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Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.21  São Paulo  2023  Epub 30-Jun-2023

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2023v21e59686 

Dossiê ABdC: Narrativas, conversas e as múltiplas grafias de vida...

Educação Antirracista em Tempos de Pandemia: os Diários de Aula como Instrumento de Formação e Reinvenção do Currículo Escolar

Anti-Racist Education in Pandemic Times: Class Diaries as a Tool of Creation and Reinvention of the School Curriculum

Educación Antirracista en Tiempos de Pandemia: los Diarios de Aula como Instrumento de Formación y Reinvención del Currículo Escolar

Cleidiane Lemes de OLIVEIRAi 
http://orcid.org/0000-0001-8263-395X

Lorene dos SANTOSii 
http://orcid.org/0000-0002-7629-1954

1 Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas). Professora da rede pública do estado de Minas Gerais. E-mail: cleidi.lemes@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0001-8263-395X

2 Doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora do Instituto de Ciências Humanas e do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Minas. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Profissão Docente (GEPPDOC). E-mail: lorenedossantos@gmail.com - ORCID iD: http://orcid.org/0000-0002-7629-1954


Resumo

Este artigo objetiva analisar o potencial das narrativas como instrumento de reflexão, de formação docente e de insurgências curriculares, partindo de pesquisa cujo objeto de estudo foi uma proposta de educação antirracista, empreendida por um grupo de professores de uma escola pública, em contexto de pandemia de Covid-19. Tratou-se de uma pesquisa qualitativa que realizou a “análise de conteúdo” de narrativas de experiências profissionais docentes coletadas por meio de diários de aula. O referencial teórico discute concepções e práticas de educação antirracista e o conceito de narrativas (auto)biográficas. Os resultados confirmam a importância da promoção de uma prática reflexiva para o desenvolvimento profissional docente e a necessidade de um trabalho sistematizado com a temática étnico-racial na elaboração de saberes profissionais docentes, em uma perspectiva antirracista.

Palavras-chave: educação antirracista; narrativas de experiências profissionais; diários de aula; educação na pandemia

Abstract

This article aims to analyze the potential of the narrative as an instrument of reflection, teacher training and curricular insurgency, starting from a research that had as study object a proposal of an anti-racist education, undertaken by a group of public school teachers, in a context of Covid 19 pandemic. This was a qualitative research that performed a content analysis of professional experiences narratives gathered through class diaries. The theoretical framework discuss conceptions and practices of an anti-racist education and the concept of (auto) biographical narratives. The results confirm the importance of promoting a reflexive practice for the professional development of teachers and the necessity of a systematic work with the ethnic-racial theme in the development of professional teaching knowledge in an anti-racist perspective.

Keywords: anti-racist education; professional experiences narratives; class diaries; education in the pandemic

Resumen

Este artículo tiene como objetivo analizar el potencial de las narrativas como instrumento de reflexión, de formación docente y de insurgencias curriculares, a partir de una investigación que tuvo como objeto de estudio una propuesta de educación antirracista, emprendida por un grupo de profesores de una escuela pública, en contexto con la pandemia del Covid 19. Se trata de una pesquisa cualitativa, que realizó un “análisis de contenido” de narrativas de experiencias profesionales docentes colectadas por medio de diarios de aula. El referencial teórico discute concepciones y prácticas de educación antirracista y el concepto de narrativas (auto) biográficas. Los resultados confirman la importancia de promoción de una práctica reflexiva para o desenvolvimento profesional docente y la necesidad de un trabajo sistematizado con la temática étnico-racial en la elaboración de saberes profesionales docentes, en una perspectiva antirracista.

Palabras clave: educación antirracista; narrativas de experiencias profesionales; diarios de aula; educación en la pandemia

1 INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, em diferentes partes do mundo, assistimos ao agravamento da crise econômica e ao aprofundamento das desigualdades sociais em meio ao avanço do neoliberalismo e da pressão de grupos de extrema-direita, evidenciando a força de ideias e práticas que pareciam superadas, ou pelo menos parcialmente resolvidas. Sistemas de dominação consolidados pelo colonialismo, como sexismo, racismo e outras formas de exclusão e exercício de poder, (res)surgiram com enorme vigor e com ampla capacidade de mobilização de massas, revelando a fragilidade de conquistas históricas no plano dos direitos sociais e da experiência democrática. Retrocedemos? Ou teríamos sucumbido à “ilusão do progresso”, como já nos alertara Benjamin (2012, p. 249), ao afirmar que “A ideia de um progresso da humanidade na história é inseparável da ideia de seu andamento no interior de um tempo vazio e homogêneo. A crítica da ideia desse andamento deve estar na base da crítica da ideia do progresso”. No mesmo clássico texto “Sobre o conceito da História”, Benjamin (2012, p. 244) também nos lembra que “O dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que tampouco os mortos estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer”. A recorrente “vitória do inimigo”, nesse caso, pode ser observada naquilo que nos soa como “retorno” de velhas ideias e formas de discriminação, sobretudo quando a extrema-direita assume o poder político em nosso país. A propagação de ideias e práticas racistas, sexistas, misóginas, homofóbicas, transfóbicas, entre outras formas de violência e discriminação, ganhou terreno em meio ao agravamento da miséria e dos processos de exclusão social. Tudo isso foi intensificado pela emergência, em 2020, da pandemia de Covid-19 e seu (não devido) enfrentamento, em uma clara configuração do que Mbembe (2018) denominou como necropolítica.

Tendo em vista a problemática tratada neste artigo, devemos considerar que tal contexto, além de contribuir para explicitar e acirrar desigualdades do ponto de vista econômico e educacional, trouxe à tona situações emblemáticas do racismo brasileiro quando, por exemplo, palestras e aulas remotas sobre a temática étnico-racial sofreram ataques de hackers que disseminavam frases de ódio e demonstravam como o empreendimento de uma educação antirracista ainda encontra resistências e chega a ser alvo de reações violentas. Um cenário de fortes enfrentamentos se evidencia, assim, no momento em que comemoramos os 20 anos da Lei 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino da temática africana e afro-brasileira nos currículos escolares. Por essa razão, defendemos a necessidade de dar visibilidade às práticas de educação antirracista, conforme preconizado pela referida lei.

Em consonância com esse propósito, este artigo apresenta resultados parciais de uma pesquisa de doutorado cujo objeto de estudo foi uma proposta de educação antirracista, empreendida por um grupo de professores de Educação Básica de uma escola da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte, durante os anos de 2020/2021. Os professores responsáveis pelo projeto denominado “Escola de Todas as Cores” são também autores de narrativas construídas por meio de “Diários de Aula”, os quais serão objeto de análise neste texto. Buscaremos evidenciar o potencial das narrativas e das “grafias de vida” como instrumento de reflexão, de formação docente e de insurgências curriculares, com primazia do instituinte. A análise das narrativas construídas pelos professores e professoras sobre o projeto em questão demanda-nos uma breve incursão pelo que entendemos por educação antirracista, desenvolvido a seguir.

