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Revista e-Curriculum

versión On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.21  São Paulo  2023  Epub 13-Nov-2023

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2023v21e61651 

Dossiê Temático: “Currículo e tecnologias redes, territórios e diversidades”

Letramento midiático no currículo da Pedagogia e nas experiências docentes durante a pandemia da Covid-19

Media literacy in the Pedagogy curriculum and teaching experiences during the Covid-19 pandemic

Alfabetización mediática en el currículo de Pedagogía y experiencias docentes durante la pandemia de la Covid-19

Klalter Bez Fontana ARNDTi 
http://orcid.org/0000-0003-2536-0777

Dulce Márcia CRUZii 
http://orcid.org/0000-0001-7055-0137

i Doutora em Educação. Professora vinculada ao Departamento de Pedagogia a Distância do Centro de Educação a Distância da Universidade do Estado de Santa Catarina (CEAD/UDESC). E-mail: klalter.fontana@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0003-2536-0777.

ii Doutora em Engenharia de Produção. Professora Associada no Departamento de Metodologia de Ensino do Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (CED/UFSC). E-mail: dulce.marcia@gmail.com - ORCID iD: http://orcid.org/0000-0001-7055-0137.


Resumo

Neste artigo apresentamos o recorte de uma pesquisa de doutorado que, dentre seus objetivos, buscou identificar os elementos da formação para as mídias na grade curricular de três cursos de Pedagogia nas duas universidades públicas do estado de Santa Catarina em contraponto aos relatos das experiências docentes de um grupo de pedagogas, entre 2020 e 2022, coletados em três questionários online e rodas de conversa. As análises foram sustentadas pelos estudos da mídia-educação, letramento midiático e identidade docente. De forma geral, os resultados apontaram que as mídias ainda não constituem um eixo importante na formação inicial dos pedagogos. E que, embora o currículo contemple disciplinas sobre mídias, estas ainda se encontram isoladas. Por fim, os estudos nos mostraram que essa formação para as mídias requer uma transversalidade e uma contextualização com o lócus de atuação do pedagogo.

Palavras-chave: identidade docente; mídia-educação; práticas pedagógicas; formação docente; cultura digital

Abstract

In this article, we present an excerpt from doctoral research that, among its objectives, sought to identify the elements of training for the media in the curriculum of three Pedagogy courses at two public universities in the state of Santa Catarina, in contrast to the reports of the teaching experiences of a group of pedagogues, between 2020 and 2022, collected in three online questionnaires and conversation circles. The analyzes were supported by studies of media education, media literacy and teacher identity. In general, the results indicated that the media still do not constitute an important axis in the initial training of pedagogues. And that, although the curriculum includes disciplines on media, these are still isolated. Finally, the studies showed us that this training for the media requires a transversality and a contextualization with the locus of the pedagogue's performance.

Keywords: teaching entity; media-education; pedagogical practices; teacher training; digital culture

Resumen

En este artículo presentamos un extracto de una investigación doctoral que, entre sus objetivos, buscó identificar los elementos de la formación para los medios en el currículo de tres carreras de Pedagogía en dos universidades públicas del estado Santa Catarina, en contraste con los informes de las experiencias docentes de un grupo de pedagogos, entre 2020 y 2022, recogidas en tres cuestionarios online y círculos de conversación. Los análisis fueron respaldados por estudios de educación en medios, alfabetización mediática e identidad docente. En general, los resultados indicaron que los medios de comunicación aún no constituyen un eje importante en la formación inicial de los pedagogos. Y que, si bien el plan de estudios incluye disciplinas sobre medios de comunicación, estas siguen estando aisladas. Finalmente, los estudios nos mostraron que esta formación para los medios requiere una transversalidad y una contextualización con el locus de actuación del pedagogo.

Palabras clave: identidad docente; educación en medios; prácticas pedagógicas; formación de profesores; cultura digital

1 INTRODUÇÃO

Consideradas como artefatos culturais de nosso tempo, as mídias digitais permitem a autoria, a experimentação, o deslocamento espaço-temporal e a multiplicidade de linguagens, possibilitando novas formas de aprender e, consequentemente, novas formas de mediar essa aprendizagem. Isso nos remete a refletir sobre a cotidianidade escolar e, principalmente, sobre a formação de professores para essa remodelação do desenho pedagógico, de forma que as mídias sejam apreendidas em seu fazer docente de forma integral, considerando todas as dimensões que qualquer artefato, resultante de um constructo histórico e social, requer.

No entanto, apesar de sucessivas políticas públicas que fomentam a inserção das mídias nas escolas, os currículos dos cursos de Pedagogia no Brasil ainda não integraram as mídias digitais como componentes inerentes à formação para o magistério. Essa ausência implica que as mídias sejam vistas somente na perspectiva de recurso didático, de apoio ao planejamento e à transmissão de conteúdos e não sob a perspectiva globalizante da mídia-educação, que as vê a partir de três dimensões: educar com os meios (perspectiva instrumental), sobre/ para os meios (perspectiva crítica), e através dos meios (perspectiva expressivo-produtiva) (Fantin, 2011).

Com o intuito de contribuir com este debate, o presente artigo traz um recorte da pesquisa de doutorado que teve como objetivo “analisar a constituição do letramento midiático num grupo de pedagogas (acadêmicas e profissionais), pela lente de suas experiências docentes em tempos de pandemia e trajetórias formativas, visando, com isso, identificar as possíveis interfaces entre identidades docentes, representações sociais e formação inicial” (Arndt, 2022, p. 35)1.

