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Revista e-Curriculum

On-line version ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.20 no.3 São Paulo July/Sept 2022  Epub Jan 02, 2023

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2022v20i3p1189-1214 

Artigos

Verde-hódos, verde-metá:por uma infância metodológica

Green-hódos-green, green-metá:for a methodological childhood

Verde-hódos, verde-metá:hacia una infancia metodológica

Robert Santos do CARMOi 
http://orcid.org/0000-0002-5359-4522

Michele de Freitas Faria de VASCONCELOSii 
http://orcid.org/0000-0002-9013-6352

i Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Sergipe. Graduado em Psicologia pela Faculdade Pio X. E-mail: robertcarmo6@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-5359-4522.

ii Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora do Departamento de Psicologia e da Pós-Graduação da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: michelevasconcelos@hotmail.com - ORCID iD: http://orcid.org/0000-0002-9013-6352.


Resumo

“Você ainda está verde.” A afirmação proferida no espaço acadêmico-escolarizado de mestrado fez-se pergunta: o que pode uma pesquisa verde? A oposição verde/maduro circunstancia políticas formativas e subjetivas em cena (e disputa) no cenário cotidiano e acadêmico. Nesse sentido, ocupamo-nos em afirmar o verde e fazê-lo trabalhar, aliás, brincar. Quando o que está posto é: ‘não pensem, copiem as ideias pré-fabricadas’, o verde apresenta uma questão à academia, faz a máquina escolar (curricular) desfuncionar, forçando-a a pensar. No entanto, como pôr o verde a trabalhar? Apostamos na literatura infantojuvenil como intercessor, mais precisamente O menino do dedo verde (DRUON, 1976). Tistu, protagonista da narrativa, é quem empresta o polegar verde - munido de uma transgressão metodológica, que desvia do caminho acadêmico mercadológico desenvolvimentista e moral. Com Tistu, semeamos uma vida, revolvendo as terras de um currículo e/ou de uma metodologia de pesquisa que toma o verde como hódos (caminho) e também como metá (meta, objetivo).

Palavras-chave: políticas de formação; políticas de subjetivação; currículo; infância; cartografia.

Abstract

“You’re still immature.” The statement made in the academic-school space of the Master’s, asked the question: what can green research do? The green/mature opposition circumstances formative and subjective policies on stage (and dispute) in the daily and academic scenario. In this sense, we are concerned with affirming the green and making it work, in fact, playing. When what is set is: ‘don’t think, copy pre-fabricated ideas’, green makes a question to the academy, makes the school machine (curricular) malfunction, forcing it to think. But how to put green to work? We bet on children’s literature as an intercessor, more precisely O menino do dedo verde (DRUON, 1976). Tistu, protagonist of the narrative, is the one who lends the green thumb - armed with a methodological transgression, which deviates from the developmental and moral marketing academic path. With Tistu, we sow a life, revolving the land of a curriculum and/or a research methodology that takes green as hódos (path) and also as metá (goal, objective).

Keywords: formation policies; subjectivation policies; resume; childhood; cartography.

Resumen

“Todavía estás verde.” El comunicado realizado en el espacio académico-escolar del Máster, planteaba la pregunta: ¿qué puede hacer la investigación verde? La oposición verde / madura condiciona las políticas formativas y subjetivas en escena (y disputa) en el escenario cotidiano y académico. En este sentido, nos preocupamos por afirmar el verde y hacerlo funcionar, de hecho, jugar. Cuando lo que se establece es: ‘no pienses, copia ideas prefabricadas’, el verde hace una pregunta a la academia, hace que la máquina escolar (curricular) funcione mal, obligándola a pensar. Pero, ¿cómo hacer que el verde funcione? Apostamos por la literatura infantil como intercesora, más precisamente O menino do dedo verde (DRUON, 1976). Tistu, protagonista de la narrativa, es quien da el pulgar verde, armado con una transgresión metodológica, que se desvía del camino académico del marketing evolutivo y moral. Con Tistu, sembramos una vida, girando la tierra de un currículum y/o una metodología de investigación que toma el verde como hódos (camino) y también como metá (meta, objetivo).

Palabras clave: políticas de formación; políticas de subjetivación; reanudar; infancia; cartografía.

1 PREPARANDO A TERRA, CULTIVANDO UM TEMPO

Este artigo brota do desejo de pensar o percurso metodológico de construção de uma pesquisa verde. Verde, um substantivo que tende a virar adjetivo para qualificar algo que ainda não está pronto: ‘essa fruta ainda está verde’; ‘a pesquisa ainda está verde; ‘você, pesquisador, ainda é verde’. No âmbito dos programas de pós-graduação, enredados numa trama de escolarização, um mestrando tende a ser pensado como uma criança1, verde, ainda não maduro, ainda não preparado, porque ainda em processamento cognitivo das regras do método científico e dos conteúdos/informações de um currículo acadêmico. Ele ainda precisa alcançar a adultez/altivez metodológica, pela aquisição de um conjunto de competências e habilidades que configurariam a lógica da pesquisa. Só assim poderia especializar-se em descrever como o mundo é - inclusive o mundo adulto da pesquisa -, podendo representá-lo. De posse das regras lógicas do método e dos procedimentos metodológicos adequados, o sujeito do conhecimento (polo prévio e soberano) pode coletar as informações sobre um mundo preexistente que se dá a conhecer (natureza a ser controlada e utilizada), fazendo-o caber nos conteúdos e informações processados, ou seja, num esquadro curricular.

Sim, fizemos - e seguimos a fazer - uma pesquisa verde, infantil, que convida a brincar com as palavras e as ideias. Nesse novo começo de mundo (o começo deste texto), racha-se o solo da palavra infância, que brota “como intensidade, um situar-se intensivo no mundo; um sair sempre do seu lugar e se situar em outros lugares desconhecidos, inusitados, inesperados” (KOHAN, 2007, p. 94). Uma infância-artistagem (CORAZZA, 2006), que nos coloca em contato com línguas de uma flora nascente, a desdizer e transver2 ditos e escritos, verdades. Talvez valha apresentar um verbo com sotaque, pois, com ele, atualiza-se nosso desejo de pesquisar infantilmente: ‘malinar’, diríamos nós nordestinos/as. Num tateio por modos de adubar os solos do presente de nossa terra árida, desejando o desabrochar de novos começos de vida, temos cultivado um devir-criança-pesquisadora em nós, nós esses seres sem viço, tão ceifados, podados, maduros, adultos, humanos. Eis nossa alegria: pesquisar malinando, “imaginar enquanto se mexe nas coisas”3, operando com elas novas montagens de si, do outro, das palavras, do mundo, dos currículos.

Acompanhar a movência da paisagem ao percorrê-la, inclusive percorrendo-nos. De um percurso de pesquisa para desenvolvimento de mestrado em Psicologia realizado entre os anos de 2019 e 2021, destacaremos cenas cotidianas que compõem uma memória intempestiva de pesquisa, que nada tem a ver com um passado de ressentimento. A força dessa memória ativa, viva, brincante, convoca um desejo de intervir sobre o tempo, este do qual fazemos parte, em favor de um tempo porvir. Logo ali no cotidiano da academia, abre-se um terreno afeito a descontinuidades, agitações, movimentações, ali onde as coisas acontecem: no que parece ‘pequeninho’, nos fazeres e dizeres corriqueiros, nos bastidores, nas relações que se estabelecem e nos estabelecem, nos corroem e nos potencializam, nas coisas ‘triviais’, no que a pesquisa acadêmico-científica tende a desqualificar. Logo ali, borra-se o caminho do ‘bem’, caminho do extraordinário e do extraordinariamente reto e generalizável. Logo ali, mobilizam-se afetos, aflições, gesta-se um desejo que brota de ‘coisas chãs’: o chão da formação universitária berra (DIDI-HUBERMAN, 2013).

