SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.21Integração de Tdic ao Currículo: as perspectivas de tecnologia presentes nos documentos oficiais da política de Santa CatarinaEstudo da Cultura Maker na Escola índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.21  São Paulo  2023  Epub 13-Nov-2023

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2023v21e61105 

Dossiê Temático: “Currículo e tecnologias redes, territórios e diversidades”

O letramento multimodal na aprendizagem do gênero crônica: uma possibilidade de mediação pedagógica

Multimodal literacy in the learning of the chronicle genre: a possibility of pedagogical mediation

La alfabetización multimodal en el aprendizaje del género de la crónica: una posibilidad de mediación pedagógica

Luane da Silva Gomes ALMEIDAi 
http://orcid.org/0000-0001-7627-3716

Barbra SABOTAii 
http://orcid.org/0000-0002-3100-259X

Olira Saraiva RODRIGUESiii 
http://orcid.org/0000-0003-2371-3030

i Mestranda pelo Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologias da Universidade Estadual de Goiás (PPG-IELT/ UEG). Professora de Língua Portuguesa na SEE/DF. E-mail: luane.almeidagomes@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0001-7627-3716.

ii Doutora em Linguística Aplicada pela Universidade Federal de Goiás - UFG. Docente no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologias - PPGIELT, da Universidade Estadual de Goiás - UEG. E-mail: barbrasabota@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-3100-259X.

iii Doutora em Arte e Cultura Visual (UFG). Professora do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologias (PPG-IELT/UEG). E-mail: olira.rodrigues@ueg.br - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0003-2371-3030.


Resumo

Neste artigo abordamos a produção multimodal de crônicas por alunos/as do nono ano do Ensino Fundamental durante o período de ensino remoto causado pela pandemia de Covid-19 sob a perspectiva dos multiletramentos e do letramento crítico. No estudo, refletimos sobre a mediação pedagógica docente facilitada por tecnologias digitais, analisamos como o aplicativo Book Creator favorece editar e compartilhar textos multimodais. Na sequência, discutimos os textos produzidos no aplicativo sob premissas da abordagem qualitativa interpretativista. Depreendemos que mudanças nas práticas sociais demandam novas práxis pedagógicas, implicando transformações no currículo para que contemple políticas linguísticas de enfrentamento das desigualdades e injustiças visando o desenvolvimento da cidadania crítica e promovendo uma educação linguística socialmente relevante.

Palavras-chave: letramento multimodal; aplicativo Book Creator; práxis pedagógica

Abstract

In this article we discuss the multimodal production of chronicles by ninth grade students during the remote teaching period caused by the Covid-19 pandemic from the perspective of multilingualism and critical literacy. In the study, we reflect on the pedagogical teaching mediation facilitated by digital technologies, we analyze how the Book Creator application favors editing and sharing multimodal texts. Then, we discuss the texts produced in the application under the premises of the interpretativist qualitative approach. We deduce that changes in social practices demand new pedagogical practices, implying transformations in the curriculum so that it contemplates linguistic policies of confrontation to inequalities and injustices aiming at the development of critical citizenship and promoting a socially relevant linguistic education.

Keywords: multimodal literacy; Book Creator app; pedagogical praxis

Resumen

En este artículo discutimos la producción multimodal de crónicas por alumnos del noveno grado de primaria durante el período de enseñanza a distancia causado por la pandemia de Covid-19 desde la perspectiva del multilingüismo y la alfabetización crítica. En el estudio, reflexionamos sobre la mediación pedagógica didáctica facilitada por las tecnologías digitales, analizamos cómo la aplicación Book Creator favorece la edición y compartición de textos multimodales. En la secuencia, discutimos los textos producidos en la aplicación bajo las premisas del enfoque cualitativo interpretativista. Deducimos que los cambios en las prácticas sociales exigen nuevas prácticas pedagógicas, implicando transformaciones en el currículo para que contemple políticas linguísticas de confrontación a las desigualdades e injusticias apuntando al desarrollo de una ciudadanía crítica y promoviendo una educación lingüística socialmente relevante.

Palabras clave: letramiento multimodal; aplicación Creador de libros; práxis pedagógica

1 INTRODUÇÃO

Os avanços tecnológicos têm modificado as interações humanas contemporâneas tornando cada vez mais difícil desconsiderar a interferência das novas tecnologias digitais nas formas de se relacionar e de se organizar em sociedade, na produção de conhecimento, na redução do tempo e do espaço, como afirma Rojo (2009). No âmbito educacional, as mudanças são sentidas com intensidade, e o acesso à informação de forma instantânea, por meio das tecnologias digitais, demanda a urgente discussão da linguagem em seu caráter multimodal, logo há novas formas de criar e elaborar textos e de propagá-los em variados suportes. Apesar de o uso de tecnologias digitais ser constantemente evocado por seu potencial de diversão e inovação, neste estudo advogamos pelo uso desses recursos digitais para propiciar a mediação pedagógica e a reflexão crítica sob as premissas dos multiletramentos (Grupo Nova Londres, 2021 1) e do letramento crítico ressignificado de Menezes de Souza (2011).

A escola, como importante espaço de letramento - por meio do/da professor/professora -, poderá preparar seus/suas alunos/alunas para práticas de leitura, escrita e compreensão ampliadas (para além do texto escrito) a fim de que reflitam o pensamento crítico e as ações performadas por meio da linguagem. Ações que favoreçam a inclusão de dimensões locais, contingenciais, sócio-históricas, políticas e culturais a fim de promover justiça social, discussão de cidadania e combate a formas de exclusão performadas pela linguagem (Menezes de Souza, 2011). Este estudo ampara-se também na pedagogia dos multiletramentos, discutido pelo Grupo Nova Londres (2021), ao considerar a expansão da visão de texto (e com ela também a expansão de leitura e letramentos) a fim de abranger a variedade de produções textuais que combinam relações multimodais a partir de diferentes processos de construção de sentido envolvendo textos orais, sonoros, visuais, imagéticos (estáticos e em movimento) em variados espaços de circulação como textos poéticos, acadêmicos, pedagógicos, (multi)midiáticos - que circulam em diferentes mídias analógicas e digitais -, entre outros.

Para tanto, é pertinente um diálogo entre educação linguística escolar e tecnologia digital, uma vez que esta é um instrumento que possibilita colaborar no desenvolvimento do processo de aprendizagem, como afirma Masetto (2013). Nessa dinâmica, novos papéis passam a ser atribuídos ao/à aluno/aluna e ao/à professor/professora, que se tornam partícipes de processo colaborativo de relação dialógica na construção do conhecimento. A entrada da Web 3.0 - reconhecida pelas múltiplas formas, integradas ou não, de construção de sentido, ou seja, pelas multissemioses - nas escolas trouxe ao processo educativo uma ampla carga de possibilidades de interação, e não apenas de interatividade. Isso implica modos alternativos de promover agência engajada entre aprendizes e saberes. A nosso ver, é importante preparar alunos/as e professores/as para que sejam atores sociais críticos também quanto aos novos modos de ler, conhecer e aprender com a internet. Como discutem Sant’Ana, Suanno e Sabota (2017), as possibilidades com a Web 3.0 abrem espaço para uma Educação 3.0 que, por sua vez, já surge com o conceito de conhecimento compartilhado via internet com o mundo todo. A produção de leitura e escrita em redes sociais e aplicativos de escrita de livros, por exemplo, extrapola as salas de aula e ocupa espaços de interação, discussão e compartilhamento de conteúdos multimidiáticos (Sant’ Ana, Suanno; Sabota, 2017, p. 168), daí, nosso foco neste estudo.

