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Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.21  São Paulo  2023  Epub 30-Jun-2023

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2023v21e55306 

Artigos

Arquivamento e arquivização de imagens poéticas de docência no arquivo do projeto objetos de pensar

Arquiving and archivization of poetic images of teaching in the archive of the objects of thinking project

Archivamiento y archivización de imágenes poéticas de docencia en el archivo del proyecto objetos de pensar

Inauã Weirich RIBEIROi 
http://orcid.org/0000-0003-0701-4555

Jeferson Cristian Zick CAMARGOii 
http://orcid.org/0000-0002-3285-4030

Angélica Vier MUNHOZiii 
http://orcid.org/0000-0002-2644-043X

1 Licenciada em História pela Univates, mestra em Ensino pela Univates, e doutoranda em Ensino na Univates, com Bolsa Prosuc/Capes. Universidade do Vale do Taquari (Univates). E-mail: iwribeiro@universo.univates.br - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0003-0701-4555

2 Graduado em Psicologia pela Universidade do Vale do Taquari (Univates). E-mail: jeferson.camargo@universo.univates.br - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-3285-4030

3 Doutora em Educação. Docente do Centro de Ciência Humanas e Sociais e do PPGEnsino, líder do Grupo de Pesquisa Currículo, Espaço, Movimento (CEM/CNPq), Universidade do Vale do Taquari - Univates. E-mail: angelicavmunhoz@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-2644-043X


Resumo

Este artigo, que conta com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), toma a docência como imagem poética para distanciar-se de uma imagem dogmática. Pergunta-se: de que modos produzimos imagens sobre a docência? O objetivo é arquivizar imagens de docência a partir do arquivo do Projeto de Pesquisa Objetos de Pensar, criado pelo Grupo de Pesquisa Currículo, Espaço, Movimento. Para abordar a noção de imagem poética e imagem dogmática de pensamento, aproxima-se de Octávio Paz (2012) e Gilles Deleuze (2006). Como método, utiliza o arquivo em Foucault (2008) e, como procedimentos, o arquivamento e a arquivização, de Aquino e Val (2018). O movimento de arquivização permitiu a multiplicação das imagens em cerca de 150 ditos e aproximadamente 40 discursos-imagens diferentes de docência.

Palavras-chave: imagem poética de docência; objetos de pensar; arquivo; arquivamento; arquivização

Abstract

In this paper, which is supported by the Coordination for Improvement of Higher Education Personnel (CAPES), teaching is regarded as a poetic image to move away from a dogmatic image. It asks: How have we produced images of teaching? The aim is to archivize images of teaching from the archive of the Objects of Thinking Project, designed by the Research Group Curriculum, Space, Movement. The notion of poetic image and dogmatic image of thought is addressed according to Octávio Paz (2012) and Gilles Deleuze (2006). The method adopted is the archive of Foucault (2008), and the procedures are archiving and archivization, of Aquino and Val (2018). Archivization has enabled the multiplication of images to around 150 sayings and approximately 40 different image-discourses of teaching.

Keywords: poetic image of teaching; objects of thinking; archive; archiving; archivization

Resumen

Este artículo, que cuenta con apoyo de la Coordinación de Perfeccionamiento del Personal de Educación Superior - CAPES, toma la docencia como imagen poética para distanciarse de una imagen dogmática. Se pregunta: ¿De qué manera producimos imágenes sobre la docencia? El objetivo es archivizar imágenes de docencia del archivo desde el Proyecto de Investigación Objetos de pensar, creado por el Grupo de Investigación Currículum, Espacio, Movimiento. Para abordar la noción de imagen poética e imagen dogmática de pensamiento, se aproxima a Octavio Paz (2012) y Gilles Deleuze (2006). Como método, utiliza el archivo en Foucault (2008) y, como procedimientos, el archivamiento y la archivización, de Aquino y Val (2018). El movimiento de archivización permitió la multiplicación de las imágenes en cerca de 150 dichos y aproximadamente 40 discursos-imágenes de docencias diferentes.