2 DIÁLOGOS SOBRE EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA

Compreendendo que a história é devir, e não um processo que está determinado em etapas, modelos ou esquemas teóricos predefinidos, aproximamo-nos de Paulo Freire para pensar na boniteza de uma educação que supere as condições sociais, políticas e ideológicas do racismo e se afirme como antirracista; uma educação que se balize filosoficamente na crença ontológica do ser humano de buscar ser mais e no reconhecimento de que a educação escolarizada é fundamentalmente caracterizada por interações humanas entre sujeitos e mediatizada pelo mundo. A educação antirracista exige subverter o discurso moderno colonial e reorganizar as estruturas de construção do conhecimento, denunciando seu caráter monocultural europeizante e afirmando a transformação das instituições educacionais diante da diversidade cultural e epistêmica de nossa sociedade.

Diferentemente do discurso moderno colonial que se cobre com uma “capa” de neutralidade, o discurso e a prática educativos antirracistas devem se afirmar como práxis político-pedagógica, preocupada em combater as desigualdades sociais e epistêmicas que as sociedades contemporâneas, ainda profundamente marcadas pela colonialidade, reservam aos sujeitos negros e negras. Daí a importância de firmar o compromisso de que o conhecimento construído por meio da educação antirracista esteja engajado com as comunidades negras, em todas as suas formas de expressão cultural, religiosa e epistêmica.

Na esteira do que vem sendo produzido pela pesquisadora equatoriana Walsh (2009), conceber uma educação antirracista é pensar em uma educação intercultural, que se apresenta como uma crítica contumaz da educação eurocêntrica colonial/racial e do projeto de sociedade meritocrática e capitalista gestada dentro desse modelo educativo. Uma educação intercultural/multicultural não pode ser funcional, isto é, não se trata apenas da inclusão de conhecimentos dos e sobre os grupos historicamente silenciados, mas são necessárias uma problematização e transformação dos lugares subalternizados em que esses grupos se encontram na sociedade capitalista. A interculturalidade crítica parte do questionamento das estruturas de poder que alicerçam e empurram grupos sociais racializados pela modernidade para a margem do capitalismo, negando-os como sujeitos de conhecimento.

A educação antirracista requer comprometimento com um projeto político pedagógico emancipatório, o que exige investimento dos(as) professores(as) em buscar entender conceitos básicos sobre a temática étnico-racial, como os de racismo, democracia racial, discriminação racial e preconceito (GOMES, 2005), sendo necessário aprofundar a compreensão acerca das especificidades do racismo no Brasil.

Defendemos que o conhecimento teórico tem que se tornar uma práxis na atuação profissional dos(as) professores(as) comprometidos(as) com a educação antirracista. Tais conhecimentos permitem ao(à) professor(a) desenvolver uma escuta e observação mais apuradas e sensíveis de seu cotidiano, aprendendo a identificar e a intervir de forma mais assertiva diante das inúmeras situações de racismo que comparecem nas salas de aula e demais espaços escolares, onde costumam ser frequentes apelidos pejorativos e comentários que desqualificam a aparência de crianças e adolescentes negros e negras, entre outras práticas discriminatórias. Como nos diz Freire (2014), é preciso recusar o silêncio que nos torna cúmplices do racismo. Além da atenção e atuação perante tais situações, a educação antirracista exige um sério e sistemático tratamento pedagógico à questão racial.

Para hooks (2017), o processo de autoatualização docente diz de um esforço pessoal do(a) professor(a) em buscar conhecimentos que o(a) tornem uma pessoa mais comprometida com a educação como prática de liberdade. Se o papel do(a) professor(a) é o de construir um conhecimento pautado pela pluralidade de conhecimentos/narrativas, é necessário que essas narrativas sejam postas em prática em sua própria vida não apenas como conhecimento livresco, mas também como práxis libertadora percebida nos lugares que ele(a) ocupa, o que inclui, de forma especial, a sala de aula. hooks (2017) é uma ávida questionadora da dicotomia entre o pensar e o agir, defendendo que todo o esforço de autoatualização do(a) professor(a) só faz sentido se for incorporado a suas práticas pedagógicas, que devem possibilitar e ser um convite aos(às) alunos(as) para também buscarem a autoatualização.

A pedagogia engajada de hooks (2017) volta-se a promover o antirracismo, mas também se mostra comprometida com o fim do sexismo e da opressão sexista, assim como com a luta pela erradicação dos sistemas de exploração de classe. Vislumbrar a complexidade dos sistemas de dominação e de opressão que imperam sobre muitos corpos e que, muitas vezes, interseccionam-se é também uma condição fundante da pedagogia engajada.

A interseccionalidade entre racismo e feminismo também está presente na obra de Tolentino (2018, p. 17), para quem outra educação só é possível quando está “comprometida com a igualdade, com a justiça social e com o fim dos mecanismos de dominação que pesam sobre a vida dos indivíduos que se encontram em condições de subalternidade na nossa sociedade”. Transformar a sala de aula em uma “comunidade de aprendizado entusiasmado” (HOOKS, 2017), comprometida com uma pedagogia engajada e pautada por uma prática docente voltada à construção de uma sociedade mais equânime, requer a problematização de diferentes estruturas de poder.

A educação antirracista tem também um importante papel na promoção da positivação da identidade dos sujeitos negros e negras (GOMES, 2003). Reconhecendo que a identidade refere-se a uma construção que não é fixa, mas social, histórica, cultural e plural, na qual se estabelece um sentido de pertencimento a determinado grupo social de referência, entende-se que a escola é, potencialmente, um espaço com ampla capacidade de promoção da valorização estética e epistêmica da população negra, uma instituição capaz de questionar e contrapor modelos e padrões estéticos dominantes e homogeneizantes.

Como nos lembra o professor Munanga (2022, p. 122), a identidade negra é uma identidade política, pois “Sem construir a sua identidade racial ou étnica, alienada no universo racista brasileiro, o negro não poderá participar do processo de construção da democracia e da identidade nacional plural em pé de igualdade com seus compatriotas de outras ascendências”.

Nesse sentido, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana (BRASIL, 2004) chamam-nos a atenção para o fato de que uma educação antirracista não deve se preocupar exclusivamente com a construção da identidade negra, mas deve ter como cerne uma “educação das relações étnico-raciais”, nas quais não apenas os(as) negros(as), mas crianças e adolescentes de todos os grupos étnico-raciais aprendam, transformem-se e se engajem na luta por uma sociedade sem racismo. Enquanto os(as) alunos(as) negros(as) têm a possibilidade de fortalecer os vínculos de identidade e pertencimento à comunidade negra, aqueles que fazem parte de outros grupos étnico-raciais passam a ter a oportunidade de identificar influências e contribuições da história e cultura dos africanos e afro-brasileiros para a formação da sociedade brasileira, ao mesmo tempo que devem reconhecer e desnaturalizar seus privilégios de branquidade.

