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Revista e-Curriculum

On-line version ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.20 no.4 São Paulo Oct./Dec 2022  Epub Jan 30, 2023

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2022v20i4p1799-1825 

Artigos

As Ecologias dos Metaversos e Formas Comunicativas do Habitar, uma Oportunidade para Repensar a Educação

The Ecologies of Metaverses and Communicative Forms of Dwelling, an Opportunity to Rethink Education

Las Ecologías de Metaversos y Formas Comunicativas de Habitación, una Oportunidad para Repensar la Educación

i Doutor em Sociologia pela Un. La Sapienza di Roma e Doutor em Ciencia da Comunicação pela Escola de Comunicações e artes da USP com Pós-Doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Sorbonne de Paris. Professor-pesquisadora titular do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (Procam) do IEE da USP. E-mail: massimo.atopos@gmail.com - ORCID iD: http://orcid.org/0000-0002-6646-4321.

ii Doutora em Informática na Educação (UFRGS) com Pós-Doutorado em Educação pela Universidade Aberta de Portugal. Professora-pesquisadora titular do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada na UNISINOS. E-mail: elianeschlemmer@gmail.com - ORCID iD: http://orcid.org/0000-0001-8264-3234.


Resumo

A tecnologia de metaverso tem se destacado recentemente a partir de duas abordagens. A primeira compreende os metaversos como sistemas multiusuários de criação de mundos em 2D/3D. A segunda propõe o “Metaverso do mundo ‘real’” e utiliza realidade aumentada para ampliar e potencializar experiências humanas no mundo físico. Baseados nesse contexto, buscamos discorrer sobre como os metaversos desafiam as práticas comunicativas e a interação na educação. Apresentamos as principais abordagens de metaverso com o propósito de evidenciar novos habitares e potencializar a Educação On-LIFE. Inspirados no método cartográfico de pesquisa-intervenção, identificamos pistas que permitem inferir que o metaverso favorece a passagem da compreensão de comunicação para um novo modo, trazendo um habitar comunicativo onde comunicar, interagir e cocriar implicam habitar um habitat.

Palavras-chave: ecologia; metaversos; comunicação; educação On-LIFE; ecossistema de inovação

Abstract

Metaverse technology has recently emerged from two approaches. The first understands the metaverses as multi-user 2D/3D world creation systems. The second proposes the “Metaverse of the ‘real’ world” and uses augmented reality to expand and enhance human experiences in the physical world . Based on this context, we seek to discuss how the metaverses challenge communicative practices and interaction in education. We present the main approaches of the metaverse, with the purpose of highlighting new dwellings and enhancing OnLIFE Education. Inspired by the cartographic method of research-intervention, we identified clues that allow us to infer that the metaverse favors the passage of communication understanding to a new mode, bringing a communicative dwelling where communicating, interacting and co-creating imply inhabiting a habitat.

Keywords: ecology; metaverses; communication; On-LIFE education; innovation ecosystem

Resumen

La tecnología Metaverse ha surgido recientemente a partir de dos enfoques. El primero entiende los metaversos como sistemas multiusuario para la creación de mundos 2D/3D. El segundo propone el “Metaverso del mundo ‘real’” y utiliza la realidad aumentada para ampliar y potenciar las experiencias humanas en el mundo físico. Con base en este contexto, buscamos discutir cómo los metaversos desafían las prácticas comunicativas y la interacción en la educación. Presentamos los principales enfoques del metaverso, con el propósito de destacar nuevas viviendas y potenciar OnLIFE Education. Inspirándonos en el método cartográfico de investigación-intervención, identificamos pistas que nos permiten inferir que el metaverso favorece el pasaje de la comprensión comunicativa a una nueva modalidad, trayendo un habitar comunicativo donde comunicar, interactuar y co-crear implica habitar un hábitat.

Palabras clave: ecología; metaversos; comunicación; educación On-LIFE; ecosistema de innovación

1 INTRODUÇÃO

Nos últimos meses, temos acompanhado um movimento intenso, especialmente nas mídias sociais, abordando a tecnologia de metaverso, a qual tem sido denominada a nova Internet. Embora o conceito e as plataformas de metaversos existam há mais de três décadas, a tecnologia voltou a ter destaque com o anúncio realizado pela Meta, anteriormente Facebook, sobre um investimento milionário na criação do seu metaverso. Outras grandes empresas, como a Microsoft, a Niantic e todo um ecossistema que orbita em torno dessa tecnologia, também passaram a divulgar seus planos relacionados ao desenvolvimento de metaversos.

Inspirados no método cartográfico de pesquisa-intervenção (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2012; PASSOS; KASTRUP; TEDESCO, 2014), acompanhamos o desenvolvimento da tecnologia de metaverso, desde seu surgimento até o tempo presente, e voltamos a habitar territórios de pesquisas realizadas pelo Grupo Internacional de Pesquisa Educação Digital (GPe-dU UNISINOS/CNPq) desde 1998. O objetivo é identificar pistas que nos permitam melhor compreender as práticas comunicativas e os novos habitares que os metaversos possibilitam para o campo da educação. A característica intervencionista do método, segundo Passos e Barros (2012), diz respeito à inseparabilidade entre conhecer e fazer, entre pesquisar e intervir. Para os autores, toda pesquisa é intervenção, uma vez que se trata de um mergulho na experiência, a qual agencia sujeito e objeto, teoria e prática, em um mesmo plano de produção ou de coemergência, denominado por eles plano da experiência. Assim, para intervir é preciso estar imerso no plano da experiência, sendo o ato de conhecer criador da realidade.

Entendendo que toda pesquisa é uma intervenção, portanto criadora de uma realidade, percorremos o processo de desenvolvimento da tecnologia de metaverso a partir de um mergulho na experiência de pesquisas já desenvolvidas e em desenvolvimento pelo GPe-dU, em diálogo com teorias recentes. O que se pretende é construir um conhecimento “com”, ou seja, em conexão com o objeto, que vai se constituindo durante o percurso de fazer pesquisa-intervenção. Um conhecimento que emerge da relação entre as diferentes pistas encontradas e teorias contemporâneas. Nesse caminhar, identificamos duas principais abordagens relacionadas à tecnologia de metaversos.

A primeira segue a definição original e compreende os metaversos como sistemas dinâmicos que permitem a criação/simulação de mundos digitais virtuais em 2D/3D - MDV2D/MDV3D, habitados e modificados pelo humano, por meio de um avatar. Essa abordagem tem sido vivenciada no âmbito da tríade pesquisa-desenvolvimento-formação no GPe-dU, desde 1998, com a criação do AWSINOS, no Metaverso Active Worlds; da Ilha UNISINOS, em 2006; e da Ilha RICESU, em 2007, ambas no Metaverso Second Life; e, em 2010, com a criação do servidor do GPe-dU no metaverso OpenSimulator, além da exploração de outros metaversos, como There, Cloud Party, Sansara, OpenWonderland, Minecraft, Roblox. Essa abordagem tem sido a aposta da Meta e da Microsoft, duas gigantes entre as Big Fives, que estão desenvolvendo a nova geração de metaversos, cuja experiência imersiva pode ser potencializada com o uso de óculos de Realidade Virtual (RV) e luvas táteis1. Em breve, será possível emparelhar as luvas táteis com o fone de ouvido de RV ou com um óculos de RV, propiciando uma experiência imersiva mais completa.