A partir desse cenário, objetivamos discutir como o gênero crônica favorece a formação crítica de jovens escritores/as, a partir de textos multimodais produzidos por alunos/as de nono ano do ensino fundamental em um aplicativo de criação de livros digitais. Argumentamos de que forma o processo de mediação pedagógica, ainda que ocorra em contexto remoto, pode ampliar a percepção de uso da língua como práticas e performances sociais e culturais. Logo, partimos da reflexão de que, hodiernamente, torna-se ineficaz a construção de práticas de leitura e escrita sustentadas em conceitos normativos e regras isoladas, fora do contexto de uso, mas de uma abordagem que reconheça a utilização de uma linguagem apoiada em sons, imagens e diversidade de sentidos (Monte Mor, 2021). Com o propósito de inserir a discussão dessas práxis multimodais de educação linguística crítica no currículo do ensino de línguas, estabelecemos nesta discussão três objetivos específicos: 1) argumentar pela importância da mediação pedagógica crítica no processo de construção de crônicas por aluno/as da educação básica. Nesse ínterim, discutimos a possibilidade de registrar/ressignificar pontos de vista e construir sentidos com uso de recursos multimodais; 2) analisar o aplicativo Book Creator em seu potencial de abrigar, co-construir e compartilhar textos multimodais participando no processo de mediação pedagógica como ferramenta digital. A partir disso, argumentamos a favor do potencial do letramento crítico na construção e apreensão de sentidos em suportes diversificados; e, por fim, 3) compartilhar nosso olhar sobre (amostras de) crônicas multimodais produzidas por alunos/as do nono ano do ensino fundamental sob as premissas dos multiletramentos. Organizamos este artigo em quatro seções, além desta introdução e das considerações finais que encerram este estudo.

Na primeira seção, discorremos acerca da metodologia utilizada para a construção do estudo, bem como sobre os procedimentos adotados na geração e seleção de amostras de crônicas produzidas pelos/as alunos/as e aqui revisitadas. A segunda seção discute a educação linguística no contexto atual, a mediação pedagógica e o cenário em que o uso das tecnologias digitais se impõe. Nessa oportunidade, colocamos em diálogo os conceitos de letramento crítico, multiletramento e design (Kress; Van Leeuwen, 1996) na aprendizagem do gênero textual crônica. Na terceira seção, apresentamos brevemente e analisamos o aplicativo Book Creator como ferramenta digital, utilizada para editar, hospedar e compartilhar crônicas evidenciando a multimodalidade. Na última seção, expomos nossas análises a respeito de quatro trechos de algumas das crônicas produzidas pelos/as alunos/as. Argumentamos que é possível visualizar o dinamismo da linguagem por meio do texto multimodal. Nesse sentido, compreende-se que há necessidade de incluir no currículo práticas pedagógicas que abranjam diferentes formas de expandir o conhecimento e construir sentidos.

2 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

Como professoras de línguas que somos, dedicamo-nos a compreender como os/as alunos/as constroem sentidos em seus usos de linguagem (dentro e fora das instituições educacionais); como pesquisadoras, interessa-nos também perceber como essas experiências podem auxiliar no avanço sobre o que se sabe sobre o processo de educação linguística. Assim sendo, este estudo tem caráter qualitativo interpretativo, pois interessa-nos compreender situações de língua em movimento. Nós, pesquisadoras, interpretamos os objetos de estudo a partir de nossas lentes teóricas e de nossas discussões conjuntas construindo sentidos sobre ele (Moita Lopes, 1994). O estudo foi realizado a partir de documentos de aula produzidos pela primeira autora, entre os meses de março a agosto de 2021. Em razão da pandemia de Covid-19, as aulas de Língua Portuguesa em que esses textos, ora tratados como documentos de aula foram gerados, ocorreram em modalidade remota com quatro turmas de nonos anos de uma escola pública de Brasília. Na ocasião, as turmas e a professora estavam engajados na participação em evento nacional: a 7 ª Olimpíada da Língua Portuguesa - 2021, cujo tema era “O lugar onde vivo”.

No intuito de envolver os/as alunos/alunas no processo de educação linguística, a professora solicitou que registrassem seu bairro, sua comunidade, a partir de seus olhares. Como o período pandêmico exigia isolamento, os/as alunos/as recorreram a desenhos à mão e a imagens já geradas desses espaços. Nos registros escritos, a professora pediu que as turmas buscassem resgatar afetos, vivências e memórias, além das descrições dos locais. Em seguida, leituras e discussões sobre o gênero crônica foram realizadas com as turmas para que ampliassem seus repertórios e sua visão sobre o que os/as cercavam em seu cotidiano. O próximo passo foi buscar ampliar a visão de texto e combinar recursos multimodais para que as histórias pudessem ser criadas e contadas apropriadamente, da perspectiva dos Multiletramentos (Grupo Nova Londres, 2021). Por fim, discussões sobre a cidade, seus espaços e cuidados, sua história e sentidos foram promovidas a fim de potencializar a camada crítica aos textos que seriam produzidos pelas turmas. Depois desses passos, o aplicativo Book Creator foi introduzido para que a construção e a edição colaborativa de um e-book fossem possíveis.

Ao final da vivência pedagógica, um livro com trinta e cinco produções textuais multimodais foi criado. Com essa experiência, a segunda e a terceira autoras conheceram o material e propuseram sua releitura a partir de suas lentes teóricas. Optamos, conjuntamente, por analisar os textos elaborados como documentos de classe e fazer um recorte do material a partir do e-book para que redigíssemos este artigo mobilizando saberes a fim de construir uma argumentação capaz de problematizar a um só tempo o uso de aplicativos e a produção multimodal de crônicas. Assim que chegamos aos textos que integram este estudo e contribuem para ampliar as possibilidades de práticas de letramento multimodal crítico em aula de línguas.

3 DO LÉXICO À IMAGEM: (RE)SIGNIFICAÇÃO DAS PRÁXIS PEDAGÓGICAS

Entre os traços marcantes da sociedade pós-moderna estão a adaptação e a criação de novos cenários marcados pela diversidade. O novo formato de sociedade supõe transformações em diversos setores, especialmente, no que tange ao educacional, cujos atributos cartesianos e positivistas cedem lugar a um pensamento em que as realidades das vivências são integradas à práxis. Um dos consideráveis desafios que se apresentam aos/às professores/as é conciliar a práxis escolar com as demandas advindas do cenário digital atual. A produção de sentidos em contexto digital envolve a leitura de letras, números, símbolos, mas sobretudo a leitura de contexto, a compreensão de recursos disponíveis e seus efeitos no processo de construção de sentidos. Isso gera a demanda por entender outros modos de acessar, selecionar e organizar informações, o que, por sua vez, requer a reflexão sobre o funcionamento e o uso de novas linguagens. Portanto, é um processo complexo e que deve ser cuidadosamente pensado para que alunos/as deixem de consumir textos e leituras e passem a produzir sentidos.

