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Revista e-Curriculum

On-line version ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.20 no.3 São Paulo July/Sept 2022  Epub Jan 02, 2023

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2022v20i3p1160-1188 

Artigos

Para além de mim há o horizonte do outro:experiências éticas com crianças pequenas

Beyond me there is the horizon of the other:ethical experiences with young children

Más allá de mí está el horizonte del otro:experiencias éticas con niños pequeños

Nilda da Silva PEREIRAi 
http://orcid.org/0000-0001-6178-7845

Arnor da Silva RIBEIROii 
http://orcid.org/0000-0002-1057-613X

i Doutora e mestra em Educação: Currículo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pós-doutora em Sociologia Política pela Universidade Vila Velha (UVV-ES), professora do Mestrado Profissional em Ciência, Tecnologia e Educação do Centro Universitário Vale do Cricaré (UNIVC-ES). E-mail: nildasip@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0001-6178-7845.

ii Mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em História Regional pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), licenciado em História pela UFMS e jornalista. E-mail: arnorsir@alumni.usp.br - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-1057-613X.


Resumo

O artigo versa sobre filosofia na educação infantil a partir da Ética da Libertação, analisando vivências éticas com crianças de 2-6 anos na escola. O estudo faz referência à pesquisa de Mestrado que objetivou observar metodologias de educadoras na sala de aula. Destaca os anseios, vitórias e dificuldades da proposta. Aponta, entre suas possibilidades, o desenvolvimento crítico apresentado pelas crianças sobre o cuidado com o ‘Outro’. A abordagem foi qualitativo-participante e problematizou o motivo de as docentes ensinarem ética, os conteúdos ministrados, a concepção de ensino, a metodologia usada e os conflitos encontrados. A dissertação e o artigo fundamentam-se em Paulo Freire e Enrique Dussel. Uma das conclusões do estudo é que a maioria das dificuldades no ensino de ética com crianças ocorre por falta de fundamentação teórica, assinalando que a formação em filosofia é necessária.

Palavras-chave: infância; filosofia; Ética da Libertação.

Abstract

The article deals with philosophy in early childhood education from Liberation Ethics. It analyzes ethical experiences with children aged 2-6 years at school. The study refers to the Master's Degree research that aimed to observe teachers’ methodologies in the classroom. It highlights the longings, successes and difficulties of the proposal. Among its possibilities, it points out the critical development presented by children about the care with the ‘Other’. The approach was qualitative-participative. It problematized the reason for teaching ethics, classes, teaching conception, methodology and conceptual conflicts. The dissertation and the article have as theoretical references Paulo Freire and Enrique Dussel. As a result, the study shows that one of the obstacles in teaching ethics to children is due to a lack of theoretical foundation, showing that training in philosophy is necessary.

Keywords: childhood; philosophy; Ethics of Liberation.

Resumen

El artículo aborda la filosofía en la educación infantil desde la Ética de la Liberación, analizando vivencias éticas con niños de 2 a 6 años en la escuela. El estudio hace referencia a la investigación de Máster que objetivó observar las metodologías de las educadoras en el aula. Destaca deseos, éxitos y dificultades de la propuesta. Entre sus posibilidades, señala el desarrollo crítico que la niñez presenta acerca del 'Otro'. El enfoque fue cualitativo y participativo, problematizando la razón por la cual se enseña ética, contenidos impartidos, concepto de enseñanza, metodología empleada y los conflictos. La disertación y el artículo están basados en Paulo Freire y Enrique Dussel. Una de las conclusiones del estudio es que la mayoría de las dificultades en la enseñanza de ética con niños surge debido a la falta de teoría, indicando necesidad de formación en filosofía.

Palabras clave: infancia; filosofía; Ética de la Liberación.

1 INTRODUÇÃO

Todo ser humano é sujeito histórico-social porque é a partir das nossas ações e da vida concreta em sociedade que construímos a história. Enquanto cidadãos/ãs, somos participantes das composições morais, culturais, sociais e políticas dentro da coletividade. As crianças não se ausentam disso: do mesmo modo que elas são capazes de aprender a ler, a escrever e a contar, podem, também, compreender sobre os processos socio-histórico-culturais em que estão inseridas, atentando às novas produções no contexto escolar. A criança, além de se indignar, exerce seu poder de fala, colabora ativamente das produções cognoscentes e éticas importantes na estruturação do compromisso para com o próximo. Em meio a essas intervenções, a criança desenvolve a sua própria autonomia infantil e estabelece condições de renovação social.

O conhecimento sociopolítico se delibera por meio de visão reconstruída e fecunda

[...] de cidadania, expressa na inclusão e participação na sociedade de todos os seus membros, independentemente da condição social, do género, da etnia ou da geração, com salvaguarda do triplo princípio: assunção coletiva de uma ética de respeito pela diferença individual e social; proteção adequada à inclusão social; participação social, entendida como direito ao exercício de uma ação influente (SARMENTO, 2012, p. 2).

Quando a criança participa dentro de espaços verdadeiramente democráticos, ela, mediada pelos/as educadores/as, constrói sua “[...] autoconfiança e autodeterminação numa fase da vida de desenvolvimento, de experimentações, e de construção da identidade pessoal e social. E, sem dúvida, o protagonismo desses sujeitos fortalece a democracia na nossa sociedade” (BRAZ, 2017, p. 20, grifos da autora).

O exercício da participação sociopolítica tem sentido educativo dentro da escola básica. Com ele, as crianças e os/as adultos/as envolvidos/as aprendem a exercitar, de fato, a democracia.

A melhor forma de se aprender a participar da vida social e política é através da experiência e atuação de crianças e adolescentes nos espaços decisórios, e consequentemente, pela participação, tornam-se sujeitos de direitos! E olha que importante: a prática participativa rompe com a cultura política tradicional (de apatia), influencia a construção e a educação de uma nova cultura (para a transformação social), e também estimula crianças e adolescentes a conquistarem a sua condição de sujeito de direitos (BRAZ, 2017, p. 20).

Como ação curricular, essa medida favorece que a criança tenha posturas críticas e reflexivas, necessárias à transformação da realidade social pouco democrática, como a da sociedade brasileira. Um currículo democrático cria saberes e consente transformações dos conhecimentos teóricos em boas práticas que conduzam à cidadania.

O currículo não é o veículo de algo a ser transmitido e passivamente absorvido, mas o terreno em que ativamente se criará e produzirá cultura. O currículo é, assim, um terreno de produção e de política cultural, no qual os materiais existentes funcionam como matéria-prima de criação, recriação e, sobretudo, de contestação e transgressão (MOREIRA; SILVA, 2002, p. 28).

A organização educacional realmente crítica estabelece a ação-reflexão-ação em seus procedimentos pedagógicos. A práxis em Freire é reflexão e ação humana “das vítimas sobre o mundo para transformá-lo” (PEREIRA, 2012, p. 214). No processo pedagógico, a práxis pensa a prática comum, elaborando renovada ação consciente, transformadora. Nos “[...] manuscritos de Pedagogia do oprimido [...], (concluídos) em Santiago do Chile, na primavera de 1968” (ROMÃO; GADOTTI, 2018, p. 6), o educador admite “[...] que a praxis constitui a razão nova da consciência oprimida e que a revolução, que inaugura o momento histórico desta razão, não possa encontrar viabilidade fora dos níveis da consciência oprimida” (FREIRE, 1968, p. 36)1. A partir dessa práxis, o saber e o fazer são refletidos com criticidade, provocando novos saberes e fazeres reconstruídos, importantes nos desempenhos pedagógicos transformadores.

Na ação-reflexão-ação, o conhecimento “[...] realimenta criticamente o fazer, cujo resultado incide novamente sobre o saber e, assim, ambos se refazem continuamente” (KRONBAUER, 2010, p. 23). O fazer pedagógico é objeto de análise crítica, promove o movimento pelo qual o pensamento e a ação tornam-se objetos do próprio pensamento. “A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer” (FREIRE, 2005, p. 38). O filósofo e educador Paulo Freire descreve a reflexão como caminho de reelaboração de nossos conceitos e atuações cotidianas a partir de referenciais da prática.