Defendendo que o conhecimento afeta a construção das identidades em uma sala de aula, hooks (2017) nos diz que não é função do(a) professor(a) fixar identidades nos sujeitos, mas possibilitar que o conhecimento construído dentro de uma proposta de pedagogia engajada seja apropriado pelo(a) aluno(a) de modo autoatualizado, lembrando que o processo de autoatualização é lento, demanda tempo, recorrências, diversificação de estratégias, insistências. Assim, diferente da concepção e prática de educação bancária, que espera que todos(as) os(as) alunos(as) no fim do ano estejam sentados(as) fazendo suas provas e mostrando como todos(as) aprenderam as mesmas coisas, a proposta de uma educação antirracista respeita o tempo de aprendizado dos(as) estudantes, entendendo “que somente seis meses depois, ou um ano, ou até dois anos depois, eles percebam a importância do que aprenderam” (HOOKS, 2017, p. 205).

Outro princípio e prática de uma educação antirracista, conforme Gomes (2008), é o fortalecimento dos vínculos entre escolas e o Movimento Negro. Estreitar esses laços significa reconhecer o Movimento como um sujeito político que vem buscando, há mais de um século, educar a sociedade para a necessidade de enfrentamento do racismo, tendo exercido papel fundamental na luta pelo direito à educação escolarizada para a população negra e nos questionamentos ao currículo escolar e aos materiais didáticos distanciados ou mesmo reprodutores de preconceitos e estereótipos sobre a cultura negra. Vale destacar o importante protagonismo do Movimento Negro para conquistas como a Lei 10.639/2003 e a Lei 12.711/2012 (conhecida como “Lei de cotas”), entre outros avanços legais. Enfim, o que se quer afirmar é a importância histórica do Movimento na construção de um projeto educativo emancipatório, em meio a uma realidade social de lutas e enfrentamentos.

Cavalleiro (2001) destaca três fatores decisivos para romper com o quadro de silenciamento da temática étnico-racial no sistema educacional: reconhecimento da problemática racial - e, diríamos, do próprio racismo estrutural - pelos sujeitos que trabalham na escola; desenvolvimento de estratégias pedagógicas que possibilitem o reconhecimento da igualdade entre os grupos raciais; e provimento de alternativas para a construção de autoestima elevada para crianças e adolescentes negros(as). Assim, a educação antirracista tem como pilar o reconhecimento do ambiente escolar como espaço privilegiado para a realização de um trabalho pedagógico que possibilite o respeito e a valorização da diversidade étnico-racial, ao mesmo tempo que construa sensibilidades e estratégias de enfrentamento das desigualdades raciais.

Tanto Gomes (2012) quanto Cavalleiro (2001) defendem que o empreendimento de uma educação antirracista não deve significar necessariamente - ou simplesmente - incluir uma nova disciplina nos currículos escolares, mas deve implicar uma mudança cultural e política no campo curricular e na organização dos tempos e espaços escolares, que só poderá acontecer a partir de uma reflexão profunda sobre o modo como os sujeitos da escola agem e pensam a diversidade que compõe tanto o espaço escolar quanto a sociedade.

Para outra importante intelectual negra, Petronilha Silva, educação antirracista deve estar focada na aprendizagem e ensino das africanidades brasileiras, ou seja, nas raízes da cultura brasileira que têm origem no continente africano. Assim, uma educação antirracista, segundo a autora, estaria preocupada em trazer para o contexto educacional os modos de ser, de viver, de organizar suas lutas, próprios dos negros brasileiros, assim como as marcas da cultura africana que fazem parte do cotidiano de vários brasileiros, independentemente de sua origem étnica (SILVA, 2005).

Discorrendo sobre as novas abordagens e conteúdos vinculados à História da África, em uma perspectiva de conhecimento descolonizador, Kambundo e Santos (2015) lembram que o primeiro ponto a ser problematizado é o mito eurocêntrico da não historicidade africana, base de toda a desigualdade perpetrada no continente africano e em seus descendentes vivendo na diáspora. Outra estratégia de conhecimento decolonial consiste no estudo da África a partir da pluralidade de fontes históricas existentes, desconstruindo a ideia equivocada de primazia da fonte escrita sobre a fonte oral. Assim, os(as) professores(as) podem usar desde fontes árabes e europeias até narrativas dos Griots. Os autores também argumentam acerca da importância de estudar o Egito Antigo como uma civilização africana, problematizando as representações que persistem na atualidade e que abordam essa região e esse período histórico absolutamente descolados de sua origem africana. A respeito do tráfico de escravizados, por sua vez, os autores sinalizam a necessidade de não reduzir os sujeitos africanos em diáspora à condição que lhes foi imposta, permitindo compreender outros aspectos da organização das sociedades africanas.

Diante do breve mapeamento e diálogos com autores de referência, queremos reafirmar aquilo que entendemos por educação antirracista: as necessárias identificação e problematização das relações de poder contidas no discurso racista moderno eurocêntrico que relega corpos e epistemes negras a lugares de subalternidade em nossa sociedade e, principalmente, nos espaços escolares. Essa identificação e problematização devem estar integradas a uma práxis libertadora na qual professores e professoras invistam pessoal e profissionalmente em um processo formativo que os possibilite conferir um tratamento pedagógico aos diferentes assuntos que constituem o ensino da temática africana e afro-brasileira visando à promoção de uma educação das relações étnico-raciais.

3 NARRATIVAS DOCENTES COMO INSTRUMENTO DE ANÁLISE DO FAZER PEDAGÓGICO ANTIRRACISTA

Entre setembro de 2020 e agosto de 2021, acompanhamos, de forma sistemática, o trabalho desenvolvido por cinco professores(as)1 de uma escola pública municipal de Belo Horizonte, Minas Gerais, em contexto de ensino remoto emergencial. Tratou-se, assim, de um trabalho realizado por meio de encontros virtuais, de forma síncrona, com participação de professores(as), estudantes e convidados(as), e focado em estudos sobre a temática étnico-racial, na perspectiva da educação antirracista.

Esse projeto foi intitulado “Escola de Todas as Cores” e desdobrou-se em dois momentos: inicialmente, ocorreram dezesseis encontros semanais denominados “rodas de conversas”, com participação de convidados(as) de diferentes áreas do conhecimento, debatendo assuntos diversos sobre a temática étnico-racial. O segundo momento consistiu na realização de treze encontros, também com frequência semanal, dedicados à leitura e discussão coletiva da obra Diário de Bitita, da escritora Carolina Maria de Jesus.

Durante o percurso desse projeto, os(as) professores(as) foram convidados(as) a escrever diários de aula, que constituíram o material empírico da análise aqui proposta. Os diários de aula são “documentos em que os professores anotam suas impressões sobre o que vai acontecendo em suas aulas” (ZABALZA, 2004, p. 13), consistindo em uma fonte primária rica em percepções e impressões dos(as) professores(as) a respeito de seu trabalho. Como o interesse da pesquisa estava direcionado às reflexões docentes acerca da temática antirracista, utilizamo-nos da categoria “diários temáticos” em que há um acordo prévio sobre o tema.

Embora a pesquisa não se configure como autobiografia, a análise dos diários foi fundamentada em teorizações acerca de narrativas (auto)biográficas e de narrativas de experiências profissionais (PASSEGGI, 2021), a partir da compreensão de que, ao narrarem sobre suas experiências profissionais com a temática étnico-racial, eles(elas) vão atribuindo sentido a tais experiências e, nesse percurso, constroem outra representação sobre si e sobre seu próprio trabalho.

