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Revista e-Curriculum

On-line version ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.20 no.3 São Paulo July/Sept 2022  Epub Jan 02, 2023

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2022v20i3p1043-1063 

Artigos

Educação personalizada e avaliação formativa em ecossistemas de aprendizagem digitais no ensino superior:articulando currículo digital e diversidade cultural

Personalized education and formative assessment in digital learning ecosystems in higher education:articulating digital curriculum and cultural diversity

Educación personalizada y evaluación formativa en ecosistemas de aprendizaje digital en educación superior:articular currículo digital y diversidad cultural

Regina Maria Ferreira da Silva LIMAi 
http://orcid.org/0000-0001-9721-9823

Maria Aparecida Pereira VIANAii 
http://orcid.org/0000-0002-4017-8482

i Mestra em educação. Coordenadora do Programa de Formação Continuada em Docência do Ensino Superior na Universidade Federal de Alagoas (Proford/Prograd/Ufal). Professora no ensino superior, na área jurídica. E-mail: regina.silva@sibi.ufal.br - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0001-9721-9823.

ii Doutora em Educação: Currículo (PUC-SP) com Estágio Científico Avançado de Pós-doutoramento na Universidade do Minho, Portugal. Docente no Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas, atuando no âmbito da Graduação e no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Alagoas (PPGE/Cedu/Ufal); com experiência na educação a distância, inclusive como coordenadora adjunta da Universidade Aberta do Brasil (UAB/Ufal). E-mail: vianamota@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-4017-8482.


Resumo

Este artigo visa refletir sobre a premente mudança de paradigma educacional, a fim de incorporar o currículo digital e as tecnologias à educação, contrapondo-se à centralidade do professor no processo de ensino-aprendizagem, respeitando-se as diferenças culturais. O estudo realizado tomou por base a lição de Luckesi e Hoffmann (avaliação formativa); de Candau, Almeida e Silva, Moreira, Schlemmer (currículo e cultura digital); Zaduski, Lima e Schlunzen Junior (ecossistemas digitais). O método empregado foi o bibliográfico, em uma abordagem qualitativa de pesquisa, bem como explicativa. Os resultados apontam para a possibilidade de se institucionalizar nas universidades o modelo de ecossistemas digitais de aprendizagem, por meio do ensino híbrido, viabilizando a educação personalizada, o respeito às diferenças culturais e a consolidação do currículo digital.

Palavras-chave: ecossistemas de aprendizagem em rede; avaliação no contexto híbrido-formativo; universidade

Abstract

This article aims to reflect on the pressing educational paradigm shift in order to incorporate the digital curriculum and technologies into education, opposing the centrality of the teacher in the teaching-learning process, respecting cultural differences. The study carried out was based on the lesson of Luckesi and Hoffmann (formative assessment); by Candau, Almeida e Silva, Moreira, Schlemmer (curriculum and digital culture); Zaduski, Lima and Schlunzen Jr (digital ecosystems). The method used was the bibliographic, in a qualitative research approach, which is still explanatory. The results point to the feasibility of institutionalizing the model of digital learning ecosystems in universities, through hybrid education, enabling personalized education, respect for cultural differences and the consolidation of the digital curriculum.

Keywords: networked learning ecosystems; evaluation in the hybrid-formative contexto; university

Resumen

Este artículo tiene como objetivo reflexionar sobre el apremiante cambio de paradigma educativo para incorporar el currículo y las tecnologías digitales en la educación, oponiéndose a la centralidad del docente en el proceso de enseñanza-aprendizaje, respetando las diferencias culturales. El estudio realizado se basó en la lección de Luckesi, Hoffmann sobre evaluación formativa; de Candau, Almeida e Silva, Moreira, Schlemmer sobre (currículum y cultura digital); Zaduski, Lima y Schlunzen Jr (ecosistemas digitales). El método utilizado fue el bibliográfico, con un enfoque de investigación cualitativa, que aún es explicativo. Los resultados apuntan a la viabilidad de institucionalizar el modelo de ecosistemas de aprendizaje digital en las universidades, a través de la educación híbrida, posibilitando la educación personalizada, el respeto a las diferencias culturales y la consolidación del currículo digital.

Palabras clave: ecosistemas de aprendizaje en red; evaluación en el contexto híbrido-formativo; universidad

1 INTRODUÇÃO

Diante da crise sanitária propagada em nível mundial pela pandemia da Covid-19, vivencia-se um cenário de mudanças e de transformação digital na educação brasileira, assim como em todo o mundo. Tais mudanças refletem a importância de pensar e efetivar uma educação mediada pelas Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC), realidade esta que tem se inserido aos poucos, sobretudo no período pandêmico atual, inclusive no âmbito da educação superior, o que remete à imersão das TDIC no currículo das universidades.

É cediço que os educadores contemporâneos visam uma educação personalizada, que trate o aluno de acordo com suas especificidades, em um processo de ensino-aprendizagem em que o professor realiza um diagnóstico prévio das competências e habilidades docentes e, a partir daí, adéqua seu planejamento e o contexto de suas aulas às necessidades percebidas, possibilitando um aprendizado significativo.

Ressalte-se que a educação personalizada e a consequente avaliação individualizada em contextos com TDIC é tema que tem sido estudado no âmbito da educação por autores que trabalham a temática do ensino híbrido, como Horn e Staker (2015), Spinard e Both, Valente (2014), entre outros, assim como da avaliação formativa ou mediadora, por autores como Hoffmann (2018; 2019), Luckesi (2011) e Pohpam.

