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Revista e-Curriculum

versión On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.21  São Paulo  2023  Epub 13-Nov-2023

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2023v21e61597 

Dossiê Temático: “Currículo e tecnologias redes, territórios e diversidades”

As Tecnologias Digitais Móveis na EJA: territórios em movimento e a multiterritorialidade

Mobile Digital Technologies in EJA: territories in motion and the multiterritoriality

Tecnologías Digitales Móviles en EJA: territorios en movimiento y multiterritorialidad

Flávia Andréa dos SANTOSi 
http://orcid.org/0000-0002-9471-5431

Sérgio Paulino ABRANCHESii 
http://orcid.org/0000-0003-0612-068X

i Doutora em Educação Matemática e Tecnológica pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professora multiplicadora e da Educação de Jovens e Adultos (EJA). E-mail flandsantos@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-9471-5431.

ii Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professor da UFPE. E-mail: sergio.abranches@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0003-0612-068X.


Resumo

O presente artigo versa sobre o encontro do território das Tecnologias Digitais Móveis com o território da Educação de Jovens e Adultos, dos significados que margeiam esse encontro e como os sentidos de desterritorialização, reterritorialização e multiterritorialidade se inserem nesse diálogo. As reflexões apresentadas, decorrem dos dados obtidos através de uma entrevista semiestruturada aplicada com treze professores que lecionam nessa modalidade de ensino, nos Módulos I, II ou III. Como resultado, observou-se que a multiterritorialidade articula-se com o sentido de pertencimento construído bem como com as implicações atribuídas pelos professores ao uso dessas tecnologias na Educação de Jovens e Adultos, que envolve, por exemplo, a possibilidade de contribuir para o processo de alfabetização, minimizar as diferenças etárias-geracionais e preparar o aluno para o mundo de trabalho.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos; tecnologias digitais móveis na EJA; territórios; multiterritorialidade

Abstract

This article deals with the encounter of the territory of Mobile Digital Technologies with the territory of Youth and Adult Education, the meanings that border this encounter and how the meanings of deterritorialization, reterritorialization and multiterritoriality are inserted in this dialogue. The reflections presented derive from data obtained through a semi-structured interview applied with thirteen teachers who teach in this teaching modality, in Modules I, II or III. As a result, it was observed that multiterritoriality articulates with the constructed sense of belonging as well as with the implications attributed by teachers to the use of these technologies in Youth and Adult Education, which involves, for example, the possibility of contributing to the process literacy programs, minimize age-generational differences and prepare students for the world of work.

Keywords: Youth and Adult Education; mobile digital technology in EJA; territories; multiterritoriality

Resumen

Este artículo aborda el encuentro entre el territorio de las Tecnologías Digitales Móviles y el territorio de la Educación de Jóvenes y Adultos, los significados que bordean este encuentro y cómo los significados de desterritorialización, reterritorialización y multiterritorialidad se insertan en este diálogo. Las reflexiones presentadas derivan de datos obtenidos a través de una entrevista semiestructurada aplicada a trece docentes que imparten docencia en esta modalidad de enseñanza, en los Módulos I, II o III. Como resultado, se observó que la multiterritorialidad se articula con el sentido de pertenencia construido así como con las implicaciones atribuidas por los docentes al uso de estas tecnologías en la Educación de Jóvenes y Adultos, lo que implica, por ejemplo, la posibilidad de contribuir al proceso programas de alfabetización, minimizar las diferencias generacionales y de edad y preparar a los estudiantes para el mundo laboral.

Palabras clave: Educación de Adultos; tecnología digital móvil en EJA; territorios; multiterritorialidad

1 AS TECNOLOGIAS DIGITAIS MÓVEIS E A EJA: ENCONTROS TERRITORIAIS

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) corresponde a uma modalidade da Educação Básica, desenvolvida em correspondência do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Direciona-se aos jovens a partir dos 15 anos - que não foram alfabetizados, ou encontram-se em distorção idade/ano - e aos adultos e idosos que nunca frequentaram a escola ou não concluíram a Educação Básica. Enquanto modalidade, a EJA encontra-se vinculada às leis e diretrizes instituídas pelo Ministério da Educação (MEC) e aos currículos estabelecidos; todavia, a sua concretização pode ocorrer dentro e fora do espaço da escola. Ou seja, a modalidade pode ser realizada no lócus da sala de aula escolar, mas, também, nos espaços das associações de moradores, das igrejas, das unidades prisionais e das fábricas.

A EJA representa um território. Não um território no sentido de pertencimento de um espaço físico, mas um território que se compõe sob múltiplas dimensões: política, geográfica, econômica, cultural e educacional; um território que tem sua territorialidade consolidada na ação dos seus sujeitos.

De acordo com Milton Santos,

O território não é apenas o resultado da superposição de um conjunto de sistemas naturais e um conjunto de sistema de coisas criadas pelo homem. O território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais e da vida, sobre os quais ele influi (Santos, 2001, p. 96).

Haesbaert (2009, p. 79) reflete que o território pode ser compreendido “a partir da imbricação de múltiplas relações de poder, do poder mais material das relações econômico-políticas ao poder mais simbólico das relações de ordem cultural”. Para o autor, o significado de território não se traduz como sinônimo de unidade, de hegemonia, de harmonia. Pelo contrário, abriga relações entre sujeitos e contextos que se colocam entre contínuos processos de concordâncias e desavenças, perpassando por processos permanentes de desterritorialização e reterritorialização ou compondo-se na multiterritorialidade.

Em diálogo com cada território posto, a EJA necessita construir sua territorialidade, uma ação conduzida em dinâmicas multifuncionais, multigestionárias, multigeracionais e multi-identitárias. Multicomposição que faz da EJA um território-rede. Para Haesbaert (2004), o território-rede versa sobre a mobilidade, os fluxos (redes) e as conexões; consiste em um território que passa da dimensão do território-zona, configurado na perspectiva física, para assumir a dimensão do território simbólico. No território-rede, o “movimento ou a mobilidade passa a ser um elemento fundamental na construção do território” (Haesbaert, 2004, p. 05).