A produção curricular deve contestar as situações-limite vivenciadas pelas pessoas dentro da sociedade. A exclusão de seres humanos dos processos cultural, sociopolítico e econômico se caracteriza como conjuntura-limite porque fragiliza e rompe os laços sociais das pessoas. O estado de condenação social não pode ser considerado natural pelas crianças (PEREIRA, 2006). Dessa forma, a preocupação com o ‘Outro’2 enquanto sujeito ético pode fazer parte do trabalho na educação infantil. Essa é uma construção máxima do bem. Afirmando contrariedade em relação à educação passiva direcionada à/ao educanda/o, a Ética da Libertação reforça o sentido de se autoeducar como ato de aprendizagem social e de conscientização. “A posição de Paulo Freire é radicalmente distinta, pois ele descobriu que é impossível a educação sem que o educando se eduque a si mesmo no próprio processo da sua libertação [...]” (DUSSEL, 2000, p. 435, grifo do autor). As crianças da educação infantil não vivem em um mundo à parte. Por isso nós, educadoras e educadores, necessitamos debater com as crianças sobre as questões relacionadas à ética.

Os adultos dizem continuamente às crianças que devem se comportar bem, mas nunca discutem com elas o que é o bem; pedem-lhes que digam a verdade, mas nunca falam com elas acerca do que é verdade. E não só não discutem com as crianças, como também não concebem espaços para que elas conversem a respeito entre si ou pesquisem por si mesmas (SANTIAGO, 1999, p. 31, grifo do autor).

As escolas de educação infantil são ambientes em que podemos construir vivências éticas. Essas instituições podem proporcionar às crianças os desenvolvimentos pessoal, social e da autonomia, juntamente com o conhecimento do mundo e a ampliação do universo cultural (PEREIRA, 2006, 2012).

Cidadãs e cidadãos da Ética da Libertação lutam pelo cumprimento da ‘vida boa’, da felicidade de cada sujeito. Nesse empenho, “toda norma, ação, microestrutura, instituição ou eticidade cultural têm sempre e necessariamente como conteúdo último algum momento da produção, reprodução e desenvolvimento da vida humana em concreto” (DUSSEL, 2000, p. 93, grifos do autor).

Define-se a ética crítica como princípio universal que se contrapõe a qualquer transmissão de normas prontas e doutrinárias apoiada nas tradições nacionais e submissão às leis opressoras. É uma prática contrária ao ensino por meio do qual os valores são versados como relativos, em que qualquer ação imaginada se aplica. “Pressupor que cada um possa ensinar noções de bem e de mal a partir de suas próprias experiências pessoais traz uma dificuldade paralisante: como ensinar as noções de bem e de mal considerando que estas noções são contaminadas pelas experiências pessoais?” (SILVA, 2004, p. 55). Ao contrário, propõe-se a condução de uma ética que negue intervenção educacional que não favoreça a criticidade.

Em estudo de Mestrado concluído em 2006 sob orientação do professor Mario Sergio Cortella, no Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a professora Nilda da Silva Pereira desenvolveu estudo em sete turmas de crianças com 2-6 anos de idade em um centro de educação infantil (CEI) público no Estado de Mato Grosso do Sul que trabalhava com o ensino de ética. O estudo resultou na dissertação “A ética enquanto práxis na educação da infância: um ensino em questão”.

Além dos referenciais teórico-filosóficos de Paulo Freire e Enrique Dussel, as análises e descrições deste artigo baseiam-se nesse estudo de Pereira (2006) que mostra o contexto das docentes do CEI no ensino de ética, os pressupostos teóricos que orientavam essas educadoras, a abordagem adotada e os problemas encontrados no desenvolvimento das aulas. Centradas em um estudo de caso, as investigações tiveram abordagem qualitativa com observação direta participante. Para tanto, delimitamos alguns questionamentos formulados no estudo original que compreendemos ser importantes, conforme relacionamos abaixo:

  • por que se ensina ética no CEI?;

  • o que é o ensinar ética para o grupo?;

  • como está estruturado o ensino de ética no CEI? - os conteúdos relacionados à ética estão inclusos numa proposta sistematizada?;

  • como se dá na prática o ensino de ética?; e

  • quais são as dificuldades enfrentadas e as tentativas para solucionar os problemas? (PEREIRA, 2006, p. 14).

Relacionamos as possibilidades de explicação para as questões hipotéticas que poderiam ou não ser comprovadas por meio da ação investigativa. “A hipótese desempenha, efetivamente, no processo da pesquisa, um papel de articulação entre as operações que presidem a sua constituição enquanto solução possível antecipada e as que daí resultam, servindo para verificar o fundamento dessa solução antecipada” (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 83). Reproduzimos as seguintes suposições da pesquisa feita na década de 2000:

  • a escola aborda valores numa perspectiva moralista;

  • as professoras trabalham valores morais isolados de um projeto mais amplo sobre ética;

  • o ensino de ética segue a perspectiva dos Parâmetros Curriculares Nacionais ( PCNs );

  • a maioria das dificuldades enfrentadas no ensino de ética se dá devido à falta de fundamentação teórica (PEREIRA, 2006, p. 14-15).

Optou-se por trabalhar com o educador Paulo Freire, que formulou pedagogia demarcada pela resistência à opressão no Brasil e no mundo. O educador constitui arcabouços teórico e prático a favor da libertação das pessoas que se encontram, desde a infância, oprimidas e excluídas pelas intenções coloniais impostas a vários povos.

O princípio freiriano implica práxis autêntica que crie tensão em relação a valores estabelecidos. Freire apoia-se na reflexão e ação, o empenho na transformação e na superação da sociedade opressora. O estudo explorou, principalmente, as obras Pedagogia do oprimido (1968) e “Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa” (2005) do autor.

Outro teórico-referência na pesquisa que deu origem à dissertação foi o filósofo Enrique Dussel. A filosofia dusseliana considera que a ética nasce no momento em que surge a vida humana, o ser comunitário, a pessoa, porque a ética se manifesta na vida. O princípio obrigatório da ética projeta a produção, a reprodução e o desenvolvimento do ser concreto de cada sujeito ético em comunidade. Neste artigo, produções de Dussel e Freire nos respaldaram nos aspectos teóricos voltados a princípios filosóficos e educacionais, enquanto formulações de Sonia Kramer (2006), Moysés Kuhlmann Jr. (2000) e Fúlvia Rosemberg (2021) nos ajudaram a pensar a realidade brasileira da educação infantil, que ainda carece de atenção quanto à política de acesso, organicidade pedagógica, respeito à diversidade cultural da qual a criança faz parte.

Pesquisadores como Gustavo Santiago (1999) e Walter Kohan (2013) nos auxiliaram com os debates específicos do ensino de filosofia para crianças. A educação filosófica na infância deve ser com arte, ludicidade e empenho, levantando dúvidas, cuidado, alegria, afeto, escrita, leitura, conceituação, sempre em diálogo com as coisas vivenciais. O pensar juntos e o discutir coletivamente sobre as condições reais de existência das crianças e as representações produzidas são fundamentais no ensino de filosofia.

Os trabalhos pedagógicos com filosofia e temas correlatos percorreram e percorrem vários caminhos no sistema educacional. Em relação ao ensino brasileiro, as vias mais comuns fortalecem, de forma autoritária, a obediência às tradições nacionais, amor incondicional à pátria, estímulos religiosos ao cristianismo, deveres acríticos das pessoas em sociedade, lealdade ao trabalho determinada pelo capitalismo. Os conteúdos de intervenções filosóficas lecionados às crianças pouco possibilitam seus sensos críticos.

Por muito tempo, o ensino de cunho moral relacionado à política, à cultura, à sociedade, a deveres e à economia, difusor de princípios religiosos da cristandade no Brasil, obedeceu aos princípios que impuseram a Educação Moral e Cívica (EMC) e os Estudos de Problemas Brasileiros, além do “[...] curso curricular de Organização Social e Política Brasileira” (BRASIL, 1969, n.p.), conforme determinado pelo extinto Decreto-Lei n. 869, de 12 de setembro de 1969 (BRASIL), da ditadura civil-militar.

