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Revista e-Curriculum

On-line version ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.20 no.3 São Paulo July/Sept 2022  Epub Jan 02, 2023

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2022v20i3p1064-1083 

Artigos

Docência e curadoria:divulgação étnico-racial no Facebook

Teacher and curation:ethnic-racial dissemination on Facebook

Docente y curador:étnico-racial difusión en Facebook

Eliane Nataline dos SANTOSi 
http://orcid.org/0000-0001-7664-0272

Simone Silveira AMORIMii 
http://orcid.org/0000-0002-1305-6017

i Mestra em Educação pela Universidade Tiradentes (UNIT), Licenciada em Letras-Inglês pela mesma Universidade. Integrante do Grupo de Pesquisa Escrevivências de mulheres negras em diáspora da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e do Grupo de pesquisa Educação e Sociedade: sujeitos e práticas educativas (UNIT). É docente (substituta) no Instituto Federal de Sergipe e na Secretaria Municipal de Educação de Aracaju (SEMED). E-mail: eliane_nataline@hotmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0001-7664-0272.

ii Doutora em Educação pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), com pós-doutorado pela University of Massachusetts (UMass/Boston). É docente do Programa de Pós-graduação em Educação (PPED/Unit-SE), pesquisadora do ITP/SE, integra o Observatório da Educação Tiradentes (OBET) e o Portuguese Language Partnership for Education (PLPE/EUA). E-mail: amorim_simone@hotmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-1305-6017.


Resumo

A partir da compreensão de que a divulgação na rede social Facebook possibilita maior visibilidade para as questões étnico-raciais, optou-se por evidenciar seu uso de acordo com a perspectiva da curadoria, tomando postagens sobre o tema como o foco deste artigo. Assim, o objetivo é promover reflexões de cunho étnico-racial considerando-se as postagens de docentes no Facebook. Esta pesquisa é de abordagem qualitativa Minayo (2001) e bibliográfica Fonseca (2002). Utilizou-se o quadro de sistematização da percepção da imagem de Amorim e Kress (2020), em perspectiva crítica, para analisar as postagens. O aporte teórico está pautado em Munanga (2001, 2015), Carneiro (2005, 2011) e Adichie (2019). Espera-se, com este texto, ampliar as reflexões sobre a temática racial, tendo em vista as postagens dos docentes que fazem uso do Facebook como um instrumento de visibilidade para as questões étnico-raciais.

Palavras-chave: educação; epistemicídio; narrativas; negros; racismo

Abstract

Based on the understanding that dissemination on the social network Facebook allows greater visibility for ethnic-racial issues, we decided to highlight its use from the perspective of curatorship, taking posts on the theme as the focus of this text. The goal is to promote reflections of an ethnic-racial nature from the posted by teachers on Facebook. This research is qualitative Minayo (2001) and bibliographic Fonseca (2002). The systematization framework of the perception of the image of Amorim and Kress (2020), in a critical perspective, to analyze the images. The theoretical contribution is based on Munanga (2001, 2005), Carneiro (2005, 2011) and Adichie (2019). It is expected with this text to expand the reflections on the racial theme, based on posts by teachers who use Facebook as an instrument of visibility for ethnic-racial questions.

Keywords: education; epistemicide; narratives; black; racism

Resumen

Con base en el entendimiento de que la difusión en la red social Facebook permite una mayor visibilidad de los temas étnico-raciales, se decidió resaltar su uso desde la perspectiva de la curaduría, tomando las publicaciones sobre el tema como foco de este texto. Entendiendo que la difusión en esta plataforma virtual permite una mayor visibilidad de los temas étnico-raciales. El objetivo es promover reflexiones étnico-raciales a partir de publicaciones de profesores en Facebook. Esta investigación tiene un enfoque cualitativo Minayo (2001) y bibliográfico Fonseca (2002). Para el análisis de las publicaciones se utilizó el marco de sistematización de la percepción de la imagen de Amorim y Kress (2020), en una perspectiva crítica. El soporte teórico se basa en Munanga (2001, 2015), Carneiro (2005, 2011) y Adichie (2019). Con este texto, esperamos ampliar las reflexiones sobre temas raciales, a partir de publicaciones de docentes que utilizan Facebook como instrumento de visibilidad de temas étnico-raciales.

Palabras clave: educación; epistemicida; narrativas; negro; racismo

1 INTRODUÇÃO

As redes sociais têm sido utilizadas em diversos contextos da comunicação, seja de forma pessoal, para entretenimento ou profissionalmente. Esse universo virtual tem se tornado um meio de troca de informações, encurtamento de distâncias, compartilhamentos, aprendizado e convívio social de modo virtualizado, proporcionando visibilidade para quem faz uso e para o conteúdo que está sendo publicado em plataformas de compartilhamentos e sociabilidades, como o Facebook.