No presente artigo, refletimos o território da EJA a partir do território da escola, lócus que lhe atribui o sentido da “EJA Escolarizada”. Um contexto de exercício formal dessa modalidade de ensino, regimentado pelas leis e diretrizes que orientam a educação nacional, pelo currículo prescrito e pelas normativas do ambiente escolar. Uma modalidade desenvolvida, majoritariamente, no horário noturno. Nesse contexto se estabelece o nosso objeto de análise que consiste em refletir, a partir do território da escola, o encontro da EJA com as Tecnologias Digitais Móveis (TDM), territórios de múltiplas configurações.

O território da EJA, ao adentrar o território da escola, também necessita fazer-se reconhecido, posto que, muitas vezes, mesmo ocupando o território da escola, a EJA não usufrui de todas as possibilidades que a escola pode oferecer, a exemplo do acesso a todas as dependências da escola ou aos recursos tecnológicos. A EJA corresponde a um território permeado por direitos instituídos, mas que, de forma recorrente, não são reconhecidos ou são simplesmente negados e/ou praticados de forma negligenciada. Constitui-se um território de luta, que envolve permanentes enfrentamentos, tensões e conquistas. Um território desenhado sob a dinâmica material e a simbólica.

Ao considerarmos o encontro entre o território da EJA e o território das TDM, três aspectos se colocam à reflexão. O primeiro decorre da compreensão de que os territórios possuem composição e características próprias, como é o caso das TDM e da EJA. O segundo incide no entendimento de que um encontro territorial pode resultar em aproximações e estranhamentos. E, o terceiro consiste na compreensão de que este encontro pode ocorrer envolvendo as dimensões do território material e do território simbólico.

Faz-se necessário considerar que as TDM, por natureza, não foram criadas para a educação, para o exercício pedagógico. Elas têm a sua origem vinculada ao exercício da comunicação e da construção da informação em contextos sociais diversos. Por sua vez, a EJA distancia-se de uma configuração uniforme/hegemônica, caracterizando-se por uma eclética composição etária-geracional, social, geográfica e diversidade e pelas especificidades dos contextos e dos sujeitos que a compõem. A exemplo de uma dessas especificidades, observa-se a diferença etária-geracional dos grupos classes da EJA; nesses, observa-se a presença do jovem de 15 anos, do adulto de 40 anos ou do idoso de 80 anos, uma composição que traz, em si, diferentes objetivos de aprendizagem e perspectivas pedagógicas.

2 METODOLOGIA E PERCURSO REALIZADO

As análises e reflexões que compõem este artigo inserem-se em uma investigação de doutorado, que apresentou como objetivo discutir o uso das TDM na EJA. De natureza qualitativa, a pesquisa dialogou com os significados atribuídos pelos professores ao uso das TDM no contexto escolar da EJA. Na composição deste artigo, trazemos os dados relacionados ao sentido de território e territorialidade que perpassou as considerações dos professores quando refletido o uso das TDM na ação pedagógica da EJA.

Em âmbito global, a pesquisa foi realizada com professores que lecionavam na EJA e se desenvolveu em três etapas. A primeira etapa consistiu na aplicação de um questionário com professores da EJA, independentemente do módulo de atuação deles. A aplicação irrestrita buscava localizar as possibilidades e os desafios globais que margeavam o uso das TDM nessa modalidade de ensino. No campo de pesquisa, onde foi realizada a investigação, realizavam-se os Módulos I, II, III, IV e V. O questionário foi composto por 31 questões - entre objetivas e abertas - e foi enviado para os professores por meio do Google Forms, via rede social WhatsApp. Responderam ao questionário 52 professores.

A segunda etapa consistiu na realização de Encontros Formativos. Por meio das respostas ao questionário buscou-se localizar professores da EJA que lecionavam especificamente na Fase I dessa modalidade de ensino, ou seja, nos módulos I, II e III. Por livre adesão, 15 professores contatados participaram dos Encontros Formativos, realizados ao longo de 11 meses. Os encontros se deram por meio da plataforma Google Meet.

Com os Encontros Formativos, surgiu a necessidade de realizar entrevistas para o aprofundamento de questões que envolviam a pesquisa. Então, como terceira etapa, foram realizadas entrevistas com 13 dos professores participantes dos Encontros Formativos e, consequentemente, respondentes do questionário. Dois dos participantes dos encontros estiveram impossibilitados, por questões de saúde, de participar da entrevista.

As entrevistas, de composição semiestruturada, apresentavam 08 perguntas relacionadas à inserção e ao uso das TDM na EJA. Na realização das entrevistas, foi utilizado o recurso da foto-elicitação, com o objetivo de ampliar a reflexão dos professores acerca do tema discutido. A elicitação das imagens se vincula à possibilidade de desencadear e provocar reflexões e narrativas, se colocando de uma maneira a capturar o tangível e intangível (Clark-Ibañez, 2007). Para Harper (2002, p. 23), a foto-elicitação “adentra memórias mais profundas, em uma parte diferente da consciência humana, do que entrevistas realizadas apenas com palavras”.

Das oito questões que delinearam a entrevista, quatro indagavam diretamente aos entrevistados sobre a sua compreensão acerca das fotografias apresentadas (uma das imagens trazia ícones característicos da TDM e, as demais, apresentavam exemplos dos alunos fazendo uso dessas tecnologias). As entrevistas foram efetivadas por meio do Google Meet, sendo as fotografias apresentadas no decorrer das perguntas através do compartilhamento de tela. Para a composição deste artigo serão considerados os dados relativos às entrevistas. Por meio desses, busca-se refletir os significados que margeiam o encontro das TDM com a EJA e como os sentidos de desterritorialização, reterritorialização e multiterritorialidade se inserem nesse diálogo.

Ressaltamos que, tanto o questionário, veiculado através das rede social WhatsApp, como a entrevista, realizada através da plataforma Google Meet, traziam como parte integrante de sua composição o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) a serem assinalados pelos participantes.

Excetuando as quatro perguntas relativas à compreensão do que era visto nas imagens, as questões colocadas aos professores foram: i) você utiliza Tecnologias Digitais Móveis na EJA? Em caso afirmativo, com qual objetivo e como utiliza; ii) quais as contribuições do uso das Tecnologias Digitais Móveis à prática pedagógica da EJA; iii) o uso das TDM na EJA favorece o envolvimento dos alunos na prática pedagógica; e, iv) quais os desafios para o uso das TDM na EJA.

