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Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.21  São Paulo  2023  Epub 13-Nov-2023

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2023v21e61394 

Dossiê Temático: “Currículo e tecnologias redes, territórios e diversidades”

Fake News e Currículo: Percepções dos Professores de Língua Portuguesa do Território de Identidade Vale do Jiquiriçá/Bahia

Fake News and Curriculum: Perceptions of Portuguese Language Teachers from the Identity Territory Vale do Jiquiriçá/Bahia

Fake News y Currículo: Percepciones de Profesores de Lengua Portuguesa del Territorio Identitario Vale do Jiquiriçá/Bahia

Telma Brito ROCHAi 
http://orcid.org/0000-0002-8389-4542

Cleyton Williams Golveia da Silva BRANDÃOii 
http://orcid.org/0000-0003-1047-0359

Leny Mara Cerqueira de SOUZAiii 
http://orcid.org/0000-0001-6339-5482

i Doutora em Educação. Professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail: telmabr@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-8389-4542.

ii Mestrando em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail: cleytonya26@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0003-1047-0359.

iii Especialista em Arte, Educação e Tecnologias. Professora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). E-mail: lmcsouza@uneb.br - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0001-6339-5482.


Resumo

Este artigo analisou percepções sobre fake news de professores de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Educação do Vale do Jiquiriçá/Bahia, uma vez que as notícias falsas surgem como recurso de conflagração de uma guerra informacional e se tornam uma ferramenta por meio da qual se observa um processo de desinformação proposital da sociedade. Objetivou-se conhecer a compreensão dos docentes sobre fake news, avaliar se e como as fake news são discutidas na escola, verificar estratégias curriculares e pedagógicas usadas pelos educadores na discussão da temática. Operou-se uma abordagem qualitativa e quantitativa, adotando como instrumento de coleta de dados um questionário misto on-line. Nos resultados, identificamos docentes com entendimentos equivocados acerca das fake news e utilização de meios limitantes na checagem de fatos, bem como êxitos importantes na abordagem curricular.

Palavras-chave: fake news; educação básica; estratégias curriculares; professores de língua portuguesa

Abstract

This article analyzed perceptions about fake news by Portuguese Language teachers from the State Education Network of Vale do Jiquiriçá/Bahia, since fake news emerges as a resource for the outbreak of an informational war and becomes a tool through which it is observed a process of deliberate disinformation of society. The objective was to know the understanding of teachers about fake news, to assess whether and how fake news is discussed at school, to identify curricular and pedagogical strategies used by educators in the discussion of the theme. A qualitative and quantitative approach was used, using a mixed online questionnaire as a data collection instrument. In the results, we identified teachers with misunderstandings about fake news and the use of limiting means in fact-checking, as well as important successes in the curricular approach.

Keywords: fake news; basic education; curriculum strategies; portuguese language teachers

Resumen

Este artículo analizó las percepciones sobre las noticias falsas de los profesores de lengua portuguesa de la Red Estatal de Educación del Vale do Jiquiriçá/Bahia, ya que las noticias falsas emergen como un recurso para el estallido de una guerra informativa y se convierten en una herramienta a través de la cual se observa un proceso deliberado. desinformación de la sociedad. El objetivo fue conocer la comprensión de los docentes sobre las noticias falsas, evaluar si y cómo se discuten las noticias falsas en la escuela, identificar estrategias curriculares y pedagógicas utilizadas por los educadores en la discusión del tema. Se utilizó un enfoque cualitativo y cuantitativo, utilizando como instrumento de recolección de datos un cuestionario online mixto. En los resultados identificamos docentes con incomprensiones sobre fake news y el uso de medios limitantes en la verificación de hechos, así como importantes aciertos en el abordaje curricular.

Palabras clave: noticias falsas; educación básica; estrategias curriculares; profesores de lengua portuguesa

1 INTRODUÇÃO

A disseminação de informações na internet é uma prática crescente em nossa sociedade. Usuários das redes sociais, de maneira veloz, produzem, consomem e compartilham notícias que envolvem não apenas o contexto brasileiro, mas também o mundial. A cultura participativa da sociedade no ciberespaço tem proporcionado uma polifonia nos meios e nos modos de se comunicar na contemporaneidade.

Nesse cenário, as fake news - em português, notícias falsas - surgem como recurso de conflagração de uma guerra informacional e se tornam uma ferramenta por meio da qual se observa uma polarização política dos tempos hodiernos. Esse contexto resulta na desinformação proposital da sociedade, com o intuito de macular imagens de instituições e pessoas e disseminar convicções favoráveis a um grupo que deseja manter a hegemonia política para permanecer no poder.

A educação básica precisa atentar-se a essas questões antidemocráticas, na medida em que a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que “Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional”, conhecida como LDBN, em seu art. 27 afirma que “Os conteúdos curriculares da educação básica observarão, ainda, as seguintes diretrizes: I - a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática [...]” (Brasil, 1996).

Além disso, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), “[...] um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica” (Brasil, 2018), diz que a educação básica deve oferecer condições para que os estudantes desenvolvam, entre outras, a habilidade de analisar a proliferação de notícias falsas nas redes sociais, desenvolver caminhos para identificá-las, a partir da apuração de fatos, fonte, veículo que publicou ou compartilhou a notícia, consulta em agências de checagem de fatos (Brasil, 2018).