É aqui que percebemos a relevância de discutirmos a mediação pedagógica na aprendizagem do gênero textual crônica em ambiente digital e o diálogo com os estudos de multiletramentos (Grupo Nova Londres, 2021) advogando que sejam realizados sob as premissas do letramento crítico de Menezes de Souza (2011), como antecipado na introdução deste estudo.

A pedagogia dos multiletramentos se predispõe a discutir a educação sob parâmetros atualizados, e para o Grupo Nova Londres (2021, p. 102) a educação deve

[...] garantir que todos os[/as] alunos[/as] se beneficiem da aprendizagem de forma a participarem plenamente da vida pública, comunitária e econômica. Espera-se que a pedagogia dos letramentos desempenhe um papel particularmente importante no cumprimento dessa missão.

Observamos, porém, que a necessidade de leitura e escrita foi atualizada em razão da importância de atuar socialmente em eventos de linguagem que ocorrem em meios digitais (Rojo, 2009). Para que a participação social seja plena, é preciso construir nos espaços educacionais oportunidades de refletir sobre a vida em sociedade e os modos como construímos a cidadania. Além disso, Menezes de Souza (2011) aponta que o enfrentamento das desigualdades e a promoção de justiça social devem integrar essa visão renovada de letramento, tornando-o crítico. Rojo (2015) relembra que, embora o uso contextualizado de recursos linguísticos e extralinguísticos na construção de textos seja bem antigo, a percepção disso como uma produção textual multimodal é mais recente. No processo de construção de sentidos, é comum que leitores/as apoiem-se em diferentes elementos para concluir o processo de leitura, o que nos permite chamá-la de multimodal. Para Kress e Van Leeuwen (2006, p. 18), “[a]ssim como as estruturas linguísticas, as estruturas visuais apontam para interpretações particulares da experiência e formas de interação social”. Com o advento das tecnologias digitais, sobretudo na era da Web 3.0, isso representa uma expansão também quanto aos suportes onde esses textos multimodais podem ser encontrados (livros/e-books, revistas, jornais − físicos ou digitais). Portanto, é importante que o estudo de multiletramentos críticos incluam o uso de plataformas digitais e aplicativos, além dos meios físicos.

Apesar do que indicam estudos sobre letramentos críticos, ainda hoje é possível perceber a forma como a língua vem sendo discutida no espaço escolar, de maneira isolada e dissociada das práticas sociais de seus falantes. Nosso esforço para que práxis diferenciadas alcancem outros/as profissionais vem da satisfação de constatar como nossos/as alunos/as têm mudado o modo como se entendem leitores/as e autores/as em aulas pensadas a partir dos multiletramentos críticos.

Com o tema da Olimpíada de Língua Portuguesa em mente e com essas inquietações teóricas pulsando, propusemo-nos a revisitar os documentos de classe produzidos pelas turmas de nono ano da primeira autora deste texto. No trabalho realizado com o gênero crônica, encontramos um espaço propício para promover a reflexão sobre como propor o uso real da língua, em suas nuances socioculturais, em aulas de Língua Portuguesa, ainda que em contexto remoto.

Os gêneros textuais discursivos são fenômenos que se materializam em atividades comunicativas diárias, e, por terem estrutura flexível, modificam-se de acordo com as intenções dos falantes, logo estão vinculados aos aspectos sociais e culturais, como afirma (Marcuschi, 2008, p. 154): “[...] é impossível não se comunicar verbalmente por algum gênero, assim como impossível não se comunicar verbalmente por algum texto”.

Trabalhar com gêneros textuais dentro de uma perspectiva de língua, tal qual a posição defendida neste estudo, implica dois fatores relevantes: O primeiro deles é a mediação pedagógica, que se refere a uma relação mediada entre o ser humano com o mundo (Vygotsky, 1991). Como ressaltam Rodrigues, Sabota e Silvestre (2021), quando a mediação pedagógica ocorre sob as premissas das perspectivas críticas, elementos e símbolos usados no auxílio da apreensão de um objeto de estudo são embebidos também do contexto político em que estão inseridos. Em outras palavras, durante a mediação pedagógica crítica, o/a professor/a busca, partir do cotidiano contingencial do/a aluno/a, favorecer a compreensão imbuído/a da intenção de compreender também o mundo em que aquele objeto é lido. O segundo fator é a compreensão de língua(gem) como prática social. Interessa-nos saber que fatores presentes no uso cotidiano da língua(gem) podem compor as crônicas produzidas pelos/as alunos/as. Em que condições e com que recursos essas crônicas são produzidas também nos são caros, haja vista que esses elementos interferem no que e como os textos são produzidos. Nesse sentido, para que as crônicas, gênero textual que implica uma narrativa produzida a partir da observação do cotidiano, fossem melhor aproveitadas, foi importante que a professora mediasse remotamente (em virtude da pandemia) como as turmas produziriam os textos multimodais, como comporiam suas narrativas entrelaçando suas vivências, seu local e seu cotidiano. Além disso, importava como os/as alunos/as seriam provocados/as para integrar criticamente sobre tudo isso nos textos que comporiam o e-book. Era relevante, pois, pensar no design.

O termo design traz para este estudo a percepção de que vivemos por meio de convenções e significados e, portanto, assumimo-nos como construtores/as de sentidos. Segundo o Grupo Nova Londres (2021, p. 107), o vocábulo design:

[...] engloba um sentido mais restrito, isto é, uma instanciação de convenções e recursos construídos e reificados socioculturalmente, como também apresenta um sentido mais amplo, que se constitui por meio de um processo de retrabalho, que leva à sua própria ressignificação/transformação.

Ainda conforme essa teoria, o design pode ser analisado a partir de seis elementos no processo de construção de sentidos: linguístico, visual, áudio, gestual, espacial e multimodal, que se referem à integração de alguns ou todos os anteriores. Ao partir dessa perspectiva, assumimos o papel de designers, cujas relações com o mundo são construídas por meio do reconhecimento de várias linguagens em diversas esferas sociais. Vista por esse enfoque, a prática dos multiletramentos busca desenvolver nos/nas alunos/alunas a capacidade de se expressar, trafegar e de se posicionar criticamente diante das condições e demandas sociais em que se inserem, constituem-se e ajudam a constituir. Em espaços onde coexistem a diversidade e a interculturalidade, torna-se importante apoiar-se em discursos híbridos, cujos diferentes significados, visuais, icônicos, dialetais e demais linguagens, possam reduzir ou evitar conflitos sociais concorrendo para o respeito ao dissenso.

