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Revista e-Curriculum

versión On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.20 no.4 São Paulo oct./dic 2022  Epub 30-Ene-2023

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2022v20i4p1512-1533 

Artigos

Lei 10.639/2003 e os Currículos dos Cursos de Pedagogia na Região Sul do Brasil

Law 10.639/2003 and the Curriculum of Pedagogy Courses in the Southern Region of Brazil

Ley 10.639/2003 y el Currículo de Cursos de Pedagogía en la Región Sur de Brasil

i Mestrando em Educação na Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: luquinhas.lage20@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-0119-9926.

ii Doutora em Educação. Docente da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). E-mail:simonealves@unipampa.edu.br - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-1292-4038.


Resumo

Este estudo tem como objetivo compreender como os currículos dos cursos de licenciatura em Pedagogia das universidades federais da Região Sul do Brasil trabalham a Lei 10.639/2003. A pesquisa fundamenta-se na perspectiva crítica, qualitativa e na metodologia de análise de conteúdo de Bardin (1977). Embasa-se em autores como Almeida (2018), Apple (2005), Adichie (2019), Alves et al. (2021), Freire (1979), Munanga (2008), Torres Santomé (2013), Gomes e Silva (2011), Triviños (2001), entre outros. Resultados indicam que os fundamentos da Lei 10.639/2003 são tratados de forma transversal, diluídos em alguns componentes curriculares. Assim, compreendemos que é urgente a necessidade de amplo debate nas instituições, de modo a desempenhar um papel importante na construção e na efetividade de políticas educacionais, possibilitando maior visibilidade das questões étnico-raciais nos cursos de formação inicial e continuada.

Palavras-chave: formação de professores; relações étnico-raciais; currículo; políticas públicas educacionais

Abstract

This study aims to understand how the curricula of the degree courses in Pedagogy of the Federal Universities of the Southern Region of Brazil work with Law 10.639/2003. The research is based on the critical perspective, qualitative and content analysis methodology of Bardin (1977). It draws on authors such as Almeida (2018), Apple (2005), Adichie (2019), Alves et al. (2021), Freire (1979), Munanga (2008), Torres Santomé (2013), Gomes and Silva (2011), Triviños (2001), between others. Results indicate that the foundations of Law 10.639/2003 are treated in a transversal way, diluted in some curricular components. Thus, we understand that there is an urgent need for a broad debate in institutions, in order to play an important role in the construction and effectiveness of educational policies, enabling greater visibility of ethnic-racial issues in initial and continuing education courses.

Keywords: teacher training; ethnic-racial relations; curriculum; educational public policies

Resumen

Este estudio tiene como objetivo comprender cómo los currículos de los cursos de grado en Pedagogía de las Universidades Federales de la Región Sur de Brasil funcionan con la Ley 10.639/2003. La investigación se basa en la perspectiva crítica, la metodología de análisis cualitativo y de contenido de Bardin (1977). Embasa-se em autores como Almeida (2018), Apple (2005), Adichie (2019), Alves et al. (2021), Freire (1979), Munanga (2008), Torres Santomé (2013), Gomes y Silva (2011), Triviños (2001), entre otros. Los resultados indican que los fundamentos de la Ley 10.639/2003 se tratan de manera transversal, diluidos en algunos componentes curriculares. Así, entendemos que existe una urgente necesidad de un amplio debate en las instituciones, a fin de jugar un papel importante en la construcción y efectividad de las políticas educativas, permitiendo una mayor visibilidad de las cuestiones étnico- raciales en los cursos de educación inicial y continua.

Palabras clave: formación de profesores; relaciones étnico-raciales; currículo; políticas públicas educativas

1 INTRODUÇÃO

A educação universitária tende a seguir um rito tradicional e resistente aos novos desafios implementados por meio das atualizações legislativas. Essas resistências estagnam os sistemas de ensino em um modelo educacional antiquado, que se prende aos princípios de uma história única. Conforme Adichie (2019, n.p.): “A história única cria estereótipos, e o problema com os estereótipos não é que sejam mentira, mas que são incompletos. Eles fazem com que uma história se torne a única história”.

Por muitos anos o ensino básico esteve repleto do ensinamento eurocêntrico, o qual “naturaliza as experiências do capitalismo moderno/colonial, eliminando da história a luta de classes e colocando em seu lugar uma série de forças externas que determinariam o grau de desenvolvimento dos países” (MELO; RIBEIRO, 2019, p. 1786). As narrativas advindas dos colonizadores que apresentaram a supremacia branca perante os povos escravizados resultaram na carga preconceituosa que estruturou diversas nações, entre elas o Brasil. O território brasileiro tem sua narrativa a partir das ideologias do “descobrimento” e, por conseguinte, a implantação forçada da educação para os nativos. Segundo Almeida (2018, p. 37), “em uma sociedade em que o racismo está presente na vida cotidiana, as instituições que não tratarem de maneira ativa e como um problema a desigualdade racial irão facilmente reproduzir as práticas racistas já tidas como ‘normais’ em toda a sociedade”. Logo, após 520 anos ainda se veem os rastros dessa exploração, abuso e invasão cometida pelos colonizadores, enraizada nos sistemas político, econômico, social e educacional.