É importante evidenciar que a BNCC tem limitações, por exemplo, não discute nem apresenta habilidades e competências a serem desenvolvidas nos educandos que englobem as consequências das notícias falsas na atividade democrática do País, na saúde pública, no negacionismo científico e na crise de confiabilidade no jornalismo profissional. Nesse sentido, ela não deve ser utilizada como um guia de instrumentalização do trabalho docente, mas de forma reflexiva, criativa, para transgredir ações e práticas pedagógicas em sala de aula, na medida em que “[...] o pensamento criativo do professor manifesta-se em vários momentos, tais como: uma conversa com um aluno ou colega, uma leitura, um objeto encontrado por acaso, uma pesquisa na internet ou até mesmo um olhar diferente para a prática que foi desenvolvida” (Veloso; Bonilla, 2018, p. 10).

Logo, basear-se na BNCC e/ou outros documentos curriculares oficiais para abordar a temática das fake news e suas evoluções no ambiente escolar é apenas um ponto de partida, um caminho de múltiplos outros que podem - e necessitam - ramificar-se no decorrer de cada ato, práxis e realidades dos sujeitos inseridos no processo educacional.

Nessa contextura, este escrito trata-se de uma pesquisa que analisou as percepções acerca das fake news e possíveis estratégias curriculares e pedagógicas de professores de Língua Portuguesa da rede estadual de ensino do Território de Identidade Vale do Jiquiriçá, na Bahia.

A pesquisa aconteceu no segundo semestre de 2022, após campanhas de desinformação acerca da Pandemia da Covid-19, sobretudo no que tange ao negacionismo da ciência e das vacinas preventivas contra a doença. Além disso, as notícias falsas sobre as vacinas contra o Coronavírus acarretaram a diminuição de toda a cobertura vacinal no Brasil, segundo dados da Fiocruz (Cobertura..., 2022).

A justificativa deste estudo ampara-se em dados de pesquisas e estudos científicos que comprovam a relevância de estudar a temática e perspectivas aludidas, na medida em que o comportamento dos sujeitos no ambiente virtual é um texto importante de ser lido, estudado, pesquisado e analisado.

A Comissão Europeia - órgão executivo da União Europeia, politicamente independente, que tem por responsabilidade elaborar propostas de novos atos legislativos europeus - apontou, em 2018, um relatório produzido por um grupo de especialistas como um caminho para enfrentar a problemática das fake news. O relatório listou cinco linhas de atuação, entre elas destacam-se aqui a 2.ª e 5.ª proposições: (ii) promover competências em educação para a mídia (media literacy), a fim de auxiliar usuários a navegar em um mundo com superabundância de informações; (v) estimular estudos continuados sobre o impacto da desordem informacional, tratando deles como análises científicas (Almeida; Doneda; Lemos, 2018).

Dessarte, como apontam especialistas e entidades internacionais, que a educação é o principal meio de enfrentar a problemática das fake news, esta pesquisa procurou fitar interlocuções que visam colaborar com estudos acerca de como professores da rede estadual de ensino do Vale do Jiquiriçá/Bahia têm abordado o assunto no ambiente escolar.

2 ESTRUTURA METODOLÓGICA

Estabeleceu-se como campo de pesquisa o Vale do Jiquiriçá/Bahia e o lócus são as vinte e nove unidades escolares da rede estadual de ensino presentes no território. Entendendo a importância de relatar os caminhos metodológicos e o rigor da pesquisa, definiu-se a abordagem como qualitativa e quantitativa. A primeira se justifica por possuir “[...] o ambiente natural com sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento” (Lüdke; André, 1986, p. 11). A segunda tem como vantagem “[...] medir as reações de um grande número de pessoas a um limitado conjunto de questões expressas nos formulários” (Amado, 2014, p. 35).

Utilizou-se como instrumento de coleta de dados um questionário misto on-line - construído na plataforma “Google Formulários” - com possibilidades de respostas previamente definidas, dividido em duas partes: a primeira, com dez itens, composta por questionamentos acerca dos dados pessoais dos professores (nome, idade, gênero, município e unidade escolar em que atuam, vínculo profissional, tempo de atuação como professor e nível de escolaridade); a segunda, constituída por nove itens, buscava identificar as percepções dos docentes acerca das fake news, suas compreensões sobre o fenômeno e suas possíveis estratégias curriculares e pedagógicas para abordar a temática com os estudantes.

O questionário foi aplicado a um universo de pesquisa que correspondeu a noventa e oito professores do componente curricular Língua Portuguesa em efetiva regência, distribuídos nas vinte e nove unidades escolares do Território. A amostragem alcançada foi de cinquenta e duas respostas, com a participação de pelo menos um docente por escola. O questionário foi enviado para o WhatsApp dos gestores das instituições de ensino, os quais replicaram dentro das escolas.

Após o fim da aplicação do questionário, os dados obtidos foram analisados de forma qualitativa e quantitativa (Moura, 2005), de acordo com os objetivos específicos estabelecidos para esta pesquisa, sendo eles: a) investigar se os docentes compreendem as fake news; b) avaliar se e como as fake news são discutidas na escola; c) identificar estratégias curriculares e pedagógicas utilizadas pelos educadores com relação à temática.

Operou-se a revisão de literatura com foco em estudos sobre o fenômeno das fake news na sociedade contemporânea, assim como o papel da educação no enfrentamento dessa problemática. A revisão de literatura foi efetuada no Google Acadêmico, buscando artigos publicados em periódicos científicos da comunicação e educação com o marco temporal a partir de 2016 - quando o fenômeno das fake news foi protagonista nas eleições norte-americanas - até 2022, ano de realização da pesquisa. Utilizaram-se os seguintes descritores: Fake news; Desinformação; e Educação Básica. Assim, foram definidos os autores que fundamentaram o escrito, entre eles destacam-se: Gomes e Dourado (2019); Gomes, Mata e Barbosa (2020); Santaella e Salgado (2021); e Santos (2021).