No âmbito de contextos que apliquem as TDIC, a educação personalizada pode se desenvolver na Educação a Distância (EAD) ou no ensino híbrido. Uma das formas mais eficazes de alcançar uma educação nesse modelo é adotar a avaliação formativa e processual no acompanhamento discente. Necessário se faz ressaltar que, para lograr êxito na avaliação formativa dos discentes que compõem suas turmas, os docentes devem se debruçar também sobre a avaliação diagnóstica, envidando esforços para acompanhar cada situação em particular.

Por falar em avaliação, não se pode olvidar da clássica distinção entre a avaliação nas perspectivas somativa e formativa.

A dicotomia entre avaliação formativa e somativa no âmbito da educação não é novidade, assim como já é pacífico para a maioria dos teóricos, a exemplo de Jussara Hoffmann, Cipriano Luckesi, Benigna Villas-Boas, Philippe Perrenoud, entre outros, a necessidade de se conjugar a avaliação em seus aspectos quantitativo e qualitativo, sendo imprescindível a quantificação ou a verificação numérica dos resultados obtidos pelos discentes ao final do curso ou da disciplina ofertada, mas sendo plenamente possíveis também a verificação processual, o acompanhamento gradativo do aprendizado no decorrer do processo avaliativo, com o apoio da mediação pedagógica do professor, que se dá a partir das devolutivas parciais ao discente, a fim de que ele possa perceber seus erros, acertos, dificuldades, habilidades e construir paulatina e progressivamente um aprendizado efetivo e significativo.

Na lição de Hoffman (2019), avaliar é um ato reiterado e que não pode ser dissociado da ação de educar. Nesse sentido, a avaliação não deve ser meramente um ato de correção de provas, também não podendo ser confundida com seus instrumentos, a exemplo de testes, provas dissertativas, simulados, seminários, entre outros. A avaliação deve ser conjugada com a formação discente, formação esta voltada para os objetivos da educação, previstos na legislação: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e Constituição da República Federativa do Brasil (CF/1988).

Para Luckesi (2011), avaliar é um ato inserido no tripé pedagógico: planejar, avaliar e executar.

Contudo, esse processo de acompanhar o aprendizado discente também remete a um atendimento educacional especializado e/ou individualizado, que se convencionou denominar de educação personalizada (GUTENBLOG, 2018).

Isso porque cada educando aprende em um ritmo diferente dos outros e a falta de percepção das diferenças no processo de ensino e aprendizagem pode conduzir à evasão, a práticas pedagógicas obsoletas e desinteressantes, a erros no processo avaliativo, entre outros pontos.

No entanto, como avaliar individualmente os alunos e educá-los de forma personificada? Esse é o verdadeiro calcanhar de Aquiles para muitos docentes. É muito mais simples aplicar testes ou outros instrumentos avaliativos classificatórios e uniformes, além de pontuais, e atribuir notas aos alunos ou aos grupos, especialmente quando o professor tem muitas ou numerosas turmas.

Imperioso se faz refletir, no âmbito das tecnologias, sobre as possibilidades de avaliar e de promover uma aprendizagem significativa por meio de uma gama extremamente variada de recursos, ambientes e ferramentas digitais, explorando-as em sua diversidade e forjando a aprendizagem a partir dos interesses verificados na avaliação diagnóstica discente. Essa abordagem pode ser implementada na EAD ou na conjugação desta com o contexto presencial (ensino híbrido), de modo que neste último se torna mais propícia sua implantação, dadas a proximidade física e a possibilidade de um contato mais efetivo com os discentes.

Nesse contexto, temos os denominados ecossistemas de aprendizagem (GARCÍA-HOLGADO; GARCÍA-PEÑALVO; MATURANA; ZADUSKI; LIMA; SCHLÜNZEN JUNIOR, 2019) ou ecossistemas de aprendizagem digitais em rede (MOREIRA; RIGO, 2018), os quais apontam para a natureza social, coletiva e para uma perspectiva colaborativa de interação e aprendizagem, para além do uso de um Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) específico, considerando-se o complexo de relações sociais e humanas, bem como a integração de recursos digitais diversos. Assim,

Podemos dizer que um ecossistema digital pode ser entendido como um sistema organizado a partir de fatores bióticos (espécie humana e os conteúdos) e abióticos (hardware, software), que se utiliza de recursos abertos ou fechados, podendo ser utilizado tanto em ambientes formais, não formais ou informais de aprendizagem. Podemos também dizer que um ecossistema digital de aprendizagem busca associar ferramentas e soluções desenvolvidas por outros sites, de maneira a enriquecê-lo a partir da integração de diferentes conteúdos. Em outras palavras, as soluções já estão prontas (vídeos, imagens, músicas, textos...), ou ferramentas (Twitter, Google, Flickr...), basta integralizá-las ao ecossistema digital que se deseja ofertar (MOREIRA; RIGO, 2018, p. 109).

Na educação personalizada e na avaliação formativa, a qual se apresenta como um instrumento para a consecução daquela, a conjugação dos fatores humanos e sociais, dos elementos abióticos e dos conteúdos existentes nos ecossistemas de aprendizagem digitais possibilita uma aprendizagem efetiva e significativa, na medida em que a variada gama de possibilidades existentes nas soluções e ferramentas tecnológicas viabiliza ajustar os conteúdos aos interesses individuais discentes, o que permite um maior engajamento estudantil e o sucesso no percurso avaliativo-formativo.