Palabras clave: imagen poética de docencia; objetos de pensar; archivo; archivamiento; archivización

1 INTRODUÇÃO

Neste artigo, que conta com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Capes), toma-se a docência como uma imagem poética. A docência pulveriza-se em imagens e ou dogmatiza-se em clichês quando sobre ela pensamos. Para refletirmos sobre o assunto, aproximamo-nos da perspectiva deleuziana, a qual possibilita que nos distanciemos de uma imagem dogmática de docência. Afastando-nos das imagens dogmáticas, tomamos a docência como diferença. Nesse sentido, pergunta-se: de que modo a docência se multiplica por meio de imagens? De que modos produzimos imagens sobre a docência? De que modos dogmatizamos a docência em imagens?

Pensando-se a docência por meio de imagens, este artigo tem como objetivo arquivizar (AQUINO; VAL; 2018) imagens de docência a partir do arquivo do Projeto de Pesquisa Objetos de Pensar, criado pelo Grupo de Pesquisa Currículo, Espaço, Movimento (Grupo CEM), da Universidade do Vale do Taquari. Apresentamos, inicialmente, o Projeto Objetos de Pensar, desenvolvido ao longo de 2019 com instituições parceiras do Grupo de Pesquisa, e seguimos com a apresentação do material empírico produzido no/pelo Projeto em 2019 e 2020. Trazemos, então, a noção de arquivo em Michel Foucault (2008) e os procedimentos de arquivamento e arquivização de Julio Groppa Aquino e Gisela Maria do Val (2018), operacionalizados com o material empírico. Em seguida, expomos as noções de imagem dogmática de pensamento, de Gilles Deleuze (2006), e de imagem poética, de Octávio Paz (2012). Posteriormente, desenvolvemos a noção de imagem de docência como princípio organizador do arquivo para o desenvolvimento do procedimento de arquivização e abordamos os rigores criados para tal. Ao fim, suspendemos o discurso-imagem de docência “escrita e leitura” que emergiu no procedimento de arquivização operado.

2 O PROJETO OBJETOS DE PENSAR

Os materiais empíricos tomados para compor este texto fazem parte do arquivo do Projeto Objetos de Pensar. A proposta teve como premissa inicial que a educação é um campo farto de representações, palavras, imagens e pensamentos já povoados, mas também que é possível pensar na sua potencialidade como um campo fértil, aberto a novas experimentações. Diante disso, o Projeto Objetos de Pensar investiu na criação de questões/problematizações/indagações/perguntas, que não precisavam ser respondidas, mas que deveriam movimentar o pensamento, provocando um deslocamento dos lugares já colonizados. A proposta implicava a invenção de imagens outras de pensar a educação, a partir de um movimento autoral que convidava os(as) professores(as) e estudantes de licenciatura a pensarem a educação e a vivenciarem o Projeto por meio de oficinas.

O Projeto Objetos de Pensar investiu em intervenções que colocassem os participantes a pensar a docência e a movimentar o pensamento. As experimentações propostas circularam entre as escolas e universidades parceiras do Grupo CEM. Durante esse tempo, foram produzidas 32 oficinas, as quais provocaram os(as) docentes e estudantes a outras formas de pensar a educação. Posteriormente, alguns dos objetos e materiais produzidos pelos(as) participantes nas oficinas fizeram parte de uma exposição no SESC/Lajeado, a fim de dar visibilidade para essas criações e também provocar os(as) docentes a pensarem a educação em outro espaço. As criações de objetos que se originaram do referido Projeto podem ser vistas no livro que leva o nome Objetos de Pensar: exercícios para a docência.

Nas oficinas realizadas, foram experimentados cerca de 16 objetos. Para ministrar as oficinas, a equipe organizadora do Projeto foi dividida em diversos grupos, compostos por bolsistas de iniciação científica, bolsistas integrais de mestrado e doutorado e pesquisadoras. Conforme os parceiros do Grupo CEM foram solicitando a participação no Projeto, o qual fora divulgado no site da instituição, em redes sociais e correio eletrônico, os objetos iam sendo escolhidos, de acordo com a intenção do(a) solicitante e o tempo disponível para a realização das oficinas no local acordado. Todos(as) os(as) participantes(as) assinaram Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) antes da realização das oficinas.

Ao longo das oficinas, observou-se que os(as) participantes se utilizavam de diversas formas de expressão para operar o pensamento, como imagens, metáforas, analogias, dentre outras. Quando as oficinas foram finalizadas, percebeu-se uma profusão de imagens associadas à docência; tomamos, então, o material empírico como arquivo, no sentido de Foucault (2008), para pensarmos os diversos modos de imagens de docência que emergiram. No próximo item, apresentamos a noção de arquivo (Foucault, 2008) com a qual operamos no material empírico produzido ao longo do Projeto.