A revisão bibliográfica é necessária para sistematizar o que outros pesquisadores têm estudado sobre as temáticas aqui abordadas, a fim de comprovar e argumentar com a máxima profundidade os objetivos levantados, pois “[...] pode ser um tanto ingênuo pensar-se que ainda existam novos campos a serem explorados e sobre os quais nada tenha sido publicado anteriormente” (Flick, 2009, p. 61).

O Vale do Jiquiriçá é um Território de Identidade do estado da Bahia, que é principalmente definido pelas cidades próximas e que são cortadas pelo rio Jiquiriçá. A divisão por Territórios de Identidade se deu pela Lei 13.214/2014, que “Dispõe sobre os princípios, diretrizes e objetivos da Política de Desenvolvimento Territorial do Estado da Bahia, institui o Conselho Estadual de Desenvolvimento Territorial - CEDETER e os Colegiados Territoriais de Desenvolvimento Sustentável - CODETERs” (Bahia, 2014).

Ele está localizado majoritariamente no Centro Sul Baiano e abrange vinte municípios em uma área de 10.467,49 km2, com densidade demográfica de 29 hab/km2 (IBGE, 2011), o que corresponde a aproximadamente 1,8% do território estadual. Segundo dados do Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2011), a população do Território totalizava 303.589 habitantes, o que corresponde a 2,16% da população estadual.

O Território possui vinte e nove unidades escolares da rede estadual de ensino com cinco anexos em localidades rurais, com cerca de quinze mil estudantes e dois mil profissionais da educação, conforme informações do Núcleo Territorial de Educação 09 (NTE 09), unidade da Secretaria da Educação do Estado da Bahia (SEC/BA) que gere as escolas estaduais da região em questão.

3 FAKE NEWS: HISTÓRICO E COTIDIANIDADE

Segundo Gomes e Dourado (2019, p. 35), as fake news são “[...] relatos pretensamente factuais que inventam ou alteram os fatos que narram e que são disseminados, em larga escala, nas mídias sociais, por pessoas interessadas nos efeitos que eles poderiam produzir”. Apesar de terem encontrado na internet um ambiente ideal para sua disseminação, as fake news não são um fenômeno nascido na contemporaneidade, isto é, a criação e proliferação delas já existiam na “era pré-redes” (Santaella, 2018, p. 7). Há relatos de fake news - ou manipulação de informações e de verdades - com o intuito de influenciar a opinião pública ou processos políticos desde o Império Romano (Almeida; Doneda; Lemos, 2018).

Entretanto, o fenômeno de notícias falsas tal qual vivenciamos nos tempos de hoje popularizou-se no segundo semestre de 2016, nas eleições presidenciais norte-americanas. Nos últimos três meses de campanha, foram propagadas inúmeras notícias falsas que, em razão do conteúdo, favoreciam a imagem do então Presidente eleito, Donald Trump, como dito alhures.

No ano seguinte, no Reino Unido, o plebiscito Brexit - que buscou saber a opinião pública inglesa acerca da saída da Inglaterra da União Europeia - também foi influenciado pelas fake news. Santaella e Salgado (2021, p. 17) mencionam que tanto as eleições dos EUA em 2016 como o plebiscito Brexit

[...] foram consideradas batalhas vencedoras devido à proliferação de notícias falsas que correram pelas redes digitais e que impulsionaram o voto de eleitores mal-informados e, consequentemente, crédulos em relação às enxurradas de mensagens politicamente distorcidas que receberam.

No Brasil, as eleições presidenciais de 2018 foram palco para a disseminação de inúmeras fake news com a finalidade de interferir no processo eleitoral, macular a imagem de pessoas idôneas e manipular a opinião pública. Nesse mesmo período, começaram a surgir no Brasil as Agências de Checagem de Fatos, criadas pelos grandes veículos de imprensa visando enfrentar a onda de fake news.

Santaella e Salgado (2021, p. 19) relatam que a eleição presidencial de 2018 no Brasil foi o “[...] momento em que as correlações entre os três fatores (bolhas, fake news e pós-verdade) esquentaram, devidamente acompanhadas pela batalha travada contra a mentira, quase sempre de teor político, pelas instituições de checagem dos fatos [...]”.

O destaque pode ser dado à jornalista Patrícia Campos Mello, do jornal Folha de S. Paulo, que durante as eleições de 2018 publicou uma série de reportagens sobre o disparo massivo de fake news em benefício do então candidato Jair Bolsonaro. Mello (2020) lançou um livro intitulado de A máquina do ódio, no qual relata sua experiência com as notícias falsas no Brasil, EUA e Índia, além de denunciar os ataques odiosos que sofrera em virtude da série de reportagens supracitadas. Conforme Mello (2020, p. 31), “Ainda que a internet tenha democratizado o acesso à informação e nos permita consultar fontes originais de notícias, paradoxalmente, desmascarar mentiras hoje pode ser muito trabalhoso, quando não irrealizável”.

O professor Wilson Gomes, em sua participação na Mesa “Democracia e Política na Plataforma digital: o desafio das fake news”, no Congresso Virtual da Universidade Federal da Bahia - UFBA (Gomes; Mata; Barbosa, 2020), afirmou que causar a desinformação é uma das intencionalidades de quem cria e dissemina fake news.