Dessa forma, ao incluirmos no currículo de língua(gens) práxis linguísticas fundamentadas no conceito de design, ou seja, empregadas como atividade (multi)ssemiótica, consolidamos um plano de ação visando aos multiletramentos. Nesse caso, propõem-se a produção e o consumo de textos que envolvam três elementos: designs disponíveis, designing e redesigned. O processo de comunicação de uso da língua torna-se mais dinâmico e significativo, não limitado por regras, ao salientar a união desses três elementos.

Transpondo os significados dos conceitos de designs desenvolvidos pelo Grupo Nova Londres (2021, p. 104), dispostos na segunda coluna do quadro 1, e refletindo sobre a proposta pedagógica com o gênero crônica analisado neste estudo, apresentamos esta possível reelaboração da proposta original com o seguinte entendimento:

Quadro 1 Designs de significados 

Designs Disponíveis Recursos para a construção de significados; sistemas semióticos diversos: gramáticas das línguas, filmes, fotografias, gestos, discursos socialmente produzidos por meio de gêneros textuais, dialetos ou vozes. Produções textuais visuais e escritas no aplicativo Book Creator, a partir da mediação e discussões sobre o gênero textual crônica.
Designing Projetar a língua, usar repertórios para transformar discursos. Uso dos designs disponíveis, ou seja, expressar o olhar do aluno sobre seu cotidiano, sua escuta ou leitura de mundo, por meio da escrita colaborativa da crônica.
Redesigned Recursos produzidos e transformados. Construção ativa, afetiva e reflexiva da língua como produto da ação humana na transformação da realidade, evidenciada na escrita de textos multimodais por meio do gênero crônica.

Fonte: Reelaborado pelas autoras a partir da proposta do Grupo Nova Londres (2021).

O fato de as crônicas serem escritas em ambiente virtual, com a utilização do aplicativo Book Creator, possibilitou a aplicação e o reconhecimento do design multimodal que se caracterizam pelas diferentes formas de uso da linguagem, especialmente as que se referem à imagem visual, como retrato do cotidiano, a qual assegurou discussões sobre as possibilidades de interpretação de imagens projetadas socialmente como discursos, e não como imagem estática da realidade. A adoção da linguagem multimodal abre espaço para se compreenderem as implicações da tecnologia sobre o uso da imagem visual e de como desenvolver habilidades para entender o que é visto.

Passemos, agora, à análise do aplicativo Book Creator, como instrumento digital que nos possibilitou a construção colaborativa das crônicas, apoiada na leitura e na escrita de recursos multimodais.

4 DO PAPEL ÀS TELAS: OS MULTILETRAMENTOS E A PRODUÇÃO TEXTUAL MULTIMODAL

O texto escrito de uso corrente, convencional, ainda é predominante nas práticas sociais, e não queremos supor, neste estudo, que a escrita convencional deixe de existir ou que seu uso esteja em declínio. No entanto, os novos (re)arranjos de significados, desencadeados pelos processos tecnológicos digitais expandiram modalidades de comunicação e usos da língua que trouxeram consigo uma amplidão de suportes como meio de registrar a escrita. Cabe ressaltar que essa seara escrita está em constante disputa: enquanto puristas tentam manter versões encapsuladas e cristalizadas da língua-padrão, usuários/as buscam reinventar dinamicamente seus modos de registro por meio do vernáculo. Contudo, reiteramos que essa disputa também faz parte do modo como as transformações de uma língua viva se dão. Negar as mudanças da língua, ou querer interrompê-las, é negar espaços de agência com e por meio da língua em movimento. A sociedade digital, entre tantas mudanças, adaptou-se à escrita e à leitura desvinculada do papel, consequentemente alteraram-se as relações entre livro e escrita. Segundo Rodrigues (2021, p. 60):

Em sentido contemporâneo, o lócus de leitura não se refere simplesmente à materialidade livresca, mas a toda compilação de registros de dados em inúmeros e diversificados suportes, sejam físicos, eletrônicos ou digitais, ampliando a noção de posse e guarda para acesso e compartilhamento, em arenas permeadas de infinitudes, os acervos e serviços.

É nesse cenário, em meio à profusão de suportes físicos, eletrônicos e digitais, que se propõe, conforme Monte Mor (2017, p. 267), “a discussão de epistemologia voltada para o conhecimento de linguagem digital, sinalizando para a revisão do privilégio de conceitos convencionais no trabalho educacional, [...] e de uma formação voltada para agência”. Cabe-nos compreender que a revisão do privilégio de conceitos convencionais no trabalho educacional a que a autora se refere é a mudança de paradigma, a qual muitas escolas e professores insistem em manter. Logo, não se trata apenas de introduzir nas salas de aulas aparatos tecnológicos digitais, mas de concernir o modo como a leitura e a escrita entremeiam telas, salas, redes, plataformas e aplicativos, possibilitando a interação com hipertextos, links, entre outros acessos interativos.

Buscando experienciar novas práxis de letramentos e ao mesmo tempo romper com aulas de Língua Portuguesa convencionais, elegemos o uso do aplicativo Book Creator como ferramenta digital facilitadora na mediação de produção do gênero textual crônica com os/as alunos/alunas. O aplicativo permite a edição de textos por múltiplo/as usuários/as, o que possibilita uma escrita colaborativa, ou seja, alunos/as podem interagir em duplas ou grupos para acessar e construir seus textos. Neste estudo, a instância colaborativa percebida foi na relação professora-alunos/as. Pelo aplicativo, a professora acessava, questionava, editava os textos até estarem em suas versões finais. Em seguida, analisamos alguns aspectos do aplicativo como material didático adequado às práticas de multiletramentos. Para tanto, consideramos a tabela taxonômica para análise de materiais didáticos que circulam em ambientes virtuais e ferramentas tecnológicas (Sabota; Pereira, 2017). A autora e o autor explicam que se tornam necessários critérios avaliativos para esses artefatos, uma vez que seu uso pode garantir qualidade na mediação e aprendizagem dos/as envolvidos/as. Serão analisados três aspectos no Book Creator: técnicos, teóricos e práticos.

No que diz respeito aos aspectos técnicos, o aplicativo apresenta interface intuitiva com comandos em linguagem simples. Há tradução para vários idiomas e o domínio da ferramenta requer pouca familiaridade prévia ao uso. É viável explorar diversas possibilidades de uso pedagógico, podendo, em alguns momentos, substituir o livro didático. O aplicativo tem um menu dividido por funções, o que o torna menos burocrático e de fácil navegação. Seu funcionamento é organizado a partir de duas categorias de construção de livros: livros- modelo (livros em branco para construção de conteúdos e design) e livros temáticos (construção e organização de livros por suportes e gêneros textuais: notícias, receitas, contos, fotografias, etc.).

A acessibilidade é assegurada por meio de legendas de vídeos e transcrição de áudio em vários idiomas, possibilidade de uso da fala para digitar textos, fonte “Opendyslexic”, pesquisa por voz para imagens, mapas e ícones, além de suporte ao leitor de tela, o que facilita o acesso para as pessoas com necessidades visuais e cognitivas.