Na tentativa de expor apostas no inimaginável da pesquisa e da vida, este texto pretende analisar o percurso de criação de um método verdejante, ressaltando que este último não é uma apenas etapa da investigação, mas perpassa todo o seu processo. Problematizamos, assim, a noção ‘caindo de madura’ de método-programa no qual, guiadas por hipóteses e objetivos teleológicos, as ações de pesquisa são decididas a priori. Ao contrário, enfatizamos a noção de método-dispositivo como arte de invenção que se efetua no próprio ato de pesquisar, arte perigosa que produz efeitos, mundos e verdades. Eis o que move a pesquisar: cultivar a abertura intensiva de um corpo que se faz em composição com as forças do mundo. Verdejar, expandir essa vida, arar e adubar essa (nossa) terra apequenada.

2 NO QUAL O AUTOR, A RESPEITO DO NOME DE TISTU, TECE ALGUMAS CONSIDERAÇÕES DA MAIS4 BAIXA IMPORTÂNCIA

Tanto nas demandas do cotidiano quanto nas da academia há uma tônica formativa em torno do ideal de amadurecimento e da produção de uma subjetividade madura. Subjetividade esta que, como tal, alinhava-se em modos de pensar, sentir, ler, escrever, pesquisar, agir e se relacionar. A academia, por sua vez, sob a égide do modelo de ciência predominante, adere-nos um corpo, um método e uma metodologia, uma linguagem, um ethos e, por que não, um pathos, ou sua suposta lisura, maturidade ou embrutecimento.

Vivenciar o processo formativo-acadêmico inclui aderir um comportamento de aluno, o qual é indissociável dos modos de pesquisa e de relação. Assim, muito embora o modelo de ciência predominante se esquive do reconhecimento de seus conceitos, epistemes e linguagens como políticas formativas e de subjetivação (genealogizáveis, portanto), não deixa de produzir certo regime político, cognitivo e relacional, justo por reprodutibilidade e repetição, não muito diferente de quando, na infância, aprendemos o abc e nos tornamos, enfim, doutores.

No entanto, o amadurecimento, como processo de objetivação e subjetivação, circunscreve a relação com o conhecimento não apenas entre os muros fabris e universitários, mesmo porque se agencia com a própria forma subjetividade-sujeito e, como esta, não é um dado “natural” e último. Assim, conhecer (e conhecer-se) envolve, nessa tônica, uma relação faltosa, essencialista e produtora de expertises, visto que conhecer é poder dizer, com segurança e sem lisuras. Dizer, aliás, a “verdade”. Conhecer é chegar à “verdade”. A “verdade” é madura, encontrável, representável e defensável, ainda que se a reconheça parcialmente. Mas... E quando, em vez de dizer a verdade, gagueja-se? Ou dá-se por satisfeito com poucas palavras? E, quando, em vez de dizer a verdade, silencia-se?

Às vezes se age como se as pessoas não pudessem se exprimir. Mas, de fato, elas não param de se exprimir. [...] estamos trespassados de palavras inúteis, de uma quantidade demente de falas e imagens. A besteira nunca é muda nem cega. De modo que o problema não é mais fazer com que as pessoas se exprimam, mas arranjar-lhes vacúolos de solidão e de silêncio a partir dos quais elas teriam, então, algo a dizer. As forças repressivas não impedem as pessoas de se exprimir, ao contrário, elas as forçam a se exprimir (DELEUZE, 1992, p. 161-162).

Em uma aula de “métodos de ensino” na pós-graduação em psicologia, o professor solicitou que apresentássemos nossos projetos de mestrado para os demais colegas. Chegada a minha5 vez, introduzi o conteúdo, delineei os objetivos e desenvolvi rapidamente a metodologia, de inspiração cartográfica, apostando que uma imagem recolhida da internet poderia dizer, ela mesma, na/da experiência.

Fonte: Disponível do site Diário da Manhã (2016). Por ocasião de trabalho no entremeio entre psicologia e redução de danos, a foto diz do encontro, na rua, entre os profissionais do Consultório na Rua e as pessoas assistidas pelo serviço.

Figura 1 Imagem exibida na aula.  

O professor, munido de seu parecer verdadeiro, tutela: “você ainda está verde”. Para ele, o conhecimento (lê-se domínio) acerca da cartografia não era suficiente. Ainda estamos verde? Ainda estamos verde! Farejamos que a oposição verde/maduro, posta pelo professor, diz mais do que ele supõe, não porque ela mascara alguma realidade oculta, e sim porque seu tom linguageiro circunstancia as políticas formativas e subjetivas em cena (e disputa) no cenário cotidiano e acadêmico. Nesse sentido, na dissertação, ocupamo-nos em afirmar o verde e fazê-lo trabalhar6, aliás, brincar. O verde apresenta uma questão à academia. O verde faz a máquina escolar desfuncionar, forçando-a a pensar, quando o que está posto é: ‘não pensem, copiem as ideias pré-fabricadas. Decorem as regras da vida’.

Entretanto, como pôr o verde a trabalhar? As noções deleuzianas de intercessor e fabulação deram-nos pistas: ‘chegar entre’, compor um modo de nos inserir “numa onda preexistente. Já não é uma origem enquanto ponto de partida, mas uma maneira de colocação em órbita. O fundamento é como se fazer aceitar pelo movimento” (DELEUZE, 1992, p. 151). Deleuze (1992, p. 156-157) continua:

As interferências também não são trocas: tudo acontece por dom ou captura. O essencial são os intercessores. A criação são os intercessores. [...] podem ser pessoas, [...] mas também coisas, plantas, até animais. [...]. Fictícios ou reais, animados ou inanimados. [...] O que é preciso é pegar alguém que esteja ‘fabulando’, em flagrante delito de fabular. [...] A verdade não é algo preexistente, a ser descoberto, mas que deve ser criada em cada domínio. [...] Não existe verdade que não ‘falseie’ ideias preestabelecidas.

Como intercessor, apostamos na literatura infantojuvenil, mais precisamente em O menino do dedo verde (DRUON, 1976). Tistu, protagonista da narrativa, é quem empresta o polegar, não qualquer um, o polegar verde - munido de uma transgressão metodológica, que desvia da sina desenvolvimentista e moral. No livro, seu dedo produz uma fissura no funcionamento da escola, da fábrica, do hospital, da cidade e da guerra. Nesses escritos, ensaiamos o descaminho de uma vida, de um processo formativo e/ou de uma metodologia que toma o verde como hódos (caminho) e também como metá (meta, objetivo)7.