Um dos temas que têm ganhado visibilidade nas redes sociais diz respeito aos aspectos étnico-raciais, fato que convida a quem realiza pesquisa em educação a questionar se as divulgações feitas por docentes em redes sociais, como o Facebook, de maneira descuidada, podem não surtir o efeito que se espera na formação de estudantes e leitores(as) que os seguem nessa plataforma. Assim, seria também válido indagar: As publicações feitas por docentes no Facebook podem promover uma reflexão étnico-racial? Ademais, independentemente de sua formação, eles podem atuar como curadores nessa rede social?

Diante da importância do tema para a educação, este texto tem como objetivo promover reflexões de cunho étnico-racial a partir de postagens feitas por docentes no Facebook, lançando luzes sobre a relevância da realização de curadoria das informações divulgadas. Parte-se do pressuposto de que a curadoria de informações, e a consequente postagem delas no Facebook, normalmente é realizada por professores/as que utilizam essa rede social como um meio para divulgar seu trabalho, isto é, suas práticas educativas e seus saberes. No entanto, os demais colegas de profissão, ao postarem algo em suas redes, não o fazem pela perspectiva de curadoria, mas de apenas compartilhar informações que acreditam serem relevantes.

Ao pensar sobre a importância social da profissão docente, defende-se aqui que a figura do professor/a tem um peso de credibilidade na sociedade; portanto, ao se vincular aos debates étnico-raciais nas redes sociais, pode despertar reflexões e uma consciência crítica por parte de seus seguidores, sendo essa ação mais assertiva a partir da curadoria. Quanto a esta, é entendida como “[...] um processo desenvolvido por uma pessoa, o qual é chamado de ‘curador’ e seu papel é fazer seleção, agregar valor e difundir o conteúdo de forma a produzir conhecimento” (STAREPRAVO, 2019, p. 10). Utilizou-se Munanga (2001, 2015) para debater sobre o racismo na sociedade e a necessidade de ações afirmativas como política pública no Brasil; Carneiro (2005, 2011), para discutir acerca do epistemicídio da produção intelectual e cultural dos/as negros/as; e Adichie (2019), a fim de alertar para o perigo da história única.

No que concerne aos procedimentos metodológicos, esta é uma pesquisa de abordagem qualitativa Minayo (2001) e bibliográfica Fonseca (2002). Ressalta-se que a pesquisa qualitativa não está focada em números, pois trabalha com o universo dos “significados, motivos, aspirações, crenças e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis” (MINAYO, 2001, p. 14).

Quanto à pesquisa bibliográfica, Fonseca (2002, p. 32) elucida que “[...] é feita a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos e páginas de websites”. Nesse sentido, o uso da bibliografia desta pesquisa se deu a partir de pesquisas científicas, artigos e livros sobre a temática étnico-racial e curadoria, possibilitando uma compreensão mais aprofundada a respeito do tema. Optou-se, também, pela utilização do quadro de análise “Sistematizando a percepção da imagem/texto pelo viés do pensamento crítico” (AMORIM; KRESS, 2020, p. 6) apresentado a seguir.

Quadro 1 Sistematizando a percepção da imagem/texto pelo viés do pensamento crítico 

Etapa Ações Síntese
Primeiras impressões Visualizar
Engajar
Sensibilizar
Fazem-se os registros das primeiras impressões sobre a imagem, sem a preocupação de expressar aspectos críticos/de análise. Usam-se palavras/expressões curtas
Descrevendo Perceber
Identificar
Descrever
Investiga-se a imagem analisando os detalhes, fazendo conexão com o texto, quando houver. Usam-se frases para expressar o que foi visualizado e percebido
Analisando Investigar
Comparar
Analisar
Analisam-se os elementos identificados para pensar como a sociedade (e seus indivíduos) opera a fim de fortalecer ou enfraquecer ideias/ideologias hegemônicas dando significado à imagem e/ou texto, trazendo à tona o que está nas entrelinhas
Desenvolvendo a consciência crítica Inferir
Imaginar
Problematizar
Identifica-se o que está sendo expresso por texto e/ou imagem a partir do significado político, social, econômico e cultural que se pretende veicular
Fundamentando Argumentar
Teorizar
Trazem-se teóricos, pesquisadores cujo argumento coaduna ou refuta elementos da imagem e/ou texto
Conectando Adicionar
Conhecer
Relacionar
Encoraja-se a pesquisa de informações extras relacionadas à fonte a fim de se obterem esclarecimentos, opiniões ou percepções novas, semelhantes ou opostas
Expressando Expressar
Colocar-se
Verbalizar
Exercita-se a produção de sentido a partir da própria percepção, com base no que já foi sistematizado dos itens 1 a 6, interpretando os dados e expressando ideias, posicionando-se quanto ao que foi analisado, materializando o pensamento crítico por meio de palavras

Fonte: Amorim e Kress, 2020.