A segunda surge com a Niantic, empresa criadora do Pokemón Go, que em parceria com a Universal Picture propõe o que estão denominando “Metaverso do mundo ‘real’”. Utilizando-se da Realidade Aumentada, informações digitais são imputadas no espaço físico, geográfico, ampliando-o e potencializando-o, a fim de aprimorar a experiência humana com o mundo “real”. Essa abordagem tem sido vivenciada pelo GPe-dU, desde 2014, com a criação do Alternate Reality Game (ARG), Fantasma no Museu, no Museu de Ciências e Tecnologias da PUC-RS, e os Mobile-Ubiquitous-Pervasive Extended Reality Game (MUP-ERGs) In Vino Veritas( e Ágora do Saber, ambos desenvolvidos na cidade de Bento Gonçalves - RS, respectivamente em 2016 e 2017. Nessa compreensão de metaverso, a interação se dá no mundo físico, geográfico, que é hibridizado com o digital e no qual o humano tem uma presença física, e não por avatar. Com dispositivos móveis, sistemas de geolocalização e sensores, o humano amplia sua experiência no mundo “real”, tendo acesso a todo um “metaverso” que se potencializa com diferentes elementos digitais. Esses elementos podem envolver qualquer tipo de objeto, interação com personagens ficcionais, Non-player Character (NPCs) - personagens não manipuláveis e/ou bots, agentes comunicativos inteligente, “seres virtuais”, a partir da inteligência de máquina, que alimentarão conversas, emoções e comportamento de personagens que conheceremos nos metaversos: os Metahumanos, seres virtuais com auxílio da Inteligência Artificial (IA), entre outros que possam surgir. Em um futuro próximo, os wearables e os hologramas também farão parte desse tipo de experiência.

Em ambas as abordagens, o metaverso se caracteriza tanto como um produto, quanto como um processo. Na qualidade de processo, implica a construção de espaços/mundos/atividades, desafios, experiências imersivas, o que é significativamente distinto de navegar em páginas na web ou utilizar aplicativos, uma vez que o humano (na primeira abordagem, acoplado a uma entidade não humana - avatar e, na segunda abordagem, em presença física) efetivamente participa das atividades, desafios e experiências, com outras entidades não humanas em espaços, locais e contextos que dão a ilusão/sensação/sentimento de estar lá, ou seja, propiciam a imersão ampliando e potencializando, assim, a experiência humana. Esse processo de criação e cocriação é facilitado por tecnologias cada vez mais simples, proporcionando que o humano, acoplado ou não a um avatar e, ainda, organizado em grupo/clãs/guildas, possa, em ato conectivo com diferentes entidades não humanas, portanto transorgânico, construir, inventar seus próprios espaços/mundos/atividades, desafios e experiências, constituindo seu metaverso. Como produto, refere-se ao resultado desse processo, ou seja, é o próprio espaço/mundo criado ou cocriado no metaverso.

Nos metaversos, assim como no universo dos jogos, as interações são organizadas por atividades, desafios, experiências imersivas e engajadoras que instigam diferentes habilidades cognitivas, da comunicação e sensório-motoras. Isso é significativamente distinto do que ocorre nas variadas mídias sociais e plataformas digitais para a educação, cuja organização se dá em torno de assuntos, conteúdos ou pessoas.

Há uma clara indicação de que os metaversos representam a próxima geração da internet, um multiverso descentralizado, liderado por uma legião de criadores. Diferentemente da internet atual, que está orientada para transações e acesso à informação, a próxima geração da internet, a dos metaversos, estará voltada para atividades, desafios e experiências a serem vivenciadas. Mas, afinal, o que é e como surgiu a tecnologia de metaverso?

2 COMO SURGIU O METAVERSO

Antes de conceituar o que é o metaverso, é importante referir que essa tecnologia não surge com o anúncio, realizado por Mark Zuckerberg, sobre a criação do Metaverso Horizon e a troca do nome da empresa Facebook para Meta.

A palavra metaverso é um composto das palavras “meta”, que significa além de, transcendência, e “verso”, abreviação de “universo”. Segundo Schlemmer (2008) e Schlemmer e Backes (2015a; 2015b), a ideia de metaverso, embora descrita com outros termos, surgiu no âmbito da ficção cyberpunk, com Gibson, em Neuromancer (1984), entre outros. Entretanto, o termo em si foi criado pelo escritor Stephenson (1992), em um romance pós-moderno, de ficção científica, intitulado Snow Crash, para designar um mundo digital virtual ficcional. O livro de Stephenson (1992) apresenta um mundo em que seres humanos interagem uns com os outros por meio de avatares, em um espaço tridimensional (metauniverso).

Em Snow Crash, Stephenson (1992) referia que, assim como outros lugares, a rua, por exemplo, pode ser otimizada, ampliada, potencializada por aqueles que desenvolvem metaversos. Eles podem construir suas próprias ruas, prédios, casas, parques, placas, veículos ou qualquer coisa que imaginarem, com propriedade e regras próprias que, inclusive, ignorem aquelas do espaço-tempo tridimensional que habitamos, as quais dizem respeito a um mundo físico, geográfico. Diz Stephenson (1992, p. 23): “[...] coloque uma placa ou um prédio na rua e cem milhões de pessoas conectadas irão ver isso todos os dias. A rua não existe verdadeiramente. Mas, neste momento, milhões de pessoas estão caminhando nela, para cima e para baixo”. Veja que esse autor já chamava atenção para o caráter real do metaverso, bem como para sua utilidade, uma vez que se trata de uma ampliação do espaço “real” do mundo físico, geográfico, no espaço digital na internet. O metaverso seria, então, uma espécie de “não lugar”, sob a ótica da existência física, constituída por átomos, mas um lugar pela perspectiva da existência digital, formada por bits.

Entretanto, a ideia que antecede o próprio conceito de metaverso, segundo Schlemmer (2008) e Schlemmer e Backes (2015a; 2015b), remonta a meados dos anos 1970, com os primeiros jogos que se caracterizavam por histórias de aventuras que aconteciam em mundos virtuais multiusuários descritos inteiramente em texto. Esses mundos, pré-web, conhecidos por Multi-User Dimension (ou Dungeon - MUD)2, combinam elementos de jogos de Role Playing Game (RPG) 3, hack and slash4, ficção interativa e bate-papo on-line, criando um tipo de realidade virtual baseada em texto, na qual os jogadores interagem de forma síncrona. Na década de 1990, surgiram os MUD Object Oriented (MOO), que, além da interação por textos, permitiam que os jogadores criassem salas, construíssem e manipulassem objetos programáveis (móveis simples, animais de estimação falantes ou móveis falantes). Em 1993, a criação da VRML5 tornou possível a construção de front-ends gráficos e, assim, em 1995, surge o primeiro MOO de educação - a Diversity University -, que possibilitava entrar no Inferno de Dante e experimentá-lo, interagindo com os objetos. Com a evolução da capacidade computacional e com a popularização da internet6, tecnologias gráficas em 3D e jogos com o gráfico em primeira pessoa, tais como o Meridian 59, Ultima On-line, Lenage, EverQuest e tantos outros, começaram a ser desenvolvidos.