As narrativas de experiências profissionais são aqui compreendidas como pesquisa-formação, considerando seu potencial de evidenciar processos reflexivos e saberes profissionais docentes construídos a partir de sua prática pedagógica, assim como favorecer a emancipação pessoal e social dos sujeitos pesquisados, especialmente no que diz respeito ao trabalho com a temática étnico-racial.

Entendemos que o ato de narrar e de refletir sobre as experiências passadas ou em devir permite dar sentido àquilo que ocorreu, ao que está ocorrendo e/ou àquilo que pode ou não permanecer inalterável. É a partir da linguagem que o sujeito ressignifica o vivido e cria possibilidades de uma ação consciente sobre o que foi narrado. O ato de narrar dessacraliza e historiciza o vivido. Não há uma essência a ser descoberta nem um “curso natural da vida” a ser preenchido. A existência humana é plural, assim como as possibilidades de representação e de significação do vivido (PASSEGGI, 2010).

Discutindo o potencial formador da reflexividade narrativa, Passeggi (2016; 2021) postula que o ato da narrativa comporta em si três sujeitos, a saber: o sujeito empírico, que vive a experiência de “carne e osso”; o sujeito epistêmico, que elabora a experiência a partir de sua racionalidade; e o sujeito autobiográfico, que é o desdobramento do sujeito empírico sobre si mesmo. Assim, é pela atividade narrativa que o sujeito autobiográfico religa o sujeito epistêmico ao sujeito empírico, unindo as duas partes que foram cindidas pela ciência moderna. Essa potencialidade formadora de refletir sobre as experiências para aprender sobre nós e sobre o mundo torna inseparáveis o sujeito e o objeto de conhecimento.

Reconhecendo nos(as) professores(as) as três dimensões de sujeito descritas por Passeggi (2021), reafirmamos que não é possível ao pesquisador construir conhecimento sem estabelecer uma aproximação com os sujeitos pesquisados, de tal modo que seja viável acessar seus saberes profissionais. Somente a partir dessa relação, que comporta dimensões de confiança e cumplicidade, o pesquisador poderá conhecer, debater e publicizar os saberes e as práticas construídos pelos(as) professores(as) em sua atividade profissional e sistematizados por meio de seu exercício de reflexão narrativa. As análises apresentadas a seguir resultam de um movimento de escuta e tentativa de aproximação com o sujeito empírico, epistêmico e autobiográfico, revelando um esforço de saber compartilhado entre pesquisador e pesquisados.

4 DIÁRIOS DE AULA: PERSCRUTANDO PROCESSOS FORMATIVOS E REINVENÇÕES DO CURRÍCULO

Os diários de aula oportunizaram, por meio das narrativas de experiências profissionais, um exercício que Passeggi (2010) chamou de autobiografia refletida. Entre os muitos aspectos que emergiram das narrativas docentes, destacamos, primeiramente, o reconhecimento dos processos formativos possibilitados pelo projeto “Escola de Todas as Cores”. Assim, em muitos trechos dos diários os(as) professores(as) sinalizaram o quanto estavam aprendendo e ampliando seus horizontes sobre os significados de uma educação antirracista, a partir da interlocução com os(as) convidados(as). Tais depoimentos confirmam a indissociabilidade entre ensinar e aprender, ou o quanto se pode aprender ao propor uma situação de ensino, como percebemos nos excertos a seguir.

Todas as pessoas convidadas foram preciosas e os encontros nos ajudaram a compreender cada vez mais a estrutura do racismo na sociedade brasileira, aprofundando para a interseccionalidade, anti-homofobia, anticapacitismo, antimisoginia. Todos nós aproveitamos e crescemos nesses conhecimentos, professores e estudantes (Marcos, Diário de aula, 10 dez. 2020, grifo nosso).

Aprendi que a interseccionalidade com a pauta feminista, contra o capacitismo, com a LGBTfobia é mais do que necessária, é indispensável na luta por uma escola antirracista pois muitas das opressões se sobrepõe, principalmente no ambiente escolar e lutar por mais equidade racial te coloca na posição de maior abertura para rever diversas outras posturas seja você estudante, servidor ou professor de uma escola (José, Diário de aula, 14 dez. 2020, grifo nosso).

Ouvi-las [Coletivo Hellen Keller] foi muito poderoso para mim e me deixou várias questões: que estratégias são necessárias para conseguirmos ouvir os estudantes com deficiência? Como construir uma educação em que todas as formas de aprender sejam contempladas? Como construir uma acessibilidade coletiva? Minha grande dificuldade ao ouvi-las é de não conseguir perceber caminhos para sair do meu capacitismo (Joana, Diário de aula, 15 dez. 2020, grifo nosso).

Tenho estudado e me esforçado muito para me transformar em uma pessoa melhor, e a discussão sobre racismo, capacitismo e feminismo estão me ajudando a ampliar a minha visão de mundo e consolidar como quero transformá-lo para ser mais próximo do que eu acredito e eu me tornar uma pessoa melhor (João, Diário de aula, semana 25, grifo nosso).

Os depoimentos nos permitem captar alguns dos sentidos e significados que cada sujeito confere ao vivido, por meio da narrativa. Chama-nos a atenção o reconhecimento do potencial formativo proporcionado pelas rodas de conversa, evidenciando-se alguns dos sentidos compartilhados entre os sujeitos do grupo e a recorrência com que aparecem nos diários, sendo contados e recontados em diversos trechos, por todos os pesquisados. Thompson (1981) nos lembra que a ação humana consciente na história é uma das grandes afirmações de nossa humanidade. Assim, na medida em que o ato de narrar possibilitou aos(as) professores(as) a confirmação de um processo formativo em curso - e, portanto, uma maior consciência de seu desenvolvimento profissional -, podemos afirmar que a elaboração das narrativas de experiências profissionais amplificou um processo de formação docente pontuado mediante a experiência profissional e a narrativa sobre ela. Esse reconhecimento também pode ser encontrado em excertos dos diários, como o que apresentamos a seguir:

Não sei [di]mencionar o papel do diário nas ações deste projeto [Projeto Escola de Todas as Cores], mas certamente o diário é um dos instrumentos de análise e de reflexão da prática. Nos deixamos guiar muitas vezes, por nossos instintos, que como bem disse um colega “instintos regados por muitos anos de prática”. Prática no processo de ensino e aprendizagem, mas prática que está agora em um contexto totalmente inusitado. Nos formamos uns aos outros e acredito que é neste processo de formação de pares que deve ser organizada a formação continuada, que é praticamente inexistente (Joana, Diário de aula, 22 dez. 2020).

A fala da professora Joana expressa uma vigorosa compreensão do potencial reflexivo da narrativa, que ultrapassa as fronteiras da reflexão acerca das experiências vivenciadas no imediato (o projeto em questão) e permite uma retrospectiva sobre o agir docente (“nos deixamos guiar por nossos instintos”), sobre saberes construídos na trajetória profissional (“instintos regados por muitos anos de prática”) e ainda sobre o processo de formação entre pares. Ao interrogar a prática, a professora retira-a do campo das certezas, tornando-a objeto de questionamentos, o que nos parece elemento central da formação e desenvolvimento profissional docente.

