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Revista e-Curriculum

versión On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.20 no.4 São Paulo oct./dic 2022  Epub 30-Ene-2023

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2022v20i4p1603-1632 

Artigos

A Escola da Escolha e suas produções curriculares para a juventude, o futuro e a diferença

The School of Choice and curriculum productions for youth, future and difference

La Escuela de la Elección y sus producciones curriculares para la juventud, el futuro y la diferencia

Lynna Gabriella Silva UNGERi 
http://orcid.org/0000-0002-0207-157X

Tássia Alexandre Teixeira BERTOLDOii 
http://orcid.org/0000-0002-1507-7698

Lívia de Rezende CARDOSOiii 
http://orcid.org/0000-0003-4091-9110

i Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universíade Federal de Sergipe (PPGED/UFS). Professora da Rede Pública de Ensino do Estado de Sergipe (Seduc). E-mail: lynnaunger@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-0207-157X.

ii Doutoranda em Educação pelo PPGED/UFS. Professora da Rede Pública de Ensino do Estado de Sergipe (Seduc). E-mail: tassiaalexandre@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-1507-7698.

iii Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FaE/UFMG). Professora do PPGED/UFS. E-mail: livinha.bio@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0003-4091-9110.


Resumo

Este trabalho apresenta uma análise dos documentos curriculares que orientam a (re)elaboração dos currículos após a reforma do Ensino Médio firmada em 2017. O objetivo é refletir sobre a discursividade empreendida pelo modelo da Escola da Escolha na formação dos sujeitos-jovens-estudantes, em busca de compreender como as subjetividades têm sido produzidas e formatado corpos idealizados por essa lógica educacional. Apoia-se no campo das teorias pós-críticas e, a partir das lentes analíticas foucaultianas, entende-se que os documentos orientadores são, em si, uma concentração dos discursos oficiais que orquestram, organizam e regulam as relações vivenciadas na escola. Advoga-se, assim, a necessidade de problematizar a racionalidade pedagógica que atravessa os currículos contemporâneos e insiste na produção objetivada de sujeitos da educação.

Palavras-chave: currículo; relações de poder; diferença

Abstract

This paper presents an analysis of the curricular documents that guide the (re)elaboration of curricula after the Secondary Education reform signed in 2017. The objective is to reflect on the discursiveness undertaken by the School of Choice model in the training of young-student-subjects, seeking to understand how subjectivities have been produced and formatted bodies idealized by this educational logic. The support is in the field of post-critical theories and from Foucault’s analytical lenses it is understood that guiding documents are, in themselves, a concentration of official discourses that orchestrate, organize and regulate the relationships experienced at school. It is therefore advocated the need to problematize the pedagogical rationality that permeates contemporary curricula and insists on the objectified production of education subjects.

Keywords: curriculum; power relations; difference

Resumen

Este trabajo presenta un análisis de los documentos curriculares que orientan el (re) elaboración de los currículos luego de la reforma de Educación Secundaria firmada en 2017. El objetivo es reflexionar sobre la discursividad emprendida por el modelo de la Escuela de la Elección en la formación de los sujetos-jóvenes-estudiantes, buscando comprender cómo las subjetividades han sido producidas y han formateado cuerpos idealizados por esta lógica educativa. Se apoya en el campo de las teorías poscríticas y, a partir de lentes analíticas de Foucault, se entiende que los documentos orientadores son, en sí, una concentración de discursos oficiales que orquestan, organizan y regulan las relaciones vividas en la escuela. Se aboga, por tanto, la necesidad de problematizar la racionalidad pedagógica que atraviesa los currículos contemporáneos e insiste en la producción objetivada de sujetos de la educación.

Palabras clave: currículo; relaciones de poder; diferencia

1 INTRODUÇÃO

Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo

(FOUCAULT, 1996, p. 45).

O que ensinar, como ensinar e para quem ensinar são decisões que sempre estiveram ligadas aos interesses sociopolíticos, permeadas por relações de saber e de poder. Não obstante, podemos observar em execução, nos últimos cinco anos (2016-2021), a conformação de algumas medidas que estabeleceram mudanças nas políticas curriculares e educacionais no Brasil, marcadas por movimentos antidemocráticos a partir da instauração da Medida Provisória (MP) Nº 746, de 22 de setembro de 2016 (BRASIL, 2016)1. Tal MP estabeleceu a reforma do Ensino Médio por meio da exigência de reformulação dos currículos da última etapa da Educação Básica, sendo posteriormente publicada por meio da Lei Nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017 (BRASIL, 2017) e desencadeando uma série de processos para a sua implementação. Não à toa, lançamos mão da passagem de Foucault (1996) apresentada na epígrafe, pois ela sintetiza e orienta algumas reflexões que buscamos empreender ao nos debruçarmos sobre os documentos norteadores da implementação da reforma do “novo” Ensino Médio (EM) em curso em todo o território brasileiro.

Nesse contexto, este artigo reflete sobre a construção e as discursividades do currículo objetivado por essa reforma. Argumentamos que a política curricular expressa na Escola da Escolha dá ênfase no desejo de constituir sujeitos-jovens-estudantes que se tornariam protagonistas, responsáveis pelas escolhas do futuro, que tomariam consciência de seu papel na sociedade e que destinariam a diversidade e a diferença a um lugar universalizante. Foram considerados nas análises que embasam tal argumento a Lei Nº 13.415/2017, que altera dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (BRASIL, 2017); a Resolução Nº 3, de 21 de novembro de 2018, que atualiza as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) (BRASIL, 2018d); a Portaria Nº 649, de 10 de julho de 2018 (BRASIL, 2018c), que institui o Programa de Apoio ao Novo Ensino Médio e estabelece diretrizes, parâmetros e critérios por meio da publicação do Documento Orientador (BRASIL, 2018b) e do Guia de Implementação do Novo Ensino Médio (BRASIL, 2018a); e o Modelo Pedagógico das Metodologias de Êxito da Parte Diversificada do Currículo, que são as bases do modelo de “Escola da Escolha” desenvolvido pelo Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE), modelo assumido como referencial de condução para os componentes curriculares do novo EM.

É, pois, a partir do campo de estudos de currículo e dos Estudos Culturais na vertente pós-crítica, sobretudo amparadas pelo pensamento foucaultiano, que direcionamos nosso olhar a esse escopo de orientações e de produção do currículo no tempo presente, na tentativa de tangenciarmos as estratégias e a composição de discursos que circulam no cenário escolar contemporâneo. Entendemos que tais documentos norteadores são, em si, uma concentração dos discursos oficiais que orquestram, organizam e regulam as relações vivenciadas na escola. Conforme Macedo e Ranniery (2018, p. 744) salientam, “[...] os documentos normativos produzidos em diferentes momentos representam - na medida em que a representação seja possível - as articulações em curso”. Haja vista que atravessamos um momento histórico marcado por discursos recrudescedores de anticiência, de antidemocracia, de antidiversidade, que expõe a banalização e a legitimação de práticas autoritárias e fascistas, uma atualização de tantos retrocessos, sobretudo no campo da educação, é vital que estejamos atentas a inclinações e a interesses dos sistemas atuantes que ressoam nas práticas curriculares no chão escolar.