A motivação pela pesquisa nasceu da nossa trajetória como docentes do curso de Pedagogia, em que as discussões sobre identidade docente e formação para as mídias enveredaram nossos debates. No percorrer da pesquisa, a realidade acometida pela pandemia da Covid-19 nos levou a remodelar a caminhada. Afinal, se em nossa pesquisa pretendíamos dialogar sobre identidades e letramento midiático, a prática docente neste contexto se mostrou um terreno fértil de possibilidades, para o qual deveríamos olhar com a rigorosidade necessária, mas sensíveis a essas experiências, tentando perceber nelas pontos de reflexões sobre o processo de constituição do letramento midiático e como ele pode ter relação com as identidades e práticas culturais das pedagogas2 no uso das mídias.

Assim, no entrecruzamento de vivências e indagações, duas grandes questões se firmaram, problematizando e dando um norte para a pesquisa. 1) Qual a representação social que os profissionais da Pedagogia têm acerca do que é ser pedagogo, como percebem a sua identidade docente e como as mídias são percebidas por estes profissionais no seu fazer pedagógico? 2) O que as vivências das pedagogas em suas práticas docentes na pandemia têm a nos dizer sobre o letramento midiático? E como essas vivências podem contribuir para se pensar o currículo do curso de Pedagogia na perspectiva da formação para as mídias? Foram problemáticas que se entrecruzaram, se complementaram e orientaram nosso olhar, traduzindo nossas inquietações e nos mobilizando enquanto pesquisadoras.

Também acreditamos na relevância ter nossa pesquisa para os estudos sobre identidade e letramento midiático, pois tivemos a possibilidade de acompanhar um grupo de pedagogas no decorrer de suas vivências docentes ao longo de dois anos no contexto de pandemia. É a análise sobre um tempo histórico recente e que nos proporcionou importantes elementos. Percepções essas, voltadas também, em especial, para o curso de Pedagogia. Assim, embora o foco central da pesquisa não tenham sido os estudos sobre o currículo, foi importante olhar para a estruturação da formação inicial em Pedagogia, buscando nela elementos que pudessem nos dar pistas de como as mídias estavam (ou não) presentes durante o curso. Com isso, apresentamos, neste artigo, as análises constituintes de um dos objetivos da tese, que procurou identificar quais são os elementos da formação para as mídias previstos no curso de Pedagogia, através da análise do Projeto Pedagógico do Curso (PPC) de três cursos de Pedagogia, ofertados por instituições públicas no estado de Santa Catarina, enriquecida e contrastada pelo diálogo com os nossas participantes da pesquisa: acadêmicas de Pedagogia e pedagogas em exercício na Educação Infantil e nos Anos Iniciais no referido estado. Assim, apresentamos o referencial teórico que sustentou nossos estudos, o caminho metodológico percorrido, os resultados que encontramos e as análises sobre as condições do letramento midiático presente nos currículos e nas práticas da formação inicial em Pedagogia.

2 PEDAGOGIA, IDENTIDADE DOCENTE E LETRAMENTO MIDIÁTICO

Ao olharmos para a história da Pedagogia no contexto brasileiro, é lugar comum afirmarmos que ela nasce com a prerrogativa de um serviço educacional voltado ao cuidado das crianças, com conotação vocacional e feminina (Hypólito, 1997). Esses elementos corroboraram para a constituição de uma identidade docente que se cristalizou no imaginário social. Segundo Hall (2014), não é possível estudar a identidade sem perceber como ela está inserida e atrelada aos aspectos culturais e às formas de representação social. Para Nóvoa (2013), é importante nos perguntarmos como cada professor se tornou o que é hoje e de que forma a trajetória de vida e sua forma de perceber a docência influenciam sua prática docente.

A identidade é marcada por aspectos culturais e, consequentemente, por símbolos, já que há uma associação entre a identidade das pessoas e o que elas usam e consomem em seu cotidiano (Woodward, 2014, p. 10). Ainda, segundo Hall (2014), não é possível estudar a identidade sem perceber como ela está inserida e atrelada aos aspectos culturais e às formas de representação social.

Afinal, as representações que constituem nossa identidade não nascem no indivíduo, são oriundas da forma como os grupos se reconhecem, criam sua identidade de grupo e olham o mundo a partir de símbolos que dão significados ao que percebem (Moreira; Chamon, 2013). A identidade docente se constitui um espaço de luta, é um movimento pautado pela plasticidade e pela resiliência, num movimento contínuo de construção de diferentes maneiras de ser e estar docente.

Reflexões sobre identidades e suas representações no imaginário social nos ajudam a entender como a identidade docente foi se constituindo cultural e historicamente, e em como alguns elementos dessa construção identitária, foram se tornando estruturantes, a tal ponto que, num processo que podemos chamar de retroalimentação, influencia e perpetua a própria representação social que este grupo tem de si próprio quanto à forma como a sociedade em geral percebe esse grupo (Hall, 2014).

Assim, para conhecer a constituição da identidade docente da Pedagogia no Brasil é importante a análise da trajetória histórica do currículo da Pedagogia, desde sua criação em 1939 (Decreto 1.190) até as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia em 2006 (Parecer CNE/CP nº 3). Podemos afirmar que tivemos avanços importantes no que se refere à profissionalização docente, mas, por outro lado, suspeitamos que alguns elementos desse imaginário social da identidade docente ainda permanecem. Um exemplo é a relação das pedagogas com as mídias em seu fazer docente, uma relação influenciada pela formação inicial e pela forma como essas docentes representam a identidade midiática docente (Fantin, 2012, Souza, 2016; Arndt, 2022).