O uso do Book Creator é condicionado à efetivação de um cadastro personalizado para usuários/as, tendo como pré-requisito o acesso por meio das contas do Google. A versão gratuita está disponível para professores/as que desejam criar uma classe para trabalhar em colaboração com seus/suas alunos/as em até quarenta projetos de livros.

Por ser um aplicativo para Android e iOS, é facilmente executável em computadores, tablets e celulares e compatível com os navegadores Google Chrome, Safari, Microsoft Borda e iOS 13+. Permite a integração com outras mídias e suportes como YouTube e Canvas, entre outros aplicativos.

O aplicativo apresenta tutorial e ferramentas de auxílio compostas por uma seção de “perguntas frequentes” feitas por usuários do aplicativo, traz uma exposição de artigos organizados por ícones que busca atender as demandas de acesso, uso e publicação de trabalhos, além de uma caixa de bate-papo para entrar em contato com administradores do aplicativo.

As figuras 1 e 2 apresentam a interface e algumas funcionalidades para se trabalhar a linguagem a partir de uma perspectiva multimodal no aplicativo Book Creator.

Fonte: Book Creator.

Figura 1 Interface/ Uso da linguagem multimodal 

Fonte: Book Creator.

Figura 2 Livros temáticos a partir de suportes e gêneros textuais diversos 

Quanto aos aspectos teóricos, observamos de que forma o software Book Creator pode favorecer uma aprendizagem colaborativa em ambiente digital, validando o trabalho com a língua a partir da concepção dos multiletramentos. Com relação ao processo de educação linguística, o aplicativo estabelece uma relação com as práticas de multiletramentos, tendo em vista que oportuniza o trabalho com diversos elementos linguísticos, extralinguísticos e multimodais. O desenvolvimento das propostas no aplicativo pode envolver a criatividade na construção textual, a discussão de questões sociais relevantes e atuais, além de propiciar a colaboração ativa dos/as agentes envolvidos. A problematização de diversas questões pode ser assegurada pela amplidão de modos de trabalho com o aplicativo. Além do letramento digital, é possível inserir no currículo ou no plano de aulas outros contextos de uso da língua, voltados para uma escrita não linear, que compreende a construção de textos aliados ao desenho e à imagem. Perceber o texto de forma multimodal é adicionar às aulas princípios de letramento visual, o qual se fundamenta em uma gramática com recursos e significados visuais. Para Kress e van Leeuwen (2006, p. 20),

[...] a comunicação visual está a tornar-se cada vez menos domínio dos especialistas, e cada vez mais crucial nos domínios da comunicação pública. Inevitavelmente, isso levará a novas e mais regras e a um ensino mais formal e normativo. Não ser “visualmente alfabetizado” começará a atrair sanções sociais.

Nesse sentido, acreditamos que o aplicativo associa-se ao uso do princípio de design visual, pois oferece um painel de linguagens multimodais a fim de pôr o aluno em contato com o texto visual, mediante algumas particularidades, tais como criação de layout, combinação de cores, perspectivas, inserção ou criação de imagens. Há, portanto, uma experiência de construção de uso da língua que abrange o agenciamento social e a circulação de textos multimodais, conforme visualizaremos na próxima seção deste artigo.

O processo de construção das crônicas deu-se de forma colaborativa por meio do Book Creator e percebemos que a avaliação pode ser vista como parte do desenvolvimento de cada agente envolvido no trabalho. Com os registros dos textos, foi possível avaliar e refletir sobre o processo de aprendizagem do gênero crônica e sua escrita. Por meio do aplicativo, destacamos feedbacks entre a professora e os/as alunos/as, pois assim tínhamos tempo de refletir e refazer o processo de forma diferente. Por ser um aplicativo que traz a ideia de criar com liberdade, tomamos algumas atitudes como reflexo do processo avaliativo: criatividade, foco, engajamento, autoria e criticidade.

Adotar práticas pedagógicas mediadas pelas tecnologias digitais não implica atribuir um caráter atual, tampouco inserir equipamentos tecnológicos digitais no contexto educacional, mas estabelecer uma mediação que contribua para uso crítico que se faz desses instrumentos na escola (Leffa et al., 2020). Assim, a interação entre os/as agentes, facilitada pelo aplicativo, possibilita discussões críticas (síncronas e assíncronas) sobre comportamentos, atitudes, ações, sentimentos, entre outras. Essas questões fogem ao escopo do artigo, por essa razão não serão abordadas.

Quanto aos recursos e à multimodalidade, uma das preocupações de vários teóricos relacionados aos letramentos multimidiáticos é a possibilidade de hibridizar a língua, sinalizando para outra perspectiva de escrita e leitura crítica, vinculada, por exemplo, a hiperlinks, de caráter intertextual e multimodal. O uso de recursos disponíveis no Book Creator pode contribuir para o letramento multimodal, logo oportuniza o trabalho de construção com várias linguagens, dialogando com conteúdos interculturais por meio de uma leitura. Contudo, esses recursos também fogem ao foco deste estudo.

Com relação aos aspectos práticos, a tabela taxonômica que utilizamos aponta três fatores que podem contribuir para a autonomia dos agentes: a flexibilização, o engajamento e a afetividade. Quanto ao aspecto engajamento, inferimos que o aplicativo pode promover a articulação entre agentes do processo educativo (professor/professora e alunos/alunas). A mediação desse engajamento deve partir de elementos e ferramentas apropriadas ao contexto sociocultural da turma de modo a envolver reflexões a partir das e sobre as realidades que compõem o grupo com o intuito de pautar e problematizar questões pertinentes como mecanismo de transformação dessas realidades.

Ao término da análise das potencialidades do aplicativo, podemos afirmar que o recomendamos como importante ferramenta para propor mudanças no modo de trabalhar a produção de textos multimodais em aulas de línguas, sobretudo as que se pautem por oferecer aos/às alunos/as possibilidades criativas, dinâmicas e colaborativas de produzir sentidos. Na seção seguinte, apresentamos algumas amostras dos textos multimodais construídos pelas turmas nas aulas com o Book Creator.

5 DO FÍSICO AO DIGITAL: MULTILETRAMENTOS EM CONTEXTO DE EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA CRÍTICA

A discussão sobre a inserção de recursos digitais na mediação pedagógica entre professores/as e alunos/as tem levantado algumas questões, entre as quais abordaremos duas. Primeiramente, pontuamos que a inclusão digital ainda é um dos entraves à ampliação do letramento digital de grande parte da população brasileira. Os moldes pelos quais se deu a inserção de dispositivos de acesso à internet em nosso país são diacrônica e socioeconomicamente desiguais. Tal desigualdade foi escancarada mais fortemente durante a pandemia, quando professore/as e alunos/as improvisaram meios de promover e assistir aulas remotas em dispositivos (computadores, tablets, celulares) nem sempre apropriados, em razão das conexões instáveis e caras em demasia (Sabota, 2021). Sem dispositivos e acesso adequados, promover oportunidades para que alunos/as e professores/as experimentem com a língua(gem) em ambientes virtuais em condições reais de desenvolver a cidadania fica muito dificultoso. Afinal, como apontam Rojo (2009) e Pötzsch (2019), fazer uso da linguagem envolvendo múltiplas mídias em variados contextos de práticas sociais torna-se condição essencial para que se possa exercitar a capacidade de interpretar, produzir, divulgar informações em rede e exercer a cidadania também em contexto digital.