O quadro foi utilizado para analisar as publicações de docentes no Facebook, configuradas como públicas, voltadas para questões étnico-raciais. O critério para seleção das postagens se deu a partir do conteúdo abordado: divulgação de livros da literatura negra, infantis ou não; sobre a inserção dos/as negros/as nas universidades públicas e privadas; sobre as cotas; e combate ao racismo. A partir desses critérios, foram selecionadas duas postagens para serem analisadas com base no Quadro 1. A coleta de dados foi realizada a partir de prints das postagens no Facebook de docentes. Os autores das postagens selecionadas foram denominados por números romanos (I e II) a fim de preservar suas identidades.

A escolha do perfil dos professores no Facebook se pautou por publicações feitas entre os anos 2015 a 2021, primeiro, por entender que, entre os anos 2014 e 2015, 92 milhões de pessoas que acessaram essa rede social “[...] todos os meses - o que corresponde a 45% de toda a população brasileira” (FACEBOOK, 2014). Além disso, o Brasil chegou a ocupar o terceiro lugar entre os países que mais acessam o Facebook (CANALTECH, 2016). Segundo, porque nesse período também houve uma maior visibilidade das discussões étnico-raciais nas redes sociais, com a chegada da Geração Tombamento, que surgiu em 2015 (FLEUR, 2017), assim como diversos outros movimentos e organizações negras que passaram a se mobilizar virtualmente a partir de grupos formados no Facebook, promovendo discussões efervescentes a respeito do tema, reverberando nas postagens dos usuários dessa rede social.

Portanto, a fim de alcançar o objetivo proposto para este texto, serão apresentados o contexto histórico da educação da população negra no Brasil e a importância da implementação das leis de ações afirmativas. Também será discutida a relevância da literatura negra infantil como um suporte positivo e necessário na construção da identidade de crianças negras, culminando com as considerações advindas da análise e discussão realizadas. Espera-se que este artigo se some às demais pesquisas atreladas à temática étnico-racial, debruçando-se sobre a docência que promova o debate acerca desse tema nas redes sociais, como o Facebook, de maneira contundente.

2 EDUCAÇÃO NEGADA E A IMPORTÂNCIA DA DESCONSTRUÇÃO DO EUROCENTRISMO NAS NARRATIVAS HISTÓRICAS: LEI 10.639/2003

Sabe-se que, historicamente, no Brasil, a violência racial contra a população negra existiu, legalmente, desde o período Colonial até a República, uma vez que era normalizada a postura de discriminação, assim como a prática do racismo (BRASIL, 2004). Essas violências se sustentavam, principalmente, em leis e ações sociais que dificultavam o acesso do/a negro/a à educação, sendo negados, assim, direitos básicos, como aprender a ler e escrever.

Essas práticas racistas institucionais podiam ser observadas, principalmente, no tocante à educação, visto que o acesso foi negado, por muito tempo, aos africanos e afrodescendentes que estavam no Brasil. Um exemplo disso é o que dispõe o art. 69, § 3º do Decreto 1.331, de 17 de fevereiro de 1854, que instituiu que nas escolas públicas do País “Não serão admitidos á matrícula, nem poderão frequentar as escolas: os escravos”, ou seja, as pessoas negras escravizadas.

Já em 1890, dois anos após a abolição da escravatura, foi aprovada a Reforma Benjamin Constant, pelo Decreto Nacional 981/1890, que introduziu a disciplina “Moral e Cívica” na educação brasileira, visando estabelecer regras de convivências ou regras sociais (SANTOS et al., 2013). Essas “regras de convivências e regras sociais” foram transformadas em violências raciais, exclusões sociais e perseguições aos povos africanos e seus descendentes, tendo em vista que os negros libertados não foram ressarcidos pelo Estado após a violência cometida contra eles. De fato, os/as negros/as africanos/as e afro-brasileiros/as receberam uma liberdade forjada, sem direito à moradia, educação e saúde.

Somente a partir da década de 60 do século XX ocorreu a “[...] ampliação da rede de ensino público em todo o país, tornando possível o ingresso do negro às salas de aulas, contudo as relações raciais no interior das escolas permaneceram discriminatórias” (SANTOS et al., 2013, p. 12). Em 5 de outubro de 1988, aconteceu a promulgação da Constituição brasileira que garantiu liberdades civis e estabeleceu os deveres do poder público a fim de efetivar um estado de cidadania democrática. Desde então, o que existe no Brasil é uma cidadania democrática disfarçada de democracia racial, pautada pela ideia de que somos todos iguais, mas permitindo que a população não branca, como o afro-brasileiro, vivencie a violência do esquecimento histórico e da desigualdade social.

Nesse ínterim, a educação antirracista tem ganhado força a partir da necessidade de narrativas e ações descolonizadas que possam desconstruir o viés europeu colonizador atribuído ao Brasil e que tem promovido o silenciamento e a inferiorização da população negra. Nesse processo, o Movimento Negro vem criando estratégias de lutas antirracistas, fomentando a inserção da população negra nos espaços educacionais, mas também chamando a atenção para a urgência da desconstrução dos conhecimentos eurocêntricos, apontando para a importância da construção de narrativas que contém a história antes do período de sequestro da África para o Brasil, valorizando a história, as origens, as culturas, as lutas e as conquistas dos africanos e seus descendentes.