3 ARQUIVO

O material empírico produzido nas oficinas do Projeto Objetos de Pensar variou conforme o contexto da oficina e o objeto de pensar movimentado. Assim, ao arquivarmos o material, reunimos diversas materialidades repetíveis (FOUCAULT, 2008): os próprios objetos aplicados, anotações capturadas por foto, fotos das oficinas, fotos do material produzido pelas/os participantes, desenhos, diários de campo produzidos pela equipe do Projeto, minicartazes, cartazes, post its, vídeos, cartas e tirinhas com frases utilizadas em dinâmicas.

Essa produção empírica das oficinas do Projeto Objetos de Pensar foi tabulada para que pudéssemos tomá-la como um arquivo, no sentido de Michel Foucault (2008). Para o autor, o arquivo é entendido como “a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento dos enunciados como acontecimentos singulares” (FOUCAULT, 2008, p. 147). Nessa ordem, o material produzido nas oficinas tem, pelo movimento próprio dos objetos de pensar, possibilidades de enunciados em torno da educação e da docência. Na medida em que as materialidades produzidas possibilitam determinados modos de pensar e criar imagens da educação e da docência, relações de saber-poder emergem implicadas entre objetos, oficineiros(as) e participantes.

Com esse procedimento de arquivo, utilizamos as noções de arquivamento e arquivização de Júlio Groppa Aquino e Gisela Maria do Val (2018) para operarmos com o material empírico. O arquivamento funcionou como um movimento de composição do arquivo, com o qual pudemos operar a tarefa de “reordenação transversal das fontes, por meio das (re)montagens das lacunas discursivas em torno de determinados problemas concretos abrigados no e pelo arquivo” (AQUINO; VAL, 2018, p. 49). Assim, o arquivamento permitiu-nos tomar o material empírico produzido com as oficinas e reorganizá-lo conforme a intencionalidade, nesse caso, tendo uma visão ampla dos modos de produzir imagem em torno da docência. Para isso, organizamos um arquivo no qual tabulamos as materialidades em séries.

O processo de arquivamento consistiu em organizar, a partir do objeto de pensar, todas as materialidades produzidas que estavam disponíveis no laboratório do Grupo de Pesquisa. Essa organização se deu pela transcrição dos ditos - quando o material estava em formato de texto - e pela colagem das fotografias disponíveis, para que pudéssemos ter uma visão ampla do material. Cada Objeto possibilitou criar uma série de materialidades diferentes e, caso o Objeto tivesse sido movimentado em mais de uma oficina, permitiu criar subséries das oficinas. Nesse sentido, o arquivamento do material empírico foi organizado de forma sumarizada a partir do Objeto em um documento de ofício. Segue abaixo quadro que mostra a sumarização das materialidades.

Quadro 1 Imagem do processo de sumarização do material empírico 

Objeto 1 - Os jovens e as funções da escola: uma matéria epistolar
1.1 - Objeto
1.2 - Descrição da oficina
1.3 - Cartas
1.3.1 - Subsérie: Oficina 25/06/2019
1.3.2 - Subsérie: Oficina 28 e 30/08/2019
1.3.3 - Subsérie: Oficina 25/07/2019
1.3.4 - Subsérie: Oficina 23/01/2020
1.4 - Tirinhas usadas nas oficinas

Fonte: Criado pelos autores, 2021.

Como é possível observar no quadro acima, o objeto de pensar inicia uma série de materialidades, como, por exemplo, o item 1.1. O item seguinte, 1.2, identifica a descrição da oficina produzida pelos(as) oficineiros(as). O item 1.3 indica a materialidade produzida pelos(as) participantes das oficinas. Nesse item, foram criados subitens para identificar as diferentes oficinas nas quais essas materialidades foram produzidas. O item 1.4, por sua vez, apresenta as materialidades utilizadas ao longo das oficinas, seja pelos(as) oficineiros(as), seja pelos(as) participantes. As materialidades do arquivo do Projeto Objetos de Pensar nos quais não identificávamos nenhuma imagem de docência foram retiradas da tabulação para esse arquivamento.