As narrativas fizeram emergir uma pluralidade de aspectos - cognitivos, sociais, éticos, políticos e afetivos, entre outros - que parecem integrar a preocupação reflexiva dos(as) professores(as) pesquisados(as). Ainda que o interesse da pesquisa estivesse voltado à compreensão do processo de construção de uma educação antirracista, a dinâmica e os rumos que o projeto “Escola de Todas as Cores” tomou, assim como os processos reflexivos que desencadeou evidenciam que os(as) professores(as) não apenas integraram outras pautas das chamadas minorias a suas reflexões, como também parecem ter assimilado as relações entre elas.

Considerando o caráter experiencial da formação, empreendemos um breve exercício de descortinar pressupostos cognitivos das interpretações construídas nas narrativas e que levaram os(as) professores(as) a processos formativos.

O conceito de interseccionalidade, presente nas rodas de conversa e em depoimentos de alguns(mas) professores(as), tem uma circulação relativamente recente. A interseccionalidade funciona como um sistema de opressão interligado, e foi o movimento feminista negro o primeiro a aderir a essa leitura integrada das opressões. Akotirene (2019) nos lembra que os diálogos interseccionais capitaneados pelos conceitos de racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado são muitos, e assim o movimento feminista passou a estabelecer diálogo com outras minorias, buscando que o letramento produzido no campo da interseccionalidade seja também incorporado por pessoas indígenas, pessoas com deficiências, religiosos de matrizes africanas etc.

As rodas de conversa trouxeram essa problemática em diferentes momentos, com destaque para as discussões que interseccionam o tema do racismo com as opressões de gênero, ou o sexismo. O próximo fragmento de diário possibilita-nos perceber processos reflexivos docentes envolvendo essa questão:

Achei um conceito muito forte [dororidade] e me fez pensar sobre como os movimentos feministas brancos muitas vezes reforçaram as posições subalternas das mulheres negras. Ou seja, sem um pensamento interseccional, dificilmente conseguiremos [...] criar uma sociedade que efetivamente seja inclusiva a todas, todes e todos (João, Diário de aula, semana 13).

O conceito de dororidade também é bastante recente e pode ser encontrado na obra de Piedade (2019), intitulada Dororidade. A autora problematiza a noção de sororidade como um conceito supostamente universal e capaz de sinalizar as relações de empatia e companheirismo entre (todas) as mulheres. Para ela, é necessário ressaltar que o que une as mulheres pretas é a dor por elas partilhada, historicamente, ao vivenciarem o peso do racismo e do sexismo. Essa discussão também comparece na obra de Akotirene (2019), quando nos diz que, enquanto as mulheres brancas têm medo de que seus filhos sejam cooptados pelo patriarcado, as mulheres negras temem enterrar seus filhos vitimados pela necropolítica. Nesse sentido, salientamos a ideia de que uma educação antirracista requer professores(as) engajados(as) e dispostos(as) a compreender distintas formas de poder e de discriminação que agem sobre os corpos de homens negros e mulheres negras. Entre essas tantas formas de discriminação que interseccionam com o racismo, uma delas, abordada em uma das rodas de conversa, ganhou destaque no projeto “Escola de Todas as Cores”: o capacitismo. O tema tornou-se objeto de inquietações e reflexões, sendo recorrentemente abordado nos diários de aula, orientando o planejamento de ações pedagógicas que envolvem professores(as) e estudantes.

Cada vez mais entendo que o problema das minorias é, se não igual, é bem parecido. Falamos de deficiência, mas não conseguimos descolá-la do capacitismo. “Tadinha”; “Ela se superou”, “Escola Para Todos porque as pessoas com deficiência me fazem ser melhor!!” Aff!! Como a sociedade eurocêntrica tomou conta do coração de todos? Como esse modelo conseguiu nos dominar? (Maria, Diário de aula, 30 nov. 2020, grifo nosso).

O encontro de quinta teve o objetivo de organizarmos as nomenclaturas utilizadas para nos referirmos as pessoas em situação de deficiência e contou com a participação de 19 pessoas. [...] Ao lermos as frases muitos problemas foram verificados, de fato sem ouvirmos as pessoas com deficiência fica difícil defender uma proposta que é pensada em especial para elas e suas famílias. Saímos com o compromisso de buscarmos mais informação sobre o assunto (Joana, Diário de aula, 23 nov. 2020, grifo nosso).

Novamente, podemos identificar indícios de processos formativos em curso, na medida em que o empreendimento de uma atividade pedagógica possibilita aos sujeitos envolvidos flagrarem-se em armadilhas epistemológicas e em reprodução de estereótipos, reconhecendo o seu “não-saber” e mobilizando-se para a busca de novas informações.

Entendemos que os diários de aula também nos permitiram perceber e analisar elementos normalmente pouco evidenciados ou não acessíveis a quem está de fora do processo, como as dimensões multiplicidade, simultaneidade, imediatez, rapidez, imprevisibilidade, visibilidade, historicidade, que são constitutivas do trabalho docente (TARDIF; LESSARD, 2008). Ainda que em um ritmo diferente, por acontecerem longe da célula-classe tradicional/presencial (uma vez em contexto de ensino remoto emergencial), os(as) professores(as) perceberam e relataram nos diários o descompasso entre o planejado/esperado e o acontecido, o que os obrigou a refazer percursos, mobilizar novas estratégias, refinar leituras de contexto, encontrar soluções outras para dificuldades que irrompem o cotidiano pedagógico.

Ao criarem narrativas sobre processos de aprendizagem experienciados, os(as) professores(as) deram sentido às experiências que viveram e que empreenderam ao buscar construir propostas capazes de interseccionar anticapacitismo e antirracismo, combate ao racismo em sintonia com o combate ao sexismo e patriarcado, entre outros. Como nos alerta Benjamin (2012), em uma sociedade do efêmero, o ato de narrar está em vias de extinção. São poucas as pessoas que sabem narrar devidamente. Mas o que seria a capacidade de narrar devidamente? Para o autor, é a capacidade de saber trocar experiências.

Interpelados por questões até então ausentes nos currículos escolares - e em sua própria formação profissional e humana -, alguns(mas) professores(as) passaram a se interrogar sobre aspectos que ultrapassam a dimensão de “o que ensinar”, pois dizem respeito a processos mais amplos de formação humana, de construção identitária, de concepção de mundo, como se observa no excerto transcrito a seguir:

Engraçado, sempre pensei que professores sabiam tudo. Mas eles não se sabem negros. Como exigir isso de uma criança com deficiência? Se o negro não se identifica, como as crianças com deficiência se identificam? Como isso atinge a identidade delas ao longo da vida? Não deve ser fácil!! Dá pano para estudo- recortar, costurar, fazer uma colcha com os “pedaços” de cada um. Mas não são pedaços. São seres inteiros que não conseguem se identificar com a sociedade atual, são muito humanos! Quem sabe um estudo horizontal dessa infância negra, com deficiência e mulher? Que colcha!! (Maria, Diário de aula, 25 nov. 2020, grifo nosso).