Os professores participantes das entrevistas foram todos do sexo feminino. Apresentavam idades variantes entre 31 e 60 anos e tempo de docência na EJA entre 5 e 25 anos. No que se refere à formação, 04 das professoras possuíam graduação; 07 possuíam especialização (uma realizada em EJA); 01 possuía mestrado; e 01 possuía doutorado. A graduação em pedagogia fez parte da formação de 06 das respondentes.

As entrevistas, realizadas através do Google Meet, foram gravadas (com a autorização dos participantes) e transcritas com o apoio da plataforma Reshape. As transcrições foram formatadas em um documento word, foram atribuídos códigos de identificação (utilizamos a letra P seguida da numeração 01 a 13, conforme a ordem de realização da entrevista) e, em continuidade, enviadas ao software ATLAS.ti. O software foi utilizado para a categorização dos temas, marcação dos trechos de fala relevantes e criação de redes temáticas.

Os dados das entrevistas foram analisados através da Análise Temática Reflexiva (AT Reflexiva), proposta por Braun e Clarke (2006), Braun, Clarke e Gray (2019), Clarke (2017) e Clarke e Braun (2018). Para a realização da análise, as autoras estabelecem seis fases de desenvolvimento, sendo elas: i) familiarização com os dados; ii) gerando códigos iniciais; iii) busca dos temas; iv) revisão dos temas; v) definição e nomeação dos temas; e, vi) produção do relatório.

A escolha pela AT Reflexiva se deu em função da possibilidade de realizarmos a transversalidade dos temas, por esta dialogar com a possibilidade de identificar, analisar, interpretar e relatar padrões (temas) dentro de dados, trabalhando conceitos subjacentes e significados compartilhados.

3 LOCALIZANDO AS TECNOLOGIAS DIGITAIS MÓVEIS

Consideramos necessário explicitar ao que nos referimos quando mencionamos TDM. Em primeiro lugar, não estamos nos remetendo, exclusivamente, aos dispositivos móveis celular/smartphone, laptop, ipad, chromebook e tablet. Estes são equipamentos que também estão incluídos no conceito das TDM. Quando nos referimos às TDM, estamos considerando os dispositivos móveis em si, mas também os aplicativos, os recursos e as mídias que eles comportam, uma compreensão respaldada na configuração multifacetada que as TDM assumem no campo da discussão das tecnologias na educação.

O uso do WhatsApp, Facebook, Twitter, Instagram se refere às TDM. O uso dos aplicativos Google Meet, Google Drive e Zoom, instalados no celular/smartphone, configura TDM. O uso do buscador Google, via celular, para a realização de pesquisas na rede internet, conforma TDM. O uso dos aplicativos Uber, Waze, Google Maps e Leitores de códigos QR caracteriza TDM. O uso do aplicativo Duolingo, para o estudo de uma língua estrangeira, significa TDM. O uso de aplicativos de rádio e TV, via celular/smartphone, significa TDM. O uso de aplicativos bancários, via celular/smartphone, também é TDM, bem como os conceitos de mobile learning e de aprendizagem ubíqua também se relacionam às TDM.

Na definição da Unesco (2014, p. 8), as TDM correspondem às Tecnologias Digitais “facilmente portáteis, de propriedade e controle de um indivíduo e não de uma instituição, com capacidade de acesso à rede internet e aspectos multimídia, e que podem facilitar um grande número de tarefas, particularmente aquelas relacionadas à comunicação”. Compreendemos, no entanto, que as TDM não se restringem às tecnologias de pertencimento do aluno, como é o caso do celular/smartphone. Mas, também, que podem corresponder a uma tecnologia de pertencimento de uma instituição, como é o caso do smartphone, do tablet, do chromebook e do classmatePC, que são tecnologias de pertencimento da escola.

A inserção e o uso das TDM no contexto pedagógico da EJA localizam-se, de forma representativa, como componente subjacente às tecnologias denominadas TIC, TICs, TDIC, Novas Tecnologias, Recursos Tecnológicos e Mídias Digitais.

As TDM podem ser refletidas sob perspectivas globais, a exemplo dos significados antropológicos, filosóficos, pedagógicos que as margeiam, e/ou sob perspectivas específicas, essas caracterizadas através dos componentes que delas fazem parte, tais como os aplicativos das redes sociais, de jogos e de serviços, ou seja, refletidas no viés dos sentidos e significados do seu uso na educação ou analisadas a partir da experiência prática estabelecida.

As TDM chegam ao território da escola, e consequentemente da EJA escolar, sob percursos diferenciados. Surgem vinculadas às políticas públicas, como é o caso da presença dos tablet, chromebook e classmatePC, equipamentos disponibilizados via redes educacionais de ensino às escolas. Adentram pelas mãos dos professores, vinculadas às propostas metodológicas, às estratégias didáticas, à ação do ensino e à perspectiva de contribuição para a construção da aprendizagem. Inserem-se pelas mãos dos funcionários da escola, através de suas práticas sociais ou laborais. E, de forma significativa, apresentam-se como tecnologias de pertencimento do aluno.

A inserção e o uso das TDM na prática pedagógica da EJA também têm presença registrada nos documentos que regulam e norteiam esta modalidade de ensino. Encontram-se referidas nos documentos de forma direta ou indireta; a primeira, sendo mencionada como dispositivos móveis e/ou representadas através da denominação dos recursos e ações que as caracterizam, como é o caso do uso das redes sociais para comunicação e o uso da rede internet; e a segunda, sendo relacionada de forma indireta, configuradas dentro do amplo significado das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) à educação, dentro de uma perspectiva de sugestão à prática pedagógica.

4 A DESTERRITORIALIZAÇÃO E RETERRITORIALIZAÇÃO EM QUESTÃO

Ao considerarmos o encontro entre o território das TDM e o território da EJA, nos deparamos com a prerrogativa da construção de um processo de desterritorialização. Para Lemos (2007, p. 283), “não existe desterritorialização sem reterritorialização e não há formação de território que não deixe aberto processos desterritorializantes”.