A criação e a obrigatoriedade de tais disciplinas tiveram o visível objetivo de reconhecimento e manutenção do modelo social vigente na época, visando reforçar nos indivíduos, desde a primeira idade, ideias nacionalistas, segregarias e um tanto preconceituosas, sob a falsa premissa de que seriam necessárias para o alcance da ordem e do progresso. Dessa maneira, a Educação Moral e Cívica, e suas co-irmãs, se converteram em disciplinas doutrinárias nas quais eram ensinados valores e modelos pré-definidos por um determinado grupo e que deveriam ser seguidos e repetidos como dogmas (LEPRE, 2019, p. 5).

O artigo 2º do 869 definia que

a Educação Moral e Cívica, apoiando-se nas tradições nacionais, tem como finalidade:

a) a defesa do princípio democrático, através da preservação do espírito religioso, da dignidade da pessoa humana e do amor à liberdade com responsabilidade, sob a inspiração de Deus;

b) a preservação, o fortalecimento e a projeção dos valôres espirituais e éticos da nacionalidade;

c) o fortalecimento da unidade nacional e do sentimento de solidariedade humana;

d) a culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições e aos grandes vultos de sua história;

e) o aprimoramento do caráter, com apoio na moral, na dedicação à comunidade e à família, buscando-se o fortalecimento desta como núcleo natural e fundamental da sociedade, a preparação para o casamento e a preservação do vínculo que o constitui.

f) a compreensão dos direitos e deveres dos brasileiros e o conhecimento da organização sócio-político-econômica do País;

g) o preparo do cidadão para o exercício das atividades cívicas com fundamento na moral, no patriotismo e na ação construtiva, visando ao bem comum;

h) o culto da obediência à Lei, da fidelidade ao trabalho e da integração na comunidade (BRASIL, 1969, n.p.).

Oficialmente, a ditatura civil-militar acabou em 1985, mas o Decreto-Lei 869 só foi revogado nos anos 1990 (BRASIL, 1993). A revogação desse dispositivo instituído e praticado autoritariamente não significou o fim de ideais de imposição de um sistema escolar com valores morais ausentes de criticidade em relação aos princípios sociais difundidos por uma pedagogia fundamentada no conservadorismo cívico-militar. “No campo da recente política educacional, orientada pelos valores do ensino por meio de uma moralidade, está o programa de criação das escolas cívico-militares (Ecim)” (AMARAL; CASTRO, 2020, p. 1081).

Em outra vertente, a do diálogo e da participação, o pensamento freiriano mostra que o ensino filosófico deve ser produto epistêmico-metodológico discutido, problematizado por coordenadoras/es pedagógicas/os, bem como educadoras/es, em conjunto com estudantes, no intuito de não inculcar atuação que não incentive a ética e negativamente se torne

[...] uma prática meio laissez-faire (deixem fazer, deixem passar) em relação aos valores. Cada professor ou professora tem concepções diferenciadas sobre entendimento do que é certo, bom e justo. Por exemplo, uma professora pode considerar necessário realizar debate em sala de aula com seus alunos e alunas, enquanto outra não aceita nenhum tipo de pronunciamento em suas aulas. Desse modo, concepções opostas não possibilitam um código moral na escola. Tudo é relativo. O que é certo para uma; é errado para outra e, no meio desta confusão, a reflexão dos valores torna-se impossível. Não existe regra estabelecida (PEREIRA, 2006, p. 37).

Nesse caso, atividades simplificadas em aulas de filosofia se transformam em conteúdos da disciplina. A professora Lidia Maria Rodrigo (2015, p. 52) refuta proposições que objetivem “[...] nivelar por baixo, isto é, ajustar o ensino às precárias condições de aprendizagem do aluno, o que expôs a filosofia a todo tipo de distorções”.

Uma ingênua atividade ligada ao desenvolvimento da cidadania, por exemplo, passa a ser uma aula de filosofia moral. Muitas vezes, aborda-se a temática de forma incompleta. Cidadania é conteúdo inerente ao ensino de filosofia, mas deve ser um tópico que esteja vinculado à criticidade filosófica, construído na sua interdisciplinaridade. São muitas as generalizações no ensino de filosofia. Lecionam-se moral e cívica, história da filosofia, filosofia clássica e outras atividades que negam sistematização, criação e rigor exigentes pelo pensar filosófico.

A história da filosofia só tem sentido se as/os estudantes, partindo das questões que lhes afligem, de forma conceitual, conseguirem criar saída para os problemas humanos. O ensino de filosofia deve partir das exigências de educandas e de educandos em constante diálogo com o pensamento sistemático. Seria estimular estudantes no sentido de “encorajá-los a ensaiar esses discursos, que tentem, eles também, criar composições filosóficas, usando conceitos filosóficos, em resposta a seus problemas, o que vale dizer, ensaiar a criação filosófica” (ASPIS; GALLO, 2009, p. 15).

Os textos clássicos e a história da filosofia são usados como instrumentos do ensino, como mediação na construção de pensamentos criativos e transformadores - porém, não como únicos meios de ensino.

Ensinar a história do pensamento filosófico favorece a prática e o espírito da filosofia. Nessa mesma direção, cabem os estudos dos filósofos clássicos. Eles nos ajudam a respaldar teoricamente as transformações necessárias a um mundo melhor, mais livre das submissões e reproduções opressoras que causam sofrimento humano.

O ensino de filosofia com e para crianças pode priorizar a experiência filosófica, provocando nelas a possibilidade de gerar ensaios, criações, conceitos, pensamento sobre si mesmas, sobre a realidade social e a provocação de mudanças. Assim, não se enquadram no ensino filosófico seletas transmissões de conteúdos.

É nessa perspectiva que podemos pensar a aula de filosofia como uma oficina de pensamento. Uma oficina é um lugar onde se exerce um ofício; em filosofia pratica-se o ofício de pensar e ele é realizado com arte, com cuidado, com detalhe, com delicadeza e sensibilidade, exercitando algumas de nossas potências: a leitura, a escuta, a atenção, a escrita, o diálogo; em cada uma dessas potências habita um conjunto de disparadores, ferramentas que, numa oficina, podemos aprender a empregar com alegria, força, manha, esforço, criatividade… dessa arte surgem os artefatos: os afetos, dúvidas, perguntas, problemas, conceitos, ideias, projetos (KOHAN, 2013, p. 78).

É o convite a que a/o estudante exerça o rigor da reflexão sobre os problemas em que acriticamente estamos imersos. “A filosofia educa o pensamento [...]” (CARDOSO, 2020, p. 6). É um meio de aprendizagem que nos dá a liberdade de novas criações transformadoras. Em aulas de filosofia, crianças e adolescentes não podem ter medo de potencializar a reflexão acerca da concretude de suas práticas. Educandas e educandos devem se apropriar da filosofia como forma de produzir conceitos. Essa atitude credencia a prática filosófica como força do pensar juntamente com as atividades artística e científica (ASPIS; GALLO, 2009). Essa inquietude pode acarretar, positivamente, a desnaturalização da cotidianidade de cada pessoa.

A filosofia “desnaturaliza” nosso pensamento cotidiano, fazendo com que nós o coloquemos sob suspeita, sob interrogação, nos fazendo “pensar o próprio pensamento”. E, com isso, nos permite produzir um pensamento melhor elaborado, com melhores fundamentos, mais crítico (ASPIS; GALLO, 2009, p. 43).

Desenvolver capacidades necessárias ao exercício da reflexão filosófica exige de nós investimentos em destrezas de leitura, abstração, interpretações, argumentações e redação de texto. Essas aquisições fazem parte “[...] das habilidades exigidas pela reflexão filosófica” (RODRIGO, 2015, p. 54), na escola formal.