3 ESSE MENINO RELEVA BOAS DISPOSIÇÕES PARA JARDINAGEM

“Você ainda está verde!”, gritou a chaminé da fábrica8 com relação ao domínio sobre a cartografia. Concordamos com ela. Entrar em contato com essa “coisa” que é e não é um método, ao menos em contraposição às perspectivas metodológicas usualmente utilizadas e valorizadas no ambiente científico, exige uma (des)familiarização com certos conceitos, epistemes, linguagens, formas de produzir conhecimentos. Exige ainda um torcer as ideias de evidência, rigor, validação, validade, objetividade, subjetividade, ou, ainda, exige cultivo (POZZANA, 2013).

Nesse sentido, aceitamos que estar verde pudesse ser um sinônimo para pouco contato, para ausência de ‘experiência’. Ao aceitar essa qualidade (ou, na perspectiva das ciências positivistas, a falta dela), conformam-se gestos de insegurança: os braços cruzam, o couro cabeludo coça, o estômago dói e a garganta seca ao pensar que haverá mais necessidade de expressar um problema de pesquisa e uma metodologia bem delimitadas quando a terra só começou a ser semeada e o problema e a metodologia ainda nem estão em gestação. Palavras mofadas e possibilidades de perguntas ou respostas inundam os pensamentos. A insegurança, somada ao imperativo de necessariamente ter de exprimir e ter de saber, empobrece a experiência de pesquisa, entendida como apropriação das lógicas instituídas de pesquisa e habilidade para sua precisa aplicação técnica. A insegurança do pesquisador imaturo inviabiliza e minimiza a ação, como se tudo o que pudesse ser falado beirasse uma margem de erro ou de imaturidade (você ainda está verde!).

O que falar? O que escrever? Já sei o suficiente sobre isso e sobre aquilo? Conheço as autoras principais? Ainda não! Melhor escutar, o que sei ainda é pouco! Leio ali ou acolá e continua inapreensível. Como pôr isso em letras? Um momento, como assim inapreensível? Estamos falando de conhecimento! O conhecimento está na palma da mão. Olhe ali, aqui, aí. Tem esse, aquele, o outro lá. Procure naquela prateleira! Aquela! Sim, são todos científicos, pode confiar. É assim que se conhece?

Acompanhando nosso processo verde de pesquisa (ou de fazer uma pesquisa verde), pudemos notar que cultivo e acúmulo de informação são modos de operação diferentes, quiçá opostos (POZZANA; KASTRUP, 2009; POZZANA, 2013). Dessa forma, nem verde tampouco maduro podem qualificar a experiência de uma pesquisa que se quer cartográfica, mesmo porque no cultivo o controle dá lugar ao contato (POZZANA, 2013), ou como nos convida Débora Diniz (IMAGINAR..., 2020), pensando com o verbo imaginar: “arriscar algo trágico com o conhecimento, nos aproximar [...] Nada substitui o encontro”. A pele do (meu) corpo (do mundo) berra, porque a gente primeiro entende as coisas por meio dela, dela pululam sentidos. Ter pouca ou muita informação indica a possibilidade de controle sobre o que se lê ou ouve e, consequentemente, opera-se uma lógica desenvolvimentista ou de evolução do conhecimento: em dado momento, não se sabe ainda; em outro, começa-se a aprender a partir da aquisição de saber e transmissão da informação e, por fim, sabe-se tudo e não se cartografa nada.

Cultivar uma pesquisa implica demorar-se em estudos teóricos, conceitos e escritos (FISCHER, 2005), afinal, é importante ter a(o) que(m) amar, ensina Frejat (2001). Todavia, não se demora porque há uma falta que requer um saber, um saber que pode ser alcançado em totalidade ou uma realidade passível de representação pelo saber (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2015), mesmo porque tais entendimentos reafirmam uma noção de “verdade” a ser desvelada que, por sua vez, mantém-nos desvitalizados. Demorar-se, pois, “a formação de cartógrafo não se fundamenta na experiência passada, mas encontra sua chave na experiência presente. Trata-se mais de um refinamento da percepção do que um apelo ao saber acumulado ou à memória” (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2015, p. 201).

Conhecer é fazer uma questão com o corpo (POZZANA, 2013). Cruzar os braços, coçar a cabeça e ser inundado por perguntas e respostas que não se mobilizam para sair - como se já não estivessem em um dentro-fora -, parecem, assim, indicar uma enação (PASSOS; KASTRUP, 2013), e não uma aprendizagem verde (nos termos faltosos em questão); uma relação mobilizadora entre o (meu) corpo e o que leio e ouço. Trata-se de afetos9, ali onde o corpo é travessia, encontro, ali onde se desfaz o eu, o meu. Assim, uma formação cartográfica é, “acima de tudo, uma questão de aprendizado da sensibilidade ao campo de forças. Trata-se enfim, de um cultivo da atenção concentrada e aberta à experiência de problematização” (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2015, p. 201).

Refinamento da percepção, aprendizado da sensibilidade: uma formação que tem um quê de desaprendizagem, de abertura do corpo para as forças germinativas do mundo. Uma enação. Enação é um conceito desenvolvido por Varela (2003), opondo-se ao entendimento da percepção como um sistema de registro e processamento de informações, como reconstitutivo ou reapresentativo de um mundo preestabelecido, afirmando, em contrapartida, o “direcionamento perceptivo da ação em um mundo que é inseparável de nossas capacidades sensório-motoras” (VARELA, 2003, p. 86). Nesse sentido, “a cognição não consiste de representações, mas de ação corporificada” (VARELA, 2003, p. 86).

Eis nossa posição: desviar de uma política cognitiva-cognitivista a indicar que “o que você vê é o que é. Conhecer é chegar ao real, sem intermediação” (SILVA, 2010, p. 15). Afirmamos um outro real, o do corpo, não que este seja dado, fixável e governável, mas justo por ser com ele que se transcreve, que se faz uma questão - por isso “o conhecimento não é a transcrição do ‘real’: a transcrição é que é real” (SILVA, 2010, p. 15). O corpo, pele do mundo, é a única razão possível (NIETZSCHE, 1883/2011). No entanto, o corpo cabe na escola? Na academia?

4 NO QUAL TISTU É MANDADO À ESCOLA, ONDE NÃO FICA. JÁ FELIPE, FICA

Até os oito anos, Tistu foi escolarizado em sua própria casa por sua Dona Mamãe, que se incumbia de lhe familiarizar com as letras e números. No entanto, ao completar oito anos, sua mãe acreditou que havia terminado sua tarefa e deveria confiar Tistu a um professor de verdade.

Esse momento deve ter tido uma ritualística muito comum como a que ainda acontece hoje: matrícula, compra de farda, escolha do material escolar, compra de livros e, voilà, pronto para ir à escola. Tistu fora cheio de vontade, como muitos o fazem, porém a aula lhe dera sono. Sim, por mais que se esforçasse, cantarolasse e tivesse vontade de estar ali, não conseguia se manter acordado. Zzz. Eis que a voz do professor irrompe: “Tistu! Não foi de propósito, professor”, respondeu ele. “Não interessa. Repita o que acabo de dizer”, contrapõe professor. “Seis empadas... divididas por duas andorinhas” (DRUON, 1976, p. 28). Seu professor sabia, de cor e salteado, o que lhe responder: zero!