Diante do arquivamento, pudemos observar e articular procedimentos de arquivização, os quais oportunizam “o encontro não somente com os papéis inertes da história, mas com potências ativas, na qualidade de pontos de inflexão que mobilizam e produzem ressonâncias, dada sua capacidade de produzirem desvio.” (AQUINO; VAL, 2018, p. 50). O procedimento de arquivização funcionou como uma espécie de díade imaginação-montagem (AQUINO; VAL, 2018), com a qual, a partir de um princípio organizador, tomamos os enunciados e recompomos o arquivo. Para criarmos esse segundo movimento arquivístico, tomamos a noção de imagem de docência como princípio organizador do arquivo, observando, nos objetos, na descrição dos(as) oficineiros(as) e nos materiais produzidos pelos(as) participantes, diversas expressões de imagens de docência.

4 IMAGENS DE DOCÊNCIA COMO PRINCÍPIO ORGANIZADOR DO ARQUIVO

Para compor o procedimento arquivístico, estudamos as noções de imagem dogmática de pensamento de Gilles Deleuze (2006) e de imagem poética de Octavio Paz (2012), com vistas a ampliar as possibilidades de arquivização das imagens de docência que emergiram no material empírico do Projeto Objetos de Pensar. Ampliar a noção de imagem de docência se fez emergente para que pudéssemos deslocar o pensamento dos lugares já colonizados. Com esse propósito, a noção de imagem dogmática de pensamento, desenvolvida por Gilles Deleuze (2006) na obra Diferença e repetição, auxiliou-nos a compreender “os pressupostos filosóficos do pensamento na tentativa de se desprender da representação e reivindicar um pensamento sem imagem ou uma nova imagem do pensamento, ou seja, um pensamento sem modelo ou forma” (MUNHOZ; ZANOTELLI; ROOS, 2018, p. 686).

Com o intuito de desprender a docência da representação e multiplicar os seus sentidos, buscamos compreender de que forma o pensamento pode ser produzido por uma concepção dogmática, para dela nos desprendermos. Para Deleuze (2006), quando um conceito é apresentado por um filósofo, este se utiliza de palavras outras que não são explicadas na definição do conceito, pois se parte do pressuposto de que essas palavras já são sabidas pelo leitor. Esse pressuposto de que a definição das palavras já é sabida por aquele que lê tem a forma de “todo mundo sabe…” ou “todo mundo sabe, ninguém pode negar” (DELEUZE, 2006, p. 190). Contudo, para o filósofo, sempre haverá pelo menos uma pessoa que nega saber o que todo mundo sabe.

Esse modo de definir o pensamento por meio de pressupostos na filosofia é um senso comum, pois se entende que há um pensamento natural e universal (uma cogitatio natura universalis) no sujeito. É nesse princípio, de que todo mundo pensa ou sabe, que a filosofia tem seu ponto de partida do pensamento, sua origem. “Nesse sentido, o pensamento conceitual filosófico tem como pressuposto implícito uma Imagem de Pensamento, pré-filosófica e natural, tirada do elemento puro do senso comum” (DELEUZE, 2006, p. 131). Isso Deleuze chama de imagem dogmática ou ortodoxa, pois é uma imagem de ordem moral.

Esse senso comum naturalizado tem um ideal de que há um “bom senso” que é aplicável por um método. Entretanto, “com efeito, existe um modelo: o da recognição. A recognição define-se pelo exercício concordante de todas as faculdades sobre um Objeto suposto como sendo o mesmo: é o mesmo objeto que pode ser visto, tocado, lembrado, imaginado, concebido…” (DELEUZE, 2006, p. 132). Nesse senso comum filosófico, se um pensamento tal pode ser reaplicável por um mesmo método ou processo, há aí uma verdade. Todavia, para Deleuze, esse é um modo de recognizar, ou, dito de outra forma, imaginar o mesmo, a mesma coisa, o mesmo objeto, por meio da representação.

Essa orientação de um pensamento que pode ser repetido constitui um ideal de ortodoxia, o que impede a filosofia de romper com a doxa por conservar um modelo de pensamento. Esse ideal é a recognição, que só inspira a conformidade (mais do mesmo). A recognição faz parte do nosso cotidiano, pois diariamente reconhecemos coisas ou fazemos os mesmos movimentos. Para Gilles Deleuze (2006), a recognição não é o mesmo que pensar, uma vez que pensar “é objeto de um encontro fundamental” (p. 138) com aquilo que força a pensar, é da ordem dos signos. É preciso um encontro com um signo para que o pensar aconteça no pensamento, na criação, para que se tenham outras imagens.