Ademais, é possível e plenamente viável o acompanhamento mais próximo da evolução discente no processo de ensino e aprendizagem também no âmbito das aulas presenciais. Os momentos presenciais auxiliam nessa percepção, facilitando a escolha das soluções e das interfaces digitais adequadas e eficazes para cada contexto individual.

Todavia, encarar o desafio de acompanhar o desenvolvimento discente, avaliando os alunos de maneira personalizada, requer mais do que a boa vontade e a tentativa isolada do professor. É imperioso pensar nessa conduta a partir de uma reestruturação curricular, padronizada e institucionalizada, em que as avaliações pontuais deixem de compor a maior parte da nota - quando não representam a única forma de mensurá-la -, a fim de conduzir o corpo docente da instituição de ensino superior a buscar a efetivação do aprendizado dos discentes, o que não ocorre de forma plena com a adoção de sistemas de avaliação e de educação tradicionais e obsoletos.

Os métodos empregados na presente pesquisa são o bibliográfico e o webliográfico, uma vez que se recorreu à busca de conteúdos e informações em livros, e-books, artigos encontrados em sites e revistas eletrônicas especializadas, ao passo que se optou por uma abordagem qualitativa de pesquisa, a qual, segundo Minayo (2002), procura interpretar os fenômenos sociais, preocupando-se com um nível de realidade social que não pode ser quantificado, abrangendo valores, atitudes, crenças, aspirações e um universo de significados.

A pesquisa é ainda de natureza explicativa, em que se iniciou a investigação acerca da aplicação do ensino no contexto híbrido e da consequente avaliação personalizada no seio da universidade, a partir da curricularização do método de ensino e aprendizagem consistente nos ecossistemas de aprendizagem digitais, bem como do respeito à diversidade cultural e a implantação progressiva da cultura digital no currículo.

2 COMPREENDENDO A EDUCAÇÃO PERSONALIZADA E O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM NA PERSPECTIVA DOS ECOSSISTEMAS DIGITAIS

2.1 Educação personalizada: considerações preliminares

Conforme menção anterior, a educação personalizada consiste em um acompanhamento do processo de ensino-aprendizagem discente de forma individualizada, no sentido de ajustar, por exemplo, as propostas de atividades, as leituras, os instrumentos de avaliação processual e formativa, para fins de uma aprendizagem significativa.

Nesse sentido, não há como conceber o método tradicional de ensino criticado por Freire (1996), o qual aponta para a ausência de mediação pedagógica e para a denominada educação bancária, em que os conteúdos das disciplinas são depositados perante os discentes, sem a necessária reflexão e ressignificação dos conteúdos, não havendo o menor teor de criticidade nas aulas.

Para Valente (2014, p. 81):

O processo de ensino e aprendizagem baseado na transmissão de informação foi criticado por John Dewey há mais de um século como sendo antiquado e ineficaz (DEWEY, 1916). Sua proposta era a aprendizagem baseada no fazer, “hands-on”. O argumento utilizado é que as aulas expositivas partem do pressuposto de que todos os estudantes aprendem no mesmo ritmo e absorvendo informação ouvindo o professor.

Essa percepção de aprendizagem uniforme e de aulas expositivas tradicionais, sem o uso do diálogo e sem a perspectiva da colaboração entre os pares e dos discentes para com o docente e vice-versa, é rechaçada pelos teóricos que estudam a avaliação formativa, como Hoffmann (2019), Luckesi (2011), Villas-Boas (2020) e outros, assim como pelos estudiosos do blended learning (ensino híbrido), de modo que devem ser respeitados as diferenças individuais e o ritmo de aprendizado de cada discente, sendo possível uma personalização no processo de ensino-aprendizagem.

Nessa mesma perspectiva, Leandro e Corrêa (2018, p. 10) enfatizam que:

[...] para se pensar no futuro do ensino híbrido, os professores deverão quebrar o paradigma da aula expositiva e as IES deverão garantir condições adequadas e suficientes de apoio pedagógico e técnico efetivos, que auxiliem o professor a pensar, discutir e avançar no seu processo de ensino e aprendizagem, assim como incutir nos discentes as suas responsabilidades no processo de ensino e de aprendizagem.

Trata-se de chamar os discentes à responsabilidade de sua formação, apelando-se para seu protagonismo e autonomia, o que se dá sobretudo por meio das denominadas metodologias ativas.

No que diz respeito à utilização de metodologias ativas, pode-se dizer que:

A estratégia do blended learning pode ser considerada uma combinação de métodos de ensino-aprendizagem. Levando em consideração que no ensino tradicional sempre se utilizaram diversas metodologias, tais como leitura, trabalhos em laboratórios, resolução de problemas etc., com a disseminação das TIC, surgiu o conceito do ensino híbrido, que é considerado um processo contínuo. Por meio dessa metodologia, os alunos têm novas oportunidades de aprendizagem e podem personalizar as estratégias utilizadas, ficando dessa forma mais motivados para atingir os objetivos propostos (FILIPE; ORVALHO, 2004 apudSPINARD; BOTH, 2018, p. 4).

A teoria da educação personalizada também é evidenciada no ensino híbrido por outros autores, tais como Staker e Horn, Valente, Spinard e Both.

Staker e Horn (2012 apudVALENTE, 2014, p. 84) definem o blended learning como “o programa no qual o aluno vivencia momentos de estudo do conteúdo por meio de recursos on-line e presencialmente, em que o ensino é realizado na sala de aula. Assim, os alunos podem interagir entre eles e com o professor”.