Sobre a desinformação, depreende-se que são informações falsas ou imprecisas, que possuem a intencionalidade de enganar. Segundo Wilson Gomes (Gomes; Mata; Barbosa, 2020), campanhas de desinformação começaram a ser difundidas desde a Primeira Guerra Mundial, sendo, portanto, um termo bélico. A intencionalidade delas era fazer chegar aos inimigos informações distorcidas, com fatos ou dados modificados, com o objetivo de enganá-los.

Isso posto, as fake news elevam-se como uma ameaça à efetivação da democracia no País. Indivíduos que se identificam com o conteúdo dessas notícias falsas tendem a participar, na maioria das vezes, de grupos que compartilham a mesma linha de raciocínio, as chamadas bolhas, com o objetivo de evitar discussão com pessoas que tenham opiniões divergentes, fato que empobrece o debate político e o pluralismo de ideias.

Indubitavelmente, esse montante de notícias duvidosas e/ou inverídicas disseminadas nas redes sociais digitais é preocupante. A sociedade está exposta a um excesso de informações, e é necessária a checagem das fontes, que se tenha comprometimento com a verdade e a consciência dos males que vêm com a desinformação.

Os desvios democráticos que correm nas redes sociais não são culpa das conexões virtuais, mas sim do mau uso que os indivíduos conectados à internet fazem delas. Segundo Santaella (2010, p. 172): “As aplicações tecnológicas apresentam drásticos desvios do uso originalmente esperado. São, de fato, os usuários que criam domínios de aplicação e funcionalidades pela descoberta e criação de necessidades e práticas insuspeitadas”. Salienta-se a importância da formação de crianças e jovens na cibercultura para a plena convivência em uma sociedade democrática.

Desse modo, os danos que as fake news causam à sociedade são perigosos e já demonstraram grande potencial de perturbar a ordem democrática. Elas atingem o cenário social, econômico e político do País. No início da pandemia da Covid-19, por exemplo, houve um estopim de fake news, o que acarretou uma infodemia (OMS, 2020) - termo utilizado pela OMS para definir o excesso de informações, algumas precisas e outras não, que tornaram difícil identificar fontes e orientações confiáveis, atrapalhando o entendimento da sociedade acerca da doença.

Nesse sentido, a Unesco utilizou o termo “desinfodemia” (Posetti, Julie; Bontcheva, 2020), a fim de descrever as inverdades que alimentavam a pandemia em razão da enorme “carga viral” de desinformação possivelmente letal, que foi descrita pelo secretário-geral da ONU como um veneno e outro “inimigo” da humanidade durante a crise da Covid-19. Os fatos noticiosos nesse período perpassaram por dados não oficiais de infectados e mortos, estudos de medicamentos que deveriam ou não ser utilizados no combate e prevenção da Covid-19 e teorias da conspiração associadas a discursos religiosos que vendiam supostas fórmulas médicas para cura da doença, sucedendo no processo de desinformação.

Nesse panorama, a democracia necessita que as pessoas estejam adequadamente informadas sobre temáticas relevantes à sociedade para que sejam capazes de debater e tomar decisões; entretanto, as fake news atingem pontualmente esse campo de atuação e decisão de que dependem os destinos do País nesta era do pós-digital (Santaella, 2018).

4 FAKE NEWS NO CURRÍCULO ESCOLAR

O currículo escolar é um documento que fundamenta a práxis pedagógica no ambiente educacional, elencando os conhecimentos e os conteúdos que serão tratados em sala de aula, as atividades avaliativas que deverão ser realizadas, assim como indicando as habilidades e as competências a serem desenvolvidas na formação dos estudantes. Ele tem como objetivo principal organizar o projeto pedagógico e atender às diretrizes educacionais, com a sistematização dos conhecimentos a serem construídos pelos educandos, de modo a garantir uma formação democrática que proporcione a humanização, a cidadania, o direito à educação e a diminuição da desigualdade sociocultural.

A LDBN define o currículo escolar como um conjunto de competências a serem desenvolvidas ao longo da Educação Básica para fins de organização das atividades escolares com o intuito de:

Estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum (Brasil, 1996).

Pereira (2004, p. 54) afirma que “O currículo, portanto, é o resultado da incorporação das interações da vida dos sujeitos que se manifestam dentro e fora do espaço escolar[...]”. Em conformidade, Macedo (2013, p. 78) aduz que “O currículo é um espaço vivo de construção de conhecimento, resultante do pensamento, das experiências dos sujeitos e das suas interações de natureza histórica, social e biológica”.

Entendendo que o currículo não é imutável - mas acompanha o dia a dia de cada docente, de cada turma, das bagagens socioculturais, políticas e econômicas dos grupos inseridos no processo educacional -, educar na cibercultura exige uma imersão diária, por parte dos docentes, no universo das redes digitais, visando investigar como elas potencializam e afetam a vida cotidiana de seus educandos e da comunidade em geral.

Segundo pesquisa divulgada em 2022 pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE (Oliveira, 2021), composta por 38 países e sediada na França, 67% dos estudantes de 15 anos no Brasil não sabem diferenciar fatos de opiniões quando fazem leitura de textos. Quando comparado a outros países, percebe-se que esse índice está 14% acima da média.

Além do exposto, a pesquisa constatou que as tecnologias digitais são as maiores disseminadoras de informações de nossa atualidade, fugindo, por vezes, dos formatos e modelos do jornalismo tradicional. Esse dado denota a necessidade de ensinar os jovens em idade escolar a identificar textos de qualidade e verídicos, bem como a diferenciar fatos de discursos opinativos, como prevê a BNCC, quando diz que os estudantes precisam aprender a “Selecionar informações e dados relevantes de fontes diversas (impressas, digitais, orais etc.), avaliando a qualidade e a utilidade dessas fontes, e organizar, esquematicamente, com ajuda do professor, as informações necessárias [...]” (Brasil, 2018, p. 151).