Em que pese o despertar para empreender esse processo de significação e de legitimação de tais práticas, a questão da cultura, tal como nos é apresentada pelos Estudos Culturais, torna-se central na definição e na delimitação desse caráter normativo, ao passo que nos impulsiona para a reivindicação de sentidos e de significações na plural sociedade brasileira (HALL, 1997). Entendemos a cultura como local em que são desencadeadas contínuas lutas pela significação e pela legitimação a partir de consensos, de enfrentamentos e de negociações, ainda que nem sempre todos e todas se encontrem em condições similares para entrar nesse duelo. Assim, a partir dos Estudos Culturais, podemos conceber o currículo e a sala de aula como espaços que atuam como mecanismos diferenciadores, que operam com planejamentos definidos que “[...] acaba[m] por nos tornar o que somos” (SILVA, 2003, p. 15). Em síntese, concordamos com Paraíso (2010, p. 588) ao caracterizar o currículo como

[...] um território de multiplicidades de todos os tipos, de disseminação de saberes diversos, de encontros “variados”, de composições “caóticas”, de disseminações “perigosas”, de contágios “incontroláveis”, de acontecimentos “insuspeitados”. Um currículo é, por natureza, rizomático, porque é território de proliferação de sentidos e multiplicação de significados. [...]. É certo que um currículo é também território povoado por buscas de ordenamentos (de pessoas e espaços), de organizações (de disciplinas e campos), de sequenciações (de conteúdos e níveis de aprendizagens), de estruturações (de tempos e pré-requisitos), de enquadramentos (de pessoas e horários), de divisões (de tempo, espaço, áreas, conteúdos, disciplinas, aprendizagens, tipos, espécies...).

Nesse território de disputas, vislumbramos que, nas delimitações para a (re)elaboração e a implementação do currículo do novo EM, incide a arte de governar no modelo biopolítico, alinhado ao projeto neoliberal de sociedade que investe na formação dos indivíduos cada vez mais e melhor. Nessas delimitações, as técnicas de governamentalidade operam e asseguram a manutenção do biopoder, capturando e produzindo desejos de excelência nos sujeitos escolarizados. Afinal, “[...] os discursos disseminam-se pelo tecido social. [...]. Com suas regras internas e externas, os discursos organizam e ordenam os sentidos por onde passam” (FERREIRA; TRAVERSINI, 2013, p. 210). Assim, interessa-nos, nesta escrita, expor a discursividade que faz circular, produzir, gerenciar, controlar, normalizar, difundir e formatar vidas em disputa no currículo da Escola da Escolha.

Nesse empreendimento analítico, vale citarmos que Foucault (2011, p. 135) ressalta que “[...] uma sociedade normalizadora é o efeito histórico de uma tecnologia de poder centrada na vida”. Essa tecnologia segue engenhosamente distribuída e difundida na contemporaneidade nos mais diversos espaços, inclusive no currículo. De tal modo, ao direcionarmos nosso olhar para as orientações curriculares como ação histórica e política no espaço da instituição escolar, consideramos que, embora formatem tipos específicos de sujeitos-jovens-estudantes, a sujeição e a resistência estão presentes na multiplicidade de formas de poder que se manifestam na construção desse currículo. Outrossim, consideramos que tais documentos, além de sedimentarem práticas, nos permitem refletir sobre as diferentes relações de poder que constituem o tecido sociocultural, ao passo que expõem demandas da cultura manifesta nas práticas de ensino e nas concepções educacionais frente ao contexto atual do cenário educacional, por tratar-se de discursos tão potentes no sentido da organização e da gestão da sociedade, além da disseminação e da capacidade produtiva dos significados que os compõem.

2 OS DITOS “NOVOS” JEITOS DE VER, SENTIR, CUIDAR DOS ESTUDANTES BRASILEIROS

Entre os moldes que circunscrevem o novo EM, a denominada “Escola da Escolha” é a base pela qual se pretende sustentar toda a estrutura do currículo desejado que, por sua vez, traz, em sua matriz, a assimilação dos ideários neoliberais. Há de ressaltarmos que tanto o modelo de educação tomado como referência nos documentos oficiais para reformulação do currículo em questão quanto às especificidades dos sujeitos que se deseja formar(tar) são explicitamente nomeados e objetificados por essas lógicas. O Instituto propulsor do modelo de “Escola da Escolha” a define como

[...] modelo de educação integral idealizada pelo Instituto de Corresponsabilidade pela Educação - ICE e desenvolvido como uma nova escola para a juventude brasileira. É um modelo de educação que oferece não apenas uma formação acadêmica de excelência, mas também amplia as referências sobre valores e ideais do estudante e o apoia no enfrentamento dos imensos desafios do mundo contemporâneo. A Escola da Escolha opera com currículo integrado pelos componentes da Base Nacional Comum Curricular e uma Parte de Formação Diversificada, oportunizando experiências contextualizadas ao estudante, considerando suas necessidades e interesses. [...]. A Escola da Escolha foi concebida a partir de uma visão de jovem que, ao final da Educação Básica, tenha constituído e consolidado uma forte base de conhecimentos e de valores; não seja indiferente aos problemas reais existentes e se apresente como parte da sua solução; agregue um conjunto amplo de competências que o permita seguir aprendendo nas dimensões pessoal, social e produtiva, executando o seu Projeto de Vida, enfrentando os desafios do mundo contemporâneo (ICE, 2021, p. 1).

Excelência, valores, ideais, competência, produtividade, soluções são alguns dos interesses que vigoram na conformação desse modelo educacional, no qual a juventude é explicitamente alvo de captura e de sujeição a serem desenvolvidas pelo currículo. É importante apontarmos que as políticas curriculares e educacionais, cada uma contextualizada em seu tempo histórico, serviram para formar sujeitos condizentes às questões sociais de sua época. É, pois, por compreender que a educação esteve sempre comprometida com o governamento da conduta dos sujeitos, que vemos como os deslocamentos econômicos de uma racionalidade neoliberal ressoaram em outros aspectos da vida dos indivíduos, com as quais a escola, como maquinaria formadora de corpos e mentes, se alinha. Em uma sociedade em que a globalização é geral, o sistema neoliberal não pode ser tomado somente como sistema ou governo econômico, mas como “um governo de sociedade” (FOUCAULT, 2008a).

Podemos perceber também que, ao assumir tal modelo educacional como ponto de partida para uma reformulação, a educação ainda aparece como um elemento essencial para as realizações humanas, uma ferramenta que deve preparar o aprendiz para concretizar as suas próprias aspirações com o planejamento de seu projeto de vida, o que inclui inserir-se no mercado de trabalho. O que está em questão é uma educação para o desenvolvimento econômico e social articulada a um discurso humanista. Essa é uma premissa que acompanha o fazer educacional ao longo da história.

Gadelha (2009a, p. 144) sublinha como “[...] determinados valores econômicos à medida que migraram da economia para outros domínios da vida social, disseminando-se socialmente, ganharam um forte poder normativo, instituindo processos e políticas de subjetivação” e constituindo o que o autor denomina “uma cultura de empreendedorismo”. A educação torna-se um campo de governamento de condutas, em que tais estratégias podem ser operacionalizadas, por meio das práticas curriculares e das políticas educacionais colocadas em vigor nas últimas décadas. Esse movimento implementa uma urgência histórica atual de constituir os sujeitos afeitos à governamentalidade neoliberal, que tomem para si a responsabilidade por suas vidas, seu sucesso ou seu fracasso individual de acompanhar as mudanças sociais constantes.

É válido não perdermos de vista que a ideia de desenvolvimento de potencialidades inclui o processo de escolarização como uma condição para a realização pessoal. O jovem, em suas potencialidades, é visto recorrentemente nas tramas históricas como um ser humano em formação para a vida adulta, ao colocar tanto o trabalho quanto a cidadania como objetivo essencial. No fundo, o protagonismo juvenil funcionaria como uma estratégia para formar resiliência, pensamento crítico, autonomia e cidadania nos jovens. De tal modo, a competência mais importante seria a de aprender a aprender, de forma que o protagonismo juvenil, a partir disso, poderia ser visto como a possibilidade de o jovem ser um sujeito de sua própria aprendizagem, em um processo de formação voltado a si mesmo. São, justamente, por esses endereçamentos difundidos a partir do modelo educacional que norteia a construção do currículo que observamos os poderes e os saberes implicados nos documentos orientadores. Daí, lançamo-nos a pensar como o currículo expressa visibilidade, centralidade e legitimidade às relações que compõem a organização do projeto de vida dos jovens no cotidiano escolar. Afinal, no modelo da Escola da Escolha,

[...] o foco é o jovem e o seu Projeto de Vida. Isso significa que todos reúnem os esforços para a sua realização por meio do Projeto Escolar, que se estrutura para esse fim, porque a escola provê as condições para a oferta de uma formação acadêmica de excelência associada a uma sólida formação em valores fundamentais para apoiar os estudantes nas decisões que tomarão ao longo das suas vidas e no desenvolvimento de competências, que os permitirão transitar e atuar diante dos imensos desafios e possibilidades que encontrarão. Esse conjunto deverá criar as condições e apoiar o estudante nas decisões relativas à continuidade dos seus estudos, reconhecendo a imprescindibilidade dos processos educativos para a construção de um projeto para a sua vida (ICE, 2016, p. 12).