2 A EXIGÊNCIA ÉTICA TRANSFORMADORA

A maioria das construções éticas da modernidade e da contemporaneidade se construiu mundialmente em procedimentos de exclusão do ‘Outro’. Essas éticas, como parte da cultura hegemônica, eurocêntrica e globalizada, constituem-se como negação humana nos campos socioeconômico, da cultura e da política. Na perspectiva da pesquisadora em educação (currículo), Nilda da Silva Pereira (2012, p. 20), essas exclusões geram “[...] sofrimentos de pobres, indígenas, populações negras, mulheres, crianças e adolescentes”. Nesse sentido, Dussel formula que “encontramo-nos diante de um fato massivo da crise de um ‘sistema-mundo’ que começou a se formar há 5.000 anos, e está se globalizando até chegar ao último rincão da Terra, excluindo, paradoxalmente, a maioria da humanidade” (2000, p. 11).

De forma central, a filosofia ocidental se consolidou como excludente. De modo hegemônico, essa filosofia se expandiu a partir de um ‘eu pensante’ assimilado como pensamento filosófico moderno, contribuindo como fundamento opressor para que Estados nacionais europeus e o sistema estadunidense oprimam povos periféricos. Mundo afora, “essa filosofia justifica a escravidão, a exploração e a dominação do Outro a partir da ontologia (o pensamento que revela o ser) centrada na razão, com um Eu totalizante e dotada de neutralidade em relação ao Outro” (PEREIRA, 2012, p. 119, grifo da autora). O ‘eu que pensa’ oferece parâmetros teóricos a práticas do excluir. “Esta ontologia não surge do nada. Surge de uma experiência anterior de denominação sobre os outros homens, de opressão cultural sobre outros mundos. Antes do ego cogito existe o ego conquiro (o ‘eu conquisto’ é o fundamento prático do ‘eu penso’)” (DUSSEL, 1977, p. 10, grifos do autor).

A ressignificação do ‘Ser’ e do ‘não-Ser’ de Parmênides define que “o Ser é o próprio grego, com a sua força e grandeza, e o não-Ser é quem está além do horizonte grego” (PEREIRA, 2012, p. 119, grifos da autora). Enrique Dussel (1977, p. 12) corrobora que “o ser chega até às fronteiras da helenicidade. Para além, além do horizonte, está o não-ser, o bárbaro, a Europa e a Ásia”, como podemos observar desde os filósofos antigos. “Para Aristóteles, o grego é o centro, é o Ser, o homem correto. Os filósofos europeus herdaram dos filósofos gregos essa concepção de totalidade totalitária e não potencializaram a relação com a alteridade” (PEREIRA, 2012, p. 119, grifo da autora).

A excluída e o excluído do sistema-mundo se localizam em dimensões não reconhecidas por esse pensamento colonial. Se as filosofias europeia e norte-americana fundamentam seu

[...] eu ontológico como centro da existência, sua ocidentalidade ontológica foi incapaz de transcender pela alteridade e perceber o Outro que sofre num sistema totalitário opressor. A totalidade ontológica excludente é sintonizada no mesmo, na neutralidade, no pensamento absoluto dominador que nega o não-Ser, o Outro, e produz a vítima (PEREIRA, 2012, p. 127, grifos da autora).

A vítima negada pelo ontologismo excludente se encontra em absurdo processo de supressão de pessoas. Em Nosso Planeta, encontramos seres humanos em situação de exclusão. Populações negras, índias/os, ciganas/os, refugiadas/os e outros setores são pouco assistidos pelo direito liberal positivo de seus países de origem e nas legislações internacionais. Como exemplifica Achille Mbembe no livro Crítica da razão negra (2014) e no ensaio “Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte” (2016) sobre a população negra, na ordem planetária o racismo estrutural fomenta política de extermínio institucional e não do direito de vida a esse povo. “Humilhado e profundamente desonrado, o Negro é, na ordem da modernidade, o único de todos os humanos cuja carne foi transformada em coisa, e o espírito, em mercadoria - a cripta viva do capital” (MBEMBE, 2014, p. 19).

Na dialética orientada pela exclusão, cabem às oprimidas e aos oprimidos os trabalhos sazonais, atividades análogas ao escravo, à escravidão, com o desemprego e os baixos salários que não lhes possibilitam as boas condições de manter a vida.

A totalidade ontológica oprime o outro ao negar o seu nada enquanto ente do mundo, afirmando-lhe um sentido a partir do mesmo que exerce, como totalidade pretensamente neutra, sua vontade de domínio sobre o outro enquanto exterioridade. A dialética da totalidade é portanto dialética de dominação. Assim, ontologias da totalidade são eticamente totalitárias, possuindo heróis que matam o outro enquanto exterioridade (MANCE, 1994, n.p.).

A dedução é de que, “se a dialética centra o movimento, a consciência em si para si, ‘num mesmo’, não há espaço na dialética hegeliana para exterioridade e a alteridade” (PEREIRA, 2012, p. 123). A partir desse posicionamento excludente de Hegel, constata-se que, se a ética se destina ao protagonismo da vida, da vida boa (o bem), temos necessidade de outra eticidade filosófica, pois a construção do saber ético perpassa a procura de condições apropriadas para que a vida se realize. O conteúdo da ética é a vida, “o princípio da obrigação de produzir, reproduzir e desenvolver a vida humana concreta de cada sujeito ético em comunidade” (DUSSEL, 2000, p. 93). A Ética da Libertação é a ética da vida, da vida humana concreta, e deve atuar como conteúdo material das vítimas, da comunidade.

O Outro é como ele é, como se apresenta, diferente, desconfigurado, marginalizado e desvestido dos padrões aprendidos como certos. O reconhecimento da real condição (alteridade) do Outro, e de que há nele humanidade, direitos, exige-nos uma obrigação para com o Outro. Isso é importante no estabelecimento da proximidade que pressupõe o receber, mesmo sem antes compreender a relação profunda do ser um para o outro (PEREIRA, 2012, p. 125-126, grifo da autora).

O reconhecimento do rosto da/o desconfigurada/o ocorre pela definição de uma política de morte que é colonial e ao mesmo tempo refinada no dito ‘bem’ do capital contemporâneo. “A proximidade - um para o outro - é o sentido mais profundo da vida humana e é anterior à consciência como caminho de retorno a si” (COSTA, 2000, p. 169).

A aceitação do ‘Outro’ como ‘Outro’ significa opção ética, escolha e compromisso moral de proximidade e de alteridade. “A proximidade é festa, mas festa da libertação e não da exploração, injustiça ou profanação. É festa dos iguais, dos livres, dos justos, dos que esperam uma ordem de proximidade sem contra-revoluções, retrocessos” (DUSSEL, 1977, p. 27). O diferente é sujeito de direitos.

O Outro dentro de uma totalidade se revela, se exterioriza pelo desejo. A exterioridade do outro, como rosto, é motivada pelo desejo (por exemplo, quando se fala “estou com fome! Necessito de comida!”). O rosto mostra e se apresenta como o Outro. É, conforme escreve Dussel (1977a, p. 47), o rosto da pessoa que se revela como outro, “transcende as determinações e condicionamentos da totalidade (e diz) ‘tenho direitos!’” (PEREIRA, 2012, p. 127, grifos da autora).

A Filosofia da Libertação tem uma lógica decolonial porque ela se desprende da modernidade capitalista colonial e

[...] não pode deixar de desconsiderar a materialidade concreta do sujeito (o conteúdo da ética), a exterioridade deste sujeito (a existência do outro), os consensos intersubjetivos (a moral-formal), as suas estratégias de ação (a factibilidade ética) e a crítica ética (razão ética - feita a partir da negação da vida que impossibilita sua produção, reprodução e desenvolvimento e da necessidade de afirmação comunitária das vítimas) (PEREIRA, 2012, p. 130-131).

Se o conteúdo da Ética da Libertação é a vida, então se rompe com a totalidade excludente e promove a alegria da proximidade.