Nas atividades on-line, o discente tem uma maior autonomia, optando pelos diversos conteúdos e recursos digitais que lhe forem disponibilizados; já no âmbito presencial, o professor mediará as atividades práticas e orientará o desenvolvimento da disciplina. Convém destacar que, “nos momentos presenciais, é importante valorizar a relação interpessoal no grupo, fazendo atividades que complementem as realizadas on-line, assim é possível proporcionar um processo de ensino-aprendizagem mais eficiente, interessante e personalizado” (SPINDARDI; BOTH, 2018, p. 4).

Na mesma perspectiva, leciona Moran (2017, p. 3), quando enfatiza a personalização da aprendizagem e do processo avaliativo, inclusive por meio do uso de plataformas de hipermídias adaptativas:

As tecnologias digitais são importantes também para personalizar o processo de aprendizagem, para a elaboração de roteiros individuais, que os alunos podem acessar e estudar no seu ritmo. Essa flexibilidade permite que cada aluno possa progredir de acordo com sua capacidade, ritmo e situação e possa fazer sua avaliação quando se sentir pronto. Plataformas adaptativas como o Duolingo para Escolas ou a Khan Academy são atraentes para a personalização da aprendizagem porque utilizam todos os recursos de atratividade para quem quer aprender: cada um escolhe o ritmo, vê o avanço dos seus colegas, ganha recompensas. Na versão educacional, os docentes podem acompanhar o desempenho dos seus alunos e propor atividades para as diversas fases da aprendizagem, incluindo a avaliação.

Na ambiência on-line ou nos momentos presenciais, o processo avaliativo há de ser conduzido de forma contínua, com a observação dos erros (os quais devem ser considerados construtivos, na medida em que possibilitam ao discente compreender o porquê de ter respondido de maneira equivocada, oportunizando um aprendizado efetivo), a devolutiva aos educandos quanto ao modo de realização das atividades e suas reações aos instrumentos avaliativos utilizados, de sorte que se faz necessária uma reformulação das concepções avaliativas. Assim:

Neste novo modelo, o ensino híbrido, a avaliação é um dos pontos que necessitam de transformação. Neste modelo, não basta enxergar a avaliação somente como momento de seleção entre os alunos habilitados ou não habilitados a continuar adiante. A avaliação precisa verificar o processo de aprendizagem e retornar o resultado ao aluno, por meio de feedbacks (RODRIGUES, 2015apudSPINARDI; BOTH, 2018, p. 8).

Rodrigues (2015, p. 1) enfatiza ainda que “o ensino híbrido tem um ponto crucial, que é a personalização do ensino, pelo qual os recursos tecnológicos inseridos podem favorecer um processo individualizado de ensino”. Isso porque, por exemplo, no modelo de rotação por estações, que é um dos modelos de aplicação do blended learning, o discente pode transitar entre as diferentes estações e selecionar os recursos que mais se adéquem a suas habilidades para o melhor desenvolvimento de seu aprendizado.

2.2 A compreensão dos ecossistemas de aprendizagem digitais a partir da cibercultura e da diversidade cultural

A temática dos ecossistemas de aprendizagem digitais é ainda relativamente recente e tem sido estudada por autores mais contemporâneos, como Moreira, Rigo, Schelemmer, Jackson, no âmbito da educação e das tecnologias.

Trata-se de um novo modelo de aprendizagem, que se distancia da concepção tradicional da educação, em que o professor é visto como detentor do conhecimento, sendo vislumbrado como um mediador do conhecimento, permitindo-se a autonomia, a participação ativa do estudante e seu consequente engajamento, na medida em que assume o protagonismo na construção de seu conhecimento. Vejamos a imagem do quadro na Figura 1:

Fonte: Zaduski, Lima, Schlunzen Junior (2019, p. 277).

Figura 1 Quadro sobre modelos de aprendizagem 

Os ecossistemas de aprendizagem reconhecem a autopoiese e a ubiquidade que circundam o processo de ensino-aprendizagem, de modo que se pode compreender que o ensino

[...] é uma prática social complexa. Realizado por seres humanos entre seres humanos, o ensino é transformado pela ação e relação entre os sujeitos (professores e estudantes) situados em contextos diversos: institucionais, culturais, espaciais, temporais, sociais (PIMENTA et al., 2013, p. 144).

A autopoiese se relaciona com a produção do conhecimento em um sistema interno e organizado, sendo a teoria autopoiética uma teoria que “tem como ideia básica um sistema organizado auto-suficiente. Este sistema produz e recicla seus próprios componentes diferenciando-se do meio exterior” (REIS, 2021, p. 1). O termo “autopoiese” foi criado por Humberto Maturana e Francisco Varela, biólogos.

Por sua vez, a ubiquidade remete à aprendizagem que acontece em todos os lugares: pode ser em casa, na escola, na universidade (na sala de aula), no ônibus ou em qualquer transporte, a caminho da universidade, enfim, qualquer lugar em que o estudante consiga produzir, ler, estudar.

Nos dias atuais, há um emaranhado de concepções acerca da educação ou das atividades educacionais que se processam de forma remota, especialmente, em razão do distanciamento social exigido pela pandemia da Covid-19, a qual chegou sorrateiramente e tomou proporções nem sequer vistas e imaginadas no Brasil e no mundo.

Fala-se em EAD tradicional, em docência on-line, em ensino remoto emergencial, entre algumas outras possíveis nomenclaturas, as quais apresentam significados distintos. É válido destacar a lição de Moreira e Schelemmer (2020, p. 17), quando afirmam que:

Na Educação Online o foco está na interação, na autoria e co-construção do conhecimento, favorecendo a aprendizagem colaborativa. O foco não está nem no conteúdo, nem no sujeito, mas na relação dialógica que se estabelece entre todos os atores humanos (estudantes, professor, tutor) mediada pelas TD e viabilizadas tanto por meio da comunicação síncrona quanto assíncrona é privilegiada.