A imagem dogmática de pensamento (DELEUZE, 2006) só reconhece o erro como diferente de si. Como há nela o pressuposto de que todos pensam, o não pensar - o seu negativo - seria cometer um erro. Contudo, para se fazer uma oposição à doxa, não se toma o erro como imagem outra, pois ele é próprio da imagem dogmática. O erro funciona como oposição à verdade, ao mesmo passo que, assim reconhecido, toma a forma de verdade. Nesse sentido, a designação é um privilégio da doxa, pois indica aquilo que é o verdadeiro e aquilo que é o falso. Há na designação das palavras um paradoxo do sentido, visto que aquele que pergunta, pergunta na direção daquilo que quer como resposta. Desse modo, um problema é formulado com o intuito de receber determinada resposta, para produzir determinado sentido sobre determinado tema colocado em questão. Assim, é possível que toda resposta/verdade, todo sentido, seja transformado em pergunta, em problema. Essa crença de que os problemas já estão aí e que desaparecem ao encontrarmos uma resposta ou solução é outra caraterística da imagem dogmática. A resposta/resultado é entendida na doxa como um saber. O saber é um resultado de um processo de aprender. Dessa forma, o aprender está para a recognição, para a cultura.

Mas a cultura é o movimento de aprender, a aventura do involuntário, encadeando uma sensibilidade, uma memória, depois um pensamento, com todas as violências e crueldades necessárias, dizia Nietzsche, justamente para ‘adestrar um povo de pensadores’, ‘adestrar o espírito’ (DELEUZE, 2006, p. 161).

Posto isso, ao invés de utilizarmos as imagens de pensamento da docência do material empírico do Projeto Objetos de Pensar por meio de uma doxa da docência, perguntamos: de que modos a docência pôde ter seus sentidos multiplicados ao longo das oficinas? De que modos podemos subverter o pensamento da representação (MUNHOZ, 2011) por meio de imagens?

A noção de imagem dogmática de pensamento, de Gilles Deleuze (2006), direcionou-nos a tomar o material empírico produzido com o Projeto Objetos de Pensar de maneira diferente da cogitatio natura universalis. Nosso objetivo não era tratar esse material por meio da doxa, mas olhar de modo particular para as imagens de docência produzidas nas oficinas. Nessa perspectiva, o enunciado foucaultiano serviu para suspender imagens de docência, ou seja, ficar no nível dos ditos que giram em torno da docência no arquivo do Projeto Objetos de Pensar. Com efeito, tomamos a noção de Imagem de Octavio Paz (2012) para que pudéssemos ver “potências poéticas que reafirmam a vida que ali pulsa” (FISCHER; LOPONTE, 2020, p. 15); pensar outra forma de arquivar as imagens produzidas nas oficinas do Projeto, sem querer recognizar o pensamento sobre a docência; arquivar imagens de docência, tomando-as como princípio organizador do movimento de arquivização.

Octavio Paz (2012), em sua noção de imagem, adota uma perspectiva da poesia como modo de expressão que possibilita a multiplicação dos sentidos, em uma direção diferente daquela dos procedimentos científicos. O poeta aponta que a imagem, em um sentido de figura ou representação, tem um valor psicológico, pois é produto imaginário. Entretanto, a palavra imagem pode ser designada como “toda forma verbal, frase ou conjunto de frases que o poeta diz e que juntas compõem um poema” (PAZ, 2012, p. 104). As expressões verbais que, na concepção de Paz (2012), são imagens foram classificadas pela disciplina moderna da retórica por: comparação, símiles, metáforas, jogos de palavras, paronomásias, símbolos, alegorias, mitos, fábulas etc. Porém, independentemente daquilo que as separa em classificações, essas categorias preservam-se enquanto imagens. “Isto é, [a imagem] submete a unidade à pluralidade do real” (PAZ, 2012, p. 104, grifo nosso). A imagem é uma unidade, contudo, não dá conta da pluralidade de sentidos que a realidade pode ter. Ela é uma unidade, mas não uma totalidade.