Para Cordeiro e Bonilla (2015), as TDM promovem a reterritorialização dos cotidianos escolares quando, em função dessas tecnologias, os praticantes passam a criar outras territorialidades, nas quais o digital passa a ser orientador das práticas de produção de conteúdo, de construção do conhecimento, de construção de significados e de reorganização do espaço escolar, vivenciando uma mobilidade digital que oportuniza aos indivíduos o acesso instantâneo à comunicação, assim como a possibilidade de responder, opinar, interagir com as mensagens e informações recebidas ou acessadas, de forma imediata sem limitação de tempo e espaço.

Refletida sob a perspectiva da reterritorialização, as TDM na escola favorecem a produção de novas dinâmicas nos cotidianos escolares, incidem sobre as práticas, a configuração estética e o modo de acessar e produzir conhecimentos, tendo em vista que o digital traz como característica “a plasticidade, o movimento, a bricolagem e, agregado ao potencial das redes, favorece relações mais horizontalizadas, de produção, troca de saberes e de construção de conhecimentos” (Cordeiro; Bonilla, 2015, p. 272).

O caminhar das TDM no espaço pedagógico vai estabelecendo outros territórios de comunicação, convidando à realização de práticas que concebam outros sentidos do processo de construção da aprendizagem, reterritorializando e relacionando outros sentidos e significados à escola.

Haesbaert compreende que não ocorre desterritorialização sem reterritorialização; o que ocorre é uma complexa territorialização que envolve a convivência simultânea de múltiplos territórios. Muito mais do que perder ou destruir nossos territórios, este movimento multiterritorial coloca-se, frequentemente, “vivenciando a intensificação e complexificação de um processo de (re)territorialização muito mais múltiplo” (Haesbaert, 2010, p. 1).

A convergência de linguagens e mídias “articulada com a conectividade em tempo integral possibilita a alunos e professores criar, inovar, inventar, entre si e com outros, em espaços e tempos diversos, mantendo-se, ao mesmo tempo, ancorados no local e articulados com o global” (Bonilla; Pretto, 2015, p. 502). Nesse contexto das possibilidades de aprendizagens trazidas pelas tecnologias, a escola é chamada para refletir seus processos pedagógicos, a pensar como o desenvolvimento do ensino e da aprendizagem dialoga com as necessidades de aprendizagem dos alunos e como as aprendizagens construídas os ajudam a se comunicar com as demandas da sociedade, questões que margeiam a construção da multiterritorialidade.

5 A MULTITERRITORIALIDADE

A existência de uma multiterritorialidade, resultante do encontro entre as TDM e a EJA, corresponde a uma compreensão identificada através de entrevistas realizadas com professores que lecionam na EJA.

Os professores participantes das entrevistas apontaram que as TDM chegam ao território da EJA buscando apresentar suas possibilidades no campo da comunicação e da informação, mas, de forma expressiva, na comunicação. Por meio da rede WhatsApp, os professores e os alunos fazem uso das TDM para troca de mensagens de textos e áudios, utilizando-as com o objetivo de informar sobre a ocorrência/não ocorrência das aulas, justificar atrasos e ausência nas aulas e de estabelecer vínculos de modo a atuar sobre a evasão na EJA.

De acordo com os professores, o encontro territorial entre as TDM e a EJA também ocorre via uso de tablets, classmatePC e chromebook. Esses equipamentos situam-se no interior das escolas, das quais os professores fazem parte, e são utilizados na sala de aula da EJA em algumas de suas práticas, sendo manuseados de modo online e offline.

De forma expressiva, as TDM se colocam no território da EJA através do uso da rede YouTube via tablet e celular/smartphone, um uso, inclusive, que atribui ao notebook a condição de TDM. Por meio do notebook, e com o suporte do datashow e da rede internet, são projetados filmes, documentários e vídeos explicativos sobre determinados conteúdos, que auxiliam no desenvolvimento da aula.

O uso da rede internet se projeta como componente significativo à reflexão das TDM na EJA. A internet é utilizada por professores e alunos através das TDM presentes na escola, bem como através de tecnologias de uso pessoal como é o caso do celular/smartphone. Os jovens, adultos e idosos que compõem essa modalidade de ensino também levam seus celulares/smartphones para a escola e os utilizam para a comunicação, serviços e busca de informações, sejam elas ações frequentes ou circunstanciais.

A escola, enquanto um território, tem todo um modo de ser, de fazer e de dizer. Logo, as TDM, ao adentrar este território, também constroem um território; um território que não é específico da escola, mas da prática social. Trata-se de uma nova territorialização oriunda do uso de uma tecnologia, de um recurso que não pertence à escola e passa a ser de uso pedagógico, um uso didático. Nessa nova configuração, as TDM assumem uma relação com os sujeitos que é muito diferente das práticas sociais, passam a cumprir outra função, passam a dialogar com as práticas pedagógicas.

Os professores destacam que mais que um encontro territorial que promova a desterritorialização da sala de aula e do espaço pedagógico da EJA, o que se sobressai deste encontro é a construção de uma multiterritorialidade. Para eles, não consiste em uma desterritorialização, mas uma reterritorialização que dialoga com dois diferentes territórios, em múltiplos formatos e sentidos. Consiste na construção de uma multiterritorialidade que perpassa o reconhecimento dos benefícios resultantes do encontro destes territórios, das implicações que este encontro produz.

O termo implicações é compreendido como ação, efeito, consequências, inferências, pressuposições, suposições, subentendidos, envolvimentos, ligações, relação de dependência e encadeamento. Para os professores, é através desta perspectiva de desdobramentos (das implicações) que a multiterritorialidade se desenha. As implicações dialogam com os objetivos de aprendizagens que alunos e professores atribuem à EJA, com expectativas acerca desta modalidade de ensino.

Vejamos, no Quadro 1, as implicações pontuadas pelos professores ao uso das TDM para a construção da multiterritorialidade.