Os fundamentos desta ética perpassam primeiramente pelos aspectos ético-material, moral-formal e factibilidade ético-procedimental; e depois pelos processos da criticidade: ético-material-crítico, moral-formal-crítico e práxis da libertação (factibilidade ético-crítica) (PEREIRA, 2012, p. 131).

O que consagra o princípio ético-material como universal são as necessidades básicas dos seres humanos: alimento, segurança, saúde etc. A construção da moral-formal caracteriza-se como comunitária, respeita os argumentos das pessoas participantes, reconhece o sujeito na sua intersubjetividade e busca consenso. O protocolo formal da moral é o acordo entre os sujeitos. A práxis da razão discursiva, demarcada pelo diálogo e consenso intersubjetivo, afiança a validade da moral-formal. Os enunciados são normativos e de valor crítico entre os sujeitos. “O princípio moral-formal de intersubjetividade diz relação direta com a reprodução da vida (com respeito aos instintos de autoconservação como segurança institucional) e com a validade que garante para não cair na dor do erro que mata” (DUSSEL, 2000, p. 642, grifos do autor). O concerto do diálogo em coletividade se transforma continuamente no instituir valores construídos horizontalmente. O tempo moral-formal é “procedimental, da validade moral intersubjetiva e comunitária, que se cumpre a partir da simetria dos participantes afetados; é o âmbito do exercício da razão discursiva referente a enunciados normativos com pretensão de validade universal” (DUSSEL, 2000, p. 238). As educações formal, informal e popular dialógicas configuram elementos estratégicos nessa concepção dusseliana.

A factibilidade ética prevê o instante operacional. É o momento em que a comunidade decide, determina, as normas que foram consensualizadas. Nesse sistema de eticidade, as normatividades são analisadas pelos/as comunitários/as, definindo as ações que devem ser realizadas (PEREIRA, 2012). “A exigência propriamente ética em última instância se ocupa daquilo que se deve fazer deonticamente: obriga a fazer aquilo que não-pode-deixar-de-ser-feito a partir das exigências da vida e da validade intersubjetiva moral” (DUSSEL, 2000, p. 270). O válido demanda as necessidades enumeradas por cada povo, cada coletivo, cada sociocomunidade, seja ela educacional ou não.

A factibilidade ética exercita o ‘bom’, o ‘bem’.

A factibilidade compreende o momento de síntese do material da ética e do momento formal da moral. Realiza-se concretamente pelo ato. No ato está a responsabilidade ética que atua honestamente na busca da produção, reprodução e desenvolvimento da vida, tendo a ética como princípio, o desenvolvimento da vida em todos os seus aspectos, com conteúdo (dimensão material) que afirme a universalidade material com a verdade prática, a validade intersubjetiva da razão discursiva (dimensão formal) e, se temos a necessidade de transformar os sistemas para que se pense a favor da vida, é necessário pensar estratégias e ter certeza para exercer uma ação (PEREIRA, 2012, p. 133).

O princípio ético-crítico se constitui como situação de extrema radicalidade crítica da comunidade. Compreende a realização ética de fato.

O princípio ético-crítico tem relação direta com o desenvolvimento da vida humana em geral e com a reprodução da vida das vítimas (e por isso com respeito aos instintos de autoconservação comunitária futura), como exigência de correção da mais-repressão que pode ser suicida para toda a comunidade (DUSSEL, 2000, p. 642, grifos do autor).

Na mais apurada criticidade, os/as comunitários/as se responsabilizam pelas vítimas eliminando qualquer meio de opressão ao ‘Outro’.

A práxis crítica tem como ponto de partida o existir daquelas e daqueles atingidos pelas consequências dos sistemas culturais, sociais, políticos e econômicos. As/os que sofrem quaisquer tipos de práticas violentas precisam agir como sujeitos críticos. Ser enxergado como a/o ‘Outra/o’, em condições de igualdade, advém de atitudes responsáveis. A raiz do comportamento crítico nos faz exercer a alteridade em relação à/ao ‘Outra/o’. A materialidade crítica se referencia na constatação de que há obstáculo na reprodução do viver. Eis a conclusão de que à vítima é negado o reproduzir a vida (PEREIRA, 2012).

O procedimento crítico-material positivo transforma a realidade. Em seu processo renovador, radical e crítico existem ‘co-solidariedade’ e ‘re-sponsabilidade’ pelas vítimas. “[...] Há que reconhecê-las (as vítimas) como outros, e a partir da re-sponsabilidade que as toma a cargo criticar o sistema, para depois co-solidariamente colaborar com estas vítimas excluídas que têm direito a ser parte de sistemas futuros”, propõe Dussel (2000, p. 382), em sua Ética da Libertação. Essa cooperação resulta

na constituição da moral-formal-crítica, (que) estabelece a construção de uma nova validade intersubjetiva, anti-hegemônica da comunidade das vítimas que se firma pela consensualidade crítica das vítimas e tem como fim o desenvolvimento da vida. (É) a luta pelo reconhecimento de seus novos direitos, com o desejo de libertação, de vida digna, pelo viver numa sociedade menos excludente e preocupada com a vida material e com a produção da vida humana (PEREIRA, 2012, p. 136).

Nessa construção não cabe assimetria. “Toda crítica ou projeto alternativo deve ser então conseqüência do consenso crítico discursivo dessa comunidade simétrica de vítimas, alcançando assim validade intersubjetiva crítica” (DUSSEL, 2000, p. 469, grifo do autor). Essa formulação não consiste em, por meio da tutela, conceder o discurso e a prática às oprimidas e aos oprimidos, como se elas e eles não fossem sujeitos de suas ações.

O ser histórico-social é sujeito, tem, em si, a capacidade de revelar o que lhe falta e oprime. Possui, também, a capacidade de protagonizar o bom e o bem viver. Tal criticidade se apresenta na intersubjetividade eticamente válida. É possível deduzir que a vítima afetada pela exclusão mostra-se marginalizada e, ao mesmo tempo, vai apontando caminho para sua libertação. Enrique Dussel (2000, p. 559) explica que “o critério de transformação ético-crítico é um critério de factibilidade em referência às possibilidades de libertação da vítima ante os sistemas dominantes” (grifo do autor). O filósofo da libertação insiste que

este princípio (o critério de factibilidade) tem a pretensão de universalidade. Realiza-se através das culturas, motivando-as por dentro, assim como aos valores ou às diversas maneiras de cumprir a "vida boa", a felicidade, etc. Mas todas estas instâncias nunca são o princípio universal da vida humana. O princípio penetra todas elas, incitando-as à sua auto-realização (DUSSEL, 2000, p. 93).

Toda vida é essencialmente ética. A ética surge junto com a vida humana (PEREIRA, 2012). Então, a Ética da Libertação atua na radicalidade existencial da vida, em que o ‘bem’ e o ‘bom’ compõem-se como necessários.

3 A EDUCAÇÃO LIBERTADORA É UM ATO ÉTICO

O educador e filósofo Paulo Freire atuou na construção ético-teórico-prática visando à libertação do povo oprimido. A desconstrução de componentes próprios da mentalidade colonial se manifesta na filosofia e na pedagogia de Freire.

A opressão das políticas globais uniformes impõe necessária reflexão desde o limiar da educação regida por parâmetros curriculares, nas mais tenras idades das crianças. “Nenhuma pedagogia realmente libertária pode ficar distante dos oprimidos” (FREIRE, 1968, p. 18). Esse viés cobra factibilidade, princípio ético-universal que desaprova tudo que oprime o ser humano: a exploração do/a trabalhador/a, o racismo, o fundamentalismo, o sexismo etc. Indignado com o sistema de opressão, Freire lutou contra a educação opressora e, sobretudo, construiu as bases da pedagogia de resistência, a pedagogia do oprimido.

Por meio da práxis ético-autêntica, o pensamento freiriano empenha-se na transformação e na superação da sociedade que oprime.