Recebeu zeros e ficou de castigo, até que seu professor de verdade enviara uma carta a seu pai lhe dizendo: “Prezado Senhor, o seu filho não é como todo mundo. Não é possível conservá-lo na escola” (DRUON, 1976, p. 28). No livro, conta-se que em Mirapólvora a preocupação se chamava não é como todo mundo, assim como menciona que era possível ouvir a sirene da fábrica vociferar o mesmo mantra não é como todo mundo (DRUON, 1976, p. 29). Isso não é novidade quando sabemos que, no âmbito de uma abordagem tradicional da educação, ou de sociedade, todo mundo é sinônimo de unidade, universalidade e adesão a uma moral excludente e hegemônica, a um projeto político educacional específico, reprodutível, homogeneizante, maduro e continente: cabeça, ombro, joelho e pé, joelho e pé, ou, ainda, cabeça, tronco, ombro, lápis, rodas, celulares, máscaras para proteção, num contexto pandêmico que continua a desproteger as pessoas em maior situação de vulnerabilidade...

Todavia, à revelia da preocupação escolar-social, a família de Tistu embarcou-o em um novo sistema de educação, ainda que com objetivos maduros. Tistu aprenderia as coisas que deve saber, olhando-as com os próprios olhos. “Ensinar-lhe-ão, no local, a conhecer as pedras, o jardim, os campos; explicar-lhe-ão como funciona a cidade, a fábrica, e tudo que puder ajudá-lo a tornar-se gente grande” (DRUON, 1976, p. 31-32). Tistu transgrediu esse objetivo, pois, ao fazer da educação uma experiência, deparou-se com seu dedo verde que fazia brotar todos os tipos de plantas por onde punha os dedos, interferindo então na lógica da escola, do hospital, da prisão, da cidade e da guerra.

Sabemos, não obstante, que não é só em Tistu que a escola produz resultados imprevisíveis e lastimáveis, Felipe também o sentira. Rubem Alves, em parceria com Maurício de Sousa, escreve o livro Pinóquio às avessas (ALVES; SOUSA, 2010), onde conta a estória (será?) de um menino de carne de osso que, à medida que estuda na escola, vai virando outra coisa, contrariando a narrativa em Pinóquio no qual as crianças nascem de pau e só viram crianças de verdade ao passarem pela escola.

- Pinóquio era um bonequinho de madeira. Não era um menino de verdade. Para se tornar um menino de verdade, ele teria de ir à escola. Pinóquio fugiu da escola, preferiu brincar. Aí lhe cresceram orelhas e rabo de burro. Quem não vai à escola fica burro. Ainda bem que a Fada Azul veio em seu auxílio. Se não fosse por ela, ele teria ficado burro pelo resto da vida. Passaria a vida puxando carroças. É preciso ir à escola para não ficar burro, para ser gente de verdade (ALVES; SOUSA, 2010, p. 10-11).

Os olhos de Felipe já estavam fechando de sono. Seu pai lhe deu um beijo, e o menino adormeceu repetindo o que o pai lhe dissera: “É preciso ir à escola para não ficar burro, para ser gente de verdade. E pensou ainda: não fui à escola. Ainda não sou gente de verdade” (ALVES; SOUSA, 2010, p. 11). E adormeceu. E teve um pesadelo terrível. Sonhou que era um burrinho puxando uma carroça.

Felipe, ao nascer, não fora trazido pela cegonha, como contam as estórias clássicas para crianças dormirem e não saberem sobre sexo. No entanto, se assim o tivesse sido, talvez a cegonha não desse conta de trazê-lo para seus pais. Felipe não chegara só. Não tinha irmão gêmeo, se é o que pensou, mas, desde cedo, passara a conviver com uma enxurrada de expectativas e planos para seu futuro: “muito inteligente, muito bom aluno, com notas boas, entraria na universidade e seria um cirurgião famoso, um grande cientista ou um bem-sucedido administrador de empresas” (ALVES; SOUSA, 2010, p. 12). Seria cisgênero, hétero, casado, cristão e pai, de preferência de um menino e uma menina. E tudo isto acompanhado de superlativos, claro.

Por outro lado, Felipe nada sabia sobre os planos e sonhos dos pais para seu futuro, ocupava-se apenas com o presente, acompanhado de uma curiosidade pueril, semelhante a uma coceira dentro da cabeça ou às cócegas em Tistu. Interessavam-lhe as perguntas chãs, não o que estava à frente da sua mão, mas o que lhe tomava o corpo, o que (des)cabia na palma da mão, o que alargava seus olhos:

Quem inventou as palavras? Por que é que canteiro se chama canteiro? Deveria se chamar planteiro. Quem foi que disse que o nome do cavalo deveria ser cavalo? O que o mar faz quando a gente vai dormir? Para onde vai a lua quando ela desaparece? Quando a gente morre a gente fica com saudades? (ALVES; SOUSA, 2010, p. 14-15).

Suas perguntas não pareciam ser para gente grande, muito embora seus pais insistissem em afirmar, quando não sabiam responder, que na escola ele aprenderia. E isso ajudou Felipe a construir uma ideia da escola como um espaço maravilhoso onde suas perguntas teriam respostas. Contudo, seu fascínio mesmo era pelos pássaros, queria saber seus nomes, possuía um álbum com fotos e desejava conhecer sua linguagem, ao menos essa: a que cabia na boca de passarinhos (BARROS, 2010). Contudo, seu pai insista em lhe fazer perguntas de gente grande e exigir respostas que acompanhassem essa lógica: “O que é que você quer ser quando crescer?, pergunta. Quando eu crescer quero continuar sendo o que já sou: Felipe! Não quero ser outra pessoa! Não quero mudar de nome, responde” (ALVES; SOUSA, 2010, p. 18). Parecia óbvio para Felipe, mas não para seu pai, já maduro, que sorri ao ouvi-lo, como se sua resposta fosse banal - e o era, de fato, banal, verde. Assim como são verdes as elucubrações de Tistu:

Isto prova simplesmente que as ideias pré-fabricadas são ideias mal fabricadas, e que as pessoas grandes não sabem mesmo o nosso nome, como também não sabem, por mais que o pretendam, de onde foi que viemos, por que estamos aqui e o que devemos fazer neste mundo. [...]. Se só viemos ao mundo para ser um dia gente grande, logo as ideias pré-fabricadas se alojam facilmente em nossa cabeça, à medida que ela aumenta. Essas ideias, pré-fabricadas há muito tempo, estão todas nos livros. Por isso, se a gente se aplica à leitura ou escuta com atenção os que leram muito, consegue ser bem depressa pessoa importante, igual a todas as outras [...]. As ideias pré-fabricadas, que os outros manejam tão bem, recusam-se a ficar em nossa cabeça: entram por um ouvido e saem pelo outro, e vão quebrar-se no chão. Causamos assim muitas surpresas. Primeiro, aos nossos pais. Depois, a todas as outras pessoas grandes, tão apegadas às suas benditas ideias! (DRUON, 1976, p. 13-14).

Outras crianças, como Felipe e Tistu, querem ser outras coisas, outras pessoas, outros entes, aqui e agora. Na escola, onde trabalha o autor deste texto como psicólogo escolar-educacional, as professoras também fizeram essa pergunta aos alunos de cinco anos prestes a formarem-se em abc e as respostas apontavam para os desenhos animados, heróis e heroínas. Não se doutora em fabulação! Ao que, prontamente, suas professoras refizeram as perguntas e lhes instruíram a escolher profissões, como também o fizera o pai de Felipe. É proibido cochilar e imaginar.