Como resultado dessas lutas, em 2003, foi implementada a Lei 10.639 que traz a obrigatoriedade do estudo da História e Cultura Africana e Afro-brasileira nas escolas públicas e privadas do Brasil, visando apresentar aos estudantes brasileiros histórias descolonizadas e visibilizar os sujeitos que foram silenciados na história oficial do País. Entretanto, apesar de essa lei já existir há mais de 15 anos, ainda se encontra dificuldade no cumprimento da efetivação desse ensino nas escolas públicas e privadas do Brasil (SASSO; MEDROA, 2018). Essa dificuldade, por vezes, dá-se pela falta de fiscalização por parte do Estado para que haja a efetivação da lei.

Outro ponto fundamental é o não investimento na formação dos docentes para que atuem na descolonização das instituições de ensino e os conhecimentos eurocêntricos continuam sendo apresentados nas escolas brasileiras como um conhecimento universal. Nessa perspectiva, Almeida (2018) explana que, se o racismo ainda existe, é porque a educação permanece sendo colonizada.

As lutas dos movimentos negros para a inserção de pautas voltadas para aspectos étnico-raciais no centro das decisões do Estado não vêm de hoje, pois, assim como houve pressões no período colonial por parte dos negros abolicionistas que lutavam pela liberdade de seu povo escravizado, atualmente, essa ação ainda ocorre por parte dos movimentos de negros/as do Brasil, a fim de que a população negra seja verdadeiramente libertada. Para Davis (2016), a educação é um ato emancipatório para a população negra, e lutar pela efetivação da implementação da Lei 10.639/2003 nas instituições de ensino é um ato de libertação da mente e dos corpos pretos que seguem sendo inferiorizados na sociedade.

No tocante às lutas antirracistas, estas também seguem materializadas na Lei 12.711/2012, que prevê 50% das vagas para estudantes de escolas públicas, pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência. Entretanto, a inserção dos corpos negros nas instituições de ensino não tem barrado ou atenuado as violências raciais, pelo contrário, os centros acadêmicos ainda são

[...] um espaço branco onde o privilégio de fala tem sido negado para pessoas negras. Historicamente, esse é um espaço onde temos estado sem voz e onde acadêmicas/os brancos têm desenvolvido discursos teóricos que formalmente nos construíram como a/o ‘Outras/os’ inferior, colocando africanas/os em subordinação absoluta ao sujeito branco (KILOMBA, 2012, p. 50).

Assim, romper com o status hegemônico, que ao longo do tempo tem construído conhecimentos universais e sub-representado a população negra, faz parte da luta antirracista contra o epistemicídio negro dentro desses espaços de conhecimento científico, especialmente no ambiente universitário. Essa luta se faz necessária por materializar “[...] as estratégias de inferiorização intelectual do negro ou sua anulação enquanto sujeito de conhecimento, ou seja, formas de sequestro, rebaixamento ou assassinato da razão” (CARNEIRO, 2005, p. 10).

Assim, inserir negros/as nas universidades obriga que o Estado Democrático brasileiro assuma a responsabilidade de restituir e reconhecer que a população negra faz parte de um todo e, consequentemente, precisa estar presente em todos os espaços, principalmente nos educacionais. Ignorar esse direito é negar o que a própria Constituição brasileira garante: educação como direito de todos e, para garanti-lo, é preciso assegurar a inserção de pessoas negras em todos os espaços educativos.

Atualmente, as discussões étnico-raciais têm ganhado maior visibilidade em virtude da expansão das redes sociais/virtuais que possibilitam um maior acesso às informações. Essa adesão tem sido percebida, também, nas práticas educativas de docentes que têm feito de suas redes sociais um espaço de divulgação e discussões de saberes e práticas. Nesse sentido, na Figura 1 será apresentada e analisada a postagem de uma professora a respeito da inserção negra na universidade.

Fonte: Facebook.

Figura 1 Inserção na Universidade 

A publicação foi feita pela professora I, no dia 17 de maio de 2019, no Facebook. Ela não fez comentário algum em formato de texto. No entanto, apesar de não ser possível afirmar que essa publicação passou por um processo intencional de curadoria, pois “a curadoria tem o papel seletivo de filtrar fontes e de selecionar informações fidedignas que possuam verdadeiro escopo de informação e que possua credibilidade quanto ao seu conteúdo e fontes” (STAREPRAVO, 2019, p. 8), é possível identificar a representatividade da imagem. Diante da perspectiva da percepção da imagem/texto pelo viés do pensamento crítico, faz-se a análise dessa postagem, a partir das:

Primeiras impressões: a imagem está em preto e branco, em primeiro plano há um rapaz negro segurando um cartaz escrito à mão e ao redor há muitas pessoas, configurando-se como o registro de um protesto.