Hoje, a multiculturalidade existente no Brasil ainda revive as torturas, as perseguições, os constrangimentos sofridos por um movimento que resiste e luta por respeito, visibilidade, igualdade de direitos e dignidade. O movimento negro surge da resistência nas senzalas pelos escravizados, pelo povo que morreu e morre pelo identitário da liberdade, sendo está assegurada em políticas por meio das Constituições Federais e declarações, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Por meio dos movimentos de luta e resistência do povo negro, em 2003 é criada a Lei 10.639 que torna obrigatório o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, nas escolas públicas e privadas na educação básica, constituindo uma política educacional, permitindo um aprofundamento sobre as ancestralidades brasileiras e as contribuições africanas para a constituição do povo brasileiro. Para Gomes (2014, p. 1), “caso contrário, a implantação curricular de uma parte importante e, diria mais, estruturante, da história e cultura brasileira fica relegada a uma função decorativa. Fala-se da escravidão, do tráfico de escravos, do abolicionismo, e só”.

Portanto, considera-se o ambiente educacional como espaço

[...] privilegiado de reprodução das desigualdades raciais ao considerar a cultura de raiz europeia superior às demais. O mito da Democracia Racial Brasileira, que mascara uma sociedade hierarquizada, tem sobrevivido até os nossos dias graças às ações das instituições que reproduzem as ideologias, entre elas a escola. Para que os educadores transformem a instituição escolar em um espaço de construção de uma sociedade mais justa, há que se adotar uma educação plural, marcada por relações igualitárias (GONÇALVES; RIBEIRO, 2014, p. 9).

Nessa perspectiva, os cursos de Pedagogia são aliados fundamentais para colaborarem na formação de professores, que promovam uma educação antirracista embasada na democracia racial nos ambientes de ensino. Almeida (2018, p. 37) afirma que

[...] é dever de uma instituição que realmente se preocupe com a questão racial investir na adoção de políticas que visem:

a) promover a igualdade e a diversidade em suas relações internas e com o público externo - por exemplo, na publicidade;

b) remover obstáculos para a ascensão de minorias em posições de direção e de prestígio na instituição;

c) manter espaços permanentes para debates e eventual revisão de práticas institucionais;

d) promover o acolhimento e possível composição de conflitos raciais e de gênero.

Essas políticas permitem uma construção dos aspectos históricos, políticos, culturais e institucionais, reverberando no fornecimento de uma formação coerente voltada para os valores identitários do sistema educacional, visando (re)conhecer a identidade nacional baseada nos valores da igualdade e liberdade.

Nesse contexto, a formação assume um papel que transcende o ensino que pretende uma mera atualização científica, pedagógica e didática e se transforma na possibilidade de criar espaços de participação, reflexão e formação para que as pessoas aprendam e se adaptem para poder conviver com a mudança e as incertezas. Enfatiza-se mais a aprendizagem das pessoas e as maneiras de torná-la possível que o ensino e o fato de alguém (supondo-se a ignorância do outro) esclarecer e servir de formador ou formadora (IMBERNÓN, 2011, p. 15).

Dessa forma, a implementação da Lei 10.639/2003 está condicionada a investimentos na formação de professores, divulgação de experiências pedagógicas das escolas, articulação entre os sistemas de ensino e a organização de livros e materiais didáticos que abordam a questão étnico-racial. Além disso, a fomentação para que a lei fosse aplicada advém com a aprovação do Parecer CNE/CP 03/2004 e a Resolução CNE/CP 01/2004, que instituem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nas escolas.

Parte dessa institucionalização, para além dos currículos das escolas de educação básica, necessita estar presente nos cursos de formação de professores, seja inicial ou continuada, a fim de possibilitar uma formação crítica em torno da escolarização e do ensino étnico-racial.

Segundo Hall (2003, p. 21):

Uma vez que a identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou representado, a identificação não é automática, mas pode ser ganhada ou perdida. Ela se tornou politizada, sendo esse processo às vezes descrito como constituindo a mudança de uma política de identidade (de classe) para uma política de diferença.

Nessa premissa, as vivências dos sujeitos devem ser evidenciadas no ambiente educacional, proporcionando que sua cultura seja refletida e que possa realizar suas ligações perante seu cotidiano. Dessa forma, “no mundo moderno, as culturas nacionais em que nascemos se constituem em uma das principais fontes de identidade cultural” (HALL, 2003, p. 29), e a construção desse identitário advém das ênfases obtidas no decorrer da história, tendo a função de questionar e ponderar as condições em que se funda a sociedade.