É claro que você vai continuar a ser Felipe. Mas, quando crescemos, ficamos diferentes. Agora você é criança. As crianças brincam. Quando você crescer, deixará de ser criança e se transformará em adulto. Os adultos trabalham. Assim é a vida. É preciso trabalhar para ganhar dinheiro, para comprar uma casa, casar, ter filhos. É por isso que, quando alguém lhes pergunta “O que você é?”, os adultos respondem: “Sou professor, médico, advogado, engenheiro, mecânico...” Os adultos são aquilo que fazem para ganhar dinheiro. Essa é a razão por que você em breve vai entrar na escola. As escolas existem para transformar crianças que brincam em adultos que trabalham. É preciso entrar no mercado de trabalho (ALVES; SOUSA, 2010, p. 18).

Felipe se interessara, queria ser adulto. E, aqui, vale dizer, que “não há um indivíduo desejante que cria objetos ou um objeto sociedade [ou educação, ou psicologia, ou empresa] que produz indivíduos em série. Há uma máquina desejante e coletiva que transversaliza indivíduo e sociedade” (PAULON, 2006, p. 127), ou, ainda, não há oposição entre desejo e instituição, haja vista que “o homem não tem instintos, ele faz instituições” (DELEUZE, 2006, p. 32).

Dessa maneira, entende-se a experiência de si como histórica e culturalmente contingente, sendo, portanto, aprendida (LARROSA, 1994). Assim, problematiza-se a ideia de que “as práticas pedagógicas e/ou terapêuticas seriam espaços institucionalizados onde a verdadeira natureza da pessoa humana - autoconsciente e dona de si mesma - pode desenvolver-se” (LARROSA, 1994, p. 44), aderindo-a, assim, um modo de narrar-se, descrever-se, observar-se, julgar-se, dominar-se e interpretar-se, ou, ainda, de fazê-la gente de verdade.

E como é que as escolas transformam crianças em adultos?, pergunta Felipe a seu pai adulto e gente de verdade.

5 NO QUAL RECEBEMOS UMA LIÇÃO...

Sem titubear, seu pai lhe explica, apresentando uma espécie de panorama do currículo escolar:

- É assim: você entra para a escola no primeiro ano. Lá vão lhe ensinar muitas coisas. Se você as aprender e tirar boas notas, passará para o segundo ano. No segundo ano, vão lhe ensinar muitas outras coisas. Se você as aprender e tirar boas notas, passará para o terceiro ano. E assim você vai aprendendo coisas, tirando boas notas e passando de ano, até chegar o momento mais importante, o momento em que você deverá escolher o que vai ser quando adulto. É a hora de entrar na universidade. Muitos querem entrar nas universidades. Mas elas não têm lugar para todos. Aí não basta tirar boas notas. Você terá que tirar as melhores notas para entrar na universidade. Os que não tiram as melhores notas não entram. Se você entrar, no primeiro ano vão lhe ensinar as coisas necessárias para ter a profissão que você escolheu. Se vocês as aprender e tirar boas notas, passará para o segundo ano. No segundo ano, vão lhe ensinar muitas outras coisas, e assim vai acontecendo até terminar o último ano da universidade. Aí há uma grande festa, chamada formatura. Na formatura, você receberá um diploma. Diploma é um papel grande, bonito, em que se encontra escrito o nome da sua profissão. É o diploma que diz o que você é. Os adultos são a profissão que exercem. Aí você vai trabalhar, ganhar dinheiro, ter filhos, que vão para escola, onde lhes ensinarão muitas coisas (ALVES; SOUSA, 2010, p. 20-21).

Esse panorama tem efeitos protéticos, gestando corpos e sujeitos indexados ao regime antropo-falo-ego-logocêntrico e econômico, mediante pedagogias institucionais e corporais. Não que se produzam pedagogias apenas no campo escolar-educacional. Os projetos terapêuticos nos serviços de saúde mental, por exemplo, também figuram projetos pedagógicos, territórios de ensino, determinando condutas e montando o escopo do cuidado (VASCONCELOS; SEFFNER; MELO, 2020).

Voilá. É assim que as crianças deixam de ser crianças que brincam e passam a ser adultos que podem entrar no mercado de trabalho (ALVES; SOUSA, 2010, p. 20-21), de modo que a educação funciona como um empreendimento de sujeição (DEACON; PARKER, 1994), de moral, de poder, de governo, na medida em que estrutura as possibilidades de ação dos outros (FOUCAULT, 2009), dizendo-lhes quem são e o que podem; ou, ainda, “é como se a própria instituição da moral se apresentasse como âncora invisível de todas as outras instituições - derradeira tábua de salvação, arrimo do instituído, reproduzindo sempre o mesmo, como se fosse o único modo de existência” (PAULON, 2006, p. 125). O mesmo é verdadeiro, maduro, adulto, homogêneo, obediente.

Os usos e desusos dessas ideias apontam para a moralidade e, justo por isso, produzem uma rouquidão no pensamento (NIETZSCHE, 1887/1998, p. 99), passando a ser ditos e prescritos como se fossem verborreias. É o que acontece também com: eu, indivíduo, sujeito, objeto, interior, exterior, razão, bom, mau, sério, maduro, memória, humano, reflexão, seguro, compaixão, culpa, amor ao próximo, ciência, conhecer, pesquisar, teoria, método, realidade, formação, humanismo, discrição, humildade e impessoalidade.

Tais ideias coadunam-se com a de indivíduo soberano ou moderno, sobre o qual Nietzsche (1887/1998) diz ser o fruto mais maduro da árvore, e foram-nos aderidos pela moralidade do costume, ou seja, pelo conjunto de valores que estão em voga em um determinado período histórico. Assim, “moralidade não é outra coisa (e, portanto, não mais!) do que obediência aos costumes, não importa quais sejam; mas costumes são a maneira tradicional de agir e de avaliar” (NIETZSCHE, 1881/2016, p. 17).

Nesse sentido, a maturidade, como força civilizatória e moral, homogeneíza-nos, dociliza-nos, subjetiva-nos e, é, pois, entendida, como um ideal ascético, nomeado de “autêntica fatalidade na história da alma do homem europeu” ou neurose (NIETZSCHE, 1887/1998, p. 58). O ideal ascético corresponde a um conjunto de condições de melhoramento da existência humana a partir dos ideais de humildade, pobreza e castidade. Arrimo da seriedade, do ressentimento e da má consciência, o ideal ascético está a serviço do amortecimento da sensibilidade, mediante o assenhoramento arrazoado da vida, ou, ainda, da vontade de poder: por meio da força, procura-se interromper a fonte da força, suspendendo os afetos. Como se faz isso? Produzindo memória, reflexão, consciência (entendida como sinônimo de razão e núcleo essencialista da subjetividade) e culpa (NIETZSCHE, 1887/1998).

A moral, portanto, como dissera Paulon (2006, p. 34), “está por todos os lados” e incide e forma os campos da psicologia, da ciência, da filosofia e da política, tornando-as cativas da perspectiva do rebanho, do tipo cultural do homem moderno, qual seja: fraco, gregário, escravo, ordeiro (NIETZSCHE, 1887/1998, p. 43). Esse tipo cultural-psicológico é constituído por meio dos fios de uma “moral dos escravos”, que diz de uma experiência cultural de liberação do sofrimento às voltas com a vedação a uma descarga externa de energia, o que gera ressentimento e implica uma internalização. Caracteriza-se, assim, pela identificação, via da negação a um fora, negação da alteridade, ao outro e seus valores, ao encontro e à movência que do encontro advém: negação de um outrar-se. Logo, vale-se da sobreposição de dois atributos morais (bom e mau), em que o bom se qualifica como compassivo, humilde, altruísta, que nega a si mesmo e o mau, em contrapartida, como o que agride, ataca, afirma e age (NIETZSCHE, 1887/1998, p. 88).