O que importa reconhecer é que a educação na ambiência on-line jamais será a mesma de tempos passados, dada a forçosa ruptura de paradigma do ensino presencial para o ensino remoto/a distância/on-line ou mediado pelas tecnologias.

É nesse contexto que vimos surgir a expressão ecossistemas de aprendizagem (GARCÍA-HOLGADO; GARCÍA-PEÑALVO, 2014; MATURANA, 1995; ZADUSKI, LIMA; SCHLÜNZEN JUNIOR, 2019) ou ecossistemas de aprendizagem digitais em rede (MOREIRA; RIGO, 2018), assim como se fala em uma educação superior onlife, sobre a qual serão tecidos breves comentários mais adiante. Nesse diapasão, convém ressaltar que:

Atualmente, com o advento das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), os grupos e os ecossistemas dos quais fazemos parte transcendem os espaços físicos e as circunscrições que outrora delimitavam nossas possibilidades de interação. Com o acesso à internet e um smartphone em mãos, podemos nos conectar com pessoas, realidades e contextos completamente diferentes (ZADUSKI; LIMA; SCHLÜNZEN JUNIOR, 2019, p. 5).

É indubitável que o acesso à rede mundial de computadores e a utilização dos dispositivos móveis ou de outros hardwares possibilitam, em uma fração de segundos, a visualização simultânea e, de certo modo, irrestrita de uma infinidade de recursos digitais, o que pode e deve ser usado em favor da educação. A junção de seres humanos, recursos digitais como hardwares (máquinas, equipamentos, dispositivos físicos) e softwares (aplicativos, programas de computador) conduz à noção de ecossistemas digitais. Contudo, antes de falar no digital, convém explicitar a noção geral de ecossistema.

Segundo Jackson (2013, apudZADUSKI; LIMA; SCHLÜNZEN JUNIOR, 2019, p. 7),

[...] o conceito de ecologia ou ecossistema compreende a relação de interdependência e coexistência encontrada em várias espécies, entre estas, os seres humanos. Tal relação de interdependência é autorregulada internamente, de modo que o equilíbrio é sempre mantido. Pela definição, fica clara a dinâmica de interação existente, bem como a metamorfose constante e necessária quando se trata da coexistência entre seres diferentes.

Assim, o ecossistema guarda a noção de uma interdependência entre os seres que dele fazem parte, os quais precisam se amoldar ou adaptar às mudanças necessárias e manter um equilíbrio nas relações, de forma que todos os seres, inclusive os humanos, possam coexistir.

Não é muito diferente quando se trata da coexistência de culturas, etnias e povos humanos; pessoas que se interligam por meio da educação, nos espaços formais de ensino, mas que superam as barreiras e diferenças para coabitarem o mesmo ecossistema e produzirem a troca ou partilha de conhecimentos múltiplos. Pode-se inferir que:

As ecologias de aprendizagem, ou seja, os espaços que fomentam e apoiam a criação de redes de aprendizagem, fizeram com que as barreiras existentes nos currículos formais desaparecessem, dando a possibilidade para que pessoas de culturas e realidades socioeconômicas diversas pudessem se engajar no acesso, produção e troca de conhecimento (DÍEZ-GUTIÉRRE; DÍAZ-NAFRÍA, 2018 apudZADUSKI; LIMA; SCHLÜNZEN JUNIOR, 2019, p. 8).

Essa pluralidade de culturas, concepções, o compartilhamento de conhecimentos diversificados se torna mais evidente ainda quando se trata de processos de ensino e aprendizagem mediados pelas tecnologias. Para Moreira e Schelemmer (2020, p. 8):

A Educação mediada pelo digital faz parte de um novo ecossistema educativo que muito tem contribuído para a reconceitualização dos processos de ensino e de aprendizagem. Embora seja frequentemente associado a uma racionalidade tecnológica, o conceito de educação mediada pela internet aplicada aos diferentes contextos de prática reflete a polissemia que a caracteriza.

Nesse ínterim, convém ressaltar a importância de vincular educação, cultura e currículo, uma vez que:

A cultura é criação humana, constituindo-se num processo dinâmico e ativo, portanto, histórico. Pensar a escola distanciada de sua natureza cultural, por certo, é destituí-la de sua dimensão humana. A dimensão humana depende da cultura. Isto não significa que o elemento cultural seja o mais importante a ser considerado para a compreensão dos processos educativos que se dão no interior da escola. Contudo, o que não se pode ignorar é que estes mesmos processos estão atravessados pela circularidade das culturas (REIS, 2017, p. 136).

Isso faz da escola ou da universidade um lugar complexo. E, quando inserimos as competências digitais ou tecnológicas nesse contexto, as particularidades e diferenças se destacam.

Impende assinalar ainda que os ecossistemas digitais possibilitam uma interação ou interatividade maior entre os sujeitos ou atores humanos, na concepção de Moreira e Schelemmer (2020), além de vincular a vida dos seres humanos aos chamados atores não humanos, como é o exemplo de seres como o vírus da Covid-19, sujeito este que mudou drasticamente a vida humana em nível mundial e em seus mais variados aspectos, em razão da pandemia desencadeada no ano corrente e ainda presente nos dias atuais. Nesse sentido, pode-se afirmar que:

A Educação Digital não se resume ao uso de hardwares, softwares e redes de comunicação na educação, nem tampouco se restringe ao desenvolvimento do pensamento computacional. A Educação Digital é, sim, entendida como um movimento entre atores humanos e não humanos que coexistem e estão em comunicação direta, não mediada pela representação, em que nada se passa com um que não afete o outro. Na perspectiva do humano, resulta em apropriação, no sentido de atribuição de significado e o desenvolvimento de competências específicas, vinculadas aos processos de ensinar e de aprender em contexto de transformação digital (MOREIRA; SCHELEMMER, 2020, p. 23).