Como apontam Moreira & Chamon (2013), há uma relação direta entre as práticas sociais e como essas participam da constituição identitária do ser professor. Os elementos culturais e os bens simbólicos que perpassam a cotidianidade nesse grupo identitário precisam ser percebidos e considerados na formação inicial. Segundo Sousa (2016), é importante considerar a identidade midiática da Pedagogia (fazendo o recorte da pesquisa) enquanto sujeitos, o Eu antes do profissional, ou seja, como essa identidade midiática se materializa em suas práticas culturais cotidianas, em sua via privada, no uso desses artefatos midiáticos.

O percurso formativo da Pedagogia nos mostra que a formação para as mídias adentrou o currículo e as práticas escolares nos anos 1960, pela perspectiva de duas visões antagônicas: a integrada e a apocalíptica, com forte influência dos estudos culturais sobre os meios de comunicação de massa da Escola de Frankfurt. A mídia-educação vai aparecer nesses conturbados anos 1960, “entre educadores e comunicadores preocupados com o poder ideológico das mídias de massa e sua importância na formação dos jovens e adultos, notadamente com relação aos valores humanistas e cristãos”. (Belloni, 2012, p. 36-37).

Desde o final do século XX, já no contexto complexo e dinâmico da cultura digital, as práticas sociais midiáticas integram práticas de leitura e escrita por diferentes meios e aceleram a apropriação dos elementos culturais da nossa contemporaneidade no cotidiano. Essa nova situação de letramento midiático implica no desenvolvimento de “habilidades e competências que envolvem o acesso, apropriação, a capacidade de compreensão e análise, consumo, produção, avaliação e a criação de conteúdo em uma variedade de contextos de mídias e linguagens” (Cruz; Souza, 2018, p. 387).

Essas reflexões nos levam a indagar de que forma o currículo da Pedagogia pode tanto fomentar o letramento midiático na constituição da identidade docente quanto distanciar a formação dessa prerrogativa. Afinal, um currículo é construído também a partir de práticas culturais. Reconhecer como se dão as práticas sociais midiáticas e como elas aparecem no contexto dos currículos da Pedagogia pode trazer elementos para se compreender como vem se construindo esse letramento midiático docente e, a partir dele, pensar a proposição de formação dos educandos.

Para ampliar o letramento midiático, é preciso possibilitar aos educandos o uso consciente, não só no desenvolvimento de habilidades, mas em reconhecer as ideologias que advêm junto com as mídias, suas implicações sociais, econômicas e culturais. (Buckingham, 2020; Souza, 2016; Fantin; Rivoltella, 2012). O letramento midiático requer um processo formativo que promova experiências, novos sentidos e perspectivas para essa relação e percepção das mídias no processo educativo. Assim, a constituição do letramento midiático passa pela experiência e pela dialogicidade, permitindo que as práticas sociais e culturais midiáticas das pedagogas em formação possam ser percebidas, discutidas e ressignificadas em seu processo formativo.

3 CAMINHO METODOLÓGICO E OS SUJEITOS DA PESQUISA

Nossa pesquisa é de natureza explicativa, que acontece no campo, onde os fenômenos estudados são identificados, no diálogo direto com os sujeitos participantes (Gil, 2008). Por se constituir como pesquisa de campo, nossa abordagem se deu por meio da articulação de instrumentos qualitativos e quantitativos, designada também como abordagem mista (Mattar; Ramos, 2021).

Na fase quantitativa, fizemos uso de questionários, aplicados de forma online via formulário do Google, em três momentos distintos: Maio de 2020: 119 participações (nesse momento somente pedagogas em exercício participaram); Novembro de 2020: 214 participações (66 acadêmicas de Pedagogia da Universidade Estadual XX e de 148 pedagogas em exercício, incluindo àquelas que responderam em maio); Julho de 2021: 92 participações (questionário direcionado somente aos que participaram em novembro, sendo que 51 respostas foram das pedagogas e 41 de acadêmicas da Pedagogia).

Na fase qualitativa, realizamos rodas de conversa online, no formato de um curso de extensão, ofertado de modo online pela Universidade Federal de Santa Catarina em março de 2022, com a participação de dez pedagogas3, todas elas participantes da fase quantitativa. O intuito foi aprofundar o diálogo sobre algumas questões identificadas ao longo da pesquisa, em especial, sobre usos das mídias no cotidiano educacional (e suas implicações no retorno ao presencial), além de proporcionar um espaço de troca de reflexões sobre a formação para o “Letramento Midiático” no curso de Pedagogia. Os dados foram analisados na perspectiva da Análise de Conteúdo (Bardin, 2021).

Os sujeitos de nossa pesquisa foram acadêmicas do curso de Pedagogia de uma instituição pública estadual do estado de Santa Catarina, região sul do Brasil, e pedagogas em exercício, nos Anos Iniciais e Educação Infantil, no referido estado. Apresentamos, a seguir, um quadro geral com o perfil de nossas participantes:

Fonte: Arndt (2022).

Figura 1 Perfil Geral das Participantes da Pesquisa 

Concomitante à coleta de dados, analisamos o Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia (PPC) de duas instituições públicas do Estado de Santa Catarina: Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Na UFSC, analisamos o PPC do curso na modalidade presencial, única modalidade em que o curso é ofertado. Na UDESC, analisamos o PPC das duas graduações ofertadas: modalidade presencial, ofertada pela Faculdade de Educação (FAED), e modalidade a distância, ofertada pelo Centro de Educação a Distância (CEAD). Nossa análise do PPC focou nas seguintes categorias: perfil de egresso e matriz curricular, com as respectivas ementas das disciplinas, procurando elementos quanto à presença do letramento midiático e/ou mídia-educação no percurso formativo do curso. E, fizemos também, um contraponto da análise destes documentos com o que está previsto sobre essas temáticas nas Diretrizes Nacionais e Curriculares para o Curso de Pedagogia (Parecer CNE/CP 5/ 2005 e Resolução CNE/CP 1/2006). Apresentamos, a seguir, uma síntese da análise.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Como já mencionado, o recorte da pesquisa aqui apresentado foca na formação inicial da Pedagogia, destacando a presença (ou não) dos elementos inerentes ao letramento midiático nesse percurso formativo.