Ao fazer-se opressora, a realidade implica na existência dos que oprimem e dos que são oprimidos. Êstes, a quem cabe realmente lutar por sua libertação juntamente com os que com êles em verdade se solidarizam, precisam ganhar a consciencia crítica da opressão, na praxis desta busca (FREIRE, 1968, p. 13-14).

O ato político de educar tem responsabilidade ética. Nos manuscritos do educador Paulo Freire, a pedagogia do oprimido tem

[...] dois momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e comprometendo-se, na praxis, com a sua transformação; o segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação (FREIRE, 1968, p. 19).

O salto da consciência ocorre em processos educativos críticos. Para isso, a leitura da realidade que não satisfaz as necessidades das pessoas, impedindo-as na boa realização das suas vidas, é essencial. “A conscientização é formada quando se nota a percepção ingênua sobre a realidade. Tendo elementos para analisar as causas da opressão, as pessoas tornam-se conscientes, se responsabilizam pelo social e lutam pela transformação dessa realidade” (PEREIRA, 2006, p. 66). A reflexão crítica proporciona saberes e comprometimentos.

Podemos agir no mundo por meio da consciência de que o real se coloca como produto humano. A participação e o engajamento podem surgir a partir do ‘eu-nós’, do ‘ele-eles’.

Entender que realidade é criação humana, saber como se estabelecem os processos de opressão das vítimas e adquirir noção de que podemos transformar essa realidade, porque a sociedade é mutável, forma a práxis da luta: ação-conscientização-transformação-libertação. Inserindo-se criticamente na história, cidadãos e cidadãs tornam-se sujeitos construtores e reconstrutores da realidade (PEREIRA, 2006, p. 66-67).

A pedagogia do oprimido responde à ação-conscientização-transformação-libertação, se apropriando das trocas comunicacionais e concretas das comunidades. É a sinergia entre o empírico popular, a criticidade e a ciência, com mediação da vivência diária intrínseca a sociedades e a comunidades (PEREIRA, 2006, 2012). O diálogo subsidia a construção do conhecimento. Os fazeres que levam aos conheceres não podem ser individualizados e sim, sempre, ser objetos da coletividade de participantes. Os saberes construídos são de autoria de todas e de todos. Dessa maneira, educandos/as e educadores/as veem a produção de conhecimento acontecer de modo relevante e significante. Existe um pacto de todos/as com os saberes e com a transformação do contexto que oprime. Acrescente-se que “[...] o ato de educar é sempre um ato ético. Simplesmente não há como fugir de decisões éticas, desde a escolha de conteúdos até o método a ser utilizado ou a forma de relacionamento com os alunos” (STRECK et al., 2004, p. 10).

Notoriamente, os conceitos e as definições de uma educação que enfoca a opressão a partir do protagonismo de oprimidas e oprimidos ocupam posição privilegiada na análise de Freire. “Percebemos o compromisso com a mudança de uma realidade opressora. Uma mudança que problematiza as circunstâncias da vida real” (PEREIRA, 2012, p. 214). Essa alteração de mentalidade forja algo diferente e comprometido com a existência das pessoas. “Esta mudança de percepção, que se dá na problematização de uma realidade concreta, no entrechoque de suas contradições, implica um novo enfrentamento do homem com sua realidade” (FREIRE, 1985, p. 60). O autoeducar projeta, pelo estímulo e pela provocação, a forma de conhecer a realidade.

Freire nos lembra que é impossível a educação sem que o/a educando/a eduque a si mesmo/a no próprio processo da libertação. Por isso não é interessante que educadores/as cheguem com propostas de projetos prontos para alunos/as os realizarem. O que podemos fazer é provocá-los/as, questioná-los/as, refletir, sobre as condições de vida em que estão submetidos/as (PEREIRA, 2012, p. 214).

Afinal,

quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparando para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que êles, os efeitos da opressão? Quem, mais que êles, para ir compreendendo a necessidade da libertação? Libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela praxis de sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela (FREIRE, 1968, p. 4).

Os espaços educacionais emergem da vida comunitária a que pertencem educandos/as e educadores/as, sem as imposições da educação oficial e opressora. A ação-reflexão-ação, por meio da relação dialógica simétrica e radical, edifica os saberes que vão nascendo no arrolamento dessa totalidade.

As experiências e as angústias das gentes em seu locus vão às instituições de educação. O dia a dia de cada um/a em seus viveres sociais e comunitários não pode ser algo à parte do ensino-aprendizagem.

A realidade local é parte curricular da escola. Este real é objeto de indagação. A relação dialógica é fundamental para os procedimentos de investigação dos componentes excludentes vivenciados por nós. O conhecimento pela experiência vivida torna-se revitalizado a partir do momento em que o grupo da escola discute e reflete seus saberes. A reflexão sobre a realidade social patrocina a compreensão da vida cotidiana, que em seus múltiplos aspectos pode levar a mudanças da realidade local (PEREIRA, 2012, p. 215).

A práxis pedagógica é vivenciada nesse contexto. Se a educação é emancipadora, cabem conciliações curriculares com as pessoas envolvidas no processo educacional. Os saberes são construídos a partir da investigação da realidade concreta do povo, e, ao mesmo tempo, os/as participantes dessa práxis revolucionária se educam. O comportamento de comunicar e de tecer conhecimentos entre seres humanos pode ser o caminho de desconstrução da inconsistência argumentativa. “A partir da ‘consciência ingênua’ emerge a ‘consciência crítica’ (DUSSEL, 2000, p. 438, grifos do autor). Nesse caso, a pesquisa e o ensino compartilhados andam de mãos dadas. À medida que se investiga, aprende-se, compreende-se e entende-se. As atitudes epistêmicas e metodológicas se somam à negação do concreto e do simbólico de matizes opressivos (PEREIRA, 2012). Educação e pesquisa fazem parte da expressão revolucionária.

4 VIVÊNCIAS ÉTICAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

O estudo sistematizado na dissertação “A ética enquanto práxis na educação da infância: um ensino em questão” (2006), da docente Nilda da Silva Pereira, indica que as professoras participantes da pesquisa do Mestrado em Educação: Currículo buscavam avançar na direção de compreender e pensar o ‘Outro’, enquanto sujeito nos domínios da Ética da Libertação, como pessoa fundamental nas aulas de ética. As educadoras planejaram provocações que possibilitaram mudanças de postura por parte das crianças e também entre as próprias docentes. Segundo essas professoras, o trabalho com a ética no espaço educativo não acontece no sentido de tornar a criança ‘boazinha’, de fazer tudo o que lhe fosse determinado acriticamente (PEREIRA, 2006), mas na acepção de fazer com que a criança colocasse em prática a reflexão, a interpretação e a discussão da realidade acopladas a uma moral que maltrata a vida humana.

Na visão das educadoras, o ensino de ética ajudaria as crianças a iniciar reflexões sobre seus atos e, ao mesmo tempo, criaria espaços para o aperfeiçoamento da moral crítica entre a equipe pedagógica. As docentes passaram a almejar uma filosofia pautada na preocupação com o bem-estar da comunidade, posicionamento que é relatado pela educadora das crianças que tinham três anos de idade.

Trabalho com a ética porque sou uma agente transformadora. É papel do educador e da educadora mostrar, questionar e refletir com seus alunos e alunas, para que possamos viver e conviver num mundo mais justo, mais fraterno, onde o ser humano saiba respeitar e ser respeitado (apudPEREIRA, 2006, p. 92).

O posicionamento da docente frente a um contexto de exigência implica refletir singularidades de cada criança nas diversidades e diferenças em relação a modelos hegemônicos de sociedades. A professora Sonia Kramer (2006, p. 802), doutora em Educação, descortina “diferentes concepções de infância, currículo e atendimento; diversas alternativas práticas, diferentes matizes da educação infantil”.