Em outra direção, os conceitos e leis científicas têm a intenção de, por meio das classificações, criar unidades sobre a pluralidade do real, ou seja, conceitos e leis científicas são imagens. São uma redução racional que tenta transformar coisas diferentes em uma unidade homogênea, em uma imagem dogmática de pensamento (DELEUZE, 2006). Essa operação de criação de sentido feita pela ciência, na perspectiva de Paz (2012), é reducionista, diferentemente da poesia, que funciona como uma operação de criação de sentido, em outras palavras, funciona de outra maneira. Enquanto a ciência reduz o sentido das coisas, a poesia multiplica. Enquanto a ciência quer dar conta da verdade ou da realidade, a poesia quer criar, quer a multiplicação das possibilidades de verdade e realidade. A modernidade, na sua lógica cientificista, tentou encontrar métodos para chegar à verdade e nisso reduziu o pensamento ao modo hegeliano. Nesse processo, a poesia ficou relegada a um segundo plano, sendo tratada como um modo de produção de sentido menor.

Essa maneira de relacionar-se com a poesia é diferente entre os mundos ocidental e oriental (PAZ, 2012). No Ocidente, “isto é isto” e “aquilo é aquilo” (PAZ, 2012, p. 108). Poderíamos compreender essa noção por meio dos valores de bem e mal (NIETZSCHE, 2012) com os quais se criam as figuras de Deus e do Diabo como opostos, de forma binária, polarizada. Em outro modo de funcionamento, no Oriente, “Isto é aquilo” (PAZ, 2012, p. 108). Para compreender essa concepção oriental, os valores de bom e mau não funcionam como opostos, mas como complementos, a ponto de se confundirem. Não há o bom em um lugar e o mau em outro. A verdade, para a tradição oriental, é uma experiência de ordem pessoal, portanto, incomunicável. As palavras são condenadas, pois a sabedoria não está na ordem da comunicação. Nisso, as imagens e a poesia surgem como modos de produzir pensamento. É nesse sentido que os pensamentos hindu, taoísta e budista se tornam compreensíveis por intermédio das imagens, da poesia (PAZ, 2012).

No meio de tantas possibilidades, como podemos atribuir apenas um significado para imagem? No entanto, se ela tem tantos significados, como pode ser-lhe atribuído um só? A natureza primeira das palavras é a sua pluralidade de significados (PAZ, 2012). Uma palavra pode ser explicada por outras, por meio da produção de significado. Porém, ao tentarmos explicar uma imagem com palavra, já fazemos dela outra coisa, já que “a imagem explica a si mesma” (PAZ, 2012, p. 115). Imagem e palavra são coisas diferentes. A palavra demanda definição ou coisa, mas a imagem é irredutível à explicação e interpretação - a imagem “acaba nela e começa nela” (PAZ, 2012, p. 116). Nesse sentido, podemos entender que a definição de linguagem de Octávio Paz é um “conjunto de signos móveis e significantes” (2012, p. 117). Segundo o autor: “Aquém a imagem, está o mundo do idioma, das explicações e da história. Para além, abrem-se as portas do real: significação e a não significação se tornam termos equivalentes. Este é o sentido último da imagem: ela mesma” (PAZ, 2012, p. 117).

No sentido poético de Paz (2012), a imagem, que multiplica os sentidos das coisas do mundo, permitiu-nos olhar para o arquivo tabulado e suspender, enquanto enunciados (Foucault, 2008), no nível das palavras, tal como os(as) participantes expressaram, diversas imagens de docência. Em vez de identificarmos os significados daquilo que cada participante produziu, buscamos selecionar os ditos em torno da docência como emergiram no arquivo. “A linguagem indica, representa; o poema não explica nem representa: apresenta. Não alude à realidade; pretende - e às vezes consegue - recriá-la. Portanto, a poesia é um penetrar, um estar ou ser na realidade” (PAZ, 2012, p. 118).

Tomando a noção de imagem poética de Octávio Paz, apresentamos, no próximo item, o modo como operacionalizamos a noção de imagem de docência no arquivo do Projeto Objetos de Pensar.

5 DOS RIGORES COM O PRINCÍPIO ORGANIZADOR IMAGEM DE DOCÊNCIA

Com a noção de imagem de Octávio Paz (2012), compomos o princípio organizador do arquivo: imagem de docência. Essa abordagem parte de uma imagem que se apoia na afirmação da docência tal como aparece no arquivo, e não por meio de definições prévias do que é ou não a docência. Com essa noção de imagem de docência, movimentamos um procedimento de suspensão (FOUCAULT, 2008) de ditos que afirmavam docência e de seus modos de repetição, modificação e adaptação. Segue abaixo o quadro que apresenta uma parte do procedimento de arquivização, onde visibilizamos os ditos que apresentavam imagens em torno da docência.

