhor “laboratório” que professores-pesquisadores têm à sua disposição: a sala de aula. É nesse chão que são forjados processos de intervenção para o ensino de Literatura. Então, essa escassez é um dos elementos que justifica o incentivo para que outros investigadores empreendam e divulguem suas pesquisas.

Os trabalhos aqui analisados fornecem evidências de que um planejamento bem concebido pode conduzir a resultados exitosos. Não estabelecemos aqui qualquer tipo de hierarquia entre os trabalhos apresentados. Ao contrário, todos os artigos, inclusive os apontados na primeira etapa de seleção dos textos, são fontes de pesquisa interessantes, que podem ajudar outros professores e pesquisadores interessados no ensino de Literatura.

A revisão sistemática de literatura, conforme antes explicado, ainda é um método relativamente incipiente nas ciências sociais e humanas. Métodos dessa natureza não são comuns, por exemplo, nos estudos literários. No entanto, acreditamos que a RSL pode dar importantes contributos para quem a faz e para a área, colaborando com outros pesquisadores que desejarem dar continuidade a este estudo para, assim, ampliar, pela pesquisa, a rede de colaboração entre professores e pesquisadores, de modo a “transformar a experiência colectiva em conhecimento profissional e ligar a formação de professores ao desenvolvimento de projectos educativos nas escolas” (NÓVOA, 2009, p. 7). Na condição de pesquisadores, estamos, assim como os autores dos textos analisados, igualmente implicados no processo ensino-aprendizagem, seja na educação básica, no ensino superior ou na pós-graduação. Em outras palavras, fazemos parte dessa rede que desejamos ampliar.

Consideramos ainda que o método empreendido nesta investigação foi bem-sucedido, uma vez que encontramos na literatura as informações que buscávamos, além de outras, igualmente importantes, por exemplo: a descoberta de novos periódicos para divulgação científica na área de educação e literatura e o conhecimento de novas referências e pesquisadores da área. Nesse sentido, o tempo e a energia dedicados à produção deste trabalho foram proporcionais aos ganhos pessoais e às eventuais contribuições para outros pesquisadores.

O trabalho tem como limites as escolhas metodológicas, como as bases que foram utilizadas e os tipos de trabalho incluídos para análise, características evidentes da RSL. Para estudos futuros, sugerimos a inclusão de outras bases e outros tipos de trabalho, como teses e dissertações, de modo a ampliar esse mosaico de trabalhos da área. Outra possibilidade de estudo diz respeito à avaliação das aprendizagens mediadas por tecnologias digitais, conhecer qual sua relação com a leitura literária na escola, os impactos, vantagens e desvantagens.

AGRADECIMENTOS

Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA). Grupo de Estudos Ensino-aprendizagem de Línguas e Literaturas nos Institutos Federais (Eallif). Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Tecnologias Digitais na Educação (GEP-TDE). Centro de Investigação em Educação (CIEd) - Universidade do Minho.

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NOTA:

1 A systematic literature review is a means of identifying, evaluating and interpreting all available research relevant to a particular research question, or topic area, or phenomenon of interest.

Recebido: 26 de Agosto de 2020; Aceito: 01 de Setembro de 2021

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