Silva (2002, p. 34) enfatiza que “a cultura não depende da economia: a cultura funciona como uma economia”, por esse viés que usamos o termo capital cultural. O referido autor complementa que “a dinâmica da reprodução social está centrada no processo de reprodução cultural. É através da reprodução da cultura dominante que a reprodução mais ampla da sociedade fica garantida” (SILVA, 2002, p. 34).

Nessa concepção, a abordagem e a aplicabilidade da Lei 10.639/2003 advém como uma ressignificação do que até então se tratava da cultura dominante. O processo educacional em torno do cotidiano de milhões de brasileiros permite que as manifestações históricas e culturais sejam retratadas e apresentadas não com o olhar heteronormativo e da branquitude, mas por aqueles e aquelas que por anos foram silenciados e lutam por seu espaço. Compreende-se por heteronormatividade:

[...] a reprodução de práticas e códigos heterossexuais, sustentada pelo casamento monogâmico, amor romântico, fidelidade conjugal, constituição de família (esquema pai-mãe-filho(a)(s)). Na esteira das implicações da aludida palavra, tem-se o heterossexismo compulsório, sendo que, por esse último termo, entende-se o imperativo inquestionado e inquestionável por parte de todos os membros da sociedade com o intuito de reforçar ou dar legitimidade às práticas heterossexuais (FOSTER, 2001, p. 19).

Por sua vez, Souza e Dinis (2018, p. 284) relacionam a branquitude “a situações de privilégio e de poder, as quais conferem vantagens, prestígio e estabelecem padrões normativos a serem seguidos pelo Outro não branco”. Nessa perspectiva, esta pesquisa tem a seguinte problemática: Como os cursos de licenciatura em Pedagogia das universidades federais da Região Sul do Brasil abordam a Lei 10.639/2003?

A partir desse problema, objetiva-se analisar os componentes curriculares presentes nas licenciaturas em Pedagogia, a fim de compreender as contribuições da Lei 10.639/2003 que trata da educação étnico-racial na formação inicial de pedagogas e pedagogos.

O conhecimento é originado nas experiências que ao longo da vida se acumulam, somadas aos relacionamentos interpessoais e aos diversos tipos de consultas (ALYRIO, 2009). Entretanto, para se chegar ao conhecimento, é necessário pesquisar, o que se chama de pesquisa científica. Segundo Alyrio (2009, p. 18), “uma pesquisa, para ser considerada científica, precisa ser realizada de maneira sistematizada. Para tanto, deve utilizar método próprio e técnicas específicas”. Nesse mesmo viés, é necessário desenvolvê-la a partir de embasamentos nos conhecimentos disponíveis e do uso das metodologias e das técnicas de investigação (GIL, 2018).

Nesse sentido, esta pesquisa baseia-se no método qualitativo que corrobora as ideias de Goldenberg (2005, p. 63), ao dizer que “o método qualitativo poderá observar diretamente como cada indivíduo, grupo ou instituição experimenta, concretamente, a realidade pesquisada”, da mesma forma “[...] o fundamental é o conhecimento do processo em si e não apenas os resultados, bem como sua atenção especial aos pressupostos que estão subjacentes à vida das pessoas” (TRIVIÑOS, 2001, p. 83).

Para a revisão bibliográfica, foram analisadas a Lei 10.639/2003, a Resolução CNE/CP 02/2015 e as matrizes curriculares dos cursos de licenciatura em Pedagogia das universidades federais da Região Sul. Ao todo, dez universidades foram pesquisadas, sendo duas no Paraná, duas em Santa Catarina e seis no Rio Grande do Sul. Em síntese, para constituir o caminho metodológico, realizamos os seguintes procedimentos: leituras dos Projetos Pedagógicos de Cursos a fim de identificar os componentes curriculares que abordam o ensino da História e da Cultura Afro-Brasileira e Africana, podendo assim aplicar a técnica de análise de conteúdo, de modo a organizar e sistematizar a pesquisa.

2 CURRÍCULO COMO NORTEADOR NA FORMAÇÃO DE PEDAGOGOS/AS

A construção do currículo da entidade educacional surge como um dos processos democráticos da instituição. A partir das experiências apresentadas no decorrer da aplicabilidade, identifica-se a necessidade de alterações e remodelagens para que se mantenha atualizado conforme os regramentos estabelecidos por órgãos superiores e legislações vigentes.

Penso que a discussão sobre o que precisamos ensinar a quem, na escola, sempre demanda novas análises, novos ângulos, nas perspectivas. É uma discussão que precisa sempre se renovar, ainda mais que nossa escola tem tido dificuldades de decidir o que e como ensinar aos alunos de grupos sociais oprimidos (GARCIA; MOREIRA, 2008, p. 7).