As orientações cravam uma certa imprescindibilidade no interesse no projeto de vida, não por acaso, retomando e fazendo circular modos de unificar as aspirações e os desejos de existência futura em uma unidade homogênea, o que torna o espaço escolar um lugar de passagem e de formatação por meio da sólida formação explicitamente interessada e destinada à construção de “vidas de sucesso”, de projetos de excelência. Tais linhas orientadoras inscrevem, no jovem, formas, ambições e caminhos a seguir.

Observamos que, por meio de suas orientações, a Escola da Escolha nada de novo apresenta aos estudantes. Pelo contrário, seus pressupostos reiteram que a “força dos jovens” deve ser utilizada em prol do melhor para o país, no qual encontrarão desafios e possibilidades, de modo que o projeto de vida é visto como uma competência que articula o aprender a ser, o aprender a conviver, o aprender a fazer e o aprender a aprender. Como Gadelha (2009b) enfatiza, a iniciativa individual e o processo de “aprender a aprender” são pontos fundamentais dessa nova cultura focada em competências produzidas no que poderíamos chamar de um discurso da “formação acadêmica de excelência”. Tal ênfase pode indicar que as outras competências seriam apenas meios para adquirir essa cultura voltada para si mesmo. Santos e Wermuth (2016) sugerem uma espécie de domesticação da alma moderna. Essa alma, denominada de “consciência”, é uma das construções do poder disciplinar. Segundo os autores, “[...] na fábrica, na escola, no hospital, no convento, no regimento militar ou na prisão, trata-se sempre da continuação de uma anatomia-política pela distribuição espacial dos indivíduos e o controle de suas atividades [...]”, ou ainda “[...] pela combinação dos corpos e das forças, de modo a deles extrair a máxima utilidade” (SANTOS; WERMUTH, 2016, p. 412).

O próprio aprender a conviver, a lidar com os outros, poderia ser pensado como a aquisição de uma espécie de capital social, a enunciação de um “novo espírito do capitalismo”, como nos alertam Boltanski e Chiapello (2009). Essas competências são uma forma de investir em capital humano, já que é nesse aprender a aprender que o indivíduo vai desenvolvendo a si mesmo, produzem-se modos de adaptação ao meio em que vive, cada vez mais ligados à cultura empreendedora (GADELHA, 2017). Tal cultura parece ser retomada e atualizada com a metodologia de projetos de vida incorporada ao currículo. Outrossim, é importante notarmos que esse mecanismo atua na anatomia-política do corpo, fabricando pequenas individualidades funcionais e adaptadas mediante investimentos microfísicos. Para Foucault (2014, p. 135), esse mecanismo anátomo-político de poder “[...] define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina”.

É justamente por meio da disciplina que se ampliam “[...] as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade)”, ao mesmo tempo em que diminuem “[...] essas mesmas forças (em termos políticos de obediência)”, fabricando, assim, “[...] corpos submissos e exercitados, corpos dóceis” (FOUCAULT, 2014, p. 135). Nesse sentido, o foco do modelo educacional que aqui destacamos aparece como articulador metodológico e, também, como parte de um currículo que, ao formar o ser humano, educa o jovem para um mundo em transformação e a ser transformado, em um desafio pessoal e social de ser melhor, de fazer o melhor, de construir esse melhor. Se pensarmos a educação como projeto amplo de ordenamento social, temos o currículo como uma das principais portas de entrada por onde podemos visualizar os movimentos de averiguação de suas agências, suas fronteiras, suas formas e suas instabilidades. E o novo EM articula bem esses movimentos. Segundo o Guia de Implementação do novo EM:

Sua proposta considera três grandes frentes: o desenvolvimento do protagonismo dos estudantes e de seu projeto de vida, por meio da escolha orientada do que querem estudar; a valorização da aprendizagem, com a ampliação da carga horária de estudos; e a garantia de direitos de aprendizagem comuns a todos os jovens, com a definição do que é essencial nos currículos a partir da BNCC (BRASIL, 2018a, p. 3).

Além disso, ainda de acordo com o Guia,

[...] o Novo Ensino Médio coloca o jovem no centro da vida escolar, de modo a promover uma aprendizagem com maior profundidade e que estimule o seu desenvolvimento integral, por meio do incentivo ao protagonismo, à autonomia e à responsabilidade do estudante por suas escolhas e seu futuro. Deste modo, apoia-se o desenvolvimento da autonomia do estudante, acompanhada do senso de responsabilidade que as escolhas sobre o seu futuro exigem (BRASIL, 2018a, p. 6).

Talvez, possamos encarar todo esse investimento designado à reforma do EM como técnicas de saber-poder que não só evidencia o currículo como política cultural discursiva, como também expõe a delimitação de um campo discursivo disciplinar ressignificado nas “novas” políticas curriculares. Olhar para esses documentos como fontes para análise não somente de um discurso, o da formação integral de excelência, mas de como ele também produz enunciados que (re)descrevem e (re)inscrevem, historicamente, a objetivação dos sujeitos da educação. Essa ênfase no desejo de constituir sujeitos-jovens-estudantes protagonistas, responsáveis pelas escolhas do futuro, para tomar consciência de seu papel na sociedade e, assim, alcançar a autonomia e a plenitude de amadurecimento, ganha variados contornos nessa proposta educacional. Um dos contornos mais ordinários desse “[...] adestramento contemporâneo dos corpos-subjetividades, de que a educação faz parte, diz respeito ao culto ao desempenho; ou seja, a centralidade e a importância atribuídos à performance dos indivíduos e grupos, particularmente nas esferas educacional e profissional” (GADELHA, 2017, p. 130-131).

Formar-se-á, segundo Foucault (2014), uma política de coerção partindo de um trabalho minucioso que manipulará, de forma calculada, os gestos, os comportamentos e outros elementos dos sujeitos, inserindo-os em uma espécie de maquinaria do poder que irá esquadrinhá-los, desarticulando-os para que os sujeitos sejam remontados e (re)formatados conforme se almeja. Nesse processo, é curioso notar como o protagonismo juvenil se reveste de outros significados para a conformação desse sujeito-jovem-estudante de excelência. Se nos voltarmos para a emergência do protagonismo juvenil no Brasil, de forma geral, deparamo-nos com os trabalhos de Organizações não Governamentais (ONGs) na década de 1990, que se dão a partir de enunciados que definem esse protagonismo como uma formação para a cidadania (SOUZA, 2009). De fato, esses enunciados trazem à tona um jogo de verdade em que o “poder jovem”, que constituía um discurso sobre o movimento estudantil dos anos de 1960 e 1970, é interditado (GOULART, 2013) e atualizado, já que prescreve aos jovens uma ação que canaliza essa força da juventude para o desenvolvimento social e político do país, evitando-se, assim, que seja uma rebeldia improdutiva. Contudo, o seu uso está mais ligado a ações que representariam uma forma de atuar para além da vida escolar. Não é estritamente uma prática pedagógica se a entendermos como algo que se desenvolve como metodologia em sala de aula, mas, sim, uma forma de comprometer os jovens a partir da interação comunitária e política. Além disso, conforme Marques (2016) aponta, não podemos desconsiderar que o foco de interesse no protagonismo juvenil advém da expectativa e da representação de força e de vitalidade necessárias aos ritmos intensos impostos na produção de capitais.