Portanto, é necessário identificar como e se a educação básica aborda a problemática das notícias falsas em seus currículos e práticas pedagógicas, em razão de se tratar de uma situação de natureza intrincada que transcorre por toda a “cibersociedade”. (Santos, 2021).

Macedo (2013, p. 108) afirma que:

A chegada das tecnologias da informação e da comunicação nos cenários educacionais obriga, de alguma forma, o campo do currículo e as práticas curriculares a entrar no mérito das possíveis mediações estruturantes que essas tecnologias podem implementar, e mesmo na natureza do contexto cultural e sociopolítico que produzem: cibercultura.

(Re)pensar práticas curriculares - ainda que baseadas em currículos e documentos oficiais - para abordar as temáticas emergentes da cibercultura carece engajar-se no entendimento de que:

Existe, portanto, fora daquilo que à ciência é permitido organizar e definir em função de estruturas e permanências, uma vida cotidiana, com operações, atos e usos práticos de objetos, regras e linguagens, historicamente constituídos e reconstituídos de acordo e em função de situações, de conjunturas plurais e móveis (Oliveira, 2005, p. 44).

Nessa perspectiva, a autora nos leva à reflexão de que currículos são modificados a partir das práticas diárias de cada professor, dos conteúdos, conhecimentos e problematizações que surgem no processo de ensino e aprendizagem, nas relações sociais e que, “[...] na sua efetividade cotidiana, as regras só ganham existência por meio de exceções, sendo que algumas dessas exceções são transgressões” (Oliveira; Süssekind, 2018, p. 65).

5 COMPREENSÃO DOS PROFESSORES ACERCA DAS FAKE NEWS

A finalidade do questionário era investigar a compreensão dos docentes acerca das notícias falsas, assim como identificar estratégias curriculares e pedagógicas para abordar a temática na escola. Assim, 100% dos professores entrevistados afirmaram saber o que são fake news. Entretanto, a fim de conhecermos qual a compreensão deles sobre o assunto, pedimos que escolhessem entre quatro definições aquela que mais se aproximasse de seu entendimento.

Fonte: Os autores (2022).

Gráfico 1 Compreensão acerca das fake news 

Do total dos professores investigados, 57,7% escolheram a definição de Santaella (2018), quando afirma que as fake news são “[...] notícias, estórias, boatos, fofocas ou rumores que são deliberadamente criados para ludibriar ou fornecer informações enganadoras. Elas visam influenciar as crenças das pessoas, manipulá-las politicamente ou causar confusões em prol de interesses escusos”.

Outros 34,6% escolheram a conceituação de Gomes e Dourado (2019): “[...] relatos pretensamente factuais que inventam ou alteram os fatos que narram e que são disseminados, em larga escala, nas mídias sociais, por pessoas interessadas nos efeitos que eles poderiam produzir”.

Somados, 92,3% das professoras entendem que as fake news são mentiras e/ou informações retiradas de contexto com a intenção de enganar e influenciar as pessoas. Na definição de Santaella, o uso das fake news para interesses políticos fica mais evidente e, como pudemos verificar na revisão de literatura apresentada no Introdução deste escrito, as notícias falsas vêm sendo utilizadas na tentativa de manipular resultados de eleições. A autora também afirma que é intuito de quem prolifera fake news causar confusão em prol de interesses suspeitos ou ocultos. A definição de Gomes e Dourado traz a perspectiva de como os criadores e disseminadores de notícias falsas encontraram nas redes sociais um ambiente propício para aumentar seu alcance.

Ambas as definições estão corretas e apresentam visões parecidas sobre o tema, denotando o fenômeno como uma problemática. Entretanto, Santaella (2018) é mais firme em sua conceituação quando aponta, de fato, a criação e a disseminação de notícias falsas como manobra para manipular a opinião pública com ambições perigosas. Por sua vez, Gomes e Dourado (2019), apesar de também falarem sobre intencionalidades e efeitos, não buscam adjetivá-los como bom ou ruim.

Todavia, 7,7% afirmaram entender que as fake news são “[...] uma forma de imprensa marrom que consiste na distribuição deliberada de desinformação ou boatos via jornal impresso, televisão, rádio, ou ainda online, como nas mídias sociais” (Conteúdo..., 2022). Imprensa marrom é uma expressão utilizada no Brasil para se referir a tipos de imprensa sensacionalista: veículos de comunicação - jornais, revistas e emissoras de rádio e TV - que buscam elevadas audiências e vendagem por meio da divulgação exagerada de fatos e acontecimentos, sem compromisso com a autenticidade. É o equivalente ao termo norte-americano yellow press ou ao português “imprensa amarela”. Em ambos os casos, registram-se transgressões da ética jornalística.

Segundo Dines (2008), o conceito foi utilizado pela primeira vez no jornal Diário da Noite (1960) que, ao veicular uma notícia sobre o suicídio de um cineasta como consequência da atividade jornalística da “imprensa amarela”, o então editor da reportagem mudou o termo para “imprensa marrom”, alegando que o amarelo era uma cor alegre, sendo o marrom mais apropriado por ser a cor dos excrementos.

Kuhn (2009) entende que a “imprensa marrom” veicula o inoticiável, com notícias, matérias e reportagens chulas, sem relevância social e, por vezes, bizarras a um nível cômico, direcionadas a um público-alvo que se interessa por certas futilidades e/ou fatos desagradáveis no âmbito pessoal, como adultério de celebridades, briga de vizinhos, transformando o veículo de imprensa em um tribunal de pequenas causas, fugindo da imparcialidade. É a imprensa sensacionalista.