É pensando nessa metamorfose constante, nas mudanças sociais e tecnológicas, na conjugação da educação com o universo das TDIC e na influência que o uso dos recursos digitais exerce sobre as vidas humanas, sobretudo no aspecto do processo de ensino e aprendizagem, refletindo nas condutas docentes e discentes, que surge o novo paradigma educacional da educação “Onlife”, a qual está intrinsecamente vinculada à concepção dos ecossistemas digitais em rede. Afirmam Moreira e Schelemmer (2020, p. 25) que:

Na realidade, mais do que esta visão redutora da tecnologia, é necessário mudar de paradigma, para o paradigma do Onlife, termo que teve origem no projeto Iniciativa Onlife, lançado pela Comissão Europeia, que se preocupou, essencialmente, em compreender o que significa ser humano numa realidade hiperconectada. No The Onlife Manifesto (FLORIDI, 2015), publicação resultante do projeto, onde se defende o fim da distinção entre o offline e o online, concluiu-se que as TD e as redes de comunicação não podem ser encaradas como meras ferramentas, instrumento, recurso, apoio, mas forças ambientais que, cada vez mais, afetam a nossa auto-concepção (quem somos), as nossas interações (como socializamos), como ensinamos e como aprendemos, enfim, a nossa concepção de realidade e as nossas interações com a realidade.

Com efeito, pode-se inferir que as tecnologias e as redes de comunicação que delas se utilizam não sobreviveriam sem a interação ou a socialização humana. Até mesmo as inteligências artificiais carecem de uma programação. A partir dessa interação, é possível, no âmbito da educação, promover melhorias no processo de ensino e aprendizagem, aproveitando-se dos benefícios que as TDIC proporcionam à humanidade, inclusive adaptando de forma personalizada os conteúdos e as atividades para os discentes, elegendo-os na variada gama de recursos digitais disponíveis em rede. Afirma Moran (2017, p. 6), nesse mesmo sentido, que:

As redes também são importantes para tirar dúvidas dos alunos, para orientar grupos, para agendar eventos, para lembrá-los de prazos, para orientar atividades. Redes como o Facebook permitem a transmissão ao vivo de eventos e a gravação deles para posterior acesso. Redes como o WhatsApp são interessantes para mensagens rápidas, imediatas, para conversar com grupos, para estimular os que estão tendo mais dificuldades, para que alunos que estão impossibilitados de assistir uma aula possam fazê-lo remotamente ou visualizá-la posteriormente.

Assim, os ecossistemas de aprendizagem digitais possibilitam um aperfeiçoamento das práticas educativas, na medida em que interligam os atores humanos, não humanos, os fatores bióticos, abióticos e promovem a integração de soluções prontas (vídeos, podcasts, textos, entre outras) e ferramentas digitais, como o YouTube e as redes sociais digitais, inclusive as mencionadas anteriormente por Moran (2017).

A temática dos ecossistemas de aprendizagem digitais, portanto, salienta a relevância das TDIC no ambiente escolar ou universitário, uma vez que as tecnologias

[...] passaram a fazer parte da cultura, tomando lugar nas práticas sociais e ressignificando as relações educativas ainda que nem sempre estejam presentes fisicamente nas organizações educativas. Dentre os artefatos tecnológicos típicos da atual cultura digital, com os quais os alunos interagem mesmo fora dos espaços da escola, estão os jogos eletrônicos, que instigam a imersão numa estética visual da cultura digital; as ferramentas características da Web 2.0, como as mídias sociais apresentadas em diferentes interfaces; os dispositivos móveis, como celulares e computadores portáteis, que permitem o acesso aos ambientes virtuais em diferentes espaços e tempos, dentre outros (ALMEIDA; SILVA, 2011, p. 3).

Nesse sentido, pode-se afirmar que “a escola, que se constitui como um espaço de desenvolvimento de práticas sociais, se encontra envolvida na rede e é desafiada a conviver com as transformações que as tecnologias e mídias digitais provocam na sociedade e na cultura” (ALMEIDA; SILVA, 2011, p. 5). A escola aqui representa a educação básica, mas também remete à noção da educação como um todo, podendo-se estender essa concepção às universidades (ensino superior). Observe-se que, a depender da fluência digital do aluno, ele avançará ou não no desenvolvimento de atividades das disciplinas que se refiram ao uso das TDIC. O professor também é desafiado a desenvolver suas competências digitais docentes, sendo imprescindível pensar na formação continuada dos professores para esse cenário de transformação digital.