Por mais que a professora Maria demonstre domínio de conhecimentos acerca de sua área e de seu programa de atuação, saberes relativos às ciências da educação e à pedagogia, é a prática que a interpela de maneira veemente e demanda-lhe fazer outras perguntas e construir novos saberes (TARDIF, 2014). E novamente são os diários que nos possibilitam conhecer processos de reflexão que estão em curso, evidenciando que, para além de uma postura de assujeitamento perante o vivido, alguns professores estão se posicionando de forma crítica e reflexiva e buscando se interrogar a respeito das relações entre crianças, negritude, deficiências, sexismo e outras formas de exclusão.

A escuta atenta das narrativas docentes aproxima-nos do que propõe Bondía (2002), para quem o(a) profissional que somos resulta da elaboração narrativa (particular, contingente, aberta, interminável) da história de nossas vidas, da forma como elaboramos nossas experiências, ou aquilo “que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca” (BONDÍA, 2002, p. 21).

Pesquisas e estudos recentemente divulgados têm ressaltado o fato de que as experiências vivenciadas ao longo do período do ensino remoto emergencial demandaram que os(as) professores(as) revisitassem algumas de suas “teorias pessoais” (ZEICHNER, 1993) sobre os sentidos que atribuem à educação escolarizada, ou mesmo a reverem concepções de mundo e projetos de sociedade. Em um contexto de fortes impactos sobre o cotidiano e de intensa ameaça à vida, assistiu-se à emergência de questionamentos acerca do sentido da existência e das escolhas a serem feitas. Nesse contexto, a leitura de um livro do líder e pensador indígena Ailton Krenak, por uma das professoras, parece ter contribuído para ativar questionamentos e produzir potentes reflexões a respeito dos sentidos da educação escolarizada, como se observa em sua narrativa:

Nosso tempo é especialista em criar ausências: do sentido de viver em sociedade, do próprio sentido da experiência da vida. Isso gera uma intolerância muito grande com relação a quem ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, de dançar, de cantar” (Ailton Krenak) [...] O que é educação para nós seres brancos, ocidentais, excludentes? Parece ser algo do controle, da punição, do ordenamento. Para o povo indígena educar é dar sentido ao nosso estar no mundo. Diferente, né? Será que conseguiremos um dia pensar assim? Só pensar. Agir será um outro momento. Enquanto professora (só?) posso repensar a prática e realinhá-la em vários pontos. Acredito que colocar as crianças em roda revoluciona o mundo. Deixá-las discutir, propor, chegar a um acordo, desacordar e acordar de novo são elemento fundamentais para mudar uma sociedade como a nossa. Tenho feito a minha parte. Mesmo que essas rodas sejam, no momento, virtuais (Maria, Diário de aula, 29 mar. 2021 a 4 abr. 2021).

Em meio aos questionamentos e denúncias dirigidos ao modelo de escola tradicional, também encontramos uma voz de esperança, de anúncio e reconhecimento do potencial da escola, deixando entrever uma professora em processo formativo, repensando e buscando realinhar sua prática, ou ao menos vislumbrando outras possibilidades de atuação e de intervenção no espaço escolar.

Em outro momento, a mesma professora questiona a proposta de um colega e se põe a refletir sobre processos avaliativos, autonomia e outras dimensões da relação pedagógica:

Fiquei estarrecida com a proposta de um professor do nosso grupo que apontou uma pequena “avaliação” através do Google Forms, semanal, para os estudantes do grupo, sobre nossos encontros. A dor aumentou. Conseguimos propor música, poesia, versos, vídeos, desenhos, gráficos, cartazes etc., como forma de registro. Os estudantes toparam. Menos dor. Consigo relacionar esse tipo de ensino à autonomia dos alunos: poucos participam, poucos fazem as atividades encaminhadas virtual ou “papelmente”, porque não foram ensinados a estudar, pesquisar, buscar. Foram ensinados a apenas receber a aula que o professor “dá”. Na pandemia isso ficou claro e evidente. Será que o conteúdo é mais importante que o afeto? Será que o conteúdo é mais importante que a autonomia? Será que o conteúdo é mais importante que o sujeito? Será que não aprendemos nada enquanto professores? A dor foi aguda (Maria, Diário de aula, 15 fev. 2021 a 21 fev. 2021, grifos nossos).

A questão debatida pelos professores, naquele momento, e expressa no diário dessa professora era: “o que demandar dos(as) alunos(as) ao final dos encontros semanais do projeto Escola de Todas as Cores?”. Em outras palavras: como avaliar o desempenho discente? A professora questiona a velha estratégia da aplicação de um formulário com questões avaliativas, e o grupo consente. Vale ressaltar que a estratégia adotada pelos professores, com intuito de levar os estudantes a sistematizarem conhecimentos construídos durante o projeto, incluiu o trabalho com diferentes linguagens e variadas formas de registro (cartazes, gráficos, desenhos etc.), trazendo à tona alguns dos dilemas em torno de processos avaliativos e a própria dimensão da autonomia. Em Pedagogia da autonomia, Freire (2021) trabalha com a noção de autonomia como um princípio pedagógico e aduz que ela se faz presente no reconhecimento das limitações postas na organização da sociedade e da cultura, mas também na capacidade do ser humano de construir-se historicamente, reconhecendo tempos e espaços como possibilidades de se criar o novo.

A narrativa construída pela professora permite-nos perscrutar seu pensamento e sua proposta de ação. Questionando a velha fórmula de perguntas e respostas, ela vislumbra e arrisca outras práticas e outros saberes. Além de posicionar-se a favor de um processo avaliativo mais autônomo, coloca em debate a dimensão do afeto, tema que emerge em outras narrativas, como se pode observar no trecho do diário de outro professor:

Enquanto nos focarmos no ensino, em atividades padrão, para centenas de pessoas, sem a afetividade e real conhecimento sobre o outro, não vamos construir uma educação que seja voltada para nos tornarmos seres autônomos e coletivos (João, Diário de aula, semana 33).

A afetividade ou as emoções são temas ainda pouco legitimados - ou mesmo evitados - nos debates em educação, tanto no interior de escolas da educação básica quanto nas instituições de formação de professores(as), e na própria pesquisa educacional. Parece-nos que essa discussão encontra maior espaço e legitimidade no campo da educação popular, em que comparece associada ao engajamento social. Novamente, recorremos a Freire (2014) para quem o amor é um ato de coragem, um compromisso ético-político com os homens e mulheres. E, por ser amoroso, o ato educativo é dialógico e nunca impositivo ou dominador.

Nesse sentido, diversas narrativas presentes nos diários deixam transparecer concepções que nos apontam para a necessidade de um processo que inclua a afetividade, o reconhecimento da diversidade, o respeito à alteridade e o reconhecimento de que, para que esse processo aconteça, é imprescindível formarmos sujeitos autônomos. O que transparece nas narrativas docentes são também, em certa medida, processos de reinvenção do currículo escolar, em que estão em disputa não apenas os conteúdos a serem ensinados, mas também um projeto de formação humana que inclua o aprendizado da autonomia e da cooperação, a partilha de afetos e experiências, o reconhecimento da sensibilidade como dimensão intrínseca do humano. Tais dimensões são explicitadas em outro trecho de diário de aula:

A cada dia vejo a importância de estudar práticas de ensino que ampliem a autonomia, a autoestima, a capacidade de análise e a sensibilidade das pessoas. Tenho cada vez mais certeza que a escola deve se descolar de conteúdos e práticas gerais para se preocupar em desenvolver indivíduos sociais, políticos e capazes de se solidarizar e revoltar com as opressões, dando ferramentas para que possam mudar a realidade (João, Diário de aula, semana 13, grifo nosso).