Descrevendo: chama a atenção a intencionalidade do registro por ter sido dada ênfase à imagem de um homem negro, ao centro, erguendo um cartaz cuja mensagem informa ser ele o primeiro da família a entrar em uma universidade, alertando que seguirá lutando para que mais familiares deem continuidade a essa conquista, sendo ele do curso de História, pois na parte inferior do cartaz está escrito “#HISTÓRIA UFF”.

Analisando: a imagem possibilita reflexões a respeito das dificuldades que ainda são enfrentadas por pessoas negras na sociedade brasileira. Ao alertar para a necessidade de continuar lutando para que outros iguais a ele possam também ter acesso à universidade, é demonstrado que, apesar da existência de ações afirmativas no Brasil, ainda há resistências dentro do sistema brasileiro que continua impedindo a população não branca de se inserir nesses espaços acadêmicos.

Desenvolvendo a consciência crítica: o racismo enraizado nas estruturas do sistema brasileiro naturaliza a não presença de pessoas negras nas universidades, mesmo sendo 56% da população autodeclarada negra ou parda no Brasil (IBGE, 2019), a partir do discurso construído pela branquitude que determina quem terá a validação do status econômico, social e intelectual na população brasileira, ou seja, somente os que fazem parte da hegemonia já preestabelecida, sendo configurados dentro de uma cis-heteronormatividade branca e rica.

Fundamentando: o racismo presente na sociedade se manifesta de diversas formas e uma das principais violências derivadas dele é o silenciamento das histórias, das origens, da valorização da cultura e as exclusões dos espaços de poder, pois, mesmo se constatando o crescimento do número de negros se inserindo nas universidades, ainda há uma problemática relativa ao esvaziamento e distorções dos conhecimentos históricos que não são contados de maneira positiva, evidenciando a não valorização deles, visto que:

Chegou-se a negar que o continente africano tinha uma história antes das invasões coloniais. Evidentemente, o tráfico negreiro e em consequência a escravidão e depois a ocupação colonial foram acontecimentos de grande envergadura que mudaram a história original da África, mas isto não quer dizer que essa história não existiu antes ou começou a existir apenas a partir do tráfico ou a partir da Conferência de Berlim. Como a história de todos os povos, a da África tem passado, presente e continuidade. Mais do que isso: sendo a África o berço da humanidade, é a partir dela que a história da humanidade começa e nela se desenvolveram as grandes civilizações que marcaram a história da humanidade, como a civilização egípcia (MUNANGA, 2015, p. 25).

Logo, a urgência da descolonização de narrativas históricas nas instituições de ensino se faz necessária em razão das ausências das pluralidades de sujeitos que contem suas histórias pela perspectiva não eurocêntrica, ou seja, que narrem os caminhos que foram ocultados e as lutas da população negra que foram silenciadas. É preciso se pautar por histórias que possam trazer representatividade, mas também que insiram os negros em contextos de lutas e vitórias e não somente da escravização, porquanto a população negra não se originou no período de escravização. Todavia, Munanga (2015, p. 25) também elucida que:

O Brasil, um país que nasceu justamente do encontro de culturas e civilizações, não pode se ausentar desse debate. O melhor caminho, a meu ver, é aquele que acompanha a dinâmica da sociedade através das reivindicações de suas comunidades e não aquele que se refugia numa abordagem superada da mistura racial que, por dezenas de anos, congelou o debate sobre a diversidade cultural e racial no Brasil - vista apenas como uma monocultura e uma identidade mestiça.

O discurso da democracia racial brasileira trouxe consequências graves para o Brasil, uma vez que uma de suas bases parte de preceitos eugenistas pós-abolição, pautados pelo embranquecimento forçado da população que se deu a partir, inclusive, do estupro de mulheres indígenas, africanas e afrodescendentes. Entretanto, essas questões não foram e não são discutidas dentro das relações sociais e institucionais. Nessa perspectiva, o processo eugenista não somente feriu corpos não hegemônicos, mas também construiu pensamentos de naturalização das violências raciais, por exemplo, as sutilezas do racismo que se assegura na crença de que é natural pessoas não brancas estarem em situações de subordinação ou inferioridade.

Conectando: falar sobre questões étnico-raciais, sobretudo as violências que a população negra enfrenta diariamente, é também reconhecer que existem histórias que são silenciadas até os dias atuais, e evidenciar que é preciso mover o discurso da margem para o centro, mesmo causando um desconforto na branquitude, que tem se recusado, constantemente, a reconhecer essa necessidade. Evaristo (2007, p. 21) relata que “a nossa escrevivência não pode ser lida como histórias para ‘ninar os da casa grande’, e sim para incomodá-los em seus sonos injustos”.