2.3 Avaliação personalizada em ecossistemas de aprendizagem digitais

Conforme explicitado anteriormente, as concepções de avaliação formativa e somativa têm sido alvo de uma dicotomia ao longo dos tempos, mas sendo consenso para muitos autores, como Hoffmann (2018), Luckesi (2011), Vilas Boas (2020) e Perrenoud, por exemplo, a imprescindibilidade de se conjugar a quantificação dos resultados obtidos pelos discentes ao final do estudo desenvolvido em uma disciplina com o acompanhamento processual do aprendizado no decorrer do processo avaliativo, mediando-se pedagogicamente os conteúdos e conduzindo a um aprendizado efetivo e significativo. Nesse sentido, Freitas (2009, p. 94) leciona que:

Uma avaliação contínua que seja capaz de interconectar todos os momentos do ensino-aprendizagem - do diagnóstico à intervenção na melhoria do processo - avaliação formativa - e, naturalmente, em decorrência dessas etapas, a busca de resultados que se expressam pela avaliação somativa. Esta última, apesar de ter uma cultura pontual traduzida em forma de notas ou de conceitos, pode ser reconfigurada se pensarmos em lhe dar um lugar como componente da formação, necessária ao aprimoramento das pessoas e da ação pedagógica.

Nesse mesmo viés desenvolve-se a concepção de avaliação mediadora, de Hoffmann (2017, p. 1), a qual induz a uma educação personalizada. Assim explana:

Por meio da ação mediadora, da tomada de decisão, ele estará afetando vidas e influenciando aprendizagens individuais. Da mesma forma, cada aluno irá estabelecer maiores ou menores vínculos intelectuais e afetivos com cada professor, resultando em atitudes e respostas diversas por parte destes.

Moran (2017) também menciona a importância da mediação pedagógica para que as tecnologias possam assumir seu papel de facilitadoras no processo de ensino e aprendizagem, o que pode se aplicar tanto no contexto da educação on-line como no ensino híbrido. Afirma o referido autor que:

As tecnologias digitais hoje são muitas, acessíveis, instantâneas e podem ser utilizadas para aprender em qualquer lugar, tempo e de múltiplas formas. O que faz a diferença não são os aplicativos, mas estarem nas mãos de educadores, gestores (e estudantes) com uma mente aberta e criativa, capaz de encantar, de fazer sonhar, de inspirar. Professores interessantes desenham atividades interessantes, gravam vídeos atraentes. Professores afetivos conseguem comunicar-se de forma acolhedora com seus estudantes através de qualquer aplicativo, plataforma ou rede social (MORAN, 2017, p. 1).

Ainda ao tratar sobre a temática de avaliação da aprendizagem, convém registrar a lição de Moran (2017) acerca da presença de vários tipos de avaliação: diagnóstica, formativa e mediadora, o uso das denominadas rubricas de avaliação (critérios predeterminados que indicam o que se almeja ou o comportamento que se espera dos discentes com relação às atividades que lhe são propostas), sendo todas as formas avaliativas voltadas para o sucesso do processo de aprendizagem dos alunos, sendo necessário, além de um acompanhamento geral das turmas, um acompanhamento individual do progresso do aluno.

Sendo os ecossistemas de aprendizagem digitais organizados a partir da junção de fatores bióticos (espécie humana e os conteúdos) e abióticos (hardware, software) e que se utilizam de soluções tecnológicas prontas e ferramentas variadas, na lição de Moreira e Rigo (2018), eles possibilitam ao docente a condução de aulas e do processo avaliativo de forma rica e diversificada, permitindo aos discentes a identificação com conteúdos e recursos digitais que mais se aproximem de seus interesses pessoais e viabilizando uma aprendizagem significativa. E isso remete, inclusive, à diversidade ou pluralidade de culturas que encontramos em sala de aula (seja presencial ou virtual). A depender do entorno sociocultural, do contexto do aluno, seu ritmo de aprendizagem ou suas habilidades e competências serão diferentes do que pode ser observado em outros alunos.

3 A INTERSEÇÃO ENTRE CURRÍCULO E AVALIAÇÃO: PERSPECTIVAS DE EFETIVAÇÃO DE AVALIAÇÃO PERSONALIZADA A PARTIR DA CURRICULARIZAÇÃO

De acordo com a lição de Teixeira Júnior (2016, p. 72), “define-se como currículo o conjunto de elementos e/ou conteúdo a serem desenvolvidos dentro de um programa ou segmento educacional. Onde estes conteúdos são agrupados nas disciplinas distintas”.

Normalmente, o currículo vem impregnado de ideologias dominantes e defendidas pelos órgãos superiores que compõem o sistema de educação e isso reflete no ensino que é sistematizado para as escolas e universidades. Nesse sentido, Teixeira Júnior (2016, p. 73) menciona:

É próprio do currículo vigente em escolas de ensino fundamental brasileiras a adoção de conteúdos preestabelecidos, oriundos de estudos e propostas vindos de instâncias superiores e, percorrendo um longo caminho até atingir o seu sujeito principal e razão maior de sua existência: o estudante. Este caminho percorrido pelo currículo que parte de planos educacionais elaborados por ministério nacional, passando por secretarias de estado e por secretarias municipais de educação, em uma ótica elementar, parece estar em sentido oposto às necessidades dos estudantes, bem como às mais básicas políticas educacionais.

Entretanto, muitas vezes a ideologia dominante vai de encontro às peculiaridades e interesses que circundam o entorno social dos estudantes, de modo que os conteúdos explorados em sala de aula tornam-se desestimulantes e a aprendizagem significativa não ocorre, sendo prejudicado o processo de ensino-aprendizagem.

Teixeira Júnior (2016) ainda aponta para a necessidade de se empregarem os fatores sociais, culturais e econômicos na construção dos projetos educacionais, de modo que devem se coadunar com o interesse estudantil e aproveitar seus conhecimentos prévios. A base curricular há de ser pensada e construída a partir das necessidades e do embasamento desse público e para a satisfação dessas necessidades. Assim explica:

Quando fatores primordiais como cultura, meio social e fatores econômicos são deixados à margem na construção de propostas educativas tais propostas estarão contrariando uma ideia de educação que prioriza a base de conhecimento dos estudantes. Uma base curricular construída a partir dos estudantes e para os estudantes (TEIXEIRA JÚNIOR, 2016, p. 73).