As professoras citadas e protagonizadas no texto dissertativo exemplificam como escolhas de referenciais pedagógicos interferem na vida das crianças. As educadoras relataram que depois de introduzir o ensino de ética no centro de educação infantil (CEI) as crianças apresentaram variadas mudanças. Os e as estudantes passaram a ajudar-se e a respeitar mais os colegas, a dividir e compartilhar tarefas, a cobrar mais solidariedade das amigas e dos amigos (PEREIRA, 2006). Observou-se aumento na autonomia das crianças no que se refere às tarefas e mais responsabilidade ao executá-las, boa criticidade ao externar suas opiniões e também melhoras em suas autoestimas. Ao mesmo tempo em que contribuiu para a conscientização, o ensino de ética fez com que educandas e educandos se identificassem, passassem a gostar de si mesmas/os, valorizando suas identidades e compreensões da diversidade (PEREIRA, 2006).

A argumentação ética que obedeça a critérios específicos pode converter-se em formas balizadoras de nossas atuações, mas deve-se enfatizar que essas ‘balizas’ não são manuais prontos, conclusos, que nos ditam constantemente o que fazer (PEREIRA, 2006). As docentes destacaram que as estruturas sociais possuem normas, valores, regras, e em uma postura ética cabem reflexões, discussões, interpretações e transformações, tendo sempre em mente que a pessoa tem o direito à dignidade e à vida.

As educadoras expuseram que antes das aulas de ética tanto as crianças quanto seus pais não cumprimentavam as pessoas ao chegar à escola. Diante disso, as professoras, em aulas, discorreram sobre cortesia, respeito, sobre por que é importante cumprimentar as pessoas, se despedir delas, agradecer-lhes e, ainda, sobre como “as pessoas gostam de ser bem tratadas [...]” (PEREIRA, 2006, p. 116). Essas práticas foram consideradas positivas pelas docentes, e as crianças foram estimuladas a exercer e a adotar esse comportamento.

O modo pelo qual a escola articulava os conteúdos com as dificuldades vivenciadas na prática diária e com as questões que dizem respeito às sociedades - como meio ambiente, fome e consumismo - mostrou-se importante, porque a criança que está em formação, além de precisar de ‘dicas’ diárias, de que se cobrem dela as ‘palavras mágicas’ (por favor, com licença, obrigado...), pode aprender que consegue resolver suas dificuldades sem bater, morder, beliscar, e que ela deve ter cuidados com o ambiente (PEREIRA, 2006).

Os afazeres que envolvem o ensino da ética proporcionam trabalhar as questões da própria infância, o egocentrismo, por exemplo, vivenciando a compreensão crítica da realidade junto com as crianças, ampliando as visões no cuidado com o outro.

A ética, com diligência universal e moral, sendo de ocorrência particular, participa do “desenvolvimento das potencialidades dos educandos, cada um em sua irredutível singularidade, em tensão dialética com as potencialidades coletivas de seu grupo (parcialidades) e de toda a humanidade (universalidade)” (CASALI, 2001, p. 122). Percebemos essa preocupação na instituição.

Não queremos roda de crianças para discutir “respeito ao outro” ou “palavras mágicas”. Devemos partir da realidade que temos e vivemos. Por exemplo, temos que discutir sobre as crianças do Pantanal que levantam de madrugada para catar minhoca no lamaçal, com lama até o pescoço, para vender (a turistas pescadores) e não morrerem de fome (COORDENADORA apudPEREIRA, 2006, p. 99).

Porém verificamos incongruências na maneira como a escola e a família trabalhavam os valores. Em situação de briga entre estudantes, as/os envolvidas/os eram incentivadas/os pelas educadoras a resolver o problema pacificamente. Quando a criança retornava com alguma lesão para a casa, os familiares ficavam intranquilos. Muitos até estimulavam a criança a revidar, além de proibi-la de brincar com a/o colega participante da desavença (PEREIRA, 2006). Diante dessa circunstância, a instituição poderia estender, às famílias e/ou outras/os responsáveis pelas crianças, as discussões relacionadas à ética. O diálogo sobre ética, com familiares e outras pessoas, poderia ajudar a resolver tal dificuldade. De qualquer modo, “a família só fica tranquila se entende que educar pressupõe cuidado. [...]. Se educamos, estamos cuidando, zelando e também protegendo” (PEREIRA, 2006, p. 121).

A experiência com o ensino de ética no CEI surgiu a partir de necessidades reais apresentadas no cotidiano da educação infantil. As educadoras, por meio de atividades coletivas, construíram projetos que cogitavam os aspectos éticos, levantando os conteúdos que iam sendo desenvolvidos com as crianças e discutindo-os em reuniões pedagógicas. As sistematizações ficavam por conta das professoras e as aulas eram bem elaboradas por elas em sala de aula, conforme explicou uma docente: “por ser uma aula bastante interativa, em que a participação de cada um é incentivada e valorizada, com metodologias diferenciadas, desperta certa curiosidade por parte das crianças que esperam ansiosamente pela próxima aula” (apudPEREIRA, 2006, p. 105).

Embora haja esse direcionamento a respeito da prática, entre as hipóteses formuladas para a pesquisa do Mestrado, uma foi respondida da seguinte maneira: “a maioria das dificuldades enfrentadas no ensino de ética se dá devido à falta de fundamentação teórica” (PEREIRA, 2006, p. 123, grifo da autora). As educadoras participavam das formações, mas ainda lhes faltavam estudos aprofundados sobre a filosofia moral e o processo de construção de valores pelas crianças. Por as docentes não terem formação específica em filosofia, elas apresentavam mais dificuldade de entender alguns conceitos da área, tais como estruturas do pensamento filosófico, questões axiológicas, gnosiológicas, epistemológicas etc.

A falta de conteúdo no manuseio da teoria pelas educadoras nos levou à comprovação de que “a escola aborda valores numa perspectiva moralista” (PEREIRA, 2006, p. 123, grifo da autora). Mesmo não sendo orientação didática estabelecida pela escola, observamos que havia entre as professoras práticas e atitudes moralistas de construção de valores. A defasagem teórica levava as educadoras a entender o ensino de ética igual a um guia de instrução moral, ou seja, ensinavam atitudes que elas particularmente consideravam positivas. No nosso ponto de vista, era necessário um bom planejamento de formação na disciplina de filosofia. “Os estudos precisam ser mais orientados e aprofundados em relação ao ensino de ética” (PEREIRA, 2006, p. 123, grifo da autora).

Em relação ao ensino de ética seguir ou não a perspectiva de referenciais curriculares nacionais, não foi possível comprovar a hipótese. O ensino de ética na escola nasceu das necessidades reais de entender, compreender e respeitar as diversidades culturais. No centro de educação infantil pesquisado durante o Mestrado, os estudos de parâmetros curriculares oficiais aconteceram depois de o grupo ter iniciado o projeto de ética. Na dissertação, salienta-se que

as educadoras constroem juntas dois grandes projetos de cidadania: um sobre meio ambiente; e outro sobre gênero, raça e etnia. Por meio dessas iniciativas, as professoras trabalham os aspectos éticos. Além dos projetos, elas selecionaram coletivamente outros conteúdos de ética para trabalhar com as crianças (PEREIRA, 2006, p. 124).

Nessa perspectiva, “[...] a hipótese de que as professoras trabalham valores morais isolados de um projeto mais amplo sobre ética” (PEREIRA, 2006, p. 124, grifo da autora) não foi evidenciada. As educadoras buscavam aprimoramento para ensinar ética às crianças. Todas as educadoras (docentes, diretora e coordenação) se empenhavam para a estruturação de um bom currículo. A carência de fundamentação teórica atrapalhava que elas tivessem atitudes mais críticas com as crianças. Às vezes agiam a partir do senso comum (PEREIRA, 2006). Para resolver essa lacuna, a docente responsável pelo projeto do ensino de ética planejou estudos específicos com todas as educadoras da instituição. Ela pediu ajuda com os conteúdos para a realização dos estudos. Foi elaborado um cronograma de formação que abarcasse conteúdos sobre filosofia moral e a construção de valores na educação infantil desenvolvida no CEI.