Ainda nos anos 1990, surge o The Palace - servidor de MDV2D, cuja tela inicial é um palácio composto por uma série de salas temáticas, nas quais o humano, representado por props - elementos gráficos bidimensionais, conversa por texto7. Em 1995, é criado o AlphaWorld, um servidor de MDV3D que se popularizou em 1997 com o lançamento do Active Worlds8, primeiro metaverso que permitiu a construção pública de MDV3D. No entanto, a tecnologia de metaverso tornou-se mais conhecida com o Second Life9, criado em 2003 pela empresa norte-americana Linden Lab. Nos anos seguintes, a fim de atender a procura dos desenvolvedores por um motor de servidor de metaverso e um cliente de fonte aberta, modular, flexível e extensível, que possibilitasse criar/personalizar um mundo próprio, independente dos comerciais, começaram a aparecer vários metaversos opensource, entre eles o Metaverse10, em 2004; o Wonderland11 e o OpenSimulator12, ambos em 2007. Posteriormente, vários outros vieram, entre eles o Cloud Party13, um app criado em 2012, acessível pelo Facebook e o primeiro a oferecer suporte oficial ao Oculus Rift, e, em 2017, o Sansar14, uma plataforma de metaverso desenvolvida também pela Linden Lab, que funciona como uma engine que viabiliza aos desenvolvedores produzir conteúdo, jogos e experiências para os óculos de VR.

As pesquisas na área de metaversos são relativamente recentes. No Brasil, elas tiveram início em 1998, com o Metaverso Active Worlds, que abriu a possibilidade para pesquisadores submeterem projetos de investigação. Os projetos aprovados recebiam a doação de uma galáxia (espaço em servidor) para fins de pesquisa. Foi assim que construímos, em 1998, o AWSINOS - primeiro MDV3D da UNISINOS. Posteriormente, em 2003, com o lançamento do metaverso Second Life, pela Linden Labs, a tecnologia ganhou visibilidade na mídia, tanto que, depois dos Estados Unidos, o Brasil era o país com o maior número de residentes. Isso acabou despertando um maior interesse na comunidade científica nacional, contudo não tínhamos uma iniciativa nacional voltada para o desenvolvimento da tecnologia de metaverso e as poucas pesquisas existentes dependiam da aquisição de espaço (terrenos, ilhas) nos servidores da Linden Lab, cujo custo era elevado para a realidade brasileira. Além disso, uma parceria desenvolvida entre a IG e a Kaisen, as quais compravam as ilhas (espaço em servidor) da Linden Lab e revendiam no Brasil a valores superiores aos já praticados pela criadora do metaverso, cobrando um condomínio mensal, acabou por dificultar ainda mais a adesão à tecnologia. O foco da parceria entre a IG e a Kaisen estava na reprodução/transposição de organizações/empresas do mundo presencial físico, geográfico, para o metaverso, mantendo suas formas de operar, desconsiderando a natureza específica do metaverso e, portanto, as potencialidades próprias dessa tecnologia, bem como o público (avatares) que vivia e convivia nos metaversos.

Com o surgimento dos metaversos opensource, em 2007, entre eles o OpenSimulator e o OpenWonderland, pesquisadores de diferentes instituições e áreas do conhecimento passaram a desenvolver pesquisas com/em metaversos. Ainda assim, em virtude de questões tecnológicas e de conectividade, não houve uma adesão expressiva dessa tecnologia naquele momento, sendo poucos os centros, laboratórios ou grupos de pesquisa que continuaram a investigação na área. Entretanto, em nível internacional, a comunidade de pesquisadores mantinha-se bastante ativa e, em 2014, foi criada a Immersive Learning Research Network (iLRN)15.

Hoje, depois de 24 anos de pesquisa na área, temos as condições tecnológicas e de conectividade necessárias, bem como um interesse real da população, desencadeado pela pandemia da Covid-19, capazes de intensificar a adesão em grande escala dessa tecnologia que emerge no bojo da Web3D e possui uma infinidade de potencialidades no âmbito das chamadas eXtended Reality - XR (Realidade Virtual, Realidade Misturada e Realidade Aumentada). É nesse contexto que emergem as novas gerações de metaversos.

3 AS NOVAS GERAÇÕES DE METAVERSOS

Uma extensa revisão de literatura sobre as definições de metaverso pode ser encontrada em Park e Kim (2022), cuja preocupação está nos aspectos tecnológicos do metaverso, uma vez que a maioria das pesquisas trata dos aspectos sociais da tecnologia.

Os autores citam Lee et al. (2011), que naquela época já chamavam a atenção para a compreensão de metaverso como divided life-logging, mundo espelhado, realidade aumentada e mundo virtual focado na realidade (reprodução do mundo físico, geográfico) ou na virtualidade (criação de mundos imaginários, sem rebatimento no mundo físico, geográfico). Os autores referem que, nos primeiros estudos realizados, a compreensão de metaverso estava voltada para a composição do próprio mundo virtual (considerado mais como jogo), entretanto, em estudos posteriores, a compreensão é ampliada e o enfoque passa a ser a interação social e o conteúdo produzido. Nesse contexto, trazemos Lévy (1999, p. 75), que compreende o mundo virtual, em um sentido amplo, como “um universo de possíveis, calculáveis a partir de um modelo digital”. O humano, ao interagir com/no mundo virtual, explora-o e o atualiza simultaneamente. “Quando essas interações podem enriquecer ou modificar o modelo, o mundo virtual torna-se um vetor de inteligência e criação coletiva” (LÉVY, 1999, p. 75). Contudo, mais recentemente, em uma perspectiva de superação de uma visão antropocêntrica e antropomórfica do mundo (DI FELICE, 2017), entendemos que um mundo virtual, além de ser um vetor de inteligência e criação coletiva, ao conectar diferentes inteligências humanas e não humanas, torna-se um vetor de ecologias inteligentes e de criação e cocriação conectiva, inventiva e transubstanciada.

Por sua vez, a compreensão de metaverso como mundo espelhado (por exemplo, Google Earth, Microsoft Virtual Earth) implica refletir realisticamente o mundo real, no digital. O conceito de mundo espelho surge no livro Mirror Worlds escrito por David Gelernter, em 1992, como a reprodução do espaço real no qual as pessoas vivem, no digital, incluindo informações e simulações. O mundo espelho replica a aparência de edificações ou objetos do mundo real, mas tem propriedades e funções específicas. Metaverso, multiverso, digital terraforming e mundo espelhado são conceitualmente semelhantes, mas têm significados ligeiramente diferentes, dependendo do contexto em que são usados.

Park e Kim (2022) referem que os estudos atuais sobre metaversos fundamentam-se no valor social da Geração Z, a qual compreende que os eus on-line e off-line não são diferentes, o que justifica a necessidade de uma nova definição.

No entanto, mesmo no âmbito da questão geracional, outras duas gerações, após a Geração Z, já foram identificadas: a Geração Alpha (nascidos após 2010) e, mais recentemente, a Geração C (nascidos na pandemia da Covid-19, bem como aquelas crianças que estão sofrendo seu impacto). Ainda vinculados à discussão geracional, estudos realizados por Schlemmer (2008) e Schlemmer e Backes (2015a; 2015b), com a tecnologia de metaverso, evidenciaram que, mais do que uma questão geracional, trata-se de uma questão cultural, relacionada a um viver e conviver por/entre avatares, que se desenvolve em plataformas de mundos abertos e se ampliam em composições híbridas com o mundo presencial físico. As autoras entendem que, a partir do momento em que os metaversos se popularizam, tornam-se artefatos culturais, que promovem novas formas de experiências estéticas e de entretenimento.

Nessa perspectiva cultural, a identidade e, consequentemente, a alteridade, da qual o avatar é um dos componentes, passam a ser constituídas de forma híbrida, muitas vezes em uma relação de composição, aproveitando-se das propriedades específicas da tecnologia de metaverso . Isso permite um processo de digitalização/virtualização do corpo físico, ora resultando em avatares esteticamente muito semelhantes, no que se refere à aparência física (digital twine), ora em avatares completamente distintos, incluindo a variedade de humanoides, não humanoides, mecha, furry e diferentes composições inventivas. Portanto, os dualismos “eu off-line” e um “eu” ou vários “eus on-line”, vão dando lugar a um “eu”, que vai se constituindo nesse coengendramento, de onde emerge um “eu On-LIFE”.