Cabe pontuarmos que, neste texto, não temos o intento de abarcar todas as dimensões que o termo “protagonismo juvenil” pode comportar, embora saibamos das tensões e da polissemia que o permeia. O que nos interessa, neste momento, é sinalizarmos a sua relação com a noção de capital humano e o uso da “força do jovem” como um meio para determinado fim. Há de destacarmos que é notável, nos contornos orientadores do currículo, o enveredamento à lógica neoliberal que tem sustentado os modos contemporâneos de pensar e de agir, sendo uma das promissoras estratégias contemporâneas do governo para produzir tal sujeito. Não podemos perder de vista que a escola, como forma educacional hegemônica, foi uma das marcas distintivas da educação a partir do século XVIII e se constituiu uma das marcas da época; além disso, apresentou-se como filha da república, do capitalismo, da cultura, da sociedade burguesa, dentre outras filiações possíveis (MARQUES, 2016). Os processos históricos indicam que o privilégio da escola, em relação aos outros contextos sociais educativos, se deu na perspectiva de atender às especificidades de cada sociedade, no que diz respeito ao seu projeto social. “A educação vincula-se fortemente com o progresso, com o futuro desejado, com o bem-estar geral. É via privilegiada de acesso à utopia” (PINEAU, 2008, p. 89), e, por isso, tem desejos de universalização (MACEDO; RANNIERY, 2018).

3 A (FORMA)TAÇÃO NEOLIBERAL NO CURRÍCULO

Parece não haver uma instituição na qual se pese mais sobre si a responsabilidade de construir o futuro de uma sociedade do que a escola; com isso, fica evidente que ela seja um campo de disputa: a “verdadeira escola”, o “verdadeiro educador”, o “Currículo verdadeiramente eficiente” e o repúdio por toda ideia que não sirva ao propósito da construção de uma “verdadeira sociedade” (OLIVEIRA FILHO, 2017). Foucault (2011) aponta para o fato de que todo o conhecimento impregnado sobre o discente faz da escola um local de execução pedagógica, conduzindo a formação do saber ao exercício pleno do poder. É então uma pedagogia funcionando como ciência na era da escola das avaliações, dos exames e das recompensas classificatórias, por meio das quais se legitima um determinado tipo de poder. A escola, bem antes de funcionar como um aparelho de ensinar conteúdos, “[...] funcionou - e continua funcionando - como uma grande fábrica, que fabricou - e continua fabricando - novas formas de vida” (VEIGA-NETO, 2007, p. 109). Para isso, a escola coloca em funcionamento “[...] uma maquinaria capaz de moldar nossas subjetividades para algumas formas muito particulares de viver socialmente o espaço e o tempo” (VEIGA-NETO, 2007, p. 109).

Não obstante, em sociedades escolarizadas, a centralidade do currículo - ou, como é o caso brasileiro, os documentos curriculares - torna-se muito mais evidente pelo papel que cumpre na organização dos sistemas de ensino. Os documentos aqui em análise deixam expresso seu papel. Não à toa, delimitam abertamente seus fins específicos, como afirma a Resolução Nº 3/2018:

Art. 7º O currículo é conceituado como a proposta de ação educativa constituída pela seleção de conhecimentos construídos pela sociedade, expressando-se por práticas escolares que se desdobram em torno de conhecimentos relevantes e pertinentes, permeadas pelas relações sociais, articulando vivências e saberes dos estudantes e contribuindo para o desenvolvimento de suas identidades e condições cognitivas e socioemocionais.

[...].

§ 2º O currículo deve contemplar tratamento metodológico que evidencie a contextualização, a diversificação e a transdisciplinaridade ou outras formas de interação e articulação entre diferentes campos de saberes específicos, contemplando vivências práticas e vinculando a educação escolar ao mundo do trabalho e à prática social e possibilitando o aproveitamento de estudos e o reconhecimento de saberes adquiridos nas experiências pessoais, sociais e do trabalho.

§ 3º As aprendizagens essenciais são as que desenvolvem competências e habilidades entendidas como conhecimentos em ação, com significado para a vida, expressas em práticas cognitivas, profissionais e socioemocionais, atitudes e valores continuamente mobilizados, articulados e integrados, para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do exercício da cidadania e da atuação no mundo do trabalho (BRASIL, 2018d, p. 4).

[...].

Art. 27. A proposta pedagógica das unidades escolares que ofertam o ensino médio deve considerar:

I - atividades integradoras artístico-culturais, tecnológicas e de iniciação científica, vinculadas ao trabalho, ao meio ambiente e à prática social;

[...];

V - comportamento ético, como ponto de partida para o reconhecimento dos direitos humanos e da cidadania, e para a prática de um humanismo contemporâneo expresso pelo reconhecimento, respeito e acolhimento da identidade do outro e pela incorporação da solidariedade;

[...];

VII - integração com o mundo do trabalho por meio de estágios, de aprendizagem profissional, entre outras, conforme legislação específica, considerando as necessidades e demandas do mundo de trabalho em cada região e Unidade da Federação;

[...];

IX - capacidade permanente de aprender a aprender, desenvolvendo a autonomia dos estudantes;

X - atividades sociais que estimulem o convívio humano;

XI - avaliação da aprendizagem, com diagnóstico preliminar, e entendida como processo de caráter formativo, permanente e cumulativo [...] (BRASIL, 2018d, p. 14).

Dentre as descrições e as atribuições que formatam a reformulação do currículo do EM, é possível visualizarmos os contornos específicos que o neoliberalismo assume sagazmente no campo educativo, vinculando fortemente o currículo ao mundo do trabalho. Por meio dos discursos oficiais e dos processos de escolarização, tal ideário se atrela à distribuição de conhecimento e das formas de operar, evidenciando, assim, como o currículo é estruturalmente normativo. Todas essas orientações e direcionamentos endossam, mais uma vez, como o neoliberalismo perpassa pelas práticas curriculares, ainda que consideremos que as diretrizes das políticas curriculares oficiais possam sofrer resistências, serem acatadas parcialmente, entre outras possibilidades de dobras. Entretanto, é preciso atentarmos às estratégias de captura que a lógica neoliberal sustenta em seus discursos de “práticas de humanismo contemporâneo”, por meio da valorização da ética, de promessas de acolhimento, de solidariedade, de respeito e de reconhecimento dos direitos dos sujeitos-jovens-estudantes.

Não por acaso, tais noções são apresentadas indissociáveis do exercício de cidadania que, por sua vez, é dado como intrínseco ao mundo do trabalho. Não há como negar a perspicácia de tal investimento na subjetivação dos sujeitos a quem se endereça o novo EM. Em tempo, compreendemos a subjetivação como “[...] práticas e processos heterogêneos por meio dos quais os seres humanos vêm a se relacionar consigo mesmos e com os outros como sujeitos de certo tipo” (ROSE, 2001, p. 36), haja vista que, conforme Larrosa (2011, p. 55), “[...] os sujeitos não são posicionados como objetos silenciosos, mas como sujeitos falantes; não como objetos examinados, mas como sujeitos confessantes”. Há ainda de considerarmos que a produção dos sujeitos não se dá “[...] em relação a uma verdade sobre si mesmos que lhes é imposta de fora […]”, mas, ao contrário, “[…] em relação a uma verdade sobre si mesmos que eles mesmos devem contribuir ativamente para produzir” (LARROSA, 2011, p. 55) - uma verdade amplamente difundida pelo currículo da Escola da Escolha e sua vontade de “protagonismo juvenil”. É explícita a forma como o currículo da Escola da Escolha se trama como

[...] grande dispositivo psicopedagógico e técnico-científico de adestramento e sujeição dos corpos-subjetividades infantojuvenis, munindo o sistema de produção capitalista das forças vitais necessárias ao seu bom funcionamento e garantindo a docilidade política dos indivíduos e coletividades, de modo a facilitar a adaptação passiva destes aos novos mecanismos de governo e regulação das condutas, induzindo-os, inclusive, a reivindicarem mais vigilância e controle sobre suas vidas (GADELHA, 2017, p. 130).