É necessário evidenciar que as práticas de ensino focadas no eurocentrismo privam a oportunização da eficácia de aprendizagem no viés multicultural, seguindo um raciocínio que perpetua a desigualdade e promove o racismo.

A escola acaba por negar os valores, costumes e saberes de outros povos e suas respectivas culturas, diminuindo as possibilidades de trabalho com uma pedagogia multicultural, que promova em seu interior relações baseadas no respeito e na igualdade de condições entre os diferentes grupos presentes na sociedade brasileira (PEREIRA, 2014, p. 109 apudCARDOSO, 2016, n.p.).

A formação crítica do sujeito, advinda de um currículo democrático, torna-se ameaçadora, pois é “indagadora, investiga, força e choca” (FREIRE, 1979, p. 41), ou seja, forma indivíduos cuja educação é voltada para a democracia, a fim de questionar decisões, em sua maioria, autoritárias. Nesse viés, temos o currículo como representante da trajetória educacional “tanto em relação aos conteúdos apropriados quanto às atividades realizadas sob a sistematização da escola” (LIMA; ZANLORENZI; PINHEIRO, 2012, p. 25).

No contexto das trajetórias escolares, as vivências em sala de aula com o conglomerado e diversificação cultural permitem trocas significativas de experiências entre os sujeitos, relacionando-se com o cotidiano, obtendo interações que são uma das bases do ensino como atividade humana (TARDIF, 2011).

A partir da reflexão sobre os diferentes ambientes que compõem a sociedade, o espaço educativo vislumbra-se como possuidor de forte presença da diversidade social e cultural (TORRES SANTOMÉ, 2013). Assim são as Instituições Federais de Ensino Superior, dentro de seus muros, antes ocupados pela parcela social com alto poder aquisitivo, e hoje reúne indivíduos oriundos das diversas identidades culturais, sociais e econômicas.

Logo, é necessário adaptar-se às novas realidades, de modo a ressignificar a cultura da dominação apresentada pelo currículo tradicional, para que compreenda a importância de “transcender esse modelo reprodutivista de organização curricular para se adequar às necessidades da atual sociedade” (LIMA; ZANLORENZI; PINHEIRO, 2012, p. 95).

Conforme Nornberg (2016, p. 7-8):

A formação se refere aos modos e formas como nos inserimos e construímos o mundo por meio de nosso trabalho e ação humana; reporta uma forma de agir, que em seu sentido mais geral significa tomar uma iniciativa, começar, colocar-se em movimento, denotando a dimensão ético-estética do existir humano. Por isso, a instituição educativa precisa favorecer contextos formativos pautados pelos princípios de responsabilidade pelo mundo, historicidade e alteridade.

As discussões em torno da formação de pedagogas/os versam a responsabilidade social da aplicação de sua prática, existindo lacunas no desenvolvimento pedagógico de práticas inclusivas e democráticas. O comodismo presente em diversos setores da sociedade, especialmente o educacional, amedronta-se com os percursos que objetivam modificar algo que na teoria funciona. A organização e o planejamento teórico sofrem mudanças imprevisíveis ao serem colocados em prática, dada a contextualização em que está inserido (NORNBERG, 2016).

O currículo, norteador dos processos educativos, deve evidenciar as ferramentas que permitem a construção do conhecimento crítico e humanitário. Conforme conceitua Saviani (2000, p. 26-27), o currículo é “[...] um conjunto determinado de ênfases e omissões e que, enquanto construção social, o currículo resulta de processos conflituosos e de decisões negociadas”. Nesse mesmo sentido, “o termo currículo teve a origem do seu emprego, na educação, ligado à ideia de unidade, sequência, ordem dos elementos de um curso, no sentido de se imprimir maior rigor à organização do ensino” (SILVA, 2009, p. 5). Na formação de pedagogas/os, a ligação entre o local de pertencimento da instituição reverbera para além dos muros escolares, as incertezas do cotidiano escolar e os desafios enfrentados pelos profissionais da educação, os quais são vertentes que não estão especificados curricularmente.

Por anos, o caráter curricular esteve ligado aos interesses políticos e econômicos, não permitindo margem de erros ou imprevisibilidade. Nota-se que toda a sua organização versa para o êxito na constituição do cidadão apto ao mercado de trabalho, e tal proposição é inibidora do conhecimento científico, visto pelos sujeitos como algo além de sua capacidade de compreensão.

Nessa perspectiva, “o professor não deve refletir unicamente sobre sua prática, mas sua reflexão atravessa as paredes da instituição para analisar todo tipo de interesse subjacente à educação, à realidade social, com o objetivo concreto de obter a emancipação das pessoas” (IMBERNÓN, 2011, p. 42). Esse processo reflexivo permite observar atentamente os diferentes contextos apresentados, situando o professor da real situação da qual que advêm seus alunos, propiciando uma educação intimamente ligada ao cotidiano do educando.