A compreensão atual de metaverso, segundo Park e Kim (2022), difere-se da anterior em três aspectos: 1) o rápido desenvolvimento do deep learning, o que melhora a precisão da visão e o reconhecimento de linguagem, bem como o desenvolvimento de modelos generativos, que contribuem para um ambiente mais imersivo e com movimento mais natural; 2) o acesso a partir de dispositivos móveis conectados à internet a qualquer hora, em qualquer lugar; 3) a codificação do programa no próprio metaverso, além de estar mais ligado à vida real com, por exemplo, moeda virtual e outros elementos. É importante referir que a tecnologia de metaverso expande-se em função dos diferentes significados sociais que vai adquirindo. As criptomoedas, como o Dime, servem como uma ponte econômica entre o metaverso e o mundo real, atribuindo às pessoas um significado social mais profundo.

A compreensão de metaverso também se distingue, de acordo com Park e Kim (2022), da realidade aumentada (AR) e realidade virtual (VR) em três aspectos: 1) a RV foca a abordagem física e a renderização, enquanto o metaverso tem como ponto central serviços com conteúdo e significado social; 2) o metaverso não necessariamente faz uso de tecnologias AR e VR; 3) o metaverso possui um ambiente escalável que pode comportar um número expressivo de pessoas, o que é fundamental para reforçar seu significado social.

Park e Kim (2022) problematizam: Quais os conceitos e tecnologias necessários para criar um ambiente e conteúdo que possibilitem ao humano vivenciar experiências como em Ready Player One? Além de simplesmente desenvolver um MDV3D, como viabilizar tecnologicamente experiências imersivas criadas com a interação dos humanos? Afora a revisão de literatura sobre o conceito de metaverso, avatar, realidade estendida, os autores apresentam um estudo abrangente sobre as tecnologias e as aplicações que podem propiciar significado social ao metaverso. No âmbito das tecnologias, citam três componentes fundamentais para que a tecnologia de metaverso possa ser implementada em larga escala: 1) melhorias de hardware; 2) software - desenvolvimento de reconhecimento e expressão que potencializam o paralelismo do hardware; e 3) desenvolvimento de conteúdo para que as pessoas possam viver experiências imersivas. Estas são estudadas a partir de três abordagens: (i) interação do usuário; (ii) implementação; e (iii) aplicação. As principais contribuições trazidas por Park e Kim (2022) concernem a: taxonomia do metaverso, organizada a partir do hardware, software, conteúdo, interação do usuário, implementações e aplicações, apresentando as tecnologias atuais; o estudo de caso do Metaverse Ready Player One, Roblox e pesquisas no Facebook em filmes, jogos e estudos, a partir da taxonomia criada; e, por fim, a discussão de problemas e direções na implementação de metaversos imersivos, abordando: influências sociais, restrições e desafios em aberto.

Esses componentes também estão presentes na abordagem realizada por Radoff (2021), para quem o metaverso é a próxima geração da internet. Os metaversos permitem aos criadores oferecer experiências conectadas e imersivas com base em atividades, tais como: 1) incorporar e linkar conteúdos/experiências imersivas; 2) informar, escapar e contar histórias; 3) desenvolver atividades em um local; 4) colaborar, aprender e treinar; 5) ser o “terceiro lugar”, propiciando a vida em comunidade, interação social e a expressão da criatividade.

Segundo Radoff (2021), as experiências em metaversos apresentam algumas propriedades que são comuns a elas: ênfase em atividades, em lugares cada vez mais imersivos em que o “eu” está presente remotamente lá; são desenvolvidas pelo aumento exponencial de criadores; e vinculam e incorporam conteúdo imersivo e emergente. Os metaversos ocuparão o “terceiro lugar” (OLDENBURG, 1999) que, após a casa (primeiro lugar) e o trabalho (segundo lugar), representa os lugares para a vida comunitária, interação social e criatividade, ao qual acrescentamos a inventividade. Esse terceiro lugar, na atualidade, tem sido parcialmente ocupado pelas mídias sociais, porém elas se concentram somente em uma atividade principal, compartilhar conteúdo, diferentemente do que acontece nos espaços físicos, geograficamente localizados, e nos jogos, os quais possibilitam a participação em atividades reais com amigos. Radoff (2021) refere ainda como características da geração atual de metaversos o fato de serem abertos, descentralizados (nenhuma autoridade central para controlá-los) e distribuídos.

Entretanto, compreendemos, a partir das pesquisas que desenvolvemos, que, mais do que a ênfase em atividade, cujo foco é uma teoria da ação, os metaversos emergem de/em atos conectivos transorgânicos, nos quais entidades humanas coengendradas com entidades não humanas, ao ocuparem esse habitat, criam, cocriam, inventam diferentes experiências imersivas que podem envolver histórias, jogos, escapes. Ao ter a potência de habitar e viver experiência, não faz mais sentido falar em participação, presença, distância, ausência, uma vez que o avatar habita, portanto está imbricado, coengrendado, experienciando. Tampouco podemos falar de um lugar, mas sim de espaços que se constituem híbridos e que instigam o habitar atópico (DI FELICE, 2009) e o nomadismo digital (SCHLEMMER; BACKES, 2015b).

Schlemmer (2008) definiu os metaversos como sistemas dinâmicos, multiusuários e persistentes, criados em 2D ou 3D, que se modificam em tempo real à medida que os avatares interagem com ele. Trata-se de uma tecnologia que permite a criação e a cocriação de mundos digitais virtuais em 2D e 3D, respectivamente MDV2D e MDV3D, configurando-se como plataforma de mundo aberto (SCHLEMMER; DI FELICE, 2020).

A característica da persistência em metaversos é fundamental no campo da educação, uma vez que permite que ele exista e evolua constantemente, ou seja, garante que o que foi criado e/ou cocriado pelo avatar ou grupo de avatares continue a existir, mesmo quando ele se desconecta do metaverso e desliga o computador. Assim, outros avatares que permanecem no metaverso podem dar continuidade ao processo de criação/cocriação, de forma que, quando o avatar retorna, retoma o processo já acrescido das contribuições realizadas pelos demais. É justamente a persistência que possibilita que o avatar deixe pistas do que desenvolveu, favorecendo o acompanhamento dos rastros produzidos por ele no percurso que e-habitou o metaverso. A persistência é o que nos diz que aquele mundo está vivo e que funciona como uma sandbox, de modo que o(s) avatar(es) pode(m) modificá-lo constantemente.

É importante referir que nem todas as plataformas de metaverso trabalham com o conceito de sandbox e persistência. Enquanto o primeiro (sandbox) permite que o mundo seja modificado, criado, cocriado pela/na interação dos avatares entre si, com o próprio mundo e com as demais entidades não humanas que podem e-habitá-lo, tais como bots, NPCs, agentes comunicativos, entre outros, instigando, assim, o desenvolvimento da autonomia, da autoria criativa (BACKES, 2007) e inventiva e da colaboração e cooperação em processos de coautoria e autonomia social (BACKES, 2007), o segundo (persistência) garante que essa criação/cocriação possa ter continuidade quando o avatar retornar ao metaverso.