Diante de realidades sociais extremas, como relatos de situações em que foi necessário um aluno subir ao topo de uma árvore para poder receber o sinal de wifi com eficiência para estudar, ou de circunstâncias em que há ausência de caderno, materiais didáticos ou espaço adequado para estudar, como garantir que todos/as tenham oportunidade de letrar-se digitalmente? A perspectiva de inclusão e exclusão digital altera o acesso às práticas de multiletramentos e, por essa razão, torna-se muito significativa para compreender o processo de democratização e acesso ao ensino visando a novas práticas pedagógicas que favoreçam ao exercício da cidadania plena. Outro ponto que nos cabe problematizar neste estudo relaciona-se à reflexão crítica que fazemos sobre o uso das tecnologias digitais na escola, uma vez que oferecer dispositivos ou instrumentos digitais não significa letrar digitalmente, pois, além de manusear, é preciso formar os/as alunos/as para o uso social, cultural e político das tecnologias de mídias dentro da escola, evitando discursos que abordam a tecnologia digital como forma de engajamento educacional necessário e eficaz, capaz de ampliar todas as possibilidades de inserção na sociedade contemporânea.

Feitas essas considerações, reiteramos que este estudo só foi possível porque, ainda que estudantes de escola pública, nossos/as alunos/as possuíam condições de acompanhar as aulas e realizar as atividades propostas durante o período pandêmico que tanto excluiu e matou em nosso país, infelizmente. Nesse cenário de relativo privilégio em que o estudo se desenvolveu, foi possível pensar em aulas e produções textuais que pudessem voltar o olhar para o que ocorria em nosso país durante a grave crise sanitária mundial, lançar questionamentos e construir textos narrativos sobre as provocações efetuadas nas aulas. Nessa condição, supomos que o multiletramento digital, em nosso contexto, implicou ações de letramento crítico que nos demandou escolhas e seleções daquilo que poderá nos libertar ou aprisionar no contexto educacional em que os documentos de classe foram produzidos. Seguindo essa lógica, compartilhamos alguns trechos do trabalho de mediação, executado com as turmas de nono ano, envolvendo o uso do aplicativo Book Creator na aprendizagem do gênero crônica sob premissas dos Multiletramentos críticos.

No decorrer das aulas remotas, a professora provocou a turma a olhar o cotidiano e as particularidades de cada vivência, nos lugares que frequentavam, nas pessoas de seu convívio, assuntos noticiados naquela época, enfim, algo que aguçasse o olhar de cronista em formação naqueles/as alunos/as. Foi possível fazer uso de discursos que representassem diferentes vozes, posições e interesses, exemplificando tipos de crônicas. A prática da escrita no aplicativo propiciou discussões colaborativas e autoavaliações sobre os textos que continham elementos constituintes do gênero crônica. Com a utilização do aplicativo Book Creator, criamos um e-book que pôde ser publicado e divulgado por meio do Google Sala de Aula, blog escolar, Whatsapp e algumas redes sociais, como: Facebook e Instagram. Na sequência, trazemos quatro trechos ilustrativos do trabalho realizado pelos/as alunos/as à ocasião. Optamos por não identificar a autoria dos textos por desejar que o foco recaia sobre a produção, e não sobre o indivíduo. Ainda nessa esteira, convém ressaltar que as amostras não são tratadas para se adequarem à norma (revisadas ou corrigidas de acordo com a língua- padrão), e sim consideradas amostras da língua em movimento, tal como emergiu nos textos criados por jovens de 13 a 14 anos de idade em situação de ensino remoto emergencial no ano de 2021. Afinal, o que é a crônica senão o registro de seu tempo do ponto de vista de quem a escreve? Desafiamos você que nos lê a olhar além das regras que aprisionam a língua para que a percepção da produção das turmas do nono ano sejam apreciadas como são: práticas sociais em des/re-construção. O e-book completo, “Crônicas e outras histórias”2, pode ser acessado via link, caso você, leitor/a, deseje conhecer essas e as demais histórias na íntegra.

Nesse primeiro recorte de crônica que apresentamos, temos uma jovem (identificação de gênero é possível graças à descrição de irritação promovida pela autora na sexta linha do parágrafo introdutório de seu texto “Fiquei tão brava”. O local é comum e se liga ao tema da Olimpíada - O lugar onde vivo - pelo contexto histórico vivido (a pandemia de Covid-19) não enunciado diretamente por ela. É possível perceber que o pequeno espaço onde se passa a ação da crônica retrata o que foi a vida da jovem nesse período (estava no meu quarto pensando no que deveria fazer depois de terminar os deveres). A situação de conformidade com a realidade está implícita nesse mesmo enunciado. O problema estabelecido pela jovem autora também busca a cumplicidade do/a leitor/a, como também é uma marca comum ao gênero (BECKER, 2013). Há pistas dessa cumplicidade no uso de vocativo (caro leitor) e na opção por algo corriqueiro em meio à pandemia (bloqueio criativo).

Quadro 2 Trechos da crônica Um monstro que come a criatividade 

Trecho 1
Trecho 2

Fonte: Documentos de classe - Produção dos/as alunos/as via Book Creator - e-book Crônicas e outras histórias.

Um dos papéis da crônica é estabelecer uma interação com o leitor ao propor um diálogo crítico sobre situações cotidianas bem distintas entre as pessoas. O uso da linguagem simples, coloquial e metafórica aproxima o autor dos/as leitores/as, humanizando a construção de sentidos proposta no gênero (Becker, 2013). No trecho 2, observamos que a autora cria no texto imagético um hiperlink com o texto escrito. O quarto, aludido pela autora, não é descrito em palavras, mas com desenhos e cores. A multimodalidade é conferida também ao imprimir cores, saturação, nitidez, linhas, padrões e formas, ampliam-se as percepções visuais de interação com o/a espectador/a-leitor/a (Oliveira, 2006). Os textos se complementam nos sentidos construídos. A organização pessoal enunciada por escrito na linearidade das ações (desenhar após fazer os deveres) é percebida também pela imagem do quarto impecável. O quarto passa a sensação de um lugar seguro e restrito, que durante um período deixou de ser apenas dormitório ou lugar de descanso para hospedar atividades antes executadas em outros espaços, como verificado em Sabota (2021). No entanto, o vazio da criatividade é expresso no vazio de vida no cômodo. Não há pessoas, animais de estimação, nem plantas. Não há textos escritos ou desenhados representados na imagem porque a imaginação não resistiu ao tédio da pandemia. Podemos nos engajar na leitura por empatizar com o que também muitos de nós sentimos durante a pandemia. O que se propõe pelo letramento multimodal é a construção de novos sentidos, reafirmar um posicionamento crítico por meio do texto, em que cada representação expresse uma perspectiva de entendimento ou de sentidos. Nesse sentido, podemos afirmar que a autora no texto conseguiu cumprir sua tarefa de propor uma crônica multimodal enquanto se demonstra letrada criticamente. Na sequência, trazemos mais trechos que denotam o letramento multimodal crítico dos/as alunos/as das turmas.