Quadro 1 Construção da Multiterritorialidade 

IMPLICAÇÕES DO USO DAS TDM PARA A CONSTRUÇÃO DA MULTITERRITORIALIDADE
Colabora com o professor para a produção das atividades
Propicia o desenvolvimento de projetos em rede
Colabora para diminuir as diferenças etárias/geracionais
Possibilita inserir a produção dos alunos nas atividades
Permite personalizar as atividades
Favorece a adaptação e desinfantilização das atividades
Promove a convergência de mídias
Contribui para desenvolver a consciência crítica
Contribui com o processo de alfabetização
Contribui para desenvolver a autoestima do aluno
Favorece a comunicação com diferentes contextos sociais
Colabora para preparar o aluno para o mundo do trabalho
Promove o envolvimento dos alunos
Favorece a inclusão dos alunos com deficiência

Fonte: Os autores (2023).

Nessa formatação da multiterritorialidade, os professores compreendem que o uso das TDM contribui para desenvolver a consciência crítica, competência tão significativa à EJA, e que se encontra diretamente vinculada às perspectivas de transformação do sujeito e ao amplo exercício da cidadania. Por exemplo, a importância do desenvolvimento da consciência crítica pode ser refletida em relação à propagação das Fake News.

Por meio das redes sociais, são divulgados textos, áudios e vídeos contendo inverdades. O material veiculado demanda uma leitura crítica e a competência de sermos capazes de refletir e buscar informações complementares, que confirmem as notícias divulgadas. A possibilidade de ter acesso às informações oficiais (divulgadas por fontes fidedignas) por meio da rede internet, em vários formatos de mídia, e poder utilizá-las na sala de aula para subsidiar um debate, consiste em uma contribuição significativa ao desenvolvimento da consciência crítica. O acesso à informação configura a base para a construção da consciência crítica. Além disso, a leitura de imagens e a visualização de vídeos e documentários, veiculados através das TDM, contribuem para o desenvolvimento da capacidade reflexiva.

Uma das especificidades da EJA consiste no fato dos alunos serem trabalhadores. Logo, a compreensão de que o uso das TDM na EJA colabora para preparar o aluno para o mundo de trabalho se coloca entre as implicações consideradas pelos professores. A contribuição dessas tecnologias à ação laboral está na base dos motivos que orientam tanto a inserção quanto o uso das TDM na EJA, ou seja, no campo das perspectivas e das possibilidades. Vejamos o que a Professora P07 nos diz:

Eu tinha um aluno que era mestre de obras e haviam muitas pessoas novas no trabalho dele, ele sabia fazer mais do que aqueles que já tinham estudado muito, mas ele se sentia mal porque ele tinha que apresentar o trabalho e ele não conseguia porque ele não era alfabetizado. Então, ele queria fazer um cálculo mais rápido, mas ele ficava chateado porque aquela outra pessoa tinha um recurso no celular, sabia fazer muito mais rápido e ele ainda ia fazer os cálculos. E prejudicava o trabalho dele. Então, se ele soubesse mexer em várias tecnologias, se ele pudesse utilizá-las, ele conseguiria realizar o trabalho da forma que ele se sentisse bem. E ele não podia fazer desse jeito (Entrevista, Professora P07, 2020).

Essa colaboração é referenciada pelos professores a partir da compreensão de que os alunos da EJA buscam na escola a possibilidade de qualificação para a (re)inserção no mundo de trabalho; uma qualificação que perpassa, por vezes, pela possibilidade de fazer uso com competência das TDM através da leitura e da escrita.

Os professores relatam o desejo dos alunos de serem alfabetizados e poderem utilizar as tecnologias presentes no seu espaço de trabalho. Um desejo dos alunos que traz à escola da EJA o desejo de realizar a inclusão digital. Neste sentido, coloca-se a possibilidade de alfabetizar o aluno com o apoio das TDM. Situa-se a compreensão de que o uso das TDM contribui para o processo de alfabetização.

A compreensão das contribuições do uso das TDM à alfabetização do aluno da EJA atravessa o desafio do professor entender que o uso dessas tecnologias pelos alunos não alfabetizados da EJA é possível e se consolida a partir da experimentação dessas tecnologias no processo de alfabetização dos alunos da EJA. É o aluno não alfabetizado adentrando o território da leitura e da escrita.

As contribuições do uso das TDM ao processo de alfabetização são pontuadas pelos professores, nas entrevistas, a partir de duas perspectivas: como recurso didático utilizado no desenvolvimento da alfabetização e como componente motivacional que promove o efetivo envolvimento no processo de alfabetização.

Enquanto recurso didático, os professores fazem uso dos jogos de alfabetização presentes no tablet; enviam mensagens via grupo no WhatsApp para que os alunos tentem decodificar; estimulam os alunos a escreverem palavras e frases no grupo do WhatsApp para desenvolver a escrita; utilizam imagens e vídeos no apoio à escrita de textos coletivos; e pesquisam atividades de alfabetização diversificadas para trabalhar em sala. O componente motivacional vem do uso, pelo aluno, de recursos diversificados em seu processo de alfabetização. Tal diversidade permite dialogar com ritmos e estilos de aprendizagem diferenciados.

O uso das TDM favorece a inclusão dos alunos com deficiência na escola. Nas salas de aula da EJA, encontram-se inseridos muitos alunos com deficiência, alguns com laudos oficiais e tendo acompanhamento especializado e outros sem diagnósticos comprovados. Os professores destacam o encantamento desses alunos pelas TDM e o quanto eles se envolvem nas atividades realizadas com o apoio dessas tecnologias. Vejamos a reflexão da Professora P02, no extrato de fala a seguir:

Os alunos deixam de ser sujeitos passivos, para serem sujeitos ativos, sujeitos construtores, escritores da história. Então, isso favorece bastante. Principalmente lá na minha turma que eu tenho os especiais. Eles adoram estas coisas. Tenho 4 alunos, eles se encantam com estas coisas das tecnologias, da máquina. Até porque eles têm os tablets e para eles quando chegam na escola é uma festa, quando chega isso na sala de aula. Eles deixam de ser sujeitos que dizem que não aprendem, para mostrarem que sabem. Que entendem. Que sabem ligar, que sabem gravar. Então isso é bom para eles. Então eles se tornam sujeitos realmente ativos no processo, e participativos (Entrevista, Professora P02, 2021).