Em sua preparação, seu desenvolvimento profissional e suas vidas de trabalho, os professores de hoje em dia têm de compreender e conhecer a sociedade do conhecimento na qual seus alunos vivem e virão a trabalhar. Caso contrário, não serão capazes de preparar seus alunos para ela. Como proclama um antigo provérbio irlandês, “é preciso escutar o rio para ser capaz de pegar uma truta” (HARGREAVES, 2004, p. 19).

A inserção de novos sujeitos na sociedade necessita de atualizações, de modo que acompanhem esses indivíduos, porém o sistema educacional é tido como uma máquina antiquada e fora de época (SIBILIA, 2012), as renovações são lentas e pouco eficazes. Um exemplo desse processo é a inserção em massa da tecnologia na educação advinda com a pandemia da Covid-19. Nesse período, cursos de formação continuada foram ofertados em grande escala a fim de preparar o profissional para sua atuação diante dos novos desafios do ensino em tempos pandêmicos.

A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é, também, onde decidimos se amamos as nossas crianças o bastante para não expulsá-las do nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum (ARENDT, 2011, p. 247).

Em suma, escolas e universidades são capazes de formar uma grande massa para que lutem por seu futuro. De acordo com Freire (2000, p. 66), “o futuro não nos faz. Nós é que nos refazemos na luta para fazê-lo”, ou seja, por meio da consciência democrática buscam-se as conquistas futuras, que vêm de lutas como manifestações, paralisações e greves; “o importante, por isso mesmo, é que a luta dos oprimidos se faça para superar a contradição em que se acham. Que esta superação seja o surgimento do homem novo - não mais opressor, não mais oprimido, mas homem libertando-se” (FREIRE, 1987, p. 43).

3 AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA FORMAÇÃO DE PEDAGOGOS/AS: O QUE DIZEM OS CURRÍCULOS?

O século XXI tem nos ensinado a observar novas manifestações até então vistas como normais. O Brasil, último país das Américas a abolir o sistema escravocrata, ainda mantém seu passado em ações mascaradas, ou em outras até mesmo muito escancaradas. O racismo, mesmo sendo crime previsto na Constituição Federal de 1988, é uma prática presente na sociedade brasileira e são diversos os exemplos de discursos apresentados. Desse modo, Almeida (2018, p. 25) afirma que “racismo é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam”.

Em uma análise crítica acerca dos currículos e do fenômeno do multiculturalismo que se originou nos países do norte, Silva (1999, p. 85) aponta que se trata de uma maneira de os grupos dominados “terem suas formas culturais reconhecidas e representadas na cultura nacional”. Nessa perspectiva, o currículo, que aborda as questões de etnia, raça e gênero, visa obter um novo repertório de aprendizagem, possibilitando outros olhares da historiografia. Silva (1999, p. 101), ao abordar as recentes críticas realizadas em torno ao tradicionalismo envolvendo a educação, afirma que “é através do vínculo entre conhecimento, identidade e poder que os temas da raça e da etnia ganham seu lugar no território curricular”.

Tais conquistas em torno da mudança no sistema de ensino são reflexos das lutas dos movimentos sociais, entre os quais destacamos o movimento negro, que nos trouxe reflexões acerca da importância de debater e construir a identidade negra.

Ao discutirmos a identidade racial do negro brasileiro não podemos dissociá-la do processo histórico. O resgate da cultura, a defesa da igualdade social, econômica e educacional, com respeito às diferenças, só podem ser realizados se acompanhados da devida contextualização da memória (GOMES, 1995, p. 44).

A partir da ideia dessa modificação dos currículos, é importante ressaltar que a anuência da Lei 10.639/2003, assim como o Parecer CNE/CP 03/2004 e a Resolução CNE/CP 01/2004, que apontam as Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, advêm como promotores de uma educação democrática e antirracista. No § 1.º do art. 1.º da referida Resolução temos:

§ 1.º As Instituições de Ensino Superior incluirão nos conteúdos de disciplinas e atividades curriculares dos cursos que ministram, a Educação das Relações Étnico-Raciais, bem como o tratamento de questões e temáticas que dizem respeito aos afrodescendentes, nos termos explicitados no Parecer CNE/CP n.º 3/2004.

Por meio dessa contextualização, foram examinadas dez universidades federais que compõem a região Sul do País, nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. No total, são oito Instituições de Ensino Superior, entretanto a Universidade Federal da Fronteira Sul possui campi nos três Estados mencionados, logo consideramos dez, instituições analisadas. Ressaltamos que essa análise está restrita aos cursos de licenciatura em Pedagogia na modalidade presencial.