Um metaverso, segundo Schlemmer (2014), Schlemmer e Backes (2015a), pode reproduzir de forma semelhante ou fiel o mundo físico, criando gêmeos digitais, ou pode ser uma criação diferenciada, desenvolvida a partir de representações espaciais imaginárias, simulando espaços não físicos para convivência digital virtual. Nos metaversos, tanto Experiências de Realidade Virtual (ERV) quanto de Experiências de Virtualidade Real (EVR), bem como a combinação de ambas, podem ser desenvolvidas e, ainda, potencializadas a partir de dispositivos como óculos de RV e luvas táteis. Logo, um universo de representações, simulações, interpretações e invenções, que possibilitam desenvolver novas experiências sociais, emerge em atos conectivos transorgânicos (DI FELICE, 2017), ou seja, entre humanos e não humanos, numa compreensão social ampliada a entidades não humanas, configurando um viver e conviver que é também de natureza digital virtual (SCHLEMMER, 2014; SCHLEMMER; BACKES, 2015a, 2015b). Esses mundos podem ter leis próprias configuradas a partir da convivência em determinado grupo, no qual podemos usar todo o poder de nossa invenção e criatividade, pois não estamos presos a regras do mundo físico.

A partir das pistas mencionadas, podemos compreender a primeira abordagem dos metaversos como uma representação, simulação, interpretação, invenção on-line, em 2D ou 3D, persistente, que possibilita a interação, a criação e a cocriação síncrona entre avatares e entre os avatares e o mundo, potencializando ERV e EVR, em um universo navegável e habitável, cujo sentimento de imersão pode ser potencializado por sistemas que coengrendram dispositivos de RV e dispositivos sensitivos.

Entretanto, como essa tecnologia é relativamente nova e está em constante movimento, justamente em razão de sua característica híbrida, para além da abordagem original de metaverso, trazida por Stephenson (1992) e potencializada com as plataformas de mundo aberto, uma definição mais abrangente do termo precisa considerar também a segunda abordagem, a qual diz respeito ao metaverso da vida real, conforme referido anteriormente. Nessa compreensão, no lugar de criar e cocriar um mundo 2D ou 3D, que pode ser uma simulação do mundo físico, geográfico ou, ainda, uma invenção, sendo estes e-habitado por avatares; o digital, por meio de RA e RM, é imputado ao mundo físico, geográfico, que o humano habita, intensificando e ampliando sua experiência com/no próprio mundo goegráfico.

Portanto, uma conceituação mais ampla que envolva as duas abordagens de metaversos pode ser assim expressa: Metaversos são ecologias que possuem uma arquitetura vinculante, mas dependente das interações entre tecnologias XR, dispositivos vestíveis, softwares, pessoas, e que transformam as experiências humanas, alterando o nível de percepção, formas do sentir, condição habitativa, modificando-se em tempo real à medida que as diversas entidades interagem entre si.

Nesse sentido, podemos falar de multiverso para referirmo-nos a um conjunto de universos, metaversos possíveis, nos quais vivemos e convivemos com entidades não humanas e que compreende tudo o que existe, seja constituído por átomo, bit ou ainda pelo imbricamento destes.

Schlemmer e Backes (2015a, 2015b) aludem que o hibridismo representado pelos metaversos inaugura um novo espaço de pesquisa que precisa ser compreendido como híbrido, ou seja, os metaversos precisam ser investigados por essa perspectiva e a potência que apresentam para repensar os processos de ensino e de aprendizagem, portanto, a educação.

Assim, os metaversos prometem uma grande transformação na forma como o humano interage socialmente pela internet e isso apresenta potencialidades e desafios para diferentes áreas do conhecimento e setores da sociedade, uma vez que provoca alterações na maneira como nos comunicamos, interagimos, construímos relacionamentos, trabalhamos, aprendemos, ensinamos, consumimos, enfim, no modo como vivemos e convivemos.

Todavia, o que nos preocupa, do ponto de vista da ciência da educação, é que os metaversos criados não sejam só reproduções, transposições de salas de aulas, instituições, cidades físicas de um espaço geográfico, “materializadas” no espaço digital, reproduzindo todos os problemas que já temos. Os metaversos têm a potência de se constituírem como espaços para experienciar, vivenciar, criar, cocriar e inventar diferentes modos de ensinar e de aprender; novas maneiras de organização e funcionamento das instituições educacionais e da sociedade. Explorar outros tipos de democracia e de governança, experienciando novos conceitos e formas que possam contribuir para melhorar as instituições e as cidades já existentes no espaço geográfico, bem como a sociedade a qual habitamos com nossos corpos físicos, formados por átomo, juntamente com outras entidades não humanas. Cada vez mais, a educação, as instituições educacionais, as cidades, tornar-se-ão híbridas, o que temos denominado nas pesquisas que desenvolvemos no GPe-dU, respectivamente, como educação híbrida, hybridschools e cibricidade, ou seja, esses contextos que, de um paradigma presencial físico, geograficamente localizados, e de uma arquitetura, modelos e formas de operar dentro desse paradigma, ao se hibridizarem com o digital, transubstanciam-se em uma metamorfose que os diferenciam, ampliam e potencializam.

Atualmente, certo nível de hibridização com o digital já é possível identificar com tecnologias como o Google Maps, Google Earth, Google Explorer, jogos geolocalizados, portais de cidades, apps, entretanto ainda num nível muito primário de hibridização, considerada como mistura e reprodução. A tecnologia de metaverso e a popularização das tecnologias XR podem elevar a outros níveis de hibridização, potencializando novas formas de habitar. Essas questões estão sendo investigadas pelos grupos de pesquisa GPe-dU/UNISINOS e ATOPOS/USP.

4 DA DISSEMINAÇÃO PARA O HABITAR: AS TRANSFORMAÇÕES DAS ARQUITETURAS INFORMATIVAS NOS METAVERSOS

A evolução da web nas últimas décadas foi caracterizada por um gradual processo de expansão da conectividade que, depois de ter colocado em rede as pessoas e os dispositivos (Web 2.0), passou a permitir a interação com as coisas (internet of thing), os dados (Big data), os territórios (G.I.S.) e as biodiversidades (sensores), criando uma complexa rede de redes (the internet of everything). Além das dimensões quantitativas, que mostram a digitalização como um progressivo processo de expansão de redes (DI FELICE, 2020), a evolução das formas de conectividade assumiu, com o decorrer do tempo, o significado de uma qualitativa e paradigmática transformação da arquitetura da interação comunicativa.

A ideia de comunicação, desenvolvida em plena modernidade, apresentava a natureza dela como um fluxo de informações e conteúdo que, de um emissor, através de canais, processava até um receptor. Os principais modelos comunicativos (SHANNON; WEAVER, 1963; LAZARSFELD; BERELSON; GAUDET, 1948) desenvolvidos em plena era moderna foram influenciados pela cultura tecnológica da época, caracterizada pela tecnologia mecânica em uso nas cadeias de produção industrial. Os modelos criados nesse período, os quais permaneceram como hegemônicos até a chegada das últimas gerações de redes, difundiam uma ideia de comunicação que se disseminava, baseada em uma concepção antropocêntrica, na qual eram exclusivamente os humanos os criadores de conteúdos que, através de meios e canais, distribuíam-nos entre si. Uma comunicação entre humanos mediada por mídia e vetorialmente distribuída.