Convém lembrarmos que a emergência do biopoder foi elemento indispensável ao desenvolvimento do capitalismo, que só pôde ser garantido à custa da inserção controlada dos corpos no aparelho de produção e por meio de um ajustamento dos fenômenos de população aos processos econômicos. Essa articulação investiu vigorosamente na utilizabilidade e docilidade dos corpos, acionando métodos de poder capazes de majorar as forças, as aptidões, a vida em geral, sem por isso torná-las mais difíceis de sujeitar (FOUCAULT, 2011). Com isso, vemos em exercício “[...] a lógica da competitividade neoliberal, naturalizando também uma subjetividade individualista: a educação não teria mais em seu horizonte a preocupação com a socialização na diferença, tampouco com a justiça social, mas sim com a lógica do sucesso econômico individual” (CRUZ; MACEDO, 2019, p. 15). Tal alinhamento reverbera nos documentos curriculares e seguem exercendo importante influência a partir de suas atualizações. Não é ao acaso que os próprios movimentos de reforma delimitam o que segue:

PARA INICIAR A (RE)ELABORAÇÃO CURRICULAR de maneira alinhada e coerente com o histórico do estado e as condições de implementação, será necessário definir algumas diretrizes que apontem qual a concepção e qual o modelo de estrutura do documento curricular que se quer construir. Alguns exemplos do que pode ser definido são: princípios norteadores do currículo, processo de avaliação, metodologia, nível de detalhamento das habilidades, exemplos de propostas de trabalho interdisciplinar, estratégias para contemplar diversidades locais, nível de autonomia das unidades escolares para criação de unidades curriculares, temas integradores, formato e utilização de exemplos de atividades, orientações didáticas para cada unidade curricular, entre outros (BRASIL, 2018a, p. 39, grifo do autor).

São muitos os esforços discursivos lançados pelas orientações para a (re)elaboração curricular, de modo a assegurar seus interesses, ao passo que também se preocupam em fazer circular um sentido de “cuidado” e de coerência. Por isso, é substancial entender o currículo como um terreno em constante disputa e com múltiplos significados, situados, localizados, (des)construídos e (re)produzidos historicamente. Ao compreendermos a organização curricular como mais uma técnica de governamento do presente, que estabelece condições de possibilidade para o controle e para a disciplina no espaço escolar, a partir da íntima influência de padrões, embora em constante transformação no ordenamento social, buscamos situar a própria configuração de saberes como parte integrante dessa constante (re)organização do currículo escolar e suas práticas. De tal modo, “[...] cada uma das tradições curriculares é um discurso que se hegemonizou e que, nesse sentido, constituiu o objeto currículo, emprestando-lhe um sentido próprio” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 40).

Nessa perspectiva, a articulação do currículo com o projeto neoliberal, segundo Perry (1995), refere-se à maneira como o neoliberalismo se expressa em um programa político-econômico específico. No Brasil, a articulação com o neoliberalismo foi adotada abertamente a partir do governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1995 (FILGUEIRAS, 2006). Com essa visão, aconteceu a internacionalização das políticas públicas, que pode ser observada nos seguintes aspectos, a saber: descentralização, privatização, redução de gastos no ensino público; com isso, os professores passaram a prestar conta de suas ações de forma a apresentar resultados, como se a escola fosse uma grande empresa (MARQUES, 2016). Os próprios documentos oficiais orientadores do currículo, desde antes da reforma imposta, assumem que

[...] as discussões sobre o currículo incorporam, com maior ou menor ênfase, discussões sobre os conhecimentos escolares, sobre os procedimentos e as relações sociais que conformam o cenário em que os conhecimentos se ensinam e se aprendem, sobre as transformações que desejamos efetuar nos alunos e alunas, sobre os valores que desejamos inculcar e sobre as identidades que pretendemos construir. Discussões sobre conhecimento, verdade, poder e identidade marcam, invariavelmente, as discussões sobre questões curriculares (MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 18).

De acordo com o Guia de Implementação do novo EM:

A proposta do Novo Ensino Médio é fruto de décadas de planos e de debates entre diversos setores da sociedade. Aos seus princípios educacionais, somam-se fundamentos legais e normativos, ancorados na legislação e em outros documentos de grande importância para a Educação brasileira (BRASIL, 2018a, p. 7, grifo do autor).

As pretensões são explícitas e suas articulações e imbricações também. A racionalidade neoliberal pensa uma sociedade com pouca participação do Estado na sociedade, atingindo, inclusive, a educação. Pressupor uma educação com características neoliberais, com ênfase mercadológica, na competitividade e no mais novo elemento, o empreendedorismo, faz com que os conceitos se direcionem para a descentralização do Estado (AKKARI, 2011). Apple (2005) chama atenção para os mecanismos de significação de mundo introjetados pelos neoliberais, uma vez que, no neoliberalismo, a ideia de democracia tem uma forte conotação econômica e não política. Essa lógica vem operando no Brasil a longos passos anteriores, não estando em circulação apenas no currículo do EM atual. Tal como sinaliza Leão (2018, p. 20), “[...] não se trata de ‘partir do zero’, desconsiderando as experiências acumuladas e que fazem a escola que temos”. Tivemos os programas “Mais Educação”, “Pacto pela Alfabetização na Idade Certa”, entre outros, os quais já ressoavam ideários neoliberais por meio da promoção de um discurso de ensino de qualidade e que garanta a alfabetização de todos, utilizando-o como estandarte de luta permanente, capturando as diferentes entidades sociais e políticas pelas questões de extrema importância para o desenvolvimento do país. Assim, a afirmação do projeto político neoliberal e a construção de um novo modelo econômico redefiniram as relações políticas entre as classes e as frações de classes que constituem a sociedade brasileira (SANDER, 2009).

Pensando nesse contexto, poderíamos falar também em uma necessidade de viver o aqui e agora que é atualizada nos direcionamentos do currículo, sem perder de vista o fato de que a racionalidade da economia do tempo presente deseja disseminar que todo e qualquer tempo seja útil. O currículo talvez não exponha exatamente um ordenamento de viver o aqui e agora, mas ressoa a noção de que devemos aproveitá-lo com alguma finalidade, ocupar o tempo da espera com algo útil. Essa exacerbação da utilidade incide no sistema econômico e político no qual está inserido o homo oeconomicus do qual Foucault (2008b) relata, como sujeito produtivo regido pela perspectiva do capital, para o qual a totalidade do tempo deve ser investida sobre si, na sua constituição como empresa-de-si-mesmo. Não à toa, a “Escola da Escolha” é o lema que sela todo o arcabouço discursivo que conforma o novo EM vigente nos dias atuais. É justamente no seio do neoliberalismo que esse modelo de autogerenciamento perpassa a vida do indivíduo como um todo (FOUCAULT, 2008b).

Nesse fluxo, observamos que o sentido da Educação vem se deslocando do campo dos direitos sociais para o campo da economia, atrelando as políticas educacionais à lógica e às demandas do mercado capitalista. Tal contexto investe massivamente na captura de todos os sujeitos envolvidos no cenário educacional, criam processos de subjetivação que visam capturar cada um como empreendedor de si mesmo sendo mecanismos importantes da governamentalidade neoliberal, que intenta produzir sobre todos a habilidade de autogerenciar-se e promover o sucesso/a qualidade de sua própria vida. Afinal, conforme aponta o Guia de Implementação do novo EM:

UMA VEZ ESTABELECIDOS A GOVERNANÇA, o planejamento e a composição das equipes, é possível iniciar a comunicação sobre o processo. A participação das equipes de comunicação das secretarias é essencial em diversos momentos, especialmente na hora de elaborar um plano para comunicar as ações e engajar sujeitos estaduais, municipais e comunidades escolares. Dialogar com todos os envolvidos, sobretudo professores, é estratégico para o sucesso da implementação, pois confere legitimidade ao processo e ao resultado, ajuda a evitar resistências e apoia os professores das escolas públicas e privadas a colocar o novo documento curricular em prática na sala de aula (

BRASIL, 2018a

, p. 36, grifo do autor).