Nessa contextura, atrelar o conceito de fake news a uma atividade da “imprensa marrom” é uma compreensão equivocada, em razão de que esse não é um fenômeno da atividade jornalística. A problemática não consiste em veículos de notícias divulgarem informações falsas, inverídicas e sem apuração, mas sim na possibilidade de qualquer usuário da rede internet poder construir uma fake news dentro do formato jornalístico, seguindo regras como lead e pirâmide invertida, veiculando-as em sites ou blogs parecidos com designs de portais de notícias de credibilidade.

Além disso, como as tecnologias digitais estão sempre em desenvolvimento e aperfeiçoamento, a confecção e disseminação de textos com informações falsas e mentirosas representam apenas o começo do fenômeno das fake news (Almeida; Doneda: Lemos, 2018). Logo, as notícias falsas tomaram proporções que vão além de informações veiculadas em formato jornalístico; assumindo um caráter multimodal e multimidiático, a exemplo das deepfakes: “[...] expressão em inglês que pode ser traduzida como profundamente falso, e são uma ferramenta virtual que por meio da edição de vídeos e vozes tem a capacidade de substituir a imagem verdadeira por um rosto de uma outra pessoa em um vídeo” (Santos, 2021, p. 2). Essa ferramenta caracteriza uma evolução do modo de confeccionar e disseminar informações falsas e manipular a realidade por meio de vídeos, fotografias e imagens alteradas, e já vem sendo utilizada ao redor do mundo e em solo brasileiro.

6 ESTRATÉGIAS E MEIOS UTILIZADOS PARA CHECAGEM DE FAKE NEWS

Foi questionado aos docentes se sabiam checar se uma notícia era falsa, e 94,2% afirmaram que sim. Buscando identificar quais procedimentos eram mais utilizados nesse processo, pediu-se que marcassem as opções conforme o Gráfico 2.

Fonte: Os autores (2022).

Gráfico 2 Meios para Checagem de Notícias Falsas 

Checar se a fonte é confiável foi marcado como meio principal por 88% das entrevistadas, seguido de analisando o conteúdo e formatação da notícia, 66%, e acessando agências de checagem de fatos, 40%. Verificar a fonte das notícias que consumimos é com efeito o primeiro caminho que devemos seguir na apuração da veracidade de informações. Brandão, Rocha e Souza (2022) entendem que a sociedade está exposta a um excesso de informações e é necessária a checagem das fontes, que se tenha comprometimento com a verdade e a consciência dos males que vêm com a desinformação.

Analisar o conteúdo e a formatação da notícia também é eficaz, porém limitado, pois, segundo Santaella e Salgado (2021), as fake news - até certo ponto - possuem um modelo e uma forma de composição que algumas pessoas bem informadas já conseguem identificar. Em contrapartida, a evolução nos modos de criar fake news tem adotado um caráter audível, imagético e multifacetado, não sendo a priori facilmente identificado.

A terceira via apontada pelos professores corresponde à consulta das informações nas agências de checagem de fatos, as quais têm sido uma importante ferramenta para enfrentamento das notícias falsas e da desinformação, precipuamente pela profundidade da análise que é desempenhada, checando fontes, falas fora de contexto, meias-verdades, informações exageradas, entre outras nuances que se caracterizam como fake news.

De mais a mais, somados, 12% assinalaram que checam a veracidade de informações perguntando a amigos e familiares ou por meio de grupos em aplicativos de trocas de mensagens, a exemplo do WhatsApp. Essa pode ser uma maneira não eficaz de apurar notícias, dado que, segundo pesquisa do Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo - ligado à Universidade de Oxford no Reino Unido -, divulgada em 2020 (Nitahara, 2020), o WhatsApp é a rede social mais utilizada para disseminar fake news no Brasil, principalmente nos grupos formados dentro dele, sendo comum nesses espaços confundir fatos com opiniões, resultando na desinformação. Ademais, ainda que comprovada a inveracidade da notícia, alguns usuários continuam a legitimar as fake news a fim de reforçarem suas ideologias e crenças, isto é, para eles só importam informações condizentes com suas opiniões e tudo aquilo que confrontar suas ideias não é válido, ainda que seja fato.

7 ESTRATÉGIAS CURRICULARES E PEDAGÓGICAS NA ABORDAGEM DAS FAKE NEWS NA ESCOLA

Com o escopo de identificar as estratégias curriculares e pedagógicas utilizadas pelos profissionais docentes para abordar no ambiente escolar a temática das fake news, perguntou-se primeiro se eles acreditavam que os sistemas de ensino deveriam incluir o debate acerca das notícias falsas em seus currículos escolares, e 100% responderam que sim.

Como os sistemas de ensino caracterizam a educação dentro de seu âmbito executivo, é de suma importância englobar em seus currículos temáticas emergentes da sociedade contemporânea, principalmente aquelas que, de certo modo, possam interferir negativamente na cotidianidade dos sujeitos e comunidades, tal qual no rumo do País e mundo, como é o caso das fake news.

Nesse ínterim, identificar que os profissionais docentes do Vale do Jiquiriçá afirmam que os sistemas de ensino devem incluir o debate das fake news em seus currículos escolares demonstra que eles entendem a seriedade de a educação básica lidar com essa problemática como conteúdo programático, desenvolvendo nos estudantes habilidades para apuração e checagem de fake news.