A partir desses aspectos, entende-se a importância de conhecer a história do continente africano como premissa de memória das origens dos afro-brasileiros e sua construção identitária de Brasil. Nesse sentido, alerta-se para o perigo de uma história única. Conforme afirma Adichie (2019), as histórias que trazem apenas uma visão ocidental acabam anulando todo e qualquer tipo de visão não eurocêntrica, prevalecendo apenas as vozes dominantes no mundo. Portanto, é válida a aplicabilidade de ações afirmativas que visem a importância de uma reparação histórica das vidas e culturas, inserindo novas leituras sobre o que foi o continente africano e o que representa um corpo preto em diáspora. Munanga (2001, p. 41) também corrobora que:

Os que condenam as políticas de ação afirmativa ou as cotas favorecendo a integração dos afrodescendentes utilizam de modo especulativo argumentos que pregam o status quo, ao silenciar as estatísticas que comprovam a exclusão social do negro. Querem remeter a solução do problema a um futuro longínquo, imaginando-se sem dúvida que medidas macroeconômicas poderiam miraculosamente reduzir a pobreza e a exclusão social.

Expressando: as ações afirmativas demonstram novas possibilidades de aprendizados, possibilitando que a sociedade vivencie histórias plurais, a partir de narrativas positivas, do resgate histórico, da valorização e reposicionamento da população negra na sociedade. As “ações afirmativas têm sido praticadas para atender a diferentes segmentos da população que, por questões históricas, culturais ou de racismo e discriminação foram prejudicados em sua inserção social e participação igualitária no desenvolvimento desses países” (CARNEIRO, 2011, p. 23).

Com efeito, pensar em leis de ações afirmativas que viabilizem e possibilitem novas formas de olhar a história formativa do continente africano no Brasil perpassa também pelo resgate das memórias afetivas deixadas pela ancestralidade e que são reproduzidas nas lutas e reverenciadas nas culturas, nos dialetos e na vivência brasileira.

Em face dos aspectos aqui mencionados, no tópico a seguir será explicitada a divulgação de livros da literatura negra infantil, ressaltando-se a importância de ter livros que tragam representatividade para crianças negras a partir da leitura e imagens, além de discutir a valorização de autores negros como forma de combate ao epistemicídio desses sujeitos.

2.1 Africanizar: narrativas que trazem representatividades através da leitura

[...] como eu só tinha lido livros nos quais os personagens eram estrangeiros, tinha ficado convencida de que livros, por sua própria natureza, precisavam ter estrangeiros e ser sobre coisas com as quais eu não podia me identificar. Mas tudo mudou quando eu descobri os livros africanos (ADICHIE, 2019, p. 13).

Adichie (2019) ressalta as projeções impostas de maneira negativa ou positiva à nossa formação, principalmente na literatura, visto que os livros também narram e exaltam histórias de um povo. Nesse sentido, de acordo com essa autora, encontra-se o perigo da história única que nos faz aprender e enxergar somente uma forma de conhecimento, deixando na invisibilidade as demais vozes, promovendo o apagamento das histórias e seus autores, tornando, assim, o conhecimento eurocêntrico como fonte universal.

Nessa perspectiva, existe um epistemicídio que traz a negação intelectual e cultural do negro, pois é “uma forma de sequestro da razão em duplo sentido: pela negação da racionalidade do Outro ou pela assimilação cultural que em outros casos lhe é imposta” (CARNEIRO, 2005, p. 97). Logo, o epistemicídio anula e fere a intelectualidade e também o aprendizado cultural. Assim o epistemicídio é:

Para além da anulação e desqualificação do conhecimento dos povos subjugados, um processo persistente de produção da indigência cultural: pela negação ao acesso à educação, sobretudo de qualidade; pela produção da inferiorização intelectual; pelos diferentes mecanismos de deslegitimação do negro como portador e produtor de conhecimento e de rebaixamento da capacidade cognitiva pela carência material e/ou pelo comprometimento da autoestima pelos processos de discriminação correntes no processo educativo. [...] por isso o epistemicídio fere de morte a racionalidade do subjugado ou a sequestra, mutila a capacidade de aprender (CARNEIRO, 2005, p. 97).

Assim, compreender o funcionamento do epistemicídio existente na produção intelectual negra é entender que este se dá pelo apagamento das histórias e invisibilidade de seus autores. Em suma, africanizar narrativas históricas é dar a oportunidade de conhecer o outro lado do continente africano e seus 54 países, tecendo novas possibilidades de reeducar os olhares para o contexto não ocidental e, assim, trazer uma nova leitura para a construção de Brasil, além de fomentar a visibilidade dos/as autores/as negros/as e suas escrevivências.

Partindo desse aspecto, a Lei de Ação Afirmativa 10.639/2003 se utiliza dos estudos da história e cultura africana para uma educação antirracista no Brasil, promovendo discursos não colonizados que tragam as origens e a continuidade dos africanos e afro-brasileiros nos dias atuais. Essa lei “trata-se de um marco na educação brasileira, porque introduz uma forma de valorizar a participação dos afro-brasileiros na história do país e de resgatar os valores culturais africanos” (CARNEIRO, 2011, p. 23).