Quadro 2 Suspensão de ditos a partir do princípio organizador imagem de docência 

Objeto/Oficina Imagem de docência Discurso
1.2 Descrição oficina “Todos os professores muito prestativos durante o vídeo;”
“Uma prof disse ‘Para, não fica olhando. Não gosto que me olhem enquanto escrevo’, e foi escrever em uma sala ao lado;”
“Uma das perguntas vagas: “Será que a forma como estamos passando para os alunos é o que realmente querem?”.”
Prestativo.
Não gostar de ser vista escrevendo.
Professor que passa conteúdo e que questiona o querer dos alunos.
1.3 Carta 1 O vídeo trouxe a importância da troca de conhecimentos entre alunos e professores, na construção do conhecimento com diferentes olhares e me chamou atenção a presença de instrumentos na escola que pouco vejo.
[...]
Havia empatia entre alunos e professores?
Troca conhecimento (construído) com aluno.
Empatia do professor.

Fonte: Criado pelos autores, 2021.

O procedimento de arquivização com o princípio organizador possibilitou a remontagem (AQUINO; VAL, 2018) das produções discursivas em torno da docência. Na primeira coluna, referenciamos os itens correspondentes ao sumário das materialidades repetíveis do arquivo. Na segunda coluna, suspendemos as imagens de docência localizadas nos documentos e, na terceira, os discursos que vimos emergir junto delas.

O arquivo que fomos produzindo com as imagens de docência nesse processo de suspensão dos ditos forçou-nos a fazer escolhas arquivísticas em relação aos enunciados. Primeiro, precisamos decidir se traríamos as imagens de docência produzidas na descrição das oficinas escritas pela equipe de pesquisa. Decidimos que, por se tratar de uma arquivização das imagens de docência produzidas no Projeto Objetos de Pensar, o material produzido pela própria equipe também faz parte do arquivo, sendo condição de possibilidade para a multiplicação de imagens em torno da docência. Nesse sentido, os próprios Objetos de Pensar experimentados nas oficinas tornaram-se parte do arquivo, escolha que nos forçou a remontar o arquivamento e acrescentar os Objetos de Pensar aplicados nas oficinas no sumário das materialidades repetíveis.

Dessa maneira, os movimentos de arquivamento e arquivização atualizaram-se conforme o trato arquivístico dos(as) pesquisadores(as), em uma “capacidade de montar, desmontar e remontar os materiais ali dispostos, tornando possível o reconhecimento da dispersão dos elementos encontrados, do descompasso entre a duração e o devir, bem como, por fim, do embate perene entre permanência e instabilidade.” (AQUINO; VAL, 2018, p. 51). Esse movimento de remontagem levou-nos a uma radicalidade no trato dos enunciados; não nos limitamos a identificar discursos a partir do lugar da enunciação, daqueles(as) que enunciavam algo (participantes das oficinas, oficineiros(as) e autores(as) de Objetos de Pensar), mas ficamos no nível das palavras ditas, na emergência dos ditos em torno da docência do arquivo do Projeto Objetos de Pensar.

O princípio organizador imagem de docência exigiu-nos um movimento de não interpretar os discursos. Como nos ensina Foucault (2008), o trabalho da arqueologia se dá no nível das palavras, na descrição dos seus modos de repetição, modificação e adaptação. Por vezes, percebíamos determinados tipos de discursos que nos levavam ao interpretar, como este, por exemplo:

Uma prof disse “Para, não fica olhando. Não gosto que me olhem enquanto escrevo”, e foi escrever em uma sala ao lado; (1.2 Descrição da Oficina).

Esse dito, produzido por um(a) dos(as) oficineiros(as), levou-nos a pensar sobre a vergonha que a participante da oficina sentiu ao produzir uma carta que a fazia refletir sobre os jovens e a escola por meio de um vídeo. Contudo, esse seria um procedimento hermenêutico, interpretativo, que nos conduziria por uma direção diferente da abordagem arquivística foucaultiana. Mantivemos o dito no quadro, pois havia a afirmação da palavra “prof”, e isto