Na ciência, na filosofia e na política, esse tipo cultural se apresenta pelo “privilégio epistemológico atribuído a conceitos como reação/adaptação”, pelo “privilégio metafísico da razão pura e por seu caráter de teologia disfarçada, que sempre ainda despreza o corpo em proveito da alma” e pela “glorificação do altruísmo e da extensão universal do espírito de rebanho”, respectivamente (NIETZSCHE, 1887/1998, p. 47).

Vale dizer ainda que, no âmbito da psicologia, isso aparece também na reciprocidade entre consciência e psiquismo, bem como na sobreposição platônica e cristã entre corpo e alma, mediante a qual o intelecto (ou a cognição, ou a razão, entendidas como sinônimos) estrutura-se como “núcleo espiritual de nossa subjetividade e superior ao corpo” (NIETZSCHE, 1887/1998, p. 44); ou, ainda, reflete-se na pressuposição ou busca, ainda que não garantida, de uma “objetividade plena do conhecimento e acesso a estrutura ontológica da realidade” (NIETZSCHE, 1887/1998, p. 48). Isso é uma ciência madura.

A sobreposição do intelecto e, por sua vez, do cognitivismo acarreta a negação e depreciação do corpo, do sensível, das paixões, do histórico, do movimento, do devir (NIETZSCHE, 1887/1998, p. 48), da verdinagem, do delírio, da fabulação, da poesia. Na busca pela essência, pela substância, pelo fundamento das coisas; na busca pela “verdade”, pureza e maturidade, distancia-se do corpo e sua volubilidade. Consequentemente, aprendizagem é entendida a partir da sacralização da informação e da opinião (BARROS; FREITAS; CHAMBELA, 2019), da solução de problemas, ou ainda da aquisição de um saber (KASTRUP, 2005). O cérebro é deus, quando não, é seu filho primogênito. O pai e o filho são um. O caminho, A verdade e A vida. Repete-se a narrativa cristã-platônica-moral: o corpo é vituperado.

Ocorre mencionar que, neste trabalho, aposta-se na aprendizagem como um processo de produção de subjetividade (KASTRUP, 2005), de criação de conexões, de intensidades, de (des)territorialização, (des)subjetivação e corporificação de conhecimento (KASTRUP, 2001). Assume-se, então, um compromisso com o contemporâneo (AGAMBEN, 2009). Não com a expectativa de uma vida em outra época, ou com uma recordação que retome a origem da interpelação moral em meu corpo, na ciência psi, na universidade-escolarizada, mas com o acompanhamento disso que insiste como um “embrião continua a agir nos tecidos do organismo maduro e a criança na vida psíquica do adulto” (AGAMBEN, 2009, p. 69), a verdinagem. Contemporâneo, isso que insiste e incide nesse(s) rosto(s) um “facho de trevas que provém de seu tempo” (AGAMBEN, 2009, p. 63)10, um facho de cotidiano, de gente. Que insiste, incide e faz desmoronar11.

6 DESCONSIDERAÇÕES PARA A ACADEMIA

Grande parte do modo como agimos e conhecemos se dá sem atenção e consciência ao que nos acontece. Não nos é dado saber como explorar o plano da experiência, isso não é imediato, requer aprendizagem. [...] Não podemos deixar de acentuar a necessidade de práticas que tornem possível uma atenção aberta aos processos em curso, que nos permitam saber com aquilo que nos faz viver. [Cultivar] uma postura conceitual-política que lida com o aspecto processual na produção do conhecimento, e não com uma realidade dada. [...] Mais do que entender a formação em seu aspecto de produção de uma forma, baseados em modelos predeterminados, tomamos como ideia diretriz que o pesquisador cartógrafo é formado no acesso ao plano das forças, plano instituinte em movimento e transformação que não se separa do plano instituído. [...] O processo de formação é sempre local e parcial, por meio de práticas ganha corpo, mundo e língua. Em vez da pergunta ‘como forma?’, sustentamos esse não saber e brincamos: como força? Como estarmos atentos, abertos e sensíveis ao presente, forçados a pensar e a criar enquanto fazemos pesquisa? (POZZANA, 2013, p. 327).

Entretanto, o que se quer colocando em questão o ideal científico e ascético de maturidade? Ou o ideal maduro e ascético da ciência? Não é a ciência quem, seguramente, protege-nos do autoritarismo e de toda sorte de superstições, anímicas ou negacionistas? Não promove ela a liberdade intelectual e, quiçá, social? São perguntas como essas que Feyerabend (1981) utiliza como ponto de partida, trilhando com elas caminhos e chegadas díspares. Aqui, insistimos em uma pista: o corpo, que sente no bocejo a boca do mundo (VALENÇA, 1976): “abertura atenta do corpo ao plano coletivo de forças em meio ao mundo. [...] uma formação [e uma pesquisa] é acompanhada por processos de corporificação feitos por práticas compostas por afetos em trânsito. Eis um leme da formação. Conhecer, agir e criar se fazem juntos” (POZZANA, 2013, p. 328). Da apoteose da palavra, da sacralidade da língua a seu limite (CORAZZA, 2010): dar corpo e língua aos afetos que pedem passagem (ROLNIK, 2019). Da previsibilidade ao intempestivo das sensações, aos vareios no dizer, a despeito de uma epistemologia da pureza essencial (CORAZZA, 2010), de um deus monoteísta da objetividade (HARAWAY, 2009). Um deus, aliás, adulto, barbado, entronado, distante e louvado a toque de sino, só não poderia (será?) ser um erê - levado, infante, intempestivo, de pés no chão, chegado a doces, travessuras e gargalhadas.

Nesse sentido, sustentamos a cartografia como pesquisa-intervenção, não por supostamente ser refratária a critérios, parâmetros e validação (PASSOS; KASTRUP, 2013), mas, justo, pelo cultivo de uma posição epistemológica, ética, afetiva e política interessada em acompanhar o efeito das práticas: “o caminho de pesquisa se faz nos efeitos do campo em nós [...] e nos efeitos no campo da nossa presença-intervenção. [...] um processo que produz sujeito e mundo” (POZZANA, 2013, p. 332).

Essa postura vai, aos poucos, desarticulando-se da política de desejo (de cognição, método, resultados e pesquisadores) dominante, em nome da qual desativa-se a potência do corpo para decifrar o mundo (ROLNIK, 2019). A dicotomia homem/natureza e sujeito/mundo presente nessa política de desejo e cognitiva propagandeia uma relação de controle visando ao conhecimento: conhecer para controlar, controlar para conhecer. Vale ressaltar ainda a ênfase em decifrar, que evidencia, por sua vez, uma relação de falta/enigma e de origem com o saber e uma ideia de que se conhece para representar um mundo dado. Para nós, que brincamos com os erês, conhecimento é invenção. Contudo, “como atestar a validade de pesquisas que visam acompanhar processos, mais do que descrever estados de coisas?. [...] É imprescindível perguntar: a investigação vai além das formas constituídas? O plano coletivo de forças moventes foi ativado?” (PASSOS; KASTRUP, 2013, p. 393).