Como lembrado por Peters (1999), a história da ideia de comunicação no Ocidente explica-se por meio de dois modelos principais: a disseminação e o diálogo. O primeiro é aquele indicado pela forma de disseminação, representada pela arquitetura comunicativa experimentada por Cristo, cuja arquitetura era caracterizada pela difusão da verdade e pela evangelização das massas. O segundo era aquele atuado por Sócrates e baseado no diálogo expresso pela técnica da maiêutica, evidenciada na conversação entre os diversos interlocutores. A história da ideia de comunicação no Ocidente, marcada pelo domínio de uma única lógica, centrada na produção das informações para o consumo, mediante os fluxos unidimensional (disseminação) e bidimensional (diálogo), influenciou o marketing, as teorias sociológicas, os modelos energéticos, as práticas políticas, bem como as teorias educacionais. Nossa forma de pensar as relações, a economia, a política e a natureza, bem como os processos de ensino e de aprendizagem, foi inspirada por essa narrativa comunicativa que descreveu as relações pelas trocas de informações em linhas geométricas entre emissores e receptores. A mesma ideia de complexidade teorizada, também em época industrial, como uma arquitetura sistêmica (BERTALANFFY, 2004), feita de partes separadas e comunicantes entre si, pela troca de input e output, encontra seu fundamento nas geometrias lineares dos fluxos informativos industriais. Não há âmbito da história do Ocidente que não tenha sido influenciado, em sua representação, pelas geometrias lineares dos modelos comunicativos desenvolvidos em plena era industrial.

Com o advento das formas comunicativas digitais, a estrutura disseminativa foi substituída por uma arquitetura distribuída, determinada por um novo tipo de modelo pelo qual todas as informações encontravam-se na rede, podendo ser produzidas e acessadas por todos. Como demonstram a história e as motivações da construção da rede internet, seu objetivo era desenvolver uma arquitetura informativa que permitisse a conservação e o repasse das informações, mesmo que fosse atingida por um ataque nuclear. O modelo criado baseou-se na substituição de um modelo comunicativo centralizado e disseminador, facilmente vulnerável, por outro distribuído e dificilmente destrutível, uma vez que é organizado por uma arquitetura ecológica (DI FELICE; CUTOLO TORRES; HIGUCHI YANAZE, 2012).

A substituição do modelo comunicativo disseminado por aquele pautado por arquiteturas reticulares ocasionou não somente o repensar da ideia de comunicação, mas também a reformulação dos modelos relacionais e organizativos. Um exemplo é a relação entre modelos comunicativos e sistemas energéticos proposta por Rifkin (2012). Ao analisar o modelo energético industrial, o economista norte-americano constatou como as formas de produção e distribuição de energia fóssil e não renovável são fundamentadas em um modelo de centralização da produção, desenvolvida em algumas grandes centrais ou por meio da produção de grandes companhias proprietárias de jazimentos, que a disseminam para regiões e cidades. Rifkin (2012) observa que esse modelo energético reproduz as geometrias das linhas de disseminação dos gráficos da época industrial: um emissor transmite uma mensagem que, através de canais, chega até o receptor. Os modelos energéticos assentados na abstração de carbono fóssil e em sua transformação em energia são produzidos por meio de grandes centrais e de grandes companhias extrativistas que concentram, geram e controlam a produção. Além do aspecto centralizador e de seu alto preço, a produção energética comporta uma ampla dispersão de energia durante o projeto distributivo. A esse modelo centralizador Rifkin (2012) contrapõe o modelo energético, baseado nas arquiteturas comunicativas em rede, que, de um ponto de vista da gestão energética, funcionaria exatamente como o modelo de produção da comunicação, isto é, na produção autônoma da energia renovável por cada edifício e no compartilhamento do excedente na rede.

Também em nível de estudo da complexidade, a dimensão sistêmica, baseada nas relações comunicativas entre as distintas partes de uma delimitada totalidade, vem sendo substituída por outra perspectiva que descreve as interações não mais pelas geometrias disseminadoras, mas por meio de arquiteturas reticulares: “A ideia clássica da decomposição do mundo em unidades separadas mas interagentes não é mais válida ou relevante” (BOHM, 2006 p. 155). Nessa direção segue a ideia de cosmopolítica de Stengers (2005), que, a partir da análise dos processos laboratoriais e das práticas de produção científica, descreve as dimensões de uma complexidade emergente construída a partir das interações entre humanos e não humanos. No entanto, foi sobretudo a teoria de Gaia de Lovelock (2006) que deslocou a complexidade das relações no âmbito biosférico. Nestas, as esferas geológica, animal, vegetal e humana não descrevem uma forma sistêmica, na qual os diversos elementos, agregando-se, produzem algo que, no caso da teoria do Lovelock (2006), seria o equilíbrio climático, mas aquela reticular descrita pelo princípio hologramático (MORIN, 2009), segundo o qual a totalidade está contida em cada parte, de maneira que se torna improvável pensar a soma de fluxos informativos entres diversos componentes, mas como fenômenos conectivos e transorgânicos. Como acontece no patrimônio genético, que se encontra inteiramente presente em cada célula do corpo, a dimensão da complexidade hologramática torna possível descrever a hipercomplexidade dos fenômenos climáticos como resultado não apenas do agir humano (anthropocene), e sim de um conjunto de acontecimentos capazes de não somente provocar fenômenos externos, mas também de alterar a própria constituição das entidades. Uma transformação, portanto, não delimitável nem reconduzível a uma matriz monocasual. Esse novo tipo de complexidade, conectiva, transorgânica e emergente é analisado também por Morton (2018) em seu célebre texto Hiperobject, no qual descreve o advento de um novo tipo de realidade baseada na emergência de não objetos caracterizados por sua não localidade, por sua ondulação temporal e por seu phasing: “[...] o alcance aos hiperobjetos não se dá por meio de uma distância [...]. Os hiperobjetos tornam obsoletos os instrumentos que utilizamos tradicionalmente para medir fenômenos sociais e psíquicos” (MORTON, 2018, p. 27). Trata-se de uma qualitativa mudança de perspectiva que tem a ver com a descoberta de uma hipercomplexidade conectiva, que não pode ser explicada pela lógica transmissiva e pelos fluxos comunicativos vetoriais:

A água que ferve e a água que congela são eventos muitos estranhos. Olhamos uma substância que de repente muda de forma somente porque mudou um pouco a temperatura. Trata-se de uma mutação coletiva: não é o único átomo, não é a única molécula de água que gela e que ferve (PARISI, 2021, p. 39).

O que a teoria de Gaia, as mudanças climáticas, o antropoceno e a própria pandemia revelam é o advento de uma hipercomplexidade não sistêmica, na qual o comunicar e o interagir não são apenas as diversas partes que compõem um ambiente, mas o resultado da mesma arquitetura comunicativa que os abrigam. Como Monet emancipou as cores das formas, deixando-as livre para flutuarem, as interações no âmbito da hipercomplexidade acontecem em todos os níveis, sendo baseadas em um modelo comunicativo conectivo, no qual as interações não se dão apenas por interações externas, mas, também, por meio de alterações internas e coletivas.

Essa passagem de um modelo comunicativo analógico (do greco ανα-λϋό, proceder de maneira separada) a uma forma mais complexa encontra sua justificativa também nas ciências biológicas em que os estudos dos ecossistemas e de suas interações mostraram as dimensões de uma condição simpoiética, na qual nenhum elemento ou entidade é autônoma ou isolada. Haraway (2019) descreve a simpoiese citando o trabalho da tese de doutorado em estudos ambientais escrita por M. Beth Dempster em 1998, o qual é utilizado para indicar

[...] os sistemas que produzem de maneira coletiva, que não possuem confins espaciais ou temporais determinados no seu interior. A informação e o controle são distribuídos entre todos os componentes. Os sistemas são evolutivos e podem gerar mudanças surpreendentes. Ao contrário, os sistemas autopoiéticos são unidades autônomas que se autoproduzem dotadas de confins espaciais e temporais autodefinidos que tendem ao controle centralizado (HARAWAY, 2019, p. 55).