Ressalta-se que a seriedade e a necessidade do incentivo de leituras africanas e afro-brasileiras escritas por autores/as negros/as contribuem significativamente para o não epistemicídio desses sujeitos. Tem sido cada vez mais comum notar docentes que lutam pela causa antirracista e que têm feito a propagação de livros da literatura negra nas redes sociais, como o Facebook, como demonstrado na Figura 2:

Fonte: Facebook.

Figura 2 Literatura negra 

Observa-se que a publicação feita pela professora II, no dia 27 de dezembro de 2018, foi selecionada e descrita pela professora como um “projeto interessante” e, em seguida, solicita aos seguidores para “compartilhar”, demonstrando sinais de que houve, por parte da docente, um cuidado na seleção do conteúdo antes de ser divulgado, o que se assemelha com as ações de um curador, da curadoria das informações. Nesse sentido, “a informação veiculada publicamente pelo professor leva como fulcro a credibilidade daquele que a tornou pública. É como se aquela informação tivesse sua credibilidade vinculada ao seu propagador, no caso, a autoridade máxima em sala de aula, o professor” (STAREPRAVO, 2019, p. 9).

A imagem em questão também será analisada pela perspectiva do quadro “Sistematizando a percepção da imagem/texto pelo viés do pensamento crítico”, pois demonstra a postura da docente diante da importância de dar a conhecer literatura infantil com meninas negras.

Primeiras impressões: a postagem apresenta o desenho de uma menina negra usando um turbante amarelo. O adereço traz a referência àqueles utilizados por negras africanas, ressaltando a beleza negra.

Descrevendo: a imagem apresenta mais dois personagens que se encontram no ombro da menina, do lado direito, e no antebraço esquerdo, dando a impressão de que ela trava diálogo com eles. A partir disso, é possível fazer alusão a personagens literários, sendo esse fato comprovado a partir do texto “100 livros infantis com meninas negras”, fazendo-se referência ao blog “Gente Preta”. A docente autora da postagem chama a atenção para o projeto dizendo que é interessante, convidando aos que têm acesso à sua postagem a compartilhar a informação, recebendo 196 curtidas, 19 comentários e 489 compartilhamentos, demonstrando que o chamado foi atendido.

Analisando: a atitude da docente em compartilhar a publicação reforça a necessidade de disseminar a literatura voltada para a identidade da menina negra a fim de que ela se reconheça nos traços físicos e na criação de personagens que reflitam sua origem, história, força e representação. Ao incentivar a leitura desse tipo de literatura, colabora-se para o fortalecimento de uma educação antirracista no Brasil.

Desenvolvendo a consciência crítica: ao selecionar, reunir literatura infantil e disseminar essa ideia para a sociedade, é propiciada a oportunidade de construir reflexões a partir da leitura. Não somente docentes, mas a família, ao oferecer a uma criança negra um livro, favorece o aprendizado de uma série de habilidades necessárias a qualquer indivíduo, mas legitima o negro como portador, produtor e veiculador de conhecimento, fortalecendo sua autoestima, ampliando, inclusive, as oportunidades de aprendizagem que vão além da letra, como cultural, que poderão definir escolhas que levarão as crianças negras a ampliar a percepção sobre as pessoas e sobre o mundo.

Fundamentando: a existência de uma literatura negra, principalmente infantil, permite que a criança tenha a identificação de histórias que trazem semelhanças com sua vida, além de fomentar a representatividade a partir das imagens que refletem seus fenótipos, como a cor da pele, traços do rosto e textura do cabelo. Quando as crianças não se veem nas histórias e quando essas histórias não trazem diversidades em suas narrativas, suas representatividades são negadas e, a partir disso, passa-se a estar submerso na história única. Adichie (2019, p. 22-23) afirma que não tem como falar sobre história única sem fazer relação com poder, elucidando que

Existe uma palavra em igbo na qual sempre penso quando considero as estruturas de poder no mundo: nkali. É um substantivo que, em tradução livre, quer dizer ‘ser maior do que o outro’. Assim como o mundo econômico e político, as histórias também são definidas pelo princípio de Nkali, como elas são contadas, quem as conta, quando são contadas e quantas são contadas depende muito de poder. O poder é habilidade não apenas de contar a história de outra pessoa, mas de fazer que ela seja sua história definitiva.

Trazer a representatividade da identidade negra na literatura é também desconstruir narrativas impostas ao longo do tempo aos corpos negros, suas vivências e culturas. É dar autonomia das existências e resistências da população negra, quebrando, principalmente, os estigmas de inferiorização desses povos. Gomes (2003, p. 171) ressalta que, “quando pensamos em uma articulação entre educação, cultura e identidade negra, falamos de processos densos, movediços e plurais, construídos pelos sujeitos sociais no decorrer da história, das relações sociais e culturais”.