Os professores salientam que, muitas vezes, os alunos com deficiência passaram anos frequentando as salas de aula sem serem alfabetizados e, ao completarem 15 anos, são enviados à EJA com o parecer de que não aprendem. Migrar o aluno do campo do não aprendo para o campo do estou aprendendo demanda do professor, entre outros aspectos, oferta de experiências pedagógicas diferenciadas e recursos pedagógicos diversificados, entre os quais podem estar inseridas as TDM.

O entendimento de que o uso das TDM contribui para desenvolver a autoestima do aluno apresenta-se tão importante para os professores da EJA quanto “ensinar as letras”, visto que os alunos desta modalidade de ensino são marcados por experiências escolares não exitosas, por experiências de exclusão social decorrentes da não alfabetização ou baixa escolaridade e pelo estigma de que não são capazes de aprender. De acordo com os professores, o uso das TDM pode contribuir para o desenvolvimento da autoestima ao possibilitar o uso de estratégias pedagógicas que permitam ao aluno experimentar outro modo de aprender, assim como possibilita inserir a produção dos alunos nas atividades tornando-as significativas e fazendo com que eles também se percebam como produtores do conhecimento.

A codificação dos dados indicou que o uso das TDM na EJA promove a convergência de mídias, uma possibilidade significativa à estratégia didática dos professores. Essa possibilidade compreende que as TDM permitiriam o uso de diferentes mídias em simultâneo (por exemplo, o uso da rede social, do YouTube, da plataforma Google e e-books) para uma melhor compreensão/desenvolvimento de um tema, uma ação tão significativa à EJA, e que muito impacta o seu processo de ensino e aprendizagem.

O entendimento de que o uso das TDM colabora com o professor para a produção das atividades encontra-se entre os resultados mais representativos das entrevistas. Produzir atividades relevantes, que dialoguem com as diferentes necessidades de aprendizagem, presentes nas ecléticas turmas da EJA, configura um desafio ao professor desta modalidade de ensino, principalmente se consideramos as turmas moduladas, que trazem em sua composição a presença conjunta de alunos matriculados nos módulos I, II e III, com objetivos de aprendizagens diferenciados.

As implicações do uso das TDM na produção de atividades estão também relacionadas a duas significativas possibilidades. A primeira incide no fato do uso dessas tecnologias permitir personalizar as atividades, uma contribuição importante quando considerados os diferentes níveis de aprendizagem apresentados pelos alunos, as diferenças etárias geracionais e as necessidades dos alunos com deficiência. A segunda contribuição resulta desse uso: favorece a adaptação e desinfantilização das atividades.

Ao refletirem sobre o processo de ensino e aprendizagem na EJA, os professores traziam, de forma recorrente, narrativas relacionadas à produção das atividades. Eles enfatizavam o quanto o contexto pedagógico da EJA, particularmente nos módulos I, II e III, requeria a realização de atividades diferenciadas. Em função disso, muitas vezes, utilizavam atividades compartilhadas na escola por seus pares, faziam cópia de atividades presentes nas coletâneas produzidas/vendidas para os professores e/ou pesquisavam atividades na rede internet.

A esse modo de produção de atividades, para o desenvolvimento pedagógico na EJA, são apresentados dois aspectos negativos. O primeiro diz respeito ao fato de muitas destas atividades serem produzidas para o desenvolvimento pedagógico da criança, compostas por textos e ilustrações do universo infantil. Estas, ao chegarem ao contexto da EJA, não estabelecem diálogo com a vivência dos alunos e/ou reforçam o entendimento que a alfabetização é uma competência da infância. O segundo, por terem foco no conteúdo, essas atividades não respondem à necessidade do aluno da EJA, não contribuem para o uso dos conteúdos aprendidos em suas demandas cotidianas.

Ao inserirem as TDM no contexto da construção das atividades, os professores trazem como significativa a possibilidade de realizarem edição das atividades compartilhadas na rede e da possibilidade de poder compor suas próprias atividades utilizando as imagens, vídeos e links também disponibilizados na rede. Essa última prática traz forte contribuição à adaptação das atividades à linguagem e à realidade dos alunos da EJA e, por consequência, à desinfantilização das atividades.

No entendimento dos professores entrevistados, observamos que o uso das TDM na EJA colabora para diminuir as diferenças etárias-geracionais. Os professores mencionam que a composição das turmas da EJA - formadas, em simultâneo, por jovens, adultos e idosos - requer o desenvolvimento de um processo pedagógico que dialogue com diferentes expectativas e ritmos de aprendizagem. E, para eles, mediante essa eclética composição das turmas da EJA, desponta o desafio do professor “encontrar” interesses comuns aos alunos; identificar e trabalhar temas que sejam relevantes ao grupo, fazendo-se necessário desenvolver estratégias pedagógicas que minimizem as diferenças etárias-geracionais, que transformem as diferenças em competências compartilhadas, visando à construção da aprendizagem.

Vejamos as considerações da Professora P05:

Quando vamos trabalhar com a cultura e coisas assim, as idades dos alunos são diferenciadas, então cada um tem a sua parte, o seu conhecimento. Então, podemos trabalhar, podemos ver alguns vídeos, que falem daquilo que o outro vivenciou e que o mais novo pode não ter vivenciado. Por exemplo, no dia do Halloween, fizemos um trabalho com as lendas urbanas de nossa cidade. Então, muitos alunos já conheciam algumas lendas do cemitério, aí contaram as lendas. Sabemos que Halloween é uma festa de fora, mas veio para cá e nós comemoramos. Nós temos também essas lendas e muitos não conheciam. Colocamos algumas lendas (como surgiram) colocamos os filmes e eles “ah, eu conheço essa”. Então, quem não tinha o conhecimento acabou conhecendo pelos colegas e pelos vídeos (Entrevista, Professora P05, 2021).

Os motivos que levam os jovens, os adultos e os idosos à escola da EJA, o que eles buscam na escola, podem ser completamente diferentes em função da idade e da experiência de vida. Do mesmo modo, os links que eles estabelecem entre os conteúdos são diferenciados conforme a sua vivência.