4.1 Análise do Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia

Nesse primeiro momento, apresentaremos nossa análise do PPC dos três cursos de Pedagogia analisados, a partir das categorias sinalizadas: perfil de egresso e matriz curricular.

4.1.1 Perfil de Egresso:

No PPC da UFSC não percebemos nenhuma menção específica às mídias e/ou letramento midiático em seu perfil de egresso.

O egresso do Curso de Licenciatura em Pedagogia será Professor, entendido como o profissional que atuará, sob determinadas condições históricas, no campo epistemológico, político-educacional, didático-metodológico, considerando as relações entre sociedade e educação. Poderá atuar nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, na Educação Infantil e em coordenação de atividades educacionais. O compromisso central do Pedagogo formado na UFSC é com a escola pública de qualidade, que permite o acesso ao conhecimento historicamente acumulado pela humanidade por parte da população que frequenta a escola pública (PPC, CED/UFSC, 2008, p. 17).

Já no PPC do curso da FAED/UDESC, não há menção a um perfil específico, mas que o egresso deverá estar apto a:

✓ Atuar com ética e compromisso no exercício profissional. ✓ Educar e cuidar de crianças de zero a cinco anos, de forma a contribuir para o seu desenvolvimento. Atuar na docência dos anos iniciais do Ensino Fundamental contribuindo para promover as aprendizagens de crianças, jovens e pessoas adultas (EJA). ✓ Garantir aos educandos os saberes atinentes à Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, de forma interdisciplinar e adequada às diferentes fases do desenvolvimento humano. ✓ Atuar em espaços educativos escolares e não escolares, na promoção da aprendizagem de educandos em diversos níveis e modalidades do processo educativo. ✓ Relacionar as linguagens dos meios de comunicação à educação nos processos didático-pedagógicos. ✓ Promover e facilitar relações de cooperação entre a instituição educativa, a família e a comunidade. ✓ Identificar problemas socioculturais e educacionais com postura investigativa, integrativa e propositiva em face de realidades complexas, com vistas a contribuir para superação de desigualdades, que geram situações de exclusão como: étnico-raciais, de classes sociais, religiosas, geracionais, necessidades especiais, de gênero e orientações sexuais, entre outras. ✓ Participar da gestão de instituições contribuindo para elaboração, implementação, coordenação, acompanhamento e avaliação do projeto pedagógico. ✓ Realizar pesquisas que proporcionem conhecimentos sobre acadêmicos e alunas e a realidade sociocultural em que estes desenvolvem suas experiências não escolares; sobre processos de ensinar e de aprender, em diferentes meios ambiental-ecológicos; sobre propostas curriculares; e sobre organização do trabalho educativo e práticas pedagógicas, dentre outros. ✓ Analisar criticamente os parâmetros e diretrizes curriculares nacionais e outras determinações legais que lhe caiba implantar, executar e avaliar (PPC, FAED/UDESC, 2010, p. 20-21, grifo nosso).

Dentre os vários itens listados, há um em especial que conversa com nosso objeto de estudo: “Relacionar as linguagens dos meios de comunicação à educação nos processos didático-pedagógicos”. E, por fim, olhamos o perfil do egresso que consta no PPC do CEAD/UDESC:

[...] o egresso do curso de Licenciatura em Pedagogia na Modalidade a Distância deverá ter sólida formação teórico-prática e interdisciplinar a fim de que, a partir de uma visão crítica e reflexiva, atue numa perspectiva de promoção da cidadania e de construção de uma sociedade mais justa, equânime, igualitária (PPC, CEAD/UDESC, 2017, p. 17).

Além disso, o PPC desse curso é o único dentre os três a sinalizar a presença de disciplinas de forma transversal ao longo do curso, como evidencia o trecho a seguir:

que, em diversas fases do curso, as disciplinas do currículo estejam voltadas à articulação entre processos pedagógicos, práticas interdisciplinares e tecnologias digitais de informação e comunicação. [...] Dessa forma almeja-se que o egresso possa usar com competência as tecnologias digitais de informação e comunicação para o aprimoramento da prática pedagógica, ampliação da formação cultural dos(das) professores(as) e estudantes e promover processo de educação e inclusão digital a partir de experiências de imersão tecnológica (PPC, CEAD/UDESC, 2017, p. 19 21, grifo nosso).

Após análise do perfil de egresso dos três PPCs, estes foram correlacionados com o perfil de egresso definido pelas Diretrizes Nacionais para o Curso de Pedagogia, sendo esse o documento regulador nacional do curso. Em seu Artigo 5º, inciso VII, o documento menciona que o egresso deverá, dentre outros itens, estar apto a: “relacionar as linguagens dos meios de comunicação à educação, nos processos didático-pedagógicos, demonstrando domínio das tecnologias de informação e comunicação adequadas ao desenvolvimento de aprendizagens significativas”. Ou seja, existe uma normativa para que os cursos de graduação em Pedagogia considerem a formação midiática no percurso formativo, sendo essa uma competência necessária ao perfil de egresso. Uma formação que promova a inserção desses artefatos em todas as suas dimensões, superando a utilização unicamente na dimensão instrumental, tão presente ainda no cotidiano escolar, como os próprios relatos de nossas interlocutoras presentes nessa pesquisa. No entanto, essa ênfase formativa midiática está evidenciada somente no perfil de egresso do curso ofertado pelo CEAD:

Propomos um curso de formação inicial de professores com ênfase nas tecnologias digitais porque reconhecemos o potencial desses artefatos tecnológicos para os processos educativos escolares. Por ser na modalidade a distância, a apropriação das tecnologias digitais acontecerá de forma transversal ao desenvolvimento do curso, oportunizando aos professores em formação a fluência tecnológica e a participação em processos de inclusão digital (PPC, CEAD/UDESC, 2017, p. 96).