Os Projetos Pedagógicos de Cursos aqui mencionados estão de acordo com a versão mais recente apresentada no site institucional de cada universidade. Como forma de localizar no ementário o objeto desse estudo consultamos pelos termos: étnico-racial(is); negras(os); africanas(os) e afrodescendentes. Para tanto, constituímos a organização em forma de quadro apresentando os elementos do componente curricular.

Quadro 1 Disciplinas que abordam as relações étnico-raciais 

Universidade Versão Recente Componente Caráter Carga Horária
UFPR 2019 Diversidade Étnico-Racial, Gênero e Sexualidade Obrigatória 60h
A organização do Trabalho Pedagógico e Reeducação das Relações Étnico-Raciais Optativa 60h
Educação e Relações Étnico-Raciais Optativa 60h
História da África I Optativa 60h
História da África II Optativa 60h
Estudos Afro-Brasileiros Optativa 60h
UFFS - LARANJEIRAS 2018 História da Cultura Afro-Brasileira e Indígena e Relações Étnico-Raciais Obrigatória 30h
Fundamentos da Educação II Obrigatória 30h
UFSC 2009 Núcleo de Aprofundamento de Estudos - Práticas Educativas e Relações Étnico-Raciais Obrigatória 54h
Educação de Jovens e Adultos Optativa 72h
Práticas Educativas e Relações Étnico-Raciais Optativa 54h
UFFS - ERECHIM 2018 Educação Escolar Indígena e Educação das Relações Étnico-Raciais Optativa 60h
Ensino de História I Obrigatória 30h
Ensino de História II Obrigatória 60h
Educação de Jovens e Adultos Obrigatória 60h
UFRGS 2018 Educação para as Relações Étnico-Raciais Obrigatória 30h
UFPEL 2012 Educação e Relações Étnico-Raciais no Contexto Escolar Optativa 68h
FURG 2018 Educação, Ambiente, Culturas e Diferenças Obrigatória 60h
Atividade de Iniciação à Docência I (Anos Iniciais do EF) Obrigatória 120h
Atividade de Iniciação à Docência III (Educação Infantil) Obrigatória 120h
História da Educação I Obrigatória 30h
UNIPAMPA 2016 Educação para as Relações Étnico-Raciais Optativa 60h
Teorias Curriculares Obrigatória 60h
Socialização de Experiências Docentes I Obrigatória 60h
Socialização de Experiências Docentes II Obrigatória 60h
UFFS - CHAPECÓ 2019 Educação Escolar Indígena e Educação das Relações Étnico-Raciais Optativa 30h
Estudos Socioantropológicos da Infância Obrigatória 30h
História da Fronteira Sul Obrigatória 60h
Teorias da Educação Obrigatória 60h
Educação Especial e Diversidade Obrigatória 60h
Seminário Temático em Educação Indígena e Afrodescendente Optativa 30h
UFSM 2019 Política e Diversidade Cultural Obrigatória 30h
Metodologias das Ciências Humanas: História Obrigatória 45h

Fonte: Os autores.

Conforme apresentado nos Projetos Pedagógicos dos Cursos estudados, todas as universidades têm conteúdos voltados direta ou indiretamente para as relações étnico-raciais, entretanto disciplinas centradas na abordagem completa do assunto ainda são poucas.

A carga horária total de integralização corresponde à média de 3.242 horas; desse valor obtivemos a porcentagem que cada Instituição de Ensino Superior utiliza com disciplinas que abordam a obrigatoriedade da lei de forma direta ou indireta. Assim, o Quadro 1 traz os conteúdos que mencionam diretamente o ensino da História e da Cultura Africana e Afro-Brasileira, e, em grande parte, trata-se de disciplinas optativas, ou seja, não se tem uma inserção no cronograma do discente, ficando à mercê de sua oferta por meio das escolhas docentes. As disciplinas de caráter obrigatório abordam, em sua maioria, o conteúdo das relações étnico-raciais de forma transversal, ou seja, sem um aprofundamento em sua discussão, servindo como apoio aos temas centrais das respectivas disciplinas.

Nos Projetos Pedagógicos em sua sessão legislativa, são apresentadas a Lei 10.639/2003 e as respectivas resoluções que orientam a inclusão da referida temática no currículo. Essa defasagem significa que após 18 anos da promulgação pouco se ensina sobre a temática étnico-racial. Visando essa abordagem, nota-se que a não aplicabilidade da lei resultará em um profissional que não estará preparado para a remodelação curricular.

Têm sido frequente os ataques aos cidadãos negros, resultando-se em mortes. Os jornais estampam matérias sensacionalistas que velam o racismo presente em nosso cotidiano, “o racismo é o sentimento social pior resolvido da nossa nação, porque perpassa todas as classes sociais, todos os segmentos religiosos e, por ser um mecanismo de várias faces, se apresenta por vezes diluído” (GRISA, 2011, p. 110).