Conectando: o impacto causado em crianças negras ao se verem representadas em livros se reflete no futuro por meio de suas memórias que também constroem histórias e ensinamentos para outras gerações. A leitura tem a capacidade de modificar a forma de enxergar e entender a realidade. Por essa razão, a urgência da descolonização busca romper com as violências causadas durante séculos à população negra, que foi marginalizada na sociedade, possibilitando releituras de um povo e formações para esta e as novas gerações.

A necessidade de descolonizar mentes, corpos e as instituições perpassa também pela formação, preparação e participação dos professores dentro e fora da sala de aula para atuar em uma educação antirracista, assim como na construção da identidade negra. O espaço escolar é um ambiente de construção, envolvimentos, interações e preconceitos, pois “o olhar lançado sobre o negro e sua cultura, na escola, tanto pode valorizar identidades e diferenças quanto pode estigmatizá-las, discriminá-las, segregá-las e até mesmo negá-las” (GOMES, 2003, p. 172).

Expressando: a inserção de leituras que tragam representatividades positivas para crianças de qualquer cor e classe social perpassa pelo ato da descolonização e valorização da identidade negra desde os primeiros contatos delas com a literatura infantil. Inserir esses livros no ambiente escolar e familiar possibilita que a visão negativa a respeito da população negra seja desconstruída a partir da valorização de suas origens, culturas e identidades.

Nesse sentido, a relevância da curadoria dos conhecimentos e informações étnico-raciais por parte dos docentes em suas redes de sociais virtuais, como o Facebook, promove uma maior acessibilidade ao conteúdo, assim como também gera discussões e reflexões a partir daquilo que está sendo publicado, visto que um dos benefícios gerados nessas plataformas de comunicação é o poder de incutir e convencer aqueles que têm acesso à informação postada.

Salienta-se também a relevância da apresentação de conteúdos étnico-raciais não somente na sala de aula, mas também nesses espaços tecnológicos, criando estratégias de alcance e envolvimento com o público. Em suma, o professor, ao publicar, deve se atentar para o fato de que o conteúdo postado “[...] deve ser acessível em termos de inteligibilidade a todos os alunos que tenham acesso e, mais ainda, aos leitores que não sejam alunos, pois esse conteúdo pode ser compartilhado e o acesso ampliado a outras pessoas que não tenham acesso à aula daquele docente” (STAREPRAVO, 2019, p. 16).

Compreende-se que a curadoria desses saberes por eles publicados em suas redes sociais pode trazer uma responsabilidade sobre a mensagem que estão passando para seus seguidores, evitando a propagação das falsas notícias, o que requer deles a verificação das fontes e suas informações. A adesão do professor às questões étnico-raciais como fio condutor que pode estimular e fornecer possibilidades de outras visões de histórias não ocidentais é fundamental, principalmente quando esses saberes são disponibilizados em plataformas virtuais de fácil acesso, como o Facebook.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No Facebook, o ato de publicar ou compartilhar alguma informação não necessariamente significa que passou por uma curadoria, pois pode ter sido apenas compartilhada, repostada a imagem ou o texto sem o cuidado necessário para com a informação do conteúdo postado. Todavia, deseja-se aqui, neste texto, assinalar sobre o perigo de difundir informações quando elas não passam por uma seleção cuidadosa, visto que a seleção do conteúdo evita que haja a circulação das Fake News.

Ademais, a discussão aqui apresentada elucidou questões que têm ligação direta com o racismo em nosso sistema educacional, ou seja, esse mesmo racismo que está imbricado nas estruturas do Brasil pode ser entendido também como o racismo epistêmico que, ao longo do tempo, vem provocando exclusões de pessoas negras e o apagamento intelectual e cultural desses povos.

Foi destacado que a população negra tem resistido a esse sistema que foi pensado e formulado para e por pessoas brancas, dentro de um segmento fundamentalista do eurocentrismo, que exclui e fere todos os demais que não fazem parte da casta branca do Brasil. Por isso, entender o corpo negro como um ato político é também resgatar memórias ancestrais e valores que atuam nas lutas atuais de sobrevivências, dando visibilidade para as narrativas históricas e demonstrando que existem outras possibilidades de enxergar e obter conhecimento.

Contudo, reitera-se a importância da existência de leis de ações afirmativas atuando como um dispositivo legal na quebra da hegemonia de corpos e do conhecimento universal imposto à sociedade. Foi ressaltada também a relevância do papel do professor na perspectiva de agir como curador nas redes sociais, a exemplo do Facebook, possibilitando a veiculação de informações verídicas relacionadas à temática racial. Entende-se que a curadoria da informação nas redes sociais é essencial, principalmente quando publicada por docentes dentro do contexto da educação, inclusive a educação étnico-racial, proporcionando uma maior acessibilidade dessas fontes, além de dar visibilidade para as histórias e autores negros. Portanto, espera-se que este texto possa se juntar a muitas outras pesquisas que vêm sendo desenvolvidas por pesquisadores que se empenham em construir narrativas descolonizadas a respeito da temática étnico-racial no Brasil.

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Recebido: 13 de Junho de 2020; Aceito: 03 de Janeiro de 2022

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