Além disso, importa salientar que currículo e avaliação são áreas que não se desvinculam, não se dissociam, “estão numa interação constante e dinâmica”, na lição de Gerard e Roegiers (apudNUNES; PAIXÃO, 2013, p. 2).

Nesse sentido, pode-se afirmar que:

Por meio desta interação podemos perceber o que a escola seleciona e valoriza como conhecimento legítimo, por exemplo, ao identificarmos o quê, o porquê, para quê, de que forma se avalia e o que não se avalia, vez que esta, em tese, deriva das orientações fornecidas pelo currículo. Esta interação hoje, ao que nos parece, merece estudos e reflexões, pois a avaliação das aprendizagens tem sido considerada como o domínio preponderante para medir os sucessos e fracassos dos alunos, das escolas e dos sistemas educativos em cenários locais, nacionais e internacionais (NUNES; PAIXÃO, 2013, p. 2).

Assim, avaliar de forma personalizada permite acompanhar efetivamente o aprendizado discente e garantir o sucesso no processo de ensino-aprendizagem, assim como a elevação dos índices de avaliação institucional, cujos instrumentos de medição de resultados incluem a aprendizagem efetiva e significativa. Todavia, essa educação personalizada só conseguirá ser instituída e aplicada de maneira eficaz, se houver a conscientização de sua necessidade por parte do corpo docente das instituições de ensino superior, o que requer, em princípio, formação continuada específica e direcionada, além de discussões nos fóruns dos colegiados de curso e a consequente modificação dos projetos políticos-pedagógicos e projetos pedagógicos dos cursos de graduação, os PPC.

Trata-se de institucionalizar uma nova cultura de avaliação, a qual seja na perspectiva formativa e personalizada, o que é viabilizado, conforme menção anterior, por meio do ensino híbrido e de forma potencializada com o uso das TDIC.

No entanto, concebendo o currículo como prática social, não se pode negar que ele parte das concepções e práticas cotidianas, para além da sala de aula, incorporando experiências e atividades previamente formuladas pelos professores e alunos. Essa é a concepção de currículo real, mencionada por Gimeno Sacristán (apudALMEIDA; SILVA, 2011, p. 9). Assim, o currículo deixa de ser engessado, passando a comportar vicissitudes oriundas das mudanças sociais e, como diria Candau (2002, p. 152), passaríamos a experimentar a lógica inversa do currículo monocultural, de modo que

[...] as nossas salas de aula, onde pretensamente se ensina e se aprende deveriam ser espaços de lidar com o conhecimento sistematizado, construir significados, reforçar, questionar e construir interesses sociais, formas de poder, de vivências que têm necessariamente uma dimensão antropológica, política e cultural.

Essa perspectiva se coaduna com a concepção do modelo atual de aprendizagem centrado no aluno e que é viabilizado por meio das metodologias ativas e que se adéqua aos ecossistemas de aprendizagem, inclusive na ambiência digital.

4 CONCLUSÃO

À guisa de conclusão, infere-se que, a partir da concepção do currículo como uma prática social e da percepção de que a pluralidade de culturas é uma realidade latente no seio das universidades, é necessário reconhecer que os conteúdos curriculares de hoje não podem ser iguais aos de tempos remotos, vale dizer, o currículo não pode ser engessado, imutável, nem deve atender a interesses hegemônicos e de viés político, em que pese essa seja a práxis evidenciada ao longo dos tempos.

Com a evolução da cibercultura, o advento do currículo digital e a indissociável articulação entre as tecnologias digitais e o cotidiano das escolas e universidades, necessário se faz pensar em curricularizar o ensino no contexto híbrido (apesar de a sua regulamentação ainda estar na iminência de acontecer), partindo de formações docentes e da iniciativa dos próprios professores da instituição, com o intuito de personalizar a educação e a avaliação discente, por meio da avaliação da aprendizagem na perspectiva formativa ou mediadora.

Ademais, pensar em cibercultura é pensar em contextos plurais que se entrelaçam na ambiência on-line, seja em projetos educacionais totalmente a distância, seja em um formato híbrido. O uso das TDIC permite potencializar a avaliação e, consequentemente, a educação personalizada, a partir do acompanhamento discente de forma individual e mais próxima, mas sem perder a essência do trabalho colaborativo, que é também o foco das metodologias ativas e do modelo de aprendizagem baseado nos ecossistemas digitais.

Por conseguinte, educar e avaliar de forma personalizada são processos que se adéquam perfeitamente ao ensino híbrido e aos ecossistemas de aprendizagem em rede ou digitais, uma vez que estes permitem o engajamento estudantil, a mediação pedagógica docente, o desenvolvimento da autonomia e do protagonismo discente, abrindo-se mão de uma educação pautada pela mera transmissão de conteúdos e partindo-se para uma aprendizagem contextualizada e significativa. O contexto dos discentes aponta para o currículo como prática social, abrangendo a percepção e o respeito à pluralidade cultural evidenciada em sala de aula (seja presencial ou híbrida), assim como auxilia o docente na percepção das tecnologias mais apropriadas para trabalhar as disciplinas com seu público-alvo, o que potencializa a ação de educar.

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Recebido: 30 de Junho de 2021; Aceito: 10 de Setembro de 2021

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