A crônica intitulada Heróis alaranjados retrata a rotina de trabalhadores/as invisibilizados/as em muitos contextos urbanos. Para o/a jovem cronista, a ação incessante dos/as trabalhadores/as da limpeza urbana e coletores/as de resíduos, em muitas cidades referidos como garis, durante a pandemia foi relatada a partir de sua relevância para a sociedade. Apesar de inicialmente contada em primeira pessoa (levanto e desço as escadas), a crônica traz o ponto de vista do/a observador/a distante (a limpeza urbana é essencial). No trajeto percorrido pelo/a autor/a da casa ao container de lixo são descritas coisas encontradas (roupas rasgadas, comidas estragadas), mas não pessoas. Mais uma vez o distanciamento provocado pela pandemia está implícito (ao retornar para casa observo os vizinhos). A desaprovação das atitudes das pessoas quanto ao descaso com os resíduos é denunciada na crônica por meio das explicações da ‘ação correta’ (uma cidade limpa evita muitas doenças). A admiração pelos/as coletores/as também é registrada a distância (volto para casa e escuto o barulho do caminhão). A multimodalidade é promovida pelo som (barulho), pela cor (laranja), pelo (mau) cheiro. Sentidos aguçados que constroem a proximidade leitor/a-texto são evocados no texto escrito.

Quadro 3 Trechos da crônica Heróis alaranjados 

Trecho 3
Trecho 4

Fonte: Documentos de classe - Produção dos/das alunos/alunas via Book Creator - ebook Crônicas e outras histórias.

O trecho 3 também possui um tom reflexivo e crítico; o/a autor/a do texto discute sobre a fragilidade a que muitos trabalhadores/as à época da pandemia estiveram expostos/as (Muitos deles desprotegidos, sem máscaras; sem álcool em gel). A crônica Heróis alaranjados convida-nos a refletir a respeito do papel desses/as agentes sociais e, ao mesmo tempo, sugere posturas de cuidado com o meio ambiente. Logo, o/a cronista demonstra sua preocupação com o que ocorre em sua comunidade e se mostra atento/as às recomendações de cuidados com a cidade, durante e fora do período pandêmico. O gênero crônica, dada a sua flexibilidade literária (Becker, 2013), quando mediado pedagogicamente com intenção de promover o letramento crítico, sugere um olhar de engajamento social por meio de discursos que contribuem para o respeito, a visibilização de grupos minoritarizados e pode até problematizar da exclusão social.

O texto do trecho 4 faz referência à urbanização e arquitetura da cidade. O céu azul do Cerrado mostra como a cidade está limpa durante o dia em decorrência da ação dos/as heróis/heroínas alaranjados/as. Contudo, o texto enfatiza também a ausência das pessoas nas ruas em razão do isolamento social. Perguntamo-nos por que o/a cronista optou por não registrar a presença dos tais heróis em seu desenho, porém, como temos somente os documentos de classe (e não entrevistas, por exemplo), a curiosidade inquietante permanece.

Portanto, constatamos nas produções textuais das crônicas que a multimodalidade constituiu fator catalisador para construções de crônicas multimodais, nas quais um olhar sensível e acurado para o cotidiano possibilitou outras formas de representação da realidade particular de cada aluno/a. Nessa linha de entendimento, Kress e Van Leeuwen (2000, p. 200) asseveram que: “[...] as imagens também produzem e reproduzem relações sociais, comunicam eventos ou questões e interagem com o espectador com força semelhante à do texto linear, além de serem dotados de mensagens organizadas e estruturadas independentemente destes”. Os desenhos, percebidos pela ótica dos multiletramentos, não são ilustrações, mas textos que indexicalizam sentidos e evocam interpretações ao serem lidos.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio deste estudo, propusemos algumas reflexões sobre o uso da língua com foco na multimodalidade e nos multiletramentos críticos, os quais não se esgotam com esta discussão. Entretanto, assinalamos que há uma necessidade de tornar práticas de letramentos mais efetivas e eficientes no currículo educacional, uma vez que manter práticas pedagógicas voltadas para uma abordagem tradicional de uso da língua tem se mostrado ineficiente e deslocada da multiplicidade de canais interativos que usamos em nossas práticas sociais.

Nesse caso, temos que considerar a variedade de recursos tecnológicos digitais no apoio às práticas pedagógicas que integraram a mediação entre ensino e aprendizagem, pois a comunicação intermediada pelas tecnologias digitais é ubíqua, o que aponta para a relevância da construção de currículos que priorizem a educação linguística crítica a partir do conceito de designs e da pedagogia dos multiletramentos. Desse modo, podemos aproximar as práticas escolares das questões pertinentes e relevantes nas práticas sociais.

Outro ponto que destacamos é a construção de textos multimodais em plataformas e aplicativos que permitem o acesso síncrono ou assíncrono de revisores/as editores/as para que textos possam ser construídos em parcerias, compartilhados e revisados por colegas e professores/as. Afinal, ao compartilhar interfaces ou plataformas que dispõem de recursos multimodais, amplia-se a capacidade de uso e construção da língua com o intuito de hibridizar discursos e gêneros textuais. Provocações e inquietações podem ser compartilhadas a fim de colaborar na construção e edição do texto para ampliar os horizontes de escritores/as quanto aos aspectos sócio-históricos, culturais, políticos, multimodais, entre outros, pela mediação pedagógica, mesmo em tempos de ensino remoto, como vimos, ou via plataformas e ambientes virtuais de aprendizagem (AVA), em casos em que o ensino híbrido ou não presencial se aplique. Sugerimos que estas sejam outras dimensões a ser exploradas em futuras pesquisas.

Nesse estudo, pudemos observar que a práxis fundamentada na pedagogia dos multiletramentos promoveu maior habilidade para os/as alunos/alunas se expressarem e se posicionarem com criticidade, diante das condições e demandas sociais, apoiando-se em discursos híbridos, multimodalmente compostos. Desse modo, consideramos a contribuição da plataforma Book Creator, nesse contexto, na ampliação de possibilidades de práticas de leitura e escrita na sala de aula, incorporando à linguagem um caráter dialógico e contextualizado, o que proporcionou aos/às alunos/alunas agência na seleção de discursos criativos, críticos, éticos e conscientes.