Na sequência, inquirimos se as professoras abordam as fake news em suas aulas ou em demais atividades educativas e extracurriculares na escola, e 76,6% responderam que sim, conforme Gráfico 3. Destas, 95% relataram as estratégias curriculares e pedagógicas utilizadas para tratar da temática com os estudantes, e três foram selecionadas para compor este escrito. O critério de escolha foi o nível de detalhamento da resposta acerca da metodologia utilizada em sala de aula para abordar as notícias falsas. Não será mencionada no escrito a identidade dos professores nem das unidades escolares. Usaremos “escola A, B e C” para fazer referência às respostas.

Nessa análise, compararam-se as estratégias utilizadas pelos educadores com texto da BNCC quando traz a necessidade da abordagem das fake news na escola. A Base atrela as questões de confiabilidade de notícias e informações, disseminação de fake news e manipulação da opinião pública ao grupo de habilidades que são consideradas “[...] aprendizagens essenciais que devem ser asseguradas aos alunos nos diferentes contextos escolares” (Brasil, 2018, p. 29), em virtude dos desafios provenientes do desenvolvimento tecnológico da cotidianidade, perante campanhas propositais de desinformação por meio das notícias falsas.

O documento traz o debate das fake news na etapa do Ensino Fundamental II, nas habilidades referentes ao componente curricular Língua Portuguesa, no âmbito dos gêneros textuais jornalísticos, que deverão continuar a ser desenvolvidas nos estudantes também nas etapas de ensino subsequentes.

(EF09LP01) Analisar o fenômeno da disseminação de notícias falsas nas redes sociais e desenvolver estratégias para reconhecê-las, a partir da verificação/avaliação do veículo, fonte, data e local da publicação, autoria, URL, da análise da formatação, da comparação de diferentes fontes, da consulta a sites de curadoria que atestam a fidedignidade do relato dos fatos e denunciam boatos etc. (Brasil, 2018, p. 177).

Fonte: Os autores (2022).

Gráfico 3 Abordagem das fake news no ambiente escolar 

A primeira estratégia trazida aqui é oriunda de uma docente da escola “A”. A unidade possui o Ensino Médio Regular e Profissionalizante. A profissional docente afirmou que planeja as aulas sobre a temática da seguinte forma:

1. Apresentação: apresentar os slides da aula para explorar os tipos de desinformação e o que há por trás de cada um; discutir as estratégias de avaliação apresentadas - do simples bom senso e cautela até a análise de autoria, propósito, contexto etc.

2. Atividade: imprimir um kit de notícias para cada grupo. Alunos recebem o kit com 6 a 8 notícias e, em 15 minutos, utilizando seus celulares, precisam determinar se são confiáveis. Buscar palavras-chave ou o título no Google, buscar alguma organização ou personagem mencionados no texto. Procurar enfatizar estratégias, navegar pela internet para buscar evidências da confiabilidade de determinado site, e não apenas avaliar o próprio site.

A abordagem da docente traz um caminho metodológico e planejado para discutir a temática com os discentes, em conformidade com as habilidades e competências aludidas na BNCC. No primeiro momento, ela apresenta conhecimentos acerca da temática, trazendo à baila a desinformação, uma das consequências das fake news. Ela também afirma que apresenta estratégias de checagem de fatos com os estudantes, avaliando os meios mais simples até outros mais elaborados.

No segundo momento, a educadora propõe uma dinâmica com os educandos para desenvolver neles as habilidades de checagem de notícias falsas, utilizando os caminhos discutidos e avaliados anteriormente para identificar possíveis informações e notícias inverídicas em um “kit de notícias”. Ela sugere aos estudantes checarem as fontes, personalidades e empresas citadas no texto da notícia e verificar se outros veículos de imprensa noticiaram o possível fato em seus sites.

A segunda estratégia foi aludida por um professor da escola “B”. A unidade possui o Ensino Médio Regular e Profissionalizante. O professor afirmou que planeja as aulas sobre a temática da seguinte forma:

Na área de Linguagens, é possível trabalhar com esses textos que trazem informações inverídicas e fazer um trabalho de investigação para que se possa observar quais são as principais características de uma notícia falsa. Esse trabalho também poderá ser desenvolvido de forma interdisciplinar.

Como fora supracitado, a BNCC traz a abordagem das fake news apenas na área de Linguagens, especificamente no componente curricular Língua Portuguesa no Ensino Fundamental II, no âmbito dos gêneros textuais jornalísticos. Entretanto, esse professor aduz a possibilidade de trabalhar essa temática de forma interdisciplinar.

Interdisciplinaridade é uma estratégia de ensino e aprendizagem - prevista na LDBN -, cujo intuito é obter a intersecção e/ou convergências entre conteúdos, conhecimentos, habilidades e competências de dois ou mais componentes curriculares, a fim de subsidiar que os estudantes desenvolvam uma visão mais crítica e reflexiva acerca da temática abordada.

A estratégia implica a articulação de ações pedagógicas que buscam interesses em comum ou complementares. Dessarte, sua eficácia depende do planejamento traçado, contemplando metas de ensino e aprendizagem previamente estabelecidas e compartilhadas com todos os integrantes do processo educativo.

Nesse sentido, o professor transcende o texto da BNCC em sua prática cotidiana em sala de aula, dado que propõe a discussão das fake news com outros componentes curriculares, o que não está previsto no documento normativo. Essa estratégia é importante, porque as consequências das notícias falsas atingem inúmeros setores da sociedade integrados a diversas áreas de conhecimento, a exemplo das fake news disseminadas em períodos críticos da pandemia da Covid-19 acerca dos efeitos da vacinação contra o vírus.