Supomos que, por ter sido um curso planejado especificamente para a EaD, é um PPC que carrega na natureza da modalidade o debate sobre o uso das mídias em seu percurso formativo.

4.1.2 Matriz Curricular:

Na análise da matriz curricular, buscamos identificar as disciplinas que fazem referência às mídias e/ou letramento midiático no título e/ou em sua ementa. Na matriz curricular dos dois cursos presenciais, há poucos componentes curriculares que fazem essa inferência.

No PPC do Centro de Educação (UFSC), há uma nova matriz curricular em processo de implantação, iniciado em 2021-2. No entanto, somente duas disciplinas contemplam a formação para as mídias. A disciplina “Artes, Imaginação Educação” é ofertada na 6ª fase (disciplina presente na matriz antiga, mas com oferta na 2ª fase). Embora em seu título não explicite as mídias, sua ementa contempla essa discussão, pois se referem às artes, suas linguagens e mídias. Interessante esse deslocamento de sua oferta da 2ª para a 6ª fase, pois aqui os acadêmicos se encontram mais amadurecidos em sua formação, possibilitando uma melhor articulação das mídias em sua prática profissional. A disciplina “Educação e Comunicação” é a que traz explicitado em sua ementa a formação para as mídias, sendo ela ofertada na 7ª fase, quando em paralelo os acadêmicos já iniciam a vivência docente, por meio do estágio curricular na educação infantil. Aqui há a possibilidade direta da articulação entre teoria e prática, embora seria necessário que os acadêmicos já tivessem tido uma formação sobre as mídias, em fases anteriores, para que pudessem contemplar em seu planejamento docente a inserção das mídias para além de sua dimensão instrumental.

Na matriz curricular da Faculdade de Educação (UDESC) somente a disciplina “Mídia e Educação”, ofertada na 2ª fase, discorre sobre a formação para as mídias. Embora tenha dois créditos vinculados à prática, a ementa não deixa evidente como ocorre essa vinculação. Acreditamos que seja uma discussão introdutória, já que sua oferta é no início do curso, período em que os acadêmicos ainda estão se familiarizando com os fundamentos de sua formação. A outra disciplina “Trabalho, Conhecimento e Tecnologia”, ofertada na 7ª fase, é de cunho teórico e com discussões voltadas para a relação trabalho e tecnologia, num aspecto global da sociedade atual. O quadro a seguir nos dá uma visão geral dessas disciplinas:

Quadro 1 Relação das disciplinas com menção a mídias em seu título e/ou ementa 

INSTITUIÇÃO DISCIPLINA EMENTA FASE
CEAD/UDESC Educação, Comunicação e Tecnologia Teorias da Comunicação. Meios de comunicação de massa. O campo da Educação/Comunicação. Comunicação Educativa. Leitura Crítica dos Meios. Mediação tecnológica na educação. Ecossistemas comunicativos.
Materiais Didáticos e Recursos Multimídia Conceito de materiais didáticos e recursos multimídia. Tipos, formatos e suportes. Análise, Planejamento, Desenvolvimento e publicação. Seleção de mídia. Seleção e organização de conteúdo. Direitos autorais. Learning design. Mídia impressa e audiovisual. Mídias digitais. Critérios de Validação de Materiais. Requisitos e Critérios de acessibilidade.
Seminário Integrador IV - Educação, Infância e Tecnologia Infância e educação: concepções, políticas e práticas. Educação Infantil no contexto contemporâneo: características e legislação. Educação Lúdica. TICs na Educação Infantil. Reflexão sobre os desafios da educação, infância e tecnologias a partir das abordagens teóricas desenvolvidas no semestre.
Tecnologia, Educação e Aprendizagem Sociedade Contemporânea e Tecnologias Digitais de Rede. Cibercultura e ciberespaço. Convergência midiática. Interatividade e linguagem hipermídia. Educação no contexto tecnológico digital e a ressignificação dos processos de ensino-aprendizagem. Exercício da docência no cotidiana da Educação Básica.
Práticas Pedagógicas e Tecnologias Educacionais Objetos de Aprendizagem: conceituação, características e repositórios. Recursos Educacionais Abertos. Tecnologias da Web 2.0 na Educação. Arquiteturas Pedagógicas. Mediação docente no contexto da informática educativa. Planejamento do ensino-aprendizagem envolvendo tecnologias educacionais. Exercício da docência no cotidiana da Educação Básica.
FAED/UDESC Midia e Educação Relações entre ciência, técnica e cultura. Pedagogias dos meios de comunicação e informação. Estudo das linguagens dos diferentes produtos da mídia e dos artefatos digitais no âmbito das práticas escolares.
Trabalho, Conhecimento e Tecnologia Reflexão crítica sobre a relação entre conhecimento, trabalho e tecnologia. Educação, novas tecnologias e a ordem social. Conceituação de trabalho. O trabalho como categoria de produção do conhecimento. Conceitos de ciência e de tecnologia. Trabalho e educação na sociedade contemporânea.
CED/UFSC Arte, Imaginação e educação Arte como experiência e conhecimento. Imaginação, arte e educação. Linguagens da arte, suas mídias e interações: teatro, dança, música, cinema, artes visuais. Arte em contextos educativos.
Educação e Comunicação Educação, comunicação e cultura das mídias. As mídias e suas linguagens. Análise crítica e criativa das mídias. Estética e mediações culturais. Crianças, jovens, adultos e as interações com as mídias na escola, na família e na cultura. Conceitos, objetivos e perspectivas da mídia-educação. Produção de conhecimento formação de professores e produção de mídias em contextos educativos presenciais e a distância.