Todos esses movimentos e demarcações de gerenciamento são, de fato, estratégicos. Situando as relações de poder e de saber no currículo contemporâneo, recorremos a Deleuze (1992), que se debruçou acerca da lógica disciplinar de Foucault e acrescentou uma mudança de ênfase para a lógica do controle. Veiga-Neto (2014) explica que a consequência mais marcante dessa mudança é o modo pelo qual nos subjetivamos. Passamos de uma era em que a subjetivação era baseada na centralidade da disciplina e fomos para um tempo em que a subjetivação é aberta e continuada. Nesse contexto, a escola não é a única instância social, nem talvez a mais importante, com a função de subjetivar os indivíduos, os quais passam por fluxos permanentes de subjetivação que visam mantê-los sob controle. Entretanto, o discurso escolar segue a produzir inúmeras “verdades” a partir dos quais os indivíduos passam a gerenciar-se de modo a se posicionarem como sujeitos dessas verdades.

As condições de existência de um discurso que institui e, ao mesmo tempo, constitui o sujeito desejado ocorrem na medida em que a compreensão das relações de poder-saber permite que se mostre a materialidade dos discursos. Essa materialidade pode ser apreendida quando se fazem ao corpus discursivo questões como: Quem pode falar o quê? Para quem e em que lugar? Para Foucault (1996, p. 59),

[...] é sempre no âmbito da materialidade que ele [o discurso] se efetiva, que é efeito; ele possui seu lugar e consiste na relação, coexistência, dispersão, recorte, acumulação, seleção de elementos materiais; não é o ato nem a propriedade de um corpo; produz-se como efeito de e em uma dispersão material.

Segundo Rocha (2005), o modo como nos fazemos sujeitos na atual sociedade de controle estão nos valores, nos desejos, nas verdades, nas práticas que nos agenciam e nos modelam de acordo com interesses complexos e, não raras vezes, antagônicos. Nesse sentido, “[...] da força física à câmara invisível, continuamos, portanto, permanentemente violentados-disciplinados-controlados” (ROCHA, 2005, p. 43).

As linhas que tangenciam essas relações influenciam diretamente o currículo, que rapidamente é reorganizado para acompanhar o modelo econômico que recruta, nas escolas, mão de obra intelectualizada, ou não. Para Marques (2016), no âmbito nacional, os documentos curriculares parecem ter ganhado influência no contexto de projeto de formação e de conformação das práticas educativas. Por meio deles, foram legitimadas concepções de sujeito, sociedade, escola, educação, conhecimento, desenvolvimento, entre outros.

Mesmo que alguns documentos se anunciassem como “orientação”, foram capazes de expressar-se em diferentes níveis de concretização curricular do país sem, hipoteticamente, comprometer a autonomia e a liberdade das escolas ou deteriorar a valorização de especificidades culturais. Essas disputas são observadas tanto nos processos de formulação política como nas práticas de intervenção, no cotidiano da gestão educacional, refletindo posições políticas diferenciadas sobre a condição humana, a cultura e a educação. Todavia, a fabricação curricular está longe de ser um processo neutro, apolítico, desinteressado. Outrossim, não percamos de vista que, entre as metas do projeto neoliberal, se destina à educação e ao ensino importante papel a fim de garantir a melhoria da produtividade e o crescimento econômico do país, mas sem que tais objetivos deixem, em segundo plano, a contribuição para um ótimo desenvolvimento integral da pessoa; há o avanço da solidariedade, de uma integração social dita cada vez maior, porém o que observamos é que “[...] algumas formas de reconhecimento foram ampliadas, outras restringidas, num processo político de negociação na diferença, por vezes mais aberto, em outras, com maiores restrições” (MACEDO; RANNIERY, 2018, p. 744), sobretudo quando falamos de marcadores sociais que, estrutural e continuamente, são alvos de ataques, censuras, imposições, tentativas de silenciamento, limitações e regulações, inclusive no e pelo currículo.

4 O LUGAR DA DIVERSIDADE E DA DIFERENÇA EM UMA POLÍTICA PÚBLICA NEOLIBERAL

A maneira como a escola foi e está estruturada finda por garantir que a sociedade se mantenha da forma como esta estabelece. Pela sua funcionalidade em preservar e difundir o que se reconhece como “conhecimento legítimo” - o conhecimento que “todos devemos ter” -, as escolas conferem legitimidade cultural ao conhecimento de determinados grupos (APPLE, 2003). Não obstante, as reformas e as elaborações de documentos nacionais orientadores da educação brasileira traduziram-se em uma tentativa de responder às novas demandas sociais e, claro, em um total alinhamento das teses educativas ao mercado de trabalho. Como Cardoso et al. (2019, p. 1474) apontam, “[...] as políticas públicas brasileiras trazem claramente as marcas das relações de poder estabelecidas entre os discursos que circulam e se fortalecem em cada momento político e social vivido”.

Lazzarato (2019) analisa que os últimos governos brasileiros promoveram a inclusão pela finança, criando “um individualismo despolitizante” (LAZZARATO, 2019, p. 33), preparando terreno para o neofascismo atual, pautado no ressentimento, no ódio e na “tristeza do homem endividado” (LAZZARATO, 2019, p. 35), tornando disponíveis para aventuras fascistas, racistas, sexistas “pobres e assalariados” (LAZZARATO, 2019, p. 53). É justamente nesse terreno que o modelo educacional de práticas que a Escola da Escolha propõe se subsidia, ao deslocar para segundo plano temas que versam sobre os marcadores da diferença, como gênero, sexualidade, raça, etnia, geração, entre outros, lugar que, diante do panorama atual de negação e de desrespeito às diferenças, se tornam pontos de fixação e de universalização. Conforme o Art. 5º, incisos IV e V, e os incisos XIV e XV do Art. 27 da Lei Nº 13.415/2017 indicam:

O ensino médio em todas as suas modalidades de ensino e as suas formas de organização e oferta, além dos princípios gerais estabelecidos para a educação nacional no art. 206 da Constituição Federal e no art. 3º da LDB, será orientado pelos seguintes princípios específicos:

[...];

IV - respeito aos direitos humanos como direito universal;

V - compreensão da diversidade e realidade dos sujeitos, das formas de produção e de trabalho e das culturas [...] (BRASIL, 2018c, p. 2).

Art. 27 [...]:

[...];

XIV - reconhecimento e atendimento da diversidade e diferentes nuances da desigualdade e da exclusão na sociedade brasileira; XV - promoção dos direitos humanos mediante a discussão de temas relativos [à] raça e etnia, religião, gênero, identidade de gênero e orientação sexual, pessoas com deficiência, entre outros, bem como práticas que contribuam para a igualdade e para o enfrentamento de preconceitos, discriminação e violência sob todas as formas (BRASIL, 2018d, p. 14).

O Guia de Implementação do novo EM aponta também:

Núcleos de estudos: desenvolvem estudos e pesquisas, promovem fóruns de debates sobre um determinado tema de interesse e disseminam conhecimentos por meio de eventos - seminários, palestras, encontros, colóquios -, publicações, campanhas etc. (juventudes, diversidades, sexualidade, mulher, juventude e trabalho etc.) (BRASIL, 2018a, p. 14, grifo do autor).