As contribuições do uso das TDM para a diminuição das diferenças etárias-geracionais podem ser consideradas a partir de dois exemplos. O primeiro, consiste em inserir as TDM, via realização de podcast/videocast, no desenvolvimento de projetos sobre as experiências de vida visando o compartilhamento e a socialização das diferentes experiências vivenciadas pelo eclético grupo etário-geracional de alunos. Por meio destas, os alunos poderem observar as suas histórias se cruzarem e se distanciarem, estabelecendo um diálogo entre gerações. O segundo, consiste em realizar o uso compartilhado dos tablets, chromebook e classmatePC e mobilizar o trabalho coletivo entre os alunos; auxiliando-se na realização das pesquisas e síntese dos resultados encontrados; apoiando-se na resolução das atividades e execução dos jogos; e apoiando-se no uso técnico dos equipamentos.

Para além do diálogo etário-geracional, os exemplos destacados pelos professores recaem sobre a visão de que o uso das TDM promove o envolvimento dos alunos, uma implicação representativa entre os dados da pesquisa.

Os professores destacam que o uso das TDM na EJA tem como eixo central o desejo de envolver os alunos no processo pedagógico. Envolvê-los de modo que gostem da escola e não desistam, se sintam estimulados a aprender; instigados a superar os desafios referentes à construção da alfabetização e capazes de aprender a ler e escrever. Promover o envolvimento do aluno da EJA na escola é ressaltado pelas professoras como um desafio presente nas aulas presenciais ou realizadas de forma remota.

A criação de grupo na rede social WhatsApp é relatada pelos professores como uma das primeiras ações de uso das TDM na EJA, ação também realizada como propulsora do envolvimento do aluno na escola e da manutenção do vínculo.

Os professores mencionaram que um dos motivos para o não envolvimento dos alunos da EJA na escola são as ausências nas aulas em decorrência do trabalho, de não ter com quem deixar os filhos, dos adoecimentos. Ausências que fazem com que os alunos percam a continuidade na construção de sua aprendizagem, não estabeleçam vínculo entre o que estudaram na aula em que compareceram e o que é discutido na aula presente.

O uso da rede social como estímulo ao envolvimento do aluno é compreendido a partir da possibilidade do professor poder enviar atividades prévias, por exemplo, através do Google Forms, para serem realizadas pelos alunos dentro de seus horários disponíveis, atividades que possam subsidiar e promover maior participação dos alunos nas aulas, considerando ser muito difícil os alunos terem horário para fazer a tarefa de casa.

Os professores apontam que muitos dos projetos realizados, seja no espaço da escola (entre as turmas que a compõem), ou seja entre escolas, são estabelecidos a partir da orientação da equipe pedagógica da rede de ensino, sendo vivenciados em coletivo. Nesse sentido, o uso das TDM propicia o desenvolvimento de projetos em rede, principalmente no que tange à socialização de materiais que auxiliem no desenvolvimento desses projetos. Por meio destas tecnologias, as escolas, os grupos-classes, os professores e os alunos poderiam compartilhar recursos, produções realizadas e aprendizagens construídas e, assim, trocarem experiências significativas ao processo de ensino e aprendizagem na EJA.

Para os professores, o uso das TDM na EJA favorece a comunicação com os diferentes contextos sociais, uma possibilidade que se amplia quando se pensa o compartilhamento entre classes/grupos/redes. Na visão dos professores, os alunos da EJA consideram que serem capazes de fazer uso de tecnologias que lhes permitam ter acesso à informação, fazer uso de serviços, comunicar-se, aceder benefícios e construir conhecimento representa ampliar o exercício da cidadania e interagir com contexto sociais, nos quais a linguagem das tecnologias se faz prevalente, uma significativa implicação à construção da multiterritorialidade.

6 O SENTIDO DE PERTENCIMENTO

O pertencimento tecnológico vem do sentimento de pertença, da ação de pertencer, de compreender que um espaço/lugar/objeto nos pertence e que podemos pertencer a esse espaço/lugar/objeto. O sentimento de pertencimento das TDM aos sujeitos que compõem a EJA e ao contexto pedagógico da EJA resulta de uma construção que dialoga com o sentimento de não pertencimento, de exclusão. O que faz algo ou alguma coisa não pertencer pode estar nos desafios que se colocam a esse pertencimento ou nos condicionantes atribuídos.

O pertencimento tecnológico chega ao contexto da EJA indagando se há este sentimento de pertencimento das TDM em relação à EJA, ao professor da EJA e ao aluno da EJA. Em relação ao sentimento de pertença à EJA, os professores afirmam que esse sentimento de pertencimento tecnológico à EJA não configura uma realidade consolidada. Por exemplo, ressaltam que as tecnologias pertencem à escola do dia, que a noite “tudo é trancado” e que o acesso aos recursos tecnológicos demanda agendamento e negociação, um entendimento que vem em conjunto com a compreensão de que as tecnologias na EJA são para uso em eventos, nas culminâncias e nas comemorações, colocando-se distanciadas do uso cotidiano e da construção da prática pedagógica desta modalidade de ensino. Inclusive, o acesso às tecnologias configura um dos desafios pertinentes ao uso das TDM na EJA.

Algumas vezes a resistência é por causa da idade, porque as pessoas não conhecem, né? Mas nem sempre é só idade, às vezes, é essa questão mesmo de achar que não pode. Que não tem condições. Porque eles vêm de um histórico de dificuldade de aprendizagem. Então, muitos ouviram muito na vida que eram burros, que não tinham condição, que nunca iam aprender. Então tem essa relação também, de achar que não tem condições de fazer aquilo, que aquilo é coisa “pra gente inteligente” (Entrevista, Professora P12, 2021).

Em relação ao sentimento de pertencimento das tecnologias ao professor, identificamos que esta construção se dá no campo pessoal e no campo profissional/pedagógico. Três dos professores entrevistados salientaram não terem muitas habilidades tecnológicas e pouco utilizarem as redes sociais. Observamos que o sentimento de pertencimento tecnológico do professor perpassa por, além do uso pessoal que ele faz das tecnologias, ele sentir-se competente para realizar a transposição didática fazendo uso das tecnologias.