Nossa experiência como professoras de línguas e pesquisadoras permite-nos afirmar que as discussões trazidas ao longo deste estudo fortalecem e fundamentam nossa práxis. O planejamento de aulas que visem ampliar repertórios que excedam os saberes gramaticais em contextos de educação linguística favorece que a integração entre linguagem e tecnologias, tal como previsto nos documentos oficiais que regem a educação básica em nosso país, aconteça de modo criativo, interessante e socialmente relevante. Esta nos parece ser a mais significativa contribuição deste estudo para a formação e a práxis docente.

REFERÊNCIAS

Becker, Caroline V. A crônica e suas molduras, um estudo genológico. Revista Estação Literária, Londrina, v. 11, p. 10-26, jul. 2013. Disponível em: Disponível em: https://ojs.uel.br/revistas/uel/index.php/estacaoliteraria/issue/view/1245 . Acesso em: 10 jun. 2021. [ Links ]

Brasil. Book Creator. Disponível em: Disponível em: https://bookcreator.com/ . Acesso em: 10 jun. 2021. [ Links ]

Grupo Nova Londres. Uma pedagogia dos multiletramentos: projetando futuros Sociais. Tradução de Deise Nancy de Morais, Gabriela Claudino Grande, Rafaela Salemme Bolsarin Biazotti, Roziane Keila Grando. Revista Linguagem em Foco, v. 13, n. 2, p. 101-145, 2021. Disponível em: Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/linguagememfoco/article/view/5578 . Acesso em: 17 out. 2022. [ Links ]

Kress, Gunther; Van Leeuwen, Theo. Reading images. The grammar of visual design. London: Routledge, 1996. [ Links ]

Leffa, Vilson J.; Fialho, Vanessa Ribas; Beviláqua, André Firpo; Costa, Alan Ricardo. Tecnologias e ensino de línguas: uma década de pesquisa em linguística aplicada. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2020. [ Links ]

Marcuschi, Luiz. Podução Textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008. [ Links ]

Masetto, Marcos T. Mediação pedagógica e tecnologias de informação e comunicação. In: Moran, José M.; Masetto, Marcos T.; Behrens, Maria A. (Orgs.). Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas: Papirus, 2013. p. 133-172. [ Links ]

Menezes de Souza, Lynn Mario. Para uma redefinição de letramento crítico: conflito e produção de significação. In: Maciel, Ruberval Franco; Araújo, Vanessa de Assis (Orgs.). Formação de professores de línguas. Jundiaí: Paco, 2011. p. 128-140. [ Links ]

Moita Lopes, Luiz Paulo da. Pesquisa interpretativista em linguística aplicada: a linguagem como condição e solução. Delta, v. 10, n. 2, p. 329-338, 1994. Disponível em: Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/delta/article/view/45412 . Acesso em: 11 jul. 2022. [ Links ]

Monte Mor, Walkyria. Sociedade da escrita e sociedade digital: línguas e linguagem em revisão. In: Takaki, Nara Hiroko; Monte Mor, Walkyria (Orgs.). Construções de sentido e letramento digital crítico na área de línguas/linguagens. Campinas: Pontes, 2017. p. 267-286. [ Links ]

Monte Mor, Walkyria. Os estudos de Kress em foco: gramática visual, construção de sentidos e design. Cadernos de Linguagem e Sociedade, v. 22, n. 1, p. 300-320, 2021. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.26512/les.v22i1.37249 . Acesso em: 11 jul. 2022. [ Links ]

Oliveira, Sara. Texto visual e leitura crítica: o dito, o omitido, o sugerido. Linguagem & Ensino, v. 9, n. 1, p. 15-39, 2006. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/index.php/rle/article/view/15626 . Acesso em: 11 jul. 2022. [ Links ]

Pötzsch, Halger. Critical digital literacy: technology in education beyond issues of user competence and labor - Market qualifications. Journal Triple C, v. 17, p. 221-240, 2019. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.31269/triplec.v17i2.1093 . Acesso em: 11 jul. 2022. [ Links ]

Rodrigues, Michael; Sabota, Barbra; Silvestre, Viviane. Construções e sentidos sobre o conceito de mediação pedagógica: uma leitura multimodal e rizomática. Revista Educação e Linguagens, Campo Mourão, v. 10, n. 19, jan./jun. 2021. Disponível em: Disponível em: http://revista.unespar.edu.br/index.php/revistaeduclings/article/view/76 . Acesso em: 9 ago. 2022. [ Links ]

Rodrigues, Olira Saraiva. Biblio/mídia/multi(tecas): sucedâneas, limítrofes ou amálgamas? Revista de Letras, Curitiba, v. 23, n. 41, p. 53-73, jan./jun. 2021. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.utfpr.edu.br/rl/article/view/12566/8388 . Acesso em: 8 set. 2022. [ Links ]

Rojo, Roxane. Letramento(s) - práticas de letramento em diferentes contextos. In: Rojo, Roxane. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola, 2009. p. 95-121. [ Links ]

Rojo, Roxane; Barbosa, Jacqueline. Gêneros do discurso, multiletramentos e hipermodernidade. Hipermodernidade, multiletramentos e gêneros discursivos. São Paulo: Parábola Editorial, 2015, p. 115-146. [ Links ]

Sabota, Barbra R. Now what?! O dia em que a escola parou e as reinvenções docentes em tempos de covid. In: Lopes, Cristiane Rosa; Freitas, Carla C. de; Avelar, Michely Gomes (Orgs.). Linguagens em tempos inéditos: desafios praxiológicos da formação de professoras/es de línguas. Goiânia: Scotti, 2021. p. 37-56. [ Links ]

Sabota, Barbra; Pereira, Ariovaldo Lopes. O uso de ferramentas tecnológicas em ambientes de aprendizagem: critérios para avaliação de materiais de ensino em formato digital. Revista Caminhos em Linguística Aplicada, v. 16, n. 2, p. 44-62, 1.º sem. 2017. Disponível em: Disponível em: http://periodicos.unitau.br/ojs/index.php/caminhoslinguistica/article/view/2292 . Acesso em 28 fev. 2022. [ Links ]

Sant’ana, Jonathas V. B.; Suanno, João Henrique; Sabota, Barbra R. Educação 3.0, complexidade e transdisciplinaridade: um estudo teórico para além das tecnologias. Revista Educação e Linguagens, Campo Mourão, v. 6, n. 10, jan./jun. 2017. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.unespar.edu.br/index.php/revistaeduclings/article/view/6453 . Acesso em 28 fev. 2022. [ Links ]

Vygotsky, Lev Semyonovich. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991. [ Links ]

NOTAS:

1 Utilizamos neste artigo a versão em português do texto, originalmente publicado em 1996.

2 Acesse e-book Crônicas e outras histórias neste link: https://read.bookcreator.com/wMB7lIWft9UjKA3mA5xaskiZVF93/puX7tWiGS8OdRz9prgYv1w.

Recebido: 06 de Março de 2023; Aceito: 03 de Junho de 2023; Publicado: 30 de Setembro de 2023

Creative Commons License Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional que permite o uso irrestrito, distribuição e reprodução em qualquer meio, desde que a obra original seja devidamente citada.