Fonte: Arndt (2022).

Além das disciplinas obrigatórias, a matriz curricular desses dois cursos dispõe de um leque de disciplinas eletivas, que os acadêmicos podem escolher ao longo de sua formação, sendo que algumas delas integram o Núcleo de Aprofundamento e Diversificação de Estudos (NADE). Na UFSC encontramos quatro disciplinas eletivas que propõem essa discussão: Tecnologia de Comunicação Digital e Transposições Didáticas, Tecnologia Educacional e Cinema e Educação, sendo essa uma disciplina ainda em criação. Há também a disciplina Educação a Distância, embora essa só pelo título já denuncia que a discussão é voltada para a EaD. Na FAED/UDESC, esse núcleo é organizado por eixos, sendo um deles intitulado "Diversificação e Aprofundamento de Estudos em Educação em Ambientes Virtuais", que oferece três disciplinas-seminários. No entanto, embora seja o eixo que mais se aproxima da discussão sobre as mídias, a perspectiva aqui é voltada para a formação em EaD. No entanto, é importante deixarmos claro que disciplinas eletivas cabem aos estudantes escolherem, não estando presentes no eixo central do percurso formativo do curso.

Na matriz curricular do curso EaD, ofertado pelo CEAD/UDESC, não observamos a oferta de disciplinas eletivas, mas, por outro lado há uma prevalência maior de disciplinas voltadas à formação para as mídias. Ao todo, temos cinco disciplinas, oferecidas entre a 2ª e 6ª fases do curso, o que nos remete a uma formação mais transversal na perspectiva do letramento midiático. Duas delas são oferecidas de forma teórica (Educação, Comunicação e Tecnologia, e Seminário Integrador IV: Educação, Infância e Tecnologia), duas delas com um crédito como componente curricular (Tecnologia, Educação e Aprendizagem, e Práticas Pedagógicas e Tecnologias Educacionais) e somente uma delas “Materiais Didáticos e Recursos Multimídias” com créditos destinados à prática, embora seja importante destacar que essa disciplina é oferecida na 3ª fase, ou seja, fase inicial da formação.

Um aspecto importante é que o PPC do CEAD é de 2017, o curso da UFSC é de 2008, mas com nova matriz em implantação desde 2021-2 e, por fim, o PPC da FAED é de 2011, com ajuste curricular em 2018. Os ajustes curriculares foram feitos para alinhamento às novas Diretrizes para o Curso de Pedagogia, que dentre outras coisas, prevê em seu Art. 6º, que os componentes curriculares sejam distribuídos e organizados a partir de três núcleos: 1) Núcleo de Estudos Básicos, 2) Núcleo de Aprofundamento e Diversificação de Estudos, 3) Núcleo de Estudos Integradores. A integração desses três núcleos de estudos,

devem propiciar a formação daquele profissional que: cuida, educa, administra a aprendizagem, alfabetiza em múltiplas linguagens, estimula e prepara para a continuidade do estudo, participar da gestão escolar, imprime sentido pedagógico a práticas escolares e não-escolares, compartilha os conhecimentos adquiridos em sua prática (Brasil, 2005, p. 14, grifo nosso).

O objetivo em alfabetizar em múltiplas linguagens pode sugerir também uma formação para as linguagens midiáticas, embora o documento não deixe essa articulação explícita. E, como tal, essa evidenciação ou formação transversal e longitudinal não observamos na matriz curricular dos cursos analisados.

4.2 O que dizem as Pedagogas? Reflexões e Contribuições a partir de suas Vivências na Pandemia

Nesse segundo momento, apresentamos alguns dados que coletamos junto às nossas participantes da pesquisa, lembrando que foram acadêmicas de Pedagogia e Pedagogias em exercício na Educação Infantil e nos Anos Iniciais. Os pontos trazidos nessa análise são aqueles relacionados ao currículo formativo dessas participantes em sua formação na Pedagogia e, articulação desse currículo com suas vivências pedagógicas, seja no estágio curricular ou em sua prática profissional. Além de analisarem a sua formação inicial, nossas participantes também trazem algumas proposições para se pensar o currículo da Pedagogia e destacam as competências midiáticas que julgam necessárias para a prática docente.

4.2.1 Sugestões para o Currículo do Curso de Pedagogia

No questionário aplicado em julho de 2021, deixamos uma questão aberta para que o grupo pudesse trazer sugestões para o currículo da Pedagogia, a partir das vivências com o uso de mídias na pandemia. As respostas foram analisadas e categorizadas, sem diferenciação entre pedagogas e acadêmicas de pedagogia, conforme o Gráfico 1.

Fonte: Arndt (2022).

Gráfico 1 Sugestão para o currículo da Pedagogia 

No geral, o maior pedido é para uma formação que seja transversal e contínua no currículo e que a formação possibilite a didática no uso das mídias, com oferta de aulas práticas.

Nas rodas de conversa (março/2022), retomamos essa discussão, para que nossas participantes pudessem externalizar como pensavam o currículo de Pedagogia quando falamos em letramento midiático, a partir de suas vivências e representações.

Eu pensaria mais do que o currículo em letramento digital, assim como a gente fala do uso social da escrita, falaria do uso social da tecnologia. Em vez da criança copiar do quadro eu vou pedir para ela digitar num tablet, por exemplo? Que não seja isso, que seja associado ao dia a dia e não aquela coisa seccionada, um recorte muito só para dizer que usou tecnologia e está fazendo alfabetização digital. Talvez provocar mais nesse sentido. [...] E também pensar tecnologias no sentido de inclusão, porque a gente não é provocado a pensar numa educação inclusiva, apesar de muitas vezes a tecnologia ser um caminho para romper, né, para proporcionar a inclusão (C, acadêmica, Anos Iniciais, em licença, março/2022).