Passos e Kastrup (2013) sugerem três indicadores para a validação de pesquisas interessadas em pensar-mover o presente, inclusive, dos modos de fazer pesquisa: a) o acesso à experiência, quando o que vemos são modos de fazer pesquisa que intentam furtar-se à experiência para garantir cientificidade. Essa concepção de validação não se apoia na noção de correspondência com o fenômeno estudado. Uma das características dessa epistemologia política é que o conhecimento científico se define por ser interessante, fecundo, original em detrimento da chatice, deselegância, repetição de um processamento de dados e protocolos. Ciência é correr riscos: “Um verdadeiro problema é aquele colocado do ponto de vista da duração, sua dimensão processual e de produção de subjetividade” (PASSOS; KASTRUP, 2013, p. 394). Assim, conhecer é mais que representar um mundo dado, envolve uma atitude ético-política com relação a si mesmo e ao mundo. Não se trata de um conhecimento sobre uma experiência, mas um conhecimento que seja ele mesmo uma experiência, um processo de abertura de si e de mundos. “No lugar do controle, o contato” (PASSOS; KASTRUP, 2013, p. 402); b) essa é consistência dessa atitude político-epistemológica: acompanhar processos de produção de si e de mundos, num momento; e c) avaliar a produção de efeitos: no contato, ampliamos e afirmamos a vida ali onde ela pode mais?

Não se trata, portanto, de voltar a insistir nas oposições morais que incidem em desqualificações desta ou daquela política cognitiva. No entanto, por sua vez, entendendo que se trata ainda da disputa de outros modos de fazer ciência e produzir conhecimentos, parece-nos importante situar e diagnosticar que a política de desejo e cognitiva predominante tem limites, não é única, tampouco “mais” científica e não deixa de se guiar por uma bússola moral (ROLNIK, 2019), ainda (ou justo por) se opor às superstições e a não colocar em análise sua rede de implicações, ou seja, por ainda, pasmem, acreditar (é questão de crença?) e/ou veicular a ideia de neutralidade. Além disso, esta se coaduna facilmente com uma “patologia crônica da ciência”, ideia nietzscheana retomada por Paulon e Romagnoli (2010, p. 93).

É com essa patologia que tropeçamos no processo de pesquisa e na pós-graduação. Aliás, talvez seja ela quem tenha tropeçado. Patologia esta que se caracteriza pelo hiperdesenvolvimento de um órgão em detrimento da integralidade do corpo (GIACOIA JUNIOR, 2001); que descaracteriza a aventura humana (PAULON; ROMAGNOLI, 2010); tornando as emoções frias, o ritmo acelerado do empreendedorismo, substituindo o instinto pela dialética e imprimindo seriedade nos rostos, gestos (NIETZSCHE, 1887/1998) e escritas. Tendo isso em vista, perguntar acerca da feitura escolar-educacional da criança em adulto é reconhecer condições concretas de certos regimes de cognição, mas também farejar vetores de diferenciação pela ex-posição (LARROSA, 2014); pelo desenho cartográfico de uma objetividade corporificada, para a qual “a objetividade não pode ter a ver com a visão fixa quando o tema de que trata é a história do mundo” (HARAWAY, 2009, p. 30). Assim sendo, “o cartógrafo é formado nas problematizações do mundo, nos desvios, nos lapsos, ali onde algo escapa ou onde não encontramos o que ansiamos encontrar” (POZZANA, 2013, p. 334-335). Maturar sem amadurecer, durar sem prever, reproduzir sem imitar; pesquisar padecendo, mas sem adoecer.

Dizemos isso, aliás, para que também não naturalizemos as experiências de adoecimento no ambiente acadêmico. A cópia sob modelo, comum às crianças em idade escolar, mas também aos jovens e adultos universitários, deixa marcas e números não só no quantitativo de produção, mas também no de adoecimento. As relações de abuso, a imputabilidade de um não-saber (escrever, falar, ler, pensar, ser) e a impagável dívida pelo custo de Um $aber são atordoantes e inúmeras. Por isso, falar em política cognitiva e em infância metodológica é dizer ainda da possibilidade de produzir diferindo, mas também é, ou apostamos que possa ser, a possibilidade de poder-se alegrar, bagunçando a circularidade e a lisura.

Inclusive, não à toa falamos em infância metodológica e mencionamos o processo de alfabetização em seu dispositivo de cópia sob modelo. Também lá, a suposição de uma linguagem madura, a qualquer custo, desativa noventa e nove outras linguagens, como sugerira Loris Malaguzzi (EDWARDS; GANDINI; FORMAN, 2018). O que fizemos no trabalho dissertativo, aliás, foi bifurcar e entrecruzar narrativas, literaturas, imagens, músicas, poesias, cheiros, memórias, notícias, cores, gestos, currículos e cânones, atentos aos afetos que se mobilizavam. Acionar linguagens outras que “não seguem o caminho reto da razão” (LATOUR, 2001, p. 201), vascularizando a ciência, ampliando suas relações e vasos com outras disciplinas, com o coletivo (LATOUR, 2001).

Todavia, o que fazer com isso? Para que(m) serve imaginar e operacionalizar uma verdinagem acadêmica e na vida? Do que se trata o verde? Quando se está verde? Quando se é maduro? Pode a literatura infantojuvenil produzir desvios à formação monodisciplinar, moral e madura? E, ainda, produzir derivas metodológicas? O que pode a infância e que infâmias um método infantil produz?

Consideramos que existem diferentes formas de alinhavar essas perguntas e que respondê-las tem seu mérito, mas encerra-as; responder pronta e totalmente sepulta a curiosidade pueril, as cócegas, a coceira, a questão que se faz com o corpo. Uma questão corporificada dura tanto quanto dura um corpo, dura tanto quanto se desfaz; mais ainda, dura o necessário para “soldar com seu sangue o dorso quebrado do tempo” (AGAMBEN, 2009, p. 60), de nosso tempo. Nossa aposta é a de que o verde infantil dessa pesquisa possa dar passagem a novos começos de mundo, outras práticas de si, (des)subjetivações. Pesquisar perscrutando um olhar infantil sobre as coisas: “eis o que acontece quando um [...] pesquisador lança seu olhar sobre as coisas, elas então parecem tão novas e esquisitas, como se fossem algo jamais visto antes” (BENJAMIN, 2015, p. 267). Tal pode ser o ânimo de uma pesquisa que se pretende verde, manter-se verde, sempre disposta a iniciar, a, em vez de coletar dados de um mundo dado, a acompanhar processos, a cartografar relevos em formação e, assim, a fazer-se processualidade em todos os seus momentos (colheita de dados, análise-semeadura, escrita em germinação).