E o Programa de Apoio ao novo EM (BRASIL, 2018b, p. 5) indica como um de seus objetivos “[...] apoiar a implementação do Novo Ensino Médio, promovendo o acesso a itinerários formativos de forma equitativa, tanto da perspectiva socioeconômica, quanto geográfica, etnicorracial e de gênero”.

Podemos observar que há consonâncias de toda ordem na rede de discursos que forja, movimenta e sustém um dito “novo” olhar sobre a produção da diferença proposto no currículo do novo EM. Há nítidos deslocamentos nas nomenclaturas, no arranjo da uniformização das desigualdades para promoção de equidade, desdobramentos e rearticulações políticas e sócio-históricas, reiterados pelo estatuto da cidadania e dos direitos humanos, cerceados, por sua vez, por convenções morais e linguísticas que reverberam ainda hoje na composição de uma forma “renovada” da norma, com a suposta afirmação da diversidade e do reconhecimento da diferença. Mais uma vez, vemos que o currículo proposto da Escola da Escolha se torna um articulador cujos direcionamentos trazem à cena pedagógica uma contraimagem capaz de irromper e fazer calar as diferenças. Não é despretensiosa essa estratégia das orientações curriculares em endereçar seu texto à diversidade de subjetividades e a marcadores sociais. Afinal, a existência e a reprodução do neoliberalismo “[...] supõem violências de classe, raciais e sexuais” (LAZZARATO, 2019, p. 75). Macedo e Ranniery (2018, p. 745) sinalizam que:

Se pretendemos insistir em reativar no público endereçado pelas políticas educacionais e curriculares para além do desejo desencantado de unificação, semelhança e mesmidade, temos que pôr em xeque a unificação abstrata e universal como pré-condição de uma política que se quer pública. Antes de fazê-lo - ou como parte desse fazer -, interessa pensar como o público endereçado por sucessivos projetos de educação e escola foi sendo desencorpado, redundando, possivelmente, nesse neo-desenvolvimentismo que vemos se fortalecer e que soterra laços de socialidade - parte indelével da educação.

Desse modo, ao formarem jovens empreendedores de si, governados pela racionalidade neoliberal e entusiastas de narrativas do mercado, a escola e os seus currículos cumprem o projeto de modernidade das sociedades de controle (FOUCAULT, 2008b). Para Resende (2018, p. 12), o governo neoliberal encontra na educação “[...] um poderoso instrumento biopolítico de governamento que faz com que termos como reforma, ajuste, competitividade, empreendedorismo, desregulamentação, mercado, consumidor, terceirização e empresa, por exemplo, ressoem como únicos sentidos possíveis”. O mercado, a concorrência e as formas de “empresa” seriam os pilares de organização e de regulação da sociedade, aquilo que daria forma à sociedade.

A sociedade brasileira caracteriza-se por um elevado grau de desigualdade social, expresso em numerosos indicadores: desigualdade de renda; desigualdade baseada pela cor da pele e pela etnia; entre centro e periferia; entre diferentes regiões do país; entre homens e mulheres; entre heterossexuais e homossexuais; dentre outros marcadores. Para Seffner (2011), a escola pública brasileira, tradicionalmente, atuou também como um dispositivo que contribuía para manter e até mesmo acentuar a desigualdade, promovendo a expulsão (muitas vezes chamada de evasão) dos indivíduos de grupos sociais hierarquicamente inferiores, tais como os não brancos, os indígenas, as mulheres, os homossexuais, os moradores das regiões rurais e da periferia, os pobres em geral, aqueles oriundos de famílias ditas “desestruturadas”, dentre outras.

Embora haja um aparente movimento de reconhecimento das múltiplas estruturas de desigualdade inscritas nas suas narrativas, parece-nos bastante significativo tanto o Guia de Implementação (BRASIL, 2018a) quanto o Documento Orientador (BRASIL, 2018b) enfatizarem o modo e os interesses que enredam a abordagem e o espaço atribuído aos marcadores de diferença no currículo em produção. Isso indica o caminho reiterado rumo às grades universalizantes e homogêneas que permeiam as práticas curriculares. Não devemos esquecer que a escola produz e reproduz as realidades que compõem nosso mundo, nossa cultura. Ela produz modos peculiares de relação com o corpo, modos de nomear e de mapear o corpo do outro, de normalizar esse corpo e docilizá-lo, como ressalva Slomka (2006). Bento (2011) relata que a escola, que se apresenta como uma instituição com dificuldades em lidar com a diferença e a pluralidade, funciona como uma das principais instituições guardiãs das normas de gênero, de raça, dentre outras normatividades, ao passo que atua como produtora de desigualdades.

Não por acaso, ainda que as DCNEM (BRASIL, 2018d) exponham princípios que advogam pela promoção de direitos humanos, pelo reconhecimento da diversidade, das diferenças, das desigualdades sociais e pelo enfrentamento às violências subsequentes, vemos a desconsideração de tais princípios nas proposições e nas orientações destinadas à construção do currículo. A diversidade e a diferença são subtraídas e delegadas a propostas guarda-chuvas que as elencam em ações de suposta promoção de equidade e reiteram o seu lugar transversal e pontual no conjunto de práticas curriculares almejadas. Isso diz muito sobre a cultura que têm atravessado a escola e é por ela constituída nos tempos atuais; afinal, reflete o espaço que grupos conservadores têm ocupado no Brasil e no mundo, disseminando posturas e reações à

[...] “ameaça comunista” iminente até a destruição da família tradicional ou mesmo da espécie humana, apontando assim para a existência de uma articulação de uma diversidade de demandas que transformaram a “ideologia de gênero” em ponto nodal para a constituição de uma hegemonia conservadora (CRUZ; MACEDO, 2019, p. 19).

Em contrapartida, se o campo educacional tem sido “[...] um dos alvos preferenciais do entrelaçamento da agenda (ultra)conservadora nos costumes com a agenda (ultra)neoliberal é porque ele ainda tem sido um dos grandes obstáculos nesse processo de construção de uma subjetividade empresarial” (CRUZ; MACEDO, 2019, p. 35).

No entanto, o neoliberalismo teve formas específicas de pensar e de projetar as políticas educacionais e, assim, “[...] os neoliberais pretendem adequar o currículo e a vida cotidiana das escolas às necessidades dos mercados econômicos” (TORRES SANTOMÉ, 2003, p. 194). As proposições neoliberais distribuem teses em prol de uma revisitação a uma cultura comum e do controle do Estado aos currículos escolares, por meio de reformas no sistema educacional. A incorporação dessas ideias legitimou-se na defesa do enfrentamento da desigualdade, um projeto de formação orientado pelo ideal da democracia, reduzido à perspectiva da cidadania e da equidade, em uma clara tentativa de resgate da “escola para todos”. Não trabalhar a política da subjetividade, que una e problematize classe, gênero e raça - em outras palavras, pensar sobre as normas que nos atravessam, intentam o nosso reconhecimento a certos modos de existir e produzem nossos desejos -, é cumprir o projeto neoliberal de sociedade. Do mesmo modo, isso se estabelece se o currículo for apenas reproduzir discursividades que fixam os sujeitos de maneira generificada ou nos conduzem a possibilidades limitadas de existência, tal como preconiza o Documento Orientador:

Estratégia para a promoção da equidade de gênero

Um dos objetivos específicos do Programa é o de garantir que a oferta de diferentes itinerários formativos amplie o acesso, a permanência e a conclusão do ensino médio pelos estudantes, assegurando que a oferta dos diferentes itinerários formativos não acentue os desequilíbrios de acesso e conclusão do ensino médio entre meninos e meninas. São elementos fundamentais para fortalecer a equidade de gênero:

i. a implementação de intervenções específicas voltadas para a equidade de gênero;

ii. formação continuada de profissionais da educação no sentido de agregar conhecimento sobre como usar estratégias específicas de gerenciamento de sala de aula para envolver meninas e meninos, priorizando jovens em escolas vulneráveis, reconhecendo vieses inconscientes de gênero e locus social e desenvolvendo estratégias de ensino promotoras da participação equitativa;

[...].