Os papéis atribuídos intra e extrafamília constituem um bom exemplo de como podem ser problematizados e questionados comportamentos valorativos nas atitudes rejeitadas ou não pelas crianças. Em uma das aulas observadas na escola, o componente gênero fez parte de atividade que instigou estudantes a pensar e se posicionar de forma crítica a respeito de que forma eles e elas são levados a delimitar e se encaixar em padrões aceitos socialmente.

A professora tirou da caixa [...] uma boneca negra e disse. “Quem gosta de brincar com bonecas?” A maioria respondeu que gostava. Um aluno [...] afirmou: “Eu não brinco de boneca. Só gosto de brincar com carrinhos.” Uma das professoras quis saber por quê. Ele respondeu: “Boneca é de mulher e carrinho é de guri.” A professora perguntou para as crianças o que elas achavam da fala do colega. Alguns guris disseram que brincavam com bonecas e outros não. A professora continuou a indagação de forma bem provocativa: “O que acontece se os guris brincarem com bonecas e as gurias com carrinhos?” “Nada!”, alguns responderam. Mas, o mesmo aluno falou: “Se guri brincar com bonecas vira guria.” “É mesmo?”, indagaram mais dois colegas. As professoras lançaram novamente a pergunta para a turma. “Será, gente, se mulher brincar com carrinho vira guri e homem brincar com boneca vira guria?” A maioria afirmou que não. Mas (o menino) continuou insistindo. “Vira sim! É claro que vira! Eu não brinco!” (PEREIRA, 2006, p. 105-106, grifos da autora).

Na sequência,

as professoras pediram para um dos guris que disse que brincava com boneca segurar a boneca como se a estivesse ninando. Ele pegou a boneca e a colocou no seu colo. Todos cantaram uma canção de ninar para ele fazer a boneca “dormir”. Depois da canção, as professoras perguntaram para as crianças: “E daí? Vocês acham que (ele) virou menina depois que brincou com a boneca?” Todos e todas responderam: “Não, ele não virou guria!” (PEREIRA, 2006, p. 106, grifos da autora).

Outro brinquedo fez parte das reflexões e das indagações.

As professoras continuaram a aula tirando da caixa um carrinho e perguntaram quem brincava com carrinho. Todos e todas responderam que sim. Então a professora passou o brinquedo para a turma que estava na roda e todas as crianças o manipularam. “O carrinho é para quem brincar?”, perguntou uma das professoras, vendo que não houve conflito entre as meninas. As crianças responderam: “Para guris e gurias!” (PEREIRA, 2006, p. 106, grifos da autora).

Esse tipo de pedagogia desenvolvido na educação infantil se coloca na perspectiva de não apenas entender, mas também de compreender as exigências de formação de uma criança cidadã capaz de, a seu modo, se posicionar diante de imposições que seguem orientações centradas na prevalência de valor que “destaca a persistência do hábito de pensar a infância principalmente em relação à família, na medida em que produz um deslocamento da ‘criança’ para o ‘filho’” (ROSEMBERG, 2021, p. 52). A dificuldade de percepção de um mundo centrado nas condutas classificadas como ‘adultas’ torna-se, então, um obstáculo na compreensão das nuances e variações ocorridas na infância.

Para além das “[...] dificuldades de aceitar a configuração adulto-cêntrica das sociedades contemporâneas”, apontadas pela pesquisadora Fúlvia Rosemberg (2021, p. 52), que atuava no campo dos direitos da criança, e sobre os recursos didáticos usados na práxis educativa estudada no Mestrado, uma educadora envolvida no projeto de refletir comportamentos à luz da filosofia moral referendada pela ética descreve:

Possibilitamos aulas prazerosas utilizando estratégias diferenciadas, como leitura de histórias infantis, realização de dinâmicas, peças teatrais com fantoches ou pessoas, com cenários variados, visualização de filmes educativos, documentários, dramatizações, aulas-passeio, brincadeiras e entrevistas, fazendo uso de variados recursos didáticos (apudPEREIRA, 2006, p. 105).

A adoção definitiva de meios antes usados circunstancialmente possibilita pensar uma educação infantil que incorporou procedimentos para superar uma visão estagnada sobre o sentido de educar crianças proporcionada por uma concepção restrita, paliativa e até mesmo de castigo, à qual se opõem as educadoras do CEI, cujas práticas educativas de filosofia foram observadas e analisadas. “Às vezes as crianças são ‘cruéis’ e dizem coisas do tipo ‘quem não obedecer vai ficar de joelhos atrás da porta’. Como essa é uma atitude que não pode ser executada e nem aceita, as professoras intervêm contrariamente” (PEREIRA, 2006, p. 113, grifo da autora). A atuação da escola no sentido não coadunar com qualquer conduta que violente a integridade física e moral da criança é imprescindível nas relações cotidianas. O pedagogo e historiador Moysés Kuhlmann Jr. define qualquer prática violenta, simbólica ou concreta, como “[...] uma disciplina escolar arbitrária em que, diferentemente de um compromisso com o conhecimento, a instituição considera não ser sua função prestar os cuidados necessários e sim controlar os alunos para que sejam obedientes à autoridade” (KUHLMANN JR., 2000, p. 13, grifo do autor).

A mentalidade historiada por Kuhlmann Jr. (2000) preserva a submissão, estabelece princípios morais autoritários/repressores, fortalece a discriminação de ordem classista e as demais opressões geradas por sociedades centradas na segregação. Por outro lado, em nossas observações sobre a pesquisa de Mestrado, verificamos que há empenho e comprometimento das educadoras do CEI em fazeres pedagógicos que levem a avançar nas aulas de ética e a exercitar meios transformadores, entre si e com as crianças pequenas, que eliminem formas autoritárias, truculentas e violentas na relação docente-estudante.

5 CONCLUSÃO

A ética da vida equivale à emancipação libertadora. Ela é a libertação propriamente dita. Todo trabalho com essa ética é arrolado pela construção do ‘bem’, da ‘vida boa comunitária’. O cuidado com o ‘Outro’ transcorre pelas ações de rupturas de uma conjuntura excludente e construções de nova realidade em que a vida não seja negada.

As constituições em relação ao ensino de ética são sempre difíceis e exigem de nós empenho nos programas da área. O ensino na instituição que acompanhamos rompeu com a tradição de que ética não pode ser ensinada para crianças pequenas. Havia, no coletivo das pessoas envolvidas, mesmo sem leituras mais politizadas do contexto socioeconômico em que estamos inseridos/as, a proposição de que a mudança não deveria ser somente no campo individual, local, e sim social. Ensinar ética às crianças pequenas exige dinamicidade pedagógica, como a variação de recursos, a arte, o brincar, a dramatização, as histórias voltadas para a infância etc.

As professoras precisavam aprimorar a metodologia de trabalho e adquirir a percepção de que os conteúdos surgem da realidade concreta do tempo escolar, selecioná-los, com atenção às necessidades exigidas no cotidiano, sem perder o elo universal. Uma boa aula de ética ordena empenhos nas leituras, pesquisas e estudos apropriados.

Sem autoritarismo, docentes e crianças conseguem elaborar as regras necessárias ao bom desempenho das aulas. Na escola pesquisada, percebemos valiosas participações, autonomia e alegria entre as crianças, que cobravam postura antiagressora das e dos colegas (PEREIRA, 2006). As crianças diziam: “Vamos ter que conversar sobre o que você fez na aula de ética”. E assim procediam.

As professoras aceitaram o desafio de trabalhar com o ensino de ética direcionado a crianças pequenas e, ao mesmo tempo, se propuseram a rever suas práticas pedagógicas. A atitude de se rever é definida em Freire como ação-reflexão-ação.

REFERÊNCIAS

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NOTAS:

1 Neste artigo, todas as citações do livro Pedagogia do oprimido foram tiradas dos manuscritos paginados da obra, mantendo a forma original da grafia.

2 “O Outro para Lévinas é o ser negado, [... ]. O Outro tem um rosto incompreendido pela razão. Esse rosto se encontra nu e muito exposto às violências” (PEREIRA, 2012, p. 125).

Recebido: 10 de Julho de 2021; Aceito: 27 de Outubro de 2021

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