Mais que sistema autopoiético, delimitado e formado por entidades comunicantes entre si, as últimas gerações de arquiteturas digitais apresentam-se como ecossistemas, redes de redes, nas quais as interações são a consequência de um ingresso em uma ecologia comunicativa. A fim de interagir em plataformas, nas blockchain e nos metaversos, é necessário adentrar neles e passar a habitá-los. Mais do que uma exposição a um conteúdo, ou uma transição informativa externa entre entidades agregadas que trocam fluxos e informações entre si, nos metaversos desenvolve-se uma condição habitativa ecossistêmica, na qual todos são partes, e não apenas membros de uma arquitetura, que, mesmo encontrando-se em parte já estruturada, com suas regras e possibilidades estabelecidas, ao mesmo tempo é formada pelos membros que os habitam. Essas novas arquiteturas comunicativas nos obrigam a repensar nossa ideia de comunicação e de educação para além da arquitetura de interações entre sujeitos, mídia e conteúdo, baseadas na separação entre essas diversas entidades. Como relatado pelas ciências biológicas, nos ecossistemas a composição do corpo, de cada membro, é o produto do conjunto de interações com os demais, e a própria arquitetura do ambiente inteiro é construída pelo conjunto de interações em seu interior, como acontece com os corais e as formações de barreiras de recifes. Como lembrado por Tansley (2018, p. 89):

[...] embora os organismos reivindiquem nossa atenção principal, quando analisamos em profundidade, não podemos separá-los de seu ambiente espacial com o qual eles formam um ambiente físico. [...] Nosso preconceito humano nos leva a considerar os organismos como a parte mais importante destes sistemas, mas, certamente, os fatores inorgânicos fazem partes deles - não haveria sistemas sem esses últimos, e existe uma troca intensa e constante entre os diferentes elementos e entre cada sistema, não apenas entre os organismos, mas entre o orgânico e o inorgânico. Esses ecossistemas, como podemos chamá-los, são de diferentes tipos e formatos.

A partir das contribuições do debate acerca da teoria da complexidade no âmbito da filosofia da ciência e daquelas dos estudos das ciências biológicas sobre os ecossistemas, é possível descrever o modelo comunicativo das plataformas, dos blockchain e dos metaversos como uma forma comunicativa do habitar (DI FELICE, 2009). A ideia de forma baseia-se na concepção da “forma formante” desenvolvida no âmbito dos estudos da estética por Perniola (1997). Esse autor descreve bem as características dos ecossistemas digitais, ao se referir ao dúplice aspecto de uma arquitetura de interação em redes complexas que, ao mesmo tempo que impõe um modelo e uma forma, claramente definidos, passando a produzir as qualidades e as modalidades de interação, é, contraditoriamente, o resultado do conjunto de conexões que acontecem em seu interior, exatamente como a complexidade dos ecossistemas. A ideia do habitar origina-se no conceito desenvolvido por Heidegger (2001) em um primeiro momento no texto “Construir, habitar e pensar”, elaborado para uma conferência realizada em um congresso de Arquitetura, mas que, na sequência, o conceito torna-se um aspecto central para descrever a condição não metafísica e histórica do ser. Para o filósofo alemão, de fato, o ser, ao contrário do que é afirmado pela tradição filosófica ocidental, não possui uma essência, mas encontra sua emergente condição habitando a “quadratura”, isto é, estando em cima da terra, embaixo do céu, ao lado dos mortais e perto do divino, transformando, assim, a essência em “ser-aí” (dasein). A quadratura, portanto, além de representar uma forma não ubicada e não autorreferencial do ser, mostra o afastamento da maneira habitual de pensar própria da filosofia ocidental, que buscava explicar o ser e as coisas a partir de sua essência, substituindo essa perspectiva por uma dimensão ecossistêmica e relacional. Nesse sentido, o habitar, mais que um particular estado da condição humana, apresenta-se como a dimensão ecológica que caracteriza tanto os humanos quanto as coisas. Os metaversos e as novas arquiteturas de interações digitais, plataformas, blockchain, entre outros, precisam ser entendidos como a legítima expressão de uma alteração do ser e de nossa condição habitativa. Não se trata de utilizar apenas uma tecnologia ou um novo recurso, nem de fazer uma experiência nos mundos virtuais, mas de adquirir uma alteração habitativa que nos permite alterar nosso habitat, nossas formas de interagir, nosso social, nossa ideia de espaço, introduzindo uma mudança qualitativa em todos os níveis de nossa estrutura individual, afetando o nível sensorial, perceptivo e relacional. No metaverso, como nos ecossistemas dos corais e naqueles das florestas pluviais, é a dimensão comunicativa e relacional a criar o ambiente que, por meio das alterações de seus habitantes conectados, indivíduos, softwares, algoritmos, interface, dispositivos vestíveis, entre outros, coproduz a específica condição habitativa. O modelo comunicativo do metaverso pode ser descrito como uma forma comunicativa do habitar, caracterizada por uma ecologia emergente, que conecta entidade de várias espécies, indivíduos, softwares, algoritmos, dispositivos de vários tipos, ambientes, entre outros, que, mais do que trocarem mensagem, ao passarem a habitá-los, modificam sua estrutura e contribuem para moldar o próprio ecossistema. Uma comunicação mutante é construída pela conexão de entidades diversas que passam a experimentar uma condição habitativa atópica, do greco ατοπος, lugar fora de lugar, lugar estranho, lugar indizível.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como as precedentes arquiteturas conectivas, é verosímil pensar que também os metaversos realizarão mudanças. Mudanças que, para além de todos os âmbitos de nosso convívio e também de nossas dimensões íntimas e sociais, estão na esfera das relações e suas modalidades, em nossa percepção e no desenvolvimento de nossos sentidos. Torna-se, portanto, necessário desenvolver uma teoria e uma abordagem empírica que busquem detectar e compreender as principais mudanças que provocam no âmbito dos processos de ensino e de aprendizagem, da educação. Poder interagir e aprender em ambientes virtuais pelo endossar de um segundo corpo significa poder associar de maneira inovadora o conhecimento à experiência, à dimensão sensorial e perceptiva, mas, sobretudo, pode ocasionar a passagem por meio do incremento do processo da externalização da memória (tipografia) e do saber, da criação de ecossistemas cognitivos de troca e de aprendizagem, nos quais é possível experienciar a construção colaborativa e performática de conteúdo. Nesses âmbitos, as práticas de ensino deixam de ser apenas frontais, assim como os papéis e as relações entre estudantes e professores, os quais se modificam criando novas oportunidade e desafios.

Sabemos que a pandemia da Covid-19 acelerou o processo de digitalização e conectividade, tornando ainda mais evidentes as desigualdades sociais em nosso país, as quais repercutem tanto na aquisição de dispositivos digitais quanto no acesso à conectividade de qualidade. Esse é um dos principais fatores que podem dificultar a popularização da tecnologia de metaverso. Foi durante a pandemia que vimos a sala de aula ser substituída por plataformas como Google Meet, Microsoft Teams, Zoom, Google Classroom, entre outras, que favorecem a reprodução de uma educação frontal, centrada no conteúdo e no professor e, portanto, a transposição, no digital, de metodologias e práticas pedagógicas de uma pedagogia secular. Logo, o uso massivo dessas tecnologias esteve presente no ensino remoto emergencial, nas salas de aula simultâneas, no ensino híbrido e no modelo HybridFlex, o que evidenciou especialmente: 1) o quanto são cansativas; 2) o quanto são limitadas, no que se refere a propiciar o sentimento de estar imerso em um espaço e poder vivenciar experiências de aprendizagem, a partir de processos de criação e cocriação em rede; e 3) a necessidade de formação docente.