Estratégias para a educação das relações étnico-raciais e para a equidade urbano-rural e social

[...] deverá contemplar diretrizes orientadoras para o desenvolvimento de ações, transversais a todo currículo, com foco na educação para as relações étnico-raciais, conforme disposto na Resolução CEB/CNE n.1, de 17 de junho de 2004, com o objetivo de promover a educação de cidadãos atuantes e conscientes no seio da sociedade multicultural e pluriétnica.

Do mesmo modo, deverá criar estratégias específicas para garantir a equidade no atendimento das populações urbanas e rurais, ampliando a equidade social necessária, tendo em vista as desigualdades existentes na realidade brasileira (BRASIL, 2018b, p. 12 -13, grifos do autor).

Vemos nos documentos uma tentativa de restaurar a estabilidade ou a legitimidade de noções limitadas a respeito das diferenças, especialmente no que tange ao delineamento de gênero, em que há uma evidente reiteração da força política que a cultura heteronormativa exerce, designando suas marcas universalizantes aos corpos e produzindo reverberações que o sistema normativo binário impõe ao enquadrar apenas “meninos e meninas”. Tal articulação discursiva na lógica dualista e em seus efeitos não é nada aleatória, tendo em vista que o sistema binário é a referência hegemônica que reverbera na constituição do eu, do conhecimento, das instituições sociais (LOURO, 2010). Tecer teias discursivas para além do binarismo limitante operante implica travar rearticulações políticas e sócio-históricas em um combate ao domínio da moralidade reinante, erguida, ordenada e subordinada a leis, cujos jogos de verdade estão circunscritos à invenção de formas de legibilidade do corpo que endossem suas crenças, seus costumes e seus sentidos de normalidade. Temos, pelas orientações, uma discursividade que antecipa e prescreve à subjetivação quais modos de existir são “legítimos”, focaliza como o poder exercido pela matriz (hegemônica) heterossexual mobiliza, governa, produz efeitos de verdade no processo de constituição da identidade de gênero e sexual.

Os estudos de gênero, sobretudo as teorizações queer, avançam nesse aspecto ao não buscarem uma política de reconhecimento da diversidade. Esses estudos, principalmente nas figuras de Judith Butler e Teresa de Lauretis, desconstroem e desnaturalizam as normas culturais. Segundo Lazzarato (2019), a lógica heterossexual capitalista não pode senão ser destruída, de acordo com uma lógica que remete à tradição revolucionária. Para o autor, “[...] a gente não pode se libertar e libertar inclusive o patrão de sua alienação senão destruindo-o; ou seja, destruindo a relação de poder de que tanto o patrão quanto o trabalhador são a expressão” (LAZZARATO, 2019, p. 98-99). De outro modo, vamos apenas operar com a mesma lógica harmônica de incluir a todos para que sejam governados. A escola precisa educar na perspectiva da “despossessão-vulnerabilidade” para subverter a lógica curricular do re-conhecimento a partir do já dado (MACEDO, 2017, p. 548).

Em estudos recentes, Judith Butler amplia suas análises de gênero para pensar categorias como vidas precárias e vulnerabilidade (BUTLER, 2004) e, também, do empreendedor de si, “[...] sob condições nas quais a vida se tornou insuportável” (BUTLER, 2019, p. 22). Segundo a autora, ela tem trabalhado “[...] a questão das alianças entre várias minorias ou populações consideradas descartáveis” (BUTLER, 2019, p. 34), reivindicando “[...] mais justiça, uma libertação da precariedade, a possibilidade de uma vida que possa ser vivida (BUTLER, 2019, p. 32), em favor de um “ethos de solidariedade” (BUTLER, 2019, p. 28) em “forma de resistência” (BUTLER, 2019, p. 137). A pesquisadora tem contestado os universalismos nas políticas de subjetividade, mais especificamente “[...] uma operação da universalidade que deixa de responder à particularidade cultural e não reformula a si mesma em resposta às condições sociais” (BUTLER, 2015, p. 17). Como nos provocam Macedo e Ranniery (2018, p. 747, grifo dos autores) sobre políticas públicas de currículo, talvez a teoria queer “[...] nos permita invocar uma abertura radical do todos, que, ao invés de pressupor identidade, possa decorrer de sua [...] condição relacional, da relação com a alteridade, de um enlace com o outro”. Compreendemos que pautar reflexões no sentido de pensar como o currículo produz e reproduz as diferenças é vital para avançarmos na compreensão sobre o papel político desempenhado pela escolarização.

5 EM SUMA…

Se, por um lado, é o currículo que dá a sustentação epistemológica às práticas espaciais e temporais que se efetivam continuamente na escola, por outro, são as práticas que dão materialidade e razão de ser ao currículo, tendo em vista que tanto “[...] as práticas quanto o currículo se sustentam na disciplinaridade, é esta que funciona como um articulador entre ambos: as práticas e o currículo” (VEIGA-NETO, 2002, p. 172). Atualmente, as disputas concentram-se no alinhamento das práticas curriculares às práticas do mercado, que reverbera o projeto neoliberal de sociedade.

Nesse contexto, admitindo que o currículo é pilar de um projeto que age de forma intencional, formal e direta na formação dos sujeitos-jovens-estudantes, podemos visualizar como as subjetividades têm sido produzidas e formatado corpos idealizados por essa lógica na política da Escola da Escolha. Entendemos que a política curricular, expressa na organização dos documentos curriculares, assume centralidade na condução das políticas educativas, considerando que as políticas curriculares são delineadas por prescrições, seguidas de orientações pedagógicas.

Ressaltamos nossa compreensão do currículo da Escola da Escolha não como um texto fechado e pronto, mas pensado em trânsito como uma unidade de significação, entendendo sua incompletude cujo sentido está, por vezes, na disputa de discursos. Isso significa dizer que acreditamos que, na execução das propostas curriculares, há constantemente uma (de)formação curricular alimentada por aqueles aspectos que os sujeitos envolvidos analisam como desejáveis ou indesejáveis. São aspectos que assumem contornos institucionais quando expressos nas atitudes, nas enunciações e na organização do trabalho pedagógico enquanto instrumentais de uma prática curricular.

De tal modo, é fundamental reconhecermos o currículo como heterogeneidade, um documento dinâmico, plural e mutável de saberes de múltiplos discursos sócio-político-histórico-econômicos de pensamentos. Para tal, advogamos a necessidade de conferir visibilidade aos processos de homogeneização que atravessam os currículos contemporâneos, de forma a problematizar a racionalidade pedagógica que insiste na produção objetivada de sujeitos da educação. É, pois, nesse terreno cercado, normatizado, político, mas com possibilidade de rasuras, escapes, renovação, transformação que apostamos. Ainda que os documentos orientadores do currículo nos levem a pensar que as normas, suas representações e suas performances, que se produzem por meio de seus engendramentos discursivos, criam formas que procuram conservar perenes as diferenças no currículo, por estrutura, excludente, acreditamos na potência micropolítica de transgressão ao currículo. Afinal, “[...] a transgressão diz respeito a um processo de insistência, nunca de abandono: ninguém transgride saindo fora. Para transgredir é necessário insistir com as formas que nos aborrecem; na esperança de que essas formas sejam desmontadas” (FEIL, 2009, p. 11). Que possamos pensar e problematizar os currículos com insistência!

REFERÊNCIAS

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NOTA:

A Medida Provisória Nº 746/2016, apresentada ao Congresso Nacional em setembro de 2016, propôs o novo Ensino Médio, a partir da reformulação da última etapa da Educação Básica (BRASIL, 2016). Foi publicada como Lei Nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017 (BRASIL, 2017). Para mais informações, vide: http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=40361. Acesso em: 16 nov. 2022.

Recebido: 20 de Junho de 2021; Aceito: 01 de Outubro de 2021

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