Entre as questões que emergem da narrativa do professor, reconhecemos a problematização do conhecimento único, universal e eurocêntrico que quase sempre se materializa nos currículos de escolas de educação básica. As análises sociológicas do currículo já vêm, há algumas décadas, evidenciando as relações entre currículo e cultura, currículo e poder, currículo e constituição de identidades, mostrando como a seleção dos conhecimentos que compõem os currículos escolares configura, sobretudo, um campo e terreno de disputas. O que conta como conhecimento escolar? A quem esse conteúdo atende? Por que tal conhecimento, e não outro? Essas são questões centrais que passaram a permear, principalmente, o campo crítico do currículo, buscando desnaturalizar o currículo e mostrar seu caráter histórico, social, contingente e arbitrário (SILVA, 2015). Mesmo sem dominar plenamente esse discurso, os(as) professores(as) que participaram da pesquisa aqui apresentada mostraram-se, em certa medida, afinados(as) com um projeto curricular emancipatório e mobilizaram esforços no sentido de construir estratégias para materializar um projeto de educação antirracista em confronto com a perspectiva eurocêntrica, colonial, racista, capacitista, sexista, patriarcal e heteronormativa.

Kilomba (2019) é outra pensadora contemporânea a questionar o fato de a erudição e a ciência estarem a serviço dos poderes instituídos e da autoridade racial. Ela nos instiga a perguntar qual conhecimento tem feito parte das agendas acadêmicas e defende a necessidade de desmontarmos a ideia de neutralidade dos espaços de construção do saber e responsabilizarmos esses espaços por toda a produção teórica que tem servido ao propósito de construir negros e negras como um “outro” inferior.

Delory-Momberger (2016) nos lembra que a experiência está no âmago do processo formativo docente. As narrativas nos mostram que a partir das experiências do trabalho com assuntos vinculados à temática étnico-racial alguns dos(as) professores(as) envolvidos(as) no projeto passaram a problematizar a ausência desse conteúdo nos currículos escolares e se interessaram por conhecimentos que estivessem a serviço da compreensão, explicitação e enfrentamento das opressões sofridas por certos grupos sociais. Assim, muitas das narrativas de experiências profissionais revelam situações em que aquele(a) professor(a) se forma pela experimentação e transformação de sua prática pedagógica com a temática étnico-racial.

Ademais, se o conhecimento é um dos elementos-chave na construção de uma educação antirracista, as narrativas dos professores João e José lembram-nos que a perspectiva dialógica é elemento fundamental na construção de tais conhecimentos. Não por acaso a ênfase em uma “educação das relações étnico-raciais” como princípio do projeto de educação antirracista, conforme preconizado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (BRASIL, 2004).

Fica cada dia mais óbvio que a noção de “educação antirracista” se conecta diretamente com uma “educação para todos”, diria que apesar de voltadas para grupos sociais inicialmente distintos, são, no fim, a mesma forma de se pensar uma educação para indivíduos reais, não para um alunado ideal (João, Diário de aula, semana 21, grifo nosso).

Acredito que a escola como espaço da disputa de diferentes formas de conceber a sociedade, por mais que seja desgastante para quem convive com quem não quer dialogar, refletir e se permitir mudar algumas posturas em seu fazer pedagógico, é necessário, acho que cada dia mais temos que encontrar um meio de furar nossas bolhas de convivência e de concepções ou até mesmo expandi-las para encontrar com outras e como isto é benéfico para o processo de escolarização (José, Diário de aula, 22 mar. 2021 a 26 mar. 2021, grifo nosso).

Na perspectiva desses docentes, uma das formas de construir uma educação voltada para “indivíduos reais” é se colocar a ouvir esse sujeito que está a sua frente, reconhecendo que ali há um sujeito real. Aqui, apropriamo-nos do conceito de diálogo em Freire (2014), quando este nos lembra que o diálogo permite a cada um dos interlocutores uma possibilidade de dizer o mundo segundo seu modo de ver. No espaço escolar, isso parece fundamental, como constata o professor José. Por configurar-se como território de disputas entre variadas concepções de sociedade e de educação, a escola é, por excelência, espaço de emergência de conflitos, e estes não deveriam ser negados ou “encobertos”. O confronto entre pontos de vista diferentes ou mesmo divergentes é parte da experiência democrática, que se assenta - e se fortalece - na possibilidade do diálogo entre diferentes, desde que entre eles não exista uma dimensão de desigualdade. O diálogo entre professores(as), portanto entre pares, deveria resultar em uma práxis social, isto é, em um compromisso entre a palavra dita e a ação no mundo.

Nesse sentido, outro aspecto que emergiu das narrativas docentes, como ponto de sustentação de uma proposta de educação antirracista, foi a ênfase no trabalho coletivo:

Me incomoda como continuamos a fazer uma escola na qual cada um faz o seu trabalho sem saber sobre o outro, sem construir um pensamento conjunto de educação, não é esta a escola pela qual quero trabalhar, me pergunto muitas vezes sobre como fazer mais e poder construir uma perspectiva de educação que seja coletiva e defenda mais que apenas o conteúdo ou parâmetros legais como objetivo educacional. O Escola de todas as cores tem sido uma experiência muito forte para mim, sobre as possibilidades de um trabalho coletivo dentro das escolas (João, Diário de aula, semana 31, grifo nosso).

É importante relembrarmos que o desenvolvimento do projeto foi favorecido pelas contingências do ensino remoto emergencial, o qual propiciou as condições para que todos(as) os(as) professores(as) envolvidos(as) no trabalho pudessem estar reunidos(as) em um mesmo dia/horário. Estudos sobre a cultura de colaboração docente têm enfatizado que esta é muito mais proclamada do que efetivamente realizada (HARGREAVES, 1998; BORGES, 2010; TARDIF; LESSARD, 2008). Uma possibilidade de análise do trabalho coletivo é aquela que busca compreender de forma mais horizontal o que os(as) professores(as) pensam sobre o trabalho coletivo e se/como se articulam para desenvolver essa organização coletiva em seu cotidiano de trabalho, mas essa seria outra discussão, que ultrapassa os limites deste texto.

5 CONCLUSÃO

Nas últimas décadas, intensificaram-se os debates sobre a temática étnico-racial, sobretudo a partir da promulgação da Lei 10.639/2003, cuja implementação vem sendo investigada a partir dos mais diferentes aportes teórico-metodológicos. Ator central nesse debate tem sido o Movimento Negro organizado, reforçando e lutando pelo cumprimento da referida legislação e pela necessária e urgente construção de uma educação e de uma sociedade antirracista. Apesar de alguns avanços, compreendemos que esse processo não tem se dado de forma linear, sendo marcado por um controverso processo de “idas e vindas”, envolvendo embates e disputas que ultrapassam os conflitos inerentes à inserção de novos conteúdos curriculares, uma vez que implicam reorganização e problematização de um currículo de base eurocêntrica, incluindo mudanças nos calendários escolares e tendo como pressuposto o empreendimento de uma educação antirracista.