Nessa perspectiva, a não apresentação de estudos étnico-raciais versa para o despreparo profissional, que refletirá em sua atuação futura. Sendo assim, deveriam ser disponibilizados aos professores:

Instrumentos intelectuais que sejam úteis ao conhecimento e à interpretação das situações complexas em que se situa e, por outro lado, envolver os professores em tarefas de formação comunitária para dar à educação escolarizada a dimensão de vínculo entre o saber intelectual e a realidade social, com a qual deve manter estreitas relações (IMBERNÓN, 2011, p. 42).

Tais contribuições intelectuais permitem que o indivíduo compreenda que o processo histórico necessita de mudanças, dando espaço ao novo olhar sobre as influências do povo negro na constituição da sociedade brasileira. O desafio está em ressignificar a história única e possibilitar observar outros horizontes até então desconhecidos. Essa inclusão de conteúdos programáticos objetivam uma formação transformadora do sujeito, de modo a promover uma educação pautada pela luta e resistência dos oprimidos.

Fonte: Os autores.

Gráfico 1 Média de Disciplinas com Relação à Carga Horária Total 

No Gráfico 1, elencamos as disciplinas, optativas e obrigatórias, em face da carga horária total proposta nos Projetos Pedagógicos de Curso. A UFPR apresenta uma porcentagem significativa, correspondendo a uma carga horária de 360 horas, seguida pela FURG com 330 horas, porém apenas 60 horas da UFPR são de conteúdo obrigatório. As disciplinas ofertadas em caráter optativo não aparecem frequentemente nas ofertas semestrais, e em alguns casos o período dessas ofertas é indicado nos últimos semestres da graduação, ou seja, não há garantias da aplicação dessas disciplinas, pois elas disputam espaço com outras temáticas que compõem a grade curricular.

Conforme Apple (2005, p. 59), “a educação está intimamente ligada à política da cultura. O currículo nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos, que de algum modo aparece nos textos e nas salas de aula de uma nação”. Logo, a associação da educação com as experiências obtidas nos diversos âmbitos de convivência do indivíduo gera relações reflexivas nas esferas sociais.

Em face desses desafios, os discursos teóricos diferem da prática, e as temáticas necessárias e pouco abordadas disputam pelo mesmo espaço; esse cenário é visível para além dos muros institucionais.

Todos os movimentos sociais, incluindo o dos negros, lutam pela justiça social e por uma redistribuição equitativa do produto coletivo. Numa sociedade hierarquizada como a brasileira, todos encontram dificuldades para mobilizar seus membros em torno da luta comum para transformar a sociedade (MUNANGA, 2008, p. 13).

Ao abordar acerca da sociedade multicultural, Candau (2008, p. 50) aduz:

No caso da educação, promove-se uma política de universalização da escolarização, todos são chamados a participar do sistema escolar, mas sem que se coloque em questão o caráter monocultural presente na sua dinâmica, tanto no que se refere aos conteúdos do currículo quanto às relações entre os diferentes atores, às estratégias utilizadas nas salas de aula, aos valores privilegiados etc.

Sendo assim, a noção do conhecimento pedagógico existente na estrutura social resulta na necessária reorganização, a fim de compreender que a sociedade é uma miscigenação de povos, e, como tal, sua educação deve ser refletida, remodelada e reorganizada, permitindo promover a formação de um sujeito crítico-reflexivo que enfatize a educação antirracista no ambiente escolar. Salientamos que “vivemos outro momento no sistema de ensino brasileiro, marcado pelo reconhecimento de que somos um país plural que necessita de uma escola inclusiva que reflita a diversidade de grupos existentes no país” (ALVES; STOLL, 2017, p. 130).

As diretrizes de cursos de formação inicial estabelecida pela Resolução 2, de 1.º de julho de 2015, consideram a formação pedagógica entre os princípios de igualdade de condições, colaborando com a garantia, o respeito e a valorização étnico-racial solidificados, sendo um dos pilares fundamentais na gestão democrática na escola.

Essas políticas públicas buscam “[...] oferecer uma resposta, entre outras, na área da educação, à demanda da população afrodescendente, nos sentidos de políticas de ações afirmativas, isto é, de políticas de reparações, e de reconhecimento e valorização de sua história, cultura, identidade” (BRASIL, 2004a).

Segundo Alves et al. (2021, p. 5):

Observa-se que mesmo existindo todo esse aparato legal que versa sobre a temática, ainda existem muitos profissionais da educação que o desconhecem, ou por outros motivos não colocam em sua prática pedagógica, talvez por não saber de que maneira vão abordar e debater sobre a Educação para as Relações Étnico-Raciais.

Mediante o mapeamento, pode-se notar que há uma defasagem nos Projetos Pedagógicos dos Cursos, sinalizando que a Lei 10.639/2003, mesmo citada, não é aplicada de forma eficaz, ou seja, é apresentada, mas não cumpre seu caráter obrigatório, sinalizando assim um avanço lento e precário na constituição de uma educação crítica, democrática e antirracista.