Na faculdade daria para fazer uma parceria que nem essa que eu tento fazer na escola. Pegar as matérias e intercalar com as mídias, fazer um trabalho com as mídias, fazer um projeto com mídias [...]. Estão estudando a Teoria de Aprendizagem, por exemplo, aí faz alguma coisa que tenha que envolva a mídia [...], que você consiga fazer um trabalho com essa com essa disciplina envolvendo a tecnologia e não fazendo uma matéria em separado. Porque quando você estudar tecnologia ou as mídias e suas coisas em separado, é mais difícil de você aprender e mais chato. [...] Mas se for uma coisa que você tá fazendo de uma disciplina, que tem todo um contexto e você joga isso dentro da tecnologia, é muito fácil de absorver, você aprende pelo prazer de dar aula, pelo trabalho que você tá desenvolvendo e você já vai buscando mais formas. [...] Eu acho mais fácil de você inserir a tecnologia junto com outra coisa e não ela separado. É o que eu tento fazer com as crianças e dá muito certo (K, pedagoga, Educação Infantil e Anos Iniciais, professora de informática, março/2022, grifo nosso).

Eu tive a pedagogia voltada para as mídias, mas eu acho que a universidade deveria trabalhar, na minha concepção, de uma forma que o aluno visse essas mídias com uma base que ele pudesse aplicar na prática. Na faculdade a gente vê conceitos, mas não vê assim sobre as ferramentas, o que se pode fazer no pedagógico, lá na sala de aula. Que tipo de software que eu posso usar para cada função [...] de que forma eu posso agregar, de fato lá, na minha prática com a mídia. [...] Trabalhar interdisciplinar com as mídias, agregando, por exemplo, jogos para melhorar a aprendizagem, jogos para melhorar a concentração e a percepção da criança. Poderia ser um caminho se mostrar mais ferramentas, uso mais prático. Porque lá no dia a dia, o professor não tem uma base, aí ele não sabe buscar, onde buscar, as vezes não tem tempo...é um pouco mais complexo e as vezes ele não tem o domínio da tecnologia, né? [...] eu acho que o professor se sentiria mais seguro. Ele tendo ferramentas na graduação, em que ele tenha atividades práticas, quando ele for lá para a sala de aula ele vai se sentir mais seguro para utilizar na prática dele (S, acadêmica, Educação Infantil e Anos Iniciais, professora de informática, março/2022).

Então, eu tive só uma cadeira também de mídia da educação, mas também acho que foi só umas pinceladas. Eu creio que deveria ser mais aprofundado o estudo. Tudo foi bem sucinto, eu acho que ficou a desejar, precisaria ter mais prática (D, pedagogia, Anos Iniciais, professora, março/2022).

O que notamos, em especial nos relatos acima, é uma formação que articule teoria e prática em letramento midiático. A frase proferida pela pedagoga K.: “Eu acho mais fácil de você inserir a tecnologia junto com outra coisa e não ela separado”, mostra essa percepção da mídia numa perspectiva não instrumental. Mesmo naquelas egressas do curso do CEAD/UDESC, em que a formação para as mídias se apresenta no currículo de forma mais longitudinal, essa demanda é mencionada. E o que justifica essa demanda também dessas egressas? Um dado interessante, que aqui ilustra nossa problemática, é um estudo que realizamos em 2019 com os acadêmicos da 4ª e 5ª fases do referido curso do CEAD. Naquele momento nosso objetivo foi problematizar como as mídias apareciam no contexto da educação infantil durante a vivência do estágio curricular das acadêmicas. Para compreensão do fenômeno, lançamos mão de dois instrumentos de coleta de dados: Roteiro de Observação e Projeto de Intervenção Docente, ambos documentos elaborados pelas acadêmicas. A análise apontou que as mídias eram percebidas e inseridas no planejamento docente somente como recurso didático de apoio às atividades docentes (Cruz; Fontana; Ventura, 2020). Essa perspectiva é válida, mas limita a percepção das mídias unicamente pela sua dimensão instrumental. Esse estudo, tal qual o que agora realizamos na pesquisa, demonstra que não basta somente a oferta de disciplinas, mas que é preciso uma discussão mais profícua sobre como a formação para as mídias vem se concretizando no cotidiano do curso de Pedagogia.

Uma pesquisa realizada em 2012 oferece dados que vão ao encontro da análise que temos feito em nossa pesquisa, mesmo com dez anos de intervalo entre elas. A referida pesquisa analisou o currículo do curso de Pedagogia de 49 universidades brasileiras (sendo 38 universidades federais e 11 estaduais e privadas), a partir das informações obtidas no site das respectivas instituições (Fantin, 2012). No geral, o estudo mostrou que a ênfase nas disciplinas que faziam menção em sua ementa sobre mídias, situa-se ainda marcada pelo aspecto instrumental da análise.

“Isso revela não apenas uma tendência histórica da disciplina tecnologia educacional, mas, sobretudo, as diferentes filiações teórico-metodológicas e a força dos grupos de pesquisa do campo em cada universidade e seus territórios” (Fantin, 2012, p. 80).

Isso sugere que, apesar das reformas curriculares pelas quais passaram os currículos de Pedagogia e das normativas apresentadas pelas Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia, ainda nos deparamos com currículos que proporcionam uma formação recortada e unidimensional no que se refere às mídias, fazendo com que o reconhecimento de tais artefatos ainda preconize a dimensão instrumental.