Uma pesquisa verde mira o método como uma atitude estético-político-afetiva, um percurso percorrido pelo cultivo de um pensamento-arte, “que não cabe em conceitos categóricos, mas que se define antes como uma prática de si sempre em vias de se fazer (FONSECA, 2007, p. 144). Uma pesquisa verde germina de uma instalação metodológica que não é replicável, generalizável, nem mesmo aplicável; ela brota do compromisso de posicionar-se diante do tempo presente, nele dando passagem, dando a ver, dando existência ao “sopro das forças da vida” (FONSECA, 2007, p. 145), que insistem em compor com o solo de nossas terras novas aragens. Uma pesquisa verde malina os sujeitos e os mundos inventados, cria com eles outras formas, faz brotar musgo das regularidades e estratos históricos de uma vida capital acimentada.

Uma pesquisa verde desabrocha com um pensamento infantil (KOHAN, 2007), que se faz imaginando, entre o possível e o impossível, que se faz no tempo do devir. Tempo-infância que se realiza em suas próprias construções experimentais, dotado de uma força-outra, aquela que faz do corpo infantil da pesquisa palco para encontros, e não tábula de inscrição. Pesquisa verde, pesquisa-malinação, experimentação conceitual-metodológica semeada pelo verdejar de um corpo-passagem, um corpo-encontro, um corpo-raiz abrolhado num tempo entendido não como historicização, descrição de marcar do passado, mas de uma imersão no “tempo da criação, do ilimitado ainda por vir, que, entretanto, já nos habita como uma espécie de futuro anterior” (FONSECA, 2007, p. 142).

Nessa direção, aceita-se o espelho da descrição do que somos e do mundo onde habitamos apenas como dispositivo de luta contra nosso presente. O adubar dessa atitude de pesquisa-enxada, a arar as terras do presente, revolvendo-lhe, transmutando-lhe, solicita abrir mão da ideia de descrever um mundo dado, coletar dados desse mundo para afirmação ou negação de uma hipótese teleológica. Nossas pesquisas ensaiam um fazer provisório, “um frágil ponto do qual pode se empreender uma fuga” (FONSECA, 2007, p. 141), um fazer insurgido do espanto diante da pequenez desse mundo em que nos constituímos, desse (nosso) tempo, mas também do encanto com as forças germinativas, os germes de mundo outros que circulam num avessar o aqui-e-agora. Pesquisamos, pois, com “gestos e paisagens corporais [...] ‘dispersas’, onde explodem singularidades” (VASCONCELOS; BALESTRIN; PAULON, 2013, p. 605).

A verdinagem é, portanto, uma possibilidade de sutura, de solda, mas também de posição, de interrupção, de resistência, de insurreição. A verdinagem, como um saber-do-corpo na encruzilhada, faz a genialidade, o preciosismo e o embrutecimento moral-acadêmico desmoronarem, pois se ocupa, afinal, de infantilar (KOHAN, 2007) uma vida, uma pesquisa, uma pesquisa na/de vida. Infantilar é “instaurar um espaço de encontro criador e transformador da inércia escolar repetidora do mesmo” (KOHAN, 2007, p. 98), ou ainda é poder inventar, interromper, diferir, revolucionar, instaurar outro tempo - o da intensidade (KOHAN, 2007).

O que fazem Tistu e Felipe, em suas narrativas literárias, portanto, é nos fazer questionar e “romper com a circularidade do labirinto escolar” (CORAZZA, 2010, p. 100). Apesar de fazerem com que nos depararemos com o governo das condutas12, por meio do qual Felipe e nós fomos educados, mas também por isso, possibilitam que seja possível ainda “lançar-se para um sempre novo do currículo, eliminando qualquer ilusão transcendente para a educação, afirma, a cada nova página, a vida [!]”, como é, pois, o destino de um livro, de uma questão: sem fim e sem origem (CORAZZA, 2010, p. 135). Verde-hódos. Verde-metá.

REFERÊNCIAS

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NOTAS:

1 Cabe pontuar aqui a historicidade moderna criadora da oposição hierarquizante entre cultura e natureza (DECOLA, 2016) e a ideia de uma infância-natureza ou em fase de desenvolvimento que tem como fim a adultez, promovida por um reiterado coadunar com os valores civilizatórios, como se a infância fosse incapaz e, portanto, passível de tutela, guias e cuidados (seja pela família, escola, nação etc.) (HECKERT, 2018).

2 Como diria Manoel de Barros (2010): “Aprendi com Rômulo Quiroga (um pintor boliviano): A expressão reta não sonha.Não use o traço acostumado. A força de um artista vem das suas derrotas. Só a alma atormentada pode trazer para a voz um formato de pássaro.Arte não tem pensa:O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê. É preciso transver o mundo”.

3 Oração proferida por um mestrando na aula de Epistemologia e Metodologia em Psicologia, semestre 2020.2. Vale registrar que também costumamos fazer diário de campo, ou, como diria Machado (2011, p. 49), “cadernos de formação” de nossas aulas, transfigurando nossas práticas docentes também em campo de pesquisa. Dizendo de outro modo, o processo de trabalho se faz pesquisa, “movimentado pela indissociabilidade entre trabalho e formação”.

4 Quanto ao modo como este artigo está organizado, utilizaremos títulos das seções semelhantes a alguns dos usados em O menino do dedo verde (DRUON, 1976), com algumas adaptações. No mais, usaremos o itálico em alguns momentos do texto ao fazermos menção a trechos de literaturas infantojuvenis com menos de três linhas.

5 Com relação aos pronomes pessoais dispostos no texto, será utilizada a primeira pessoa do singular quando acharmos necessário para localizar a vivência de um dos autores ou por questões de estilo.

6 Aqui, lembramos de Rauter (2000, p. 268) no artigo “Oficinas para quê?”, quando ela aposta num trabalho-arte como vetor de existencialização, tendo como função a “inserção no mundo da coletividade, de rompimento do isolamento que caracteriza a vivência subjetiva contemporânea, [... ] lugar de criação e invenção do cotidiano”.

7 Mais detalhes a respeito da reversão hódos-metá, ver Passos e Barros (2015).

8 Referência a Druon (1976). A fábrica, na ocasião, chamava-se professor, como já adiantei, mas, pode-se chamar educação, ciência, academia, psicologia. A fábrica, hoje pulverizada, ganha contornos empresariais e faz de todos e cada um de nós almas-empresa (DELEUZE, 1992); de nossos corpos e nossos gestos seus empreendimentos.

9 Rolnik (2019, p. 53-54) argumenta que afeto não é uma emoção psicológica. Semelhante à percepção, o afeto aqui “compõe uma experiência de apreciação do entorno mais sutil, que funciona sob um modo extracognitivo, o qual poderíamos chamar de intuição: saber-do-corpo; saber-do-vivo; saber-etológico. Um saber intensivo, distinto dos conhecimentos sensível e racional próprios do sujeito”.

10 Ao se ocupar da pergunta, “mas o que vê quem vê o seu tempo, o sorriso demente de seu século?”, Agamben (2009) assinala que o contemporâneo mantém o olhar não nas luzes, mas no escuro, na obscuridade. Escuro ou trevas que não são inseparáveis das luzes, mas, a despeito destas, percebe nas trevas o dorso fraturado deste tempo.

11 “O desmoronamento da linguagem é correlativo à presença terrível e ameaçadora da realidade, da vida, da realidade viva” (LARROSA, 2014, p. 106).

12 “Onde há possibilidade de governo dos outros e de si mesmo, onde há desejo de conduzir condutas, podemos encontrar um currículo” (BRAGA, 2020, p. 291).

Recebido: 16 de Junho de 2021; Aceito: 22 de Dezembro de 2021

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