O sentimento de pertencimento tecnológico do aluno da EJA se constrói pelo acesso às tecnologias, pela permissão de uso das tecnologias, pelo entendimento de que ele é capaz de fazer uso das tecnologias e pelo uso realizado.

As TDM também trazem consigo o uso da rede internet como um direito e, mesmo que teoricamente, a possibilidade da realização de uma ação pedagógica baseada no pressuposto da mobilidade, da conectividade e ubiquidade, sentidos que colocam o território da escola em movimento.

A construção da Multiterritorialidade dialoga diretamente com o sentido de pertencimento, o perpassar por entre múltiplos território, o territorializar-se. O reconhecer-se como todo e como parte traz enraizado o sentido de pertencimento, seja ele no território concreto ou no território simbólico.

As tecnologias são chamadas ao território da EJA, principalmente vinculadas à possibilidade de favorecer aos sujeitos a ampliação do exercício da cidadania, a inclusão social, a Aprendizagem ao Longo da Vida e o desenvolvimento de habilidades que promovam maior interação com a sociedade da informação e do conhecimento. Mas, é importante ressaltar que a possibilidade do encontro entre o território da EJA e o território das TDM não configura unanimidade por seus sujeitos, podendo ser considerado um encontro necessário ou um encontro permeado por muitos desafios e impossibilidades.

Refletir as TDM no espaço pedagógico perpassa os significados atribuídos à inserção e ao uso dessas tecnologias nas práticas pedagógicas. A inserção e o uso são conceitos que podem ser compreendidos de forma relacionada, mas não são sinônimos. Inserir uma tecnologia pode ser compreendido como colocar à disposição. Usar uma tecnologia configura exercer uma ação sobre. A inserção conversa com o campo das perspectivas. O uso com o campo da prática. A inserção encontra-se relacionada à motivação. O uso tem relação direta com a ação sistematizada. A inserção é a chegada ao território, o uso é o tornar-se território.

A inserção e o uso das TDM na sala de aula da EJA demandam conhecimento técnico e capacidade de adequação aos objetivos pedagógicos. Em outras palavras, não é algo espontâneo. O uso pessoal e social que os professores fazem dessas tecnologias pode contribuir para refletir sobre a sua inserção no contexto pedagógico, mas não habilita para a realização deste uso pedagógico.

O uso das TDM se coloca como transversal à prática pedagógica da EJA, podendo dialogar com todos os módulos que englobam esta modalidade de ensino, contribuindo particularmente com as turmas denominadas moduladas/multisseriadas/multietapas que estão presentes na realidade da EJA e têm como característica a composição de grupo-classes formados por mais de um módulo. O uso das TDM pode colaborar com o ensino e a aprendizagem, por oportunizar o acesso à informação, favorecer a comunicação e possibilitar a realização de pesquisa e construção de projetos didáticos.

A multiterritorialidade se configura pela multiplicidade de sentidos presentes no encontro do território da EJA com o território das TDM. Abrange o entendimento de que um território não anula o outro, pelo contrário, eles conversam e convivem em simultâneo. De certo não significa dizer que a multiterritorialidade pressupõe a falta de tensão ou a plena harmonia de convivência entre os territórios. Pelo contrário, a multiterritorialidade implica a dinâmica entre forças com movimentos distintos, por vezes, lócus de conflito de territórios simbólicos instituídos.

Perpassa, inclusive, pelo uso significativo das tecnologias no processo pedagógico e de uma visão crítica acerca deste uso, como bem ressalta Freire:

A compreensão crítica da tecnologia, da qual a educação de que precisamos deve estar infundida, e a que vê nela uma intervenção crescentemente sofisticada no mundo a ser necessariamente submetida a crivo político e ético. Quanto maior vem sendo a importância da tecnologia hoje tanto mais se afirma a necessidade de rigorosa vigilância ética sobre ela. De uma ética a serviço das gentes, de sua vocação ontológica, a do ser mais e não de uma ética estreita e malvada, como a do lucro, a do mercado (Freire, 2014, p. 117-118).

Compreendemos que mais do que um encontro entre territórios, o diálogo entre as TDM e a EJA se dá em um encontro de territórios em movimento. Em um processo de desterritorialização e reterritorialização que envolve a construção de territórios múltiplos no sentido da construção da multiterritorialidade, perpassando a construção de territórios conectados em espaços/tempos diversos, de território-rede.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluímos o presente artigo ressaltando que o encontro das TDM com a EJA não se concretiza na desterritorialização de um dos seus territórios. Consiste em um encontro permeado de identidades/individualidade que se mantêm, que caminha no sentido da construção de uma multiterritorialidade, podendo, inclusive, abranger uma territorialização via ciberespaço, permeada pelos sentidos de fluxos e redes.

Como mencionado, nossa reflexão parte do encontro territorial das TDM com a EJA a partir do território da EJA escolarizada, do território da escola. Compreendemos que a escola representa apenas um dos múltiplos lócus que compõem esta modalidade de ensino, assim como compreendemos que a EJA não escolarizada, não pertencente à escola, possui itinerários diversos, ocupa diferenciados espaços geográficos, comunica-se com os mais diferenciados saberes e necessidades de aprendizagem. Mas, consideramos que os elementos representativos da multiterritorialidade, resultante do encontro das TDM com a EJA escolarizada, também se estendem aos demais lócus que acolhem a EJA.

As implicações do uso das TDM na EJA, refletidas como indicativos à construção da multiterritorialidade, são componentes pertinentes à EJA independente do seu lócus de atuação, visto que ampliar a participação dos sujeitos na sociedade, desenvolver a autoestima, realizar aprendizagens que tenham significados reais são objetivos que se colocam efetivamente a esta modalidade de ensino.

Para os professores participantes das entrevistas, a multiterritorialidade traz, em si, o desejo de que o encontro, entre múltiplos territórios, resulte no compartilhamento de saberes e ações que favoreçam a construção de um multipertencimento territorial, seja ele físico ou simbólico.

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Recebido: 09 de Abril de 2023; Aceito: 29 de Agosto de 2023; Publicado: 30 de Setembro de 2023

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