Todavia, o docente não descreve de que maneira essa interdisciplinaridade é trabalhada e qual o planejamento traçado, impossibilitando nossa análise de como a interdisciplinaridade é de fato eficaz na abordagem das fake news na unidade escolar em questão.

A terceira estratégia foi apresentada por uma docente da escola “C”. A unidade escolar possui o Ensino Médio Regular. A professora afirmou que planeja as aulas sobre a temática da seguinte forma:

Com debates e rodas de conversa acerca da notícia que foi vinculada. Por exemplo, quando um senhor gravou um vídeo dizendo que o vinagre seria bom para limpar superfícies e liquidar o coronavírus, trouxe o vídeo para a sala, os estudantes assistiram e confrontamos aquela informação com outras reportagens, em seguida, formamos a roda de conversa, debatemos o conteúdo dos materiais e fechamos com um texto sobre a origem das fake news e os impactos negativos que elas podem causar na vida das pessoas, bem como a importância de estudar e confiar em materiais com comprovação científica.

Essa docente traz a perspectiva da importância de confiar nas informações veiculadas com comprovação científica. O negacionismo na ciência também é uma das consequências nocivas das fake news, na medida em que a descrença ganha destaque em detrimento da comprovação por meio de estudos e pesquisas científicas. Durante o período mais crítico da pandemia, por exemplo, os sujeitos - conectados em rede - posicionavam-se sobre aspectos relacionados a estudos científicos sobre a Covid-19 e, por diversas vezes, acusavam as organizações que apresentavam pesquisas sobre a proliferação do vírus de “empresas comunistas”. Para tal, os usuários da rede se aportavam em comentários evasivos, sem nenhuma base epistemológica e científica, ratificando a instauração do negacionismo no panorama político brasileiro.

A descrença na ciência se intensifica em virtude do apoio de alguns governantes à política anticientífica: rompimento de acordos, redução de incentivos à produção acadêmica, alteração de processos seletivos e tentativa de interferências nos currículos pedagógicos têm sido rotineiros tanto em âmbito brasileiro quanto mundialmente. Como exemplo pode-se destacar o governo de Donald Trump nos Estados Unidos da América em várias sucessões de ações e mecânicas que acabaram por impulsionar o ceticismo e a falta de interesse naquilo que era divulgado com base na produção, construção e difusão de pesquisas científicas.

Por fim, questionamos aos profissionais docentes se eles sabiam que a BNCC prevê que a educação básica deve oferecer condições para que os estudantes aprimorem a habilidade de analisar o fenômeno da disseminação de notícias falsas nas redes sociais e desenvolver estratégias para reconhecê-las, e 86,5% responderam que sim, conforme Gráfico 4.

Fonte: Os autores (2022).

Gráfico 4 Fake news na BNCC 

Confrontando esse dado com o questionamento feito acerca se as professoras tratam das fake news em suas aulas - 76,9% afirmaram que sim -, podemos perceber que 9,6% das docentes não abordam a temática com os estudantes, mesmo conhecendo o texto da BNCC sobre o desenvolvimento de habilidades nos educandos para reconhecer e analisar notícias falsas.

Diante do exposto, constata-se que 92,3% das profissionais docentes entrevistadas entendem que as fake news são mentiras ou fatos fora de contextos, criados e disseminadas com o intuito de interferir na opinião e decisão das pessoas - sobretudo na esfera política - e que o ambiente virtual é seu principal meio de dissipação. Contudo, 7,7% ainda possuem uma compreensão equivocada sobre as notícias falsas, vinculando-as à atividade jornalística.

Evidenciou-se também que 94,2% conhecem caminhos para identificar se uma notícia é falsa, porém os dois principais meios utilizados são limitados a fake news que seguem uma estrutura jornalística em sua construção e veiculação, não considerando aspectos multimidiáticos da evolução das notícias falsas.

Sobre a abordagem da temática na escola, detectou-se que 76,9% dos docentes tratam das fake news em suas aulas e/ou outras atividades dentro do ambiente escolar. Identificaram-se estratégias curriculares e pedagógicas utilizadas pelos educadores na alusão ao assunto e, em alguns casos, transcendendo o texto do documento normativo (BNCC), trabalhando o conteúdo de forma interdisciplinar e analisando as consequências da problemática para a nossa cotidianidade em diversas esferas sociais.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das discussões aqui evidenciadas, o estudo possibilitou compreender as percepções dos professores de Língua Portuguesa da rede estadual de ensino do Vale do Jiquiriçá/Bahia acerca das fake news e dos meios utilizados por eles na checagem de fatos, assim como identificar as estratégias curriculares e pedagógicas utilizadas por eles para abordarem a temática na escola.

A pesquisa constatou que uma parcela de docentes possui uma compreensão equivocada a respeito das notícias falsas. Além disso, os caminhos mais utilizados por eles na checagem de fatos não acompanham a evolução e o aperfeiçoamento no modo de produzir e proliferar fake news. Ademais, identificaram-se estratégias curriculares e pedagógicas para abordagem da temática no ambiente escolar e, em alguns casos, docentes que transcendem o documento normativo, evidenciando questões pertinentes e necessárias para a atuação e participação na sociedade dos sujeitos em formação escolar básica.

Assim, entendemos que a escola precisa ser um espaço de discussões e abordagens de problemáticas emergentes da sociedade. A internet é um espaço em que os sujeitos podem interagir, contar suas experiências, ensinar a outras pessoas, ser empáticos com as diversidades e debater opiniões que possam ser diferentes, mas com respeito e, sobretudo, responsabilidade.

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Recebido: 10 de Abril de 2023; Aceito: 02 de Setembro de 2023; Publicado: 30 de Setembro de 2023

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