Este texto apresentou parte de uma pesquisa de doutoramento em educação cujo propósito foi compreender uma proposta de educação antirracista empreendida por um grupo de professores(as) de uma escola pública de Belo Horizonte, a partir do projeto “Escola de Todas as Cores”. O percurso metodológico foi organizado de modo a acompanhar as ações em torno desse projeto, por aproximadamente um ano. Neste texto, centramos nossas análises nas narrativas de experiências profissionais docentes, sistematizadas em diários de aula escritos pelos(as) professores(as) que se dispuseram a participar da pesquisa. Esse material se revelou como importante fonte para acessar processos formativos e reflexões tecidas pelos(as) professores(as) no instante em que se desenvolvia o projeto. Além de estratégia metodológica profícua, os diários constituíram-se em rico instrumento de formação em serviço para os(as) professores(as) pesquisados(as), conforme revelam suas narrativas.

As práticas observadas no projeto Escola de Todas as Cores contaram com muitas limitações próprias do momento pandêmico, como o baixo quórum de alunos(as) nas aulas síncronas e a reduzida participação deles(as) no projeto. As interações foram de tal maneira limitadas que os(as) alunos(as) pouco compareceram nos diários de aula elaborados pelos(as) professores(as).

Ao mesmo tempo, as narrativas presentes nos diários de aula trazem fortes evidências de aprendizados sobre a temática construídos pelos(as) professores(as) durante o desenvolvimento do projeto, mostrando que esse trabalho teve um forte potencial de formação continuada docente. Constatamos, assim, que a possibilidade de um trabalho sistemático com a temática impactou e modificou não apenas o saber profissional desses(as) professores(as), mas tornou mais sensível sua observação cotidiana das situações de preconceito e desigualdade racial. Também foi possível perceber que o trabalho em torno da temática buscou traduzir e apresentar conceitos-chave e que a abordagem realizada trouxe para o centro do debate o conceito de interseccionalidade, sobretudo a partir da busca de compreensão das relações entre racismo/sexismo e racismo/capacitismo. Este último compareceu fortemente nas narrativas docentes, e foram frequentes as reflexões acerca de indissociabilidade entre educação antirracista e construção de uma sociedade efetivamente inclusiva, como parte da luta por uma sociedade mais equânime. Tais discussões, que dizem respeito aos critérios de seleção dos saberes escolares e de reinvenção do currículo, mostram que foram extrapolados temas tradicionalmente versados em torno da temática africana e afro-brasileira.

Sobre os processos de reflexão desencadeados, assinalamos o esforço dos(as) professores(as) de construir conhecimento a partir da elaboração de suas experiências profissionais. A escrita e a análise dos diários possibilitaram-nos acessar reflexões e vivências dos(as) professores(as), permitindo constatar novamente a potência da temática para sua formação profissional e pessoal. Ao refletirem sobre o trabalho realizado, os(as) professores(as) ficaram imersos(as) em uma práxis fundamental que não apenas dizia do processo que empreendiam com os(as) alunos(as), mas de como o sujeito professor também era modificado pelo seu trabalho. Assim, ao trazer fragmentos de narrativas de experiências profissionais docentes, por meio dos diários de aula, o texto procurou reunir indícios de como o sujeito autobiográfico tem o potencial de aproximar o sujeito empírico e o sujeito epistêmico (PASSEGGI, 2016; 2021) e, assim, construir pontes entre a pesquisa em educação e os processos de formação docente, a partir de uma proposta de pesquisa-formação. Identificamos, então, um movimento de engajamento que recoloca o processo formativo a partir das noções de autonomia, de emancipação e de autodeterminação do sujeito docente, e que evidencia a possibilidade de produção de conhecimentos para além do espaço acadêmico, a partir do envolvimento do sujeito no processo de seu desenvolvimento profissional.

Nesse sentido, os dados aqui trazidos demonstram a importância de demandarmos e construirmos tempos de debate e reflexão coletiva dos(as) professores(as) sobre suas práticas escolares como estratégia de formação coletiva em serviço. Se quisermos empreender, como nos diz hooks (2017), um exercício de autoatualização docente, também na educação básica, é preciso pensarmos em uma reorganização do tempo de trabalho docente. Como observado na pesquisa, há professores(as) interessados(as) na construção de um modelo de educação mais horizontal e de diálogo entre os pares, mas para isso é necessário reestruturar as condições do trabalho docente.

Diante do exposto, afirmamos que só existe educação antirracista quando há professores(as) que se preocupam e se engajam na construção de um processo reflexivo. Quando analisamos o trabalho docente, é importante situá-lo dentro do par conceitual saberes e práticas, reconhecendo que esses conceitos são construídos em intrínseca relação com a reflexão das experiências profissionais docentes. A reflexão não é uma categoria que comporta apenas os saberes profissionais, mas se articula de maneira intrínseca à prática profissional, que deve ser compreendida por uma perspectiva teórico-prática.

Nesse sentido, quando o(a) professor(a) engajado(a) com a temática antirracista reflete sobre sua prática antirracista e constrói saberes profissionais, ele(a) está desenvolvendo um processo formativo que integra sua pessoalidade e sua profissionalidade, que não podem mais ser dissociadas. Assim, compõe a concepção de educação antirracista uma visão crítica da sociedade na qual se estabelece um compromisso ético-político de combate às injustiças raciais percebidas nessa sociedade e, consequentemente, nas salas de aula.

As análises aqui apresentadas representam um pequeno recorte de uma pesquisa que abarcou inúmeros outros elementos referentes ao desenvolvimento de um projeto de educação antirracista, aos processos formativos vivenciados e expressos pelos(as) professores(as), ao potencial reflexivo das narrativas docentes e às dimensões identitárias dos sujeitos envolvidos. A impossibilidade de ampliar as discussões certamente impõe lacunas ao texto. Cientes desses limites, esperamos que a leitura tenha suscitado mais interrogações do que respostas, e que tanto o percurso de investigação quanto alguns dos achados da pesquisa aqui compartilhados possam instigar a realização de novos estudos envolvendo o tema da educação antirracista, associado às narrativas de experiências profissionais docentes, aos diários de aula e às possibilidades de reinvenção dos currículos escolares.

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NOTA:

1 Participaram da pesquisa dois professores de História, Joana e João; uma professora de atendimento educacional especializado, Maria; um professor de Língua Portuguesa, Marcos; e um professor de Geografia, José. Todos os nomes são fictícios, garantindo-se o anonimato dos participantes, de acordo com orientações do Comitê de Ética em Pesquisa, ao qual o projeto foi submetido, apreciado e aprovado.

Recebido: 20 de Outubro de 2022; Aceito: 06 de Fevereiro de 2023; Publicado: 30 de Março de 2023

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