O primeiro pressuposto teórico a ser considerado na análise do trabalho docente é que este é parte da totalidade constituída pelo trabalho no capitalismo, estando submetido, portanto, à sua lógica e às suas contradições. O que vale dizer que o trabalho docente não escapa à dupla face do trabalho capitalista; produzir valores de uso e valores de troca (KUENZER, 2012, p. 7).

As influências do capitalismo, da heteronormatividade e da branquitude regem os currículos e as instituições de ensino em seus processos, de modo que seus fundamentos prendem-se no estilo tradicional de educação, dando respostas rasas e que versam a corroboração de ações preconceituosas. Tais concepções são advertidas por Arendt (2011, p. 2) ao abordar a crise na educação:

Ora, a crise força-nos a regressar às próprias questões e exige de nós respostas, novas ou antigas, mas, em qualquer caso, respostas sob a forma de juízos diretos. Uma crise só se torna desastrosa quando lhe pretendemos responder com ideias feitas, quer dizer, com preconceitos.

Portanto, é necessário seguirmos na luta para que se obtenha uma construção representativa nos currículos escolares, a fim de instigar os caminhos para a efetivação da participação dos sujeitos dentro desses espaços que lhes são garantidos por lei:

Participação propriamente dita é a partilha do poder, a participação na tomada de decisões. É nesse sentido que a escola deve aprimorar a sua ação, e, para que isso ocorra, alguns pressupostos são necessários; incentivar os momentos coletivos de reflexão sobre os rumos da escola, diálogo permanente, estímulo a que todos participem, não somente ouvindo, mas principalmente falando, comentando, dando sua parcela de contribuição aos momentos organizados coletivamente (SOARES, 2011, p. 117).

Esse momento de partilha, de escuta ativa, é uma das formas de enfrentamento do tradicionalismo imposto pelo currículo, e aprofundar os estudos e a integração de membros de grupos oprimidos nas discussões curriculares auxilia na construção de novas perspectivas culturais, econômicas e sociais. O papel formativo destaca-se pelo investimento necessário perante as percepções da docência, criando zonas participativas e reflexivas em meio à formação, o qual permite ao indivíduo conviver, adaptar e aprender com tais mudanças e aprendizagens (IMBERNÓN, 2011). Outrossim, promover a visibilidade de núcleos formados dentro da escola e da universidade, instigando a participação do educando e constituindo como parte fundamental da formação, como o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB), que são espaços de resistência e aprofundamento de estudos que suprem as insuficiências das discussões étnico-raciais na formação do indivíduo, potencializando o identitário de uma sociedade antirracista.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A construção do currículo advém como uma potencialidade de abarcar as vozes silenciadas e refletir por meio da representatividade de seu local na sociedade. Essa caracterização democrática urge das necessidades de estruturação de diálogos que possibilitem a formação do sujeito crítico-reflexivo, de modo a tornar o currículo um percurso equitativo entre os grupos sociais, aprofundando discussões relevantes e frequentes no cotidiano.

A Lei 10.639/2003 advém da conquista do movimento negro para a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira, no viés de estudar o outro olhar histórico e aprofundar o caráter de (re)conhecer as influências obtidas do povo negro na cultura brasileira, ressignificando a aprendizagem que atualmente centra-se apenas no período escravocrata e na visão colonial.

Em 18 anos de promulgação, a referida lei não é tratada com a devida obrigatoriedade, revelando uma defasagem nos processos de formação de pedagogos e pedagogas nas universidades analisadas. É notória a indicação da respectiva legislação nos documentos que norteiam os caminhos formativos, entretanto a prática difere da teoria apresentada.

Essas discussões nos permitem compreender as lutas acumuladas no decorrer dos tempos na sociedade globalizada em que vivemos, propiciando uma reflexão e a conscientização das conquistas dos diversos povos nos variados segmentos da sociedade. No decorrer da formação, a presença dessas discussões apresenta-se como métodos de práticas pedagógicas que incluem as realidades sociais mascaradas pelos sistemas de governo.

Portanto, esta pesquisa alcançou seus objetivos ao problematizar e contextualizar as ausências desses debates nos cursos de Pedagogia, apontando a precariedade dos currículos em se adequarem à Lei 10.639/2003, mantendo uma formação utópica que potencializa os enfrentamentos no ambiente escolar. Por fim, é urgente a necessidade de seguir problematizando e analisando os currículos de formação de professores, de modo a observar as reformulações que potencializam e consolidam a aplicabilidade e a inclusão efetiva dessas discussões na vida acadêmica.

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Recebido: 30 de Junho de 2021; Aceito: 14 de Janeiro de 2022

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