4.2.2 Identidade Midiática Necessária na Pedagogia

Em nossas conversas perguntamos às nossas interlocutoras sobre quais os saberes midiáticos necessários para a constituição da identidade midiática na pedagoga em sua prática docente, à luz das suas trajetórias formativas e vivências na pandemia. Apresentamos na sequência alguns excertos dessas conversas:

Eu acho que a conscientização é o ponto primordial, né? Se a gente tivesse essa matéria [discussão sobre mídias] um pouco mais ampliada e vendo que a parceria dá certo, [...] porque a gente vê ainda muitos professores que recusam: não vai usar computador porque isso não é certo, a criança vai ficar brincando! Não, muito pelo contrário! A gente tem que deixar usar e dizer que pode e o que não pode, o que é certo o que é errado e justificar. [...] Então, os professores estão realmente muito despreparados e é lá na faculdade onde isso tem que ser trabalhado (R, acadêmica, Educação Infantil, março/2022).

A gente precisa também conhecer um pouco das ferramentas, porque a partir do momento que a gente conhece, a gente também consegue estar trazendo para as crianças. Então, tem que também buscar, botar aquela pulguinha atrás da orelha, mostrar que a gente está aberto para esse novo conhecimento. Em 2020 muita gente não sabia nem mandar um vídeo [...], então acho que isso plantou um pouquinho em cada um da gente ir atrás quando falamos nas mídias (J, pedagoga, Educação Infantil, professora, março/2022).

Ser pesquisador e fazer com que o aluno também se motive para a pesquisa, que seja pesquisador, que tenha aquela curiosidade de querer aprender. Seja curioso sempre. E respeitar também o outro, porque o que é fácil para mim às vezes não é para o outro. Então ter paciência (L, acadêmica, Educação Infantil, auxiliar de sala, março/2022).

Ao olharmos para essas falas, identificamos demandas por uma formação mais integrada, que articule a pesquisa, a formação, com o seu cotidiano, que sensibilize e promova reflexões entre os docentes sobre a importância das mídias no processo ensino-aprendizagem. Palavras como pesquisa, curiosidade, sensibilização, mobilização, motivação, proatividade, resiliência, conhecimento e conscientização expressam os sentimentos e desejos desse grupo de pedagogas quando falamos em competências midiáticas. E, para isso, é preciso ter ciência de que mudanças comportamentais docentes requerem um olhar atento para as diversas facetas que constituem o seu ser.

5 CONCLUSÃO

A identificação dos elementos da formação para as mídias, previstos no PPC dos cursos analisados mostrou que o letramento midiático ainda não constitui um eixo importante na formação inicial dos pedagogos. Embora a matriz curricular dos cursos analisados contemple algumas disciplinas que tenham como objeto de estudo as mídias, notamos que estas são isoladas no currículo. Os estudos sobre letramento midiático e mídia-educação indicam que essa formação requer uma transversalidade e uma contextualização com o lócus de atuação do pedagogo. Parece haver um descompasso entre os documentos normativos, as universidades e seus territórios e o espaço da escola em si. Como afirma António Nóvoa (2021), não é possível falar em formação sem que ocorra o necessário entrelaçamento entre os componentes curriculares, tendo em vista as dinâmicas contemporâneas do próprio saber. Nessa perspectiva, o currículo do curso de Pedagogia requer instigar a curiosidade epistêmica de seus acadêmicos, considerando sua bagagem e história de vida.

O diálogo com os sujeitos de pesquisa apontou o que nossas pedagogas desejam para o curso de Pedagogia. Em seus relatos, elas evidenciaram a importância de uma formação pautada pela experiência, que leve em conta a identidade midiática que esses sujeitos têm em seu cotidiano, manifestada em suas práticas culturais de uso das mídias. É preciso ter uma escuta atenta, um olhar sensível para as pedagogas em formação, considerando suas identidades midiáticas e suas representações acerca do que é ser pedagoga. Sabemos que não existe uma fórmula mágica, mas todas essas vivências na pandemia e análises suscitadas, nos oferecem ricos elementos para repensarmos o letramento midiático na formação inicial.

Acreditamos, após a realização da pesquisa, que o currículo de um curso de formação deve considerar que a identidade docente é constituída por diferentes significados e representações, por histórias de vida, que promovem um movimento dialético, permeado por lutas, conflitos e ressignificações das maneiras de ser e estar na profissão e no mundo. Assim, olhar para o currículo da Pedagogia nessa perspectiva do letramento midiático a partir das vivências na pandemia, nos mostrou que outras pesquisas se mostram oportunas. Tanto aquelas que possam articular a identidade midiática na constituição da identidade docente quanto aquelas que possam experienciar propostas de formação midiática nessa perspectiva transversal e integrada, como os estudos nessa pesquisa sugeriram.

REFERÊNCIAS

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NOTAS:

1 O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Santa Catarina sob o CAEE 38426920.0.0000.0121 e parecer 4.347.117, atendendo assim aos procedimentos éticos necessários à pesquisa.

2 Optamos pelo uso das expressões “acadêmicas da Pedagogia” e “pedagogas” no feminino, em virtude de ser um campo composto em significativa maioria por mulheres. Essa escolha foi uma forma de ressignificar e valorizar esse lugar ocupado pelo feminino e são elas as nossas principais interlocutoras no decorrer de toda a pesquisa.

3 Nesse grupo de 10 pedagogas, seis eram acadêmicas do curso de Pedagogia quando realizamos a primeira fase, mas que, no momento da segunda fase, estavam formadas.

Recebido: 10 de Abril de 2023; Aceito: 31 de Julho de 2023; Publicado: 30 de Setembro de 2023

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