Entretanto, em outro contexto não tão familiar à educação, como nos jogos e plataformas de mundo aberto, o processo de digitalização e conectividade vem transformando a experiência de aprendizagem e potencializando novas formas comunicativas do habitar. É nessa conjuntura que presenciamos a tecnologia de metaverso expandindo-se rapidamente, basta acompanharmos o Zepeto, que tem, atualmente, mais de 250 milhões de assinantes em todo o mundo; o Animal Crossing, com mais de 32 milhões de cópias vendidas e que já desenvolveu, inclusive, uma campanha eleitoral; o Roblox, com cerca de 199 milhões de usuários ativos mensais, entre outros. É importante considerar que parte significativa das pessoas que acessam, interagem, criam e cocriam nesses metaversos é constituída por crianças e adolescentes de até 16 anos. Isso indica que uma nova cultura está emergindo na interação com os metaversos. Mas como garantir que todos possam ter acesso a essas tecnologias a fim de experienciar outras formas de aprender, viver e conviver?

Relacionada a questão do acesso, outras preocupações despontam. Para além de um mero acesso a essas tecnologias, na qualidade de usuários de plataformas de metaversos fechadas, criadas e disponibilizadas por grandes empresas, as quais têm como objetivo formar consumidores, é preciso, prioritariamente, formar/educar nossas crianças e adolescentes para que possam ser produtores de tecnologia e, para tanto, precisamos de investimentos na Educação e na Ciência. É importante considerar que ser somente usuário resulta, muitas vezes, em uma consciência ingênua e em uma dependência tecnológica digital, enquanto ser produtor, ou seja, criador da tecnologia, potencializa uma consciência crítica sobre ela e, por conseguinte, uma possível invenção. Portanto, ter o acesso representa somente a porta de entrada para outros desafios que se colocam para as instituições educacionais, os quais se referem à arquitetura e forma de operar a Educação, o que envolve a gestão, as ofertas, os currículos, as metodologias, as práticas, enfim, as pedagogias e, consequentemente, a formação docente.

É fundamental considerar que os metaversos têm em si, para além da convergência de diferentes tecnologias, um forte aspecto conceitual e de ficção, bem como foco em experiências imersivas que podem ser vivenciadas. São constituídos por espaços que podem ser representados, simulados, interpretados, criados, cocriados e inventados, o que propicia o surgimento de mundos híbridos, mundos ampliados, contribuindo para o desenvolvimento de novas experiências sociais, em novas formas de viver e conviver e, consequentemente, no âmbito da educação, de ensinar e de aprender.

Os metaversos, além de viabilizarem todo um processo de criação e cocriação de experiências que podem ser vivenciáveis, propiciam novas formas de organização (tais como guildas, clãs ou ainda outras) que podem se desenvolver de qualquer lugar e ser liderados, em diferentes momentos, por humanos ou entidades não humanas diversas. Nesse contexto, o professor terá uma função muito semelhante à do narrador e do mestre de RPG, observando o percurso que cada um desenvolve, articulando observáveis humanos com “observáveis” fornecidos por entidades não humanas, as quais também acompanham o percurso do estudante, em um processo de intervenção pedagógica, que pode ser descentralizado e distribuído entre os líderes de guildas ou clãs. Tal intervenção torna-se impulsionadora da criatividade e da inventividade, na constituição de espaços de convivência e aprendizagem imersiva e experiencial. Essas novas possibilidades abertas pelos metaversos trarão desafios para todo o espectro que envolve a educação formal e corporativa.

Considerando as pesquisas na área, é importante referir que, em razão da amplitude e diversidade presentes no ecossistema, que atualmente constituem os metaversos, não há uma compreensão clara e aprofundada de como eles funcionam, suas potencialidades, limites e problemas que podem provocar, uma vez que para isso são necessárias investigações interdisciplinares e transdisciplinares entre diferentes campos do saber. Ainda estamos longe de compreender a ciência do metaverso.

Concluímos este texto com a seguinte questão: Que metaversos vão se destacar na Educação? 1) Aqueles construídos por grandes empresas, que vendem “terrenos”, conteúdos massificados e cobram aluguel? 2) Aqueles que oferecerão maior variedade de experiências, sendo alimentados por criadores e construídos com base na descentralização? 3) Plataformas abertas, cujos mundos poderão ser cocriados pelos avatares - seus e-residentes -, oportunizando cocriar e vivenciar as experiências por dentro?

Os metaversos já são o presente, em um constante movimento de se tornar na educação o reflexo da política cognitiva que temos relativamente a ela. Esses metaversos, que precisam do ato conectivo transorgânico para “virem a ser”, são apontados por especialistas como um marco na internet que pode ser comparado com a criação da World Wide Web (WWW), ou seja, a próxima geração da Internet: um multiverso.

REFERÊNCIAS

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NOTAS:

1 Luva que combina motores minúsculos, um chip que controla o fluxo de ar que move os atuadores, uma tecnologia de rastreamento de mão e um renderizador tátil que envia instruções de necessidade para os atuadores na mão, com base nas propriedades dos objetos virtuais, como textura e peso.

2 Posteriormente, alguns MUDs passaram a utilizar gráfico em 2D para criar histórias a serem jogadas por vários usuários, no estilo dos Role Playing Games (RPG). Os MUDs são também considerados os precursores dos Massive Multiplayer Online Role Play Games (MMORPG).

3 Gênero de jogo de interpretação de papéis. Nesses jogos, os jogadores assumem o papel de personagens imaginários, em um mundo fictício.

4 Tipo de jogo cujo foco é o combate corpo a corpo. Descreve um estilo de jogabilidade em jogos de mesa de Role Playing Games de papel e caneta, adaptado para os tipos MUDS, MMORPGs e jogos eletrônicos em geral.

5 Virtual Reality Modeling Language (VRML) é uma linguagem para especificação de simulações multiusuário interativas – mundos virtuais interligados por meio da Internet e linkados dentro da World Wide Web, desenvolvida por Mark Pesce e Tony Parisi.

6 A Internet foi criada em 1969, pelos EUA, com objetivos militares em virtude da Guerra Fria. Em 1988, foi aberta para fins comerciais, dando início assim a sua popularização nos anos 1990.

7 Disponível em: www.thepalace.com. Acesso em: 22 jan. 2022.

8 Disponível em: www.activeworlds.com. Acesso em: 22 jan. 2022.

9 Disponível em: www.secondlife.com. Acesso em: 22 jan. 2022.

10 Disponível em: metaverse.sourceforge.net/. Acesso em: 22 jan. 2022.

11 Disponível em: www.openwonderland.org/. Acesso em: 22 jan. 2022.

12 Disponível em: opensimulator.org. Acesso em: 22 jan. 2022.

14 Disponível em: https://www.sansar.com/. Acesso em: 22 jan. 2022.

15 A iLRN (https://immersivelrn.org/) é uma organização internacional, uma rede de desenvolvedores, educadores e pesquisadores de variados países que colaboram para desenvolver o potencial científico, técnico e aplicado da aprendizagem imersiva, em diferentes tecnologias, envolvendo conhecimentos que abrangem disciplinas como: ciência da computação, experiência do usuário e design de mídia, ciências da aprendizagem, arquitetura, desenvolvimento de jogos, inteligência artificial , biologia, medicina e as milhares de áreas de conteúdo disciplinar e ocupacional em que o aprendizado e o treinamento imersivos podem ser relevantes.

Recebido: 17 de Março de 2022; Aceito: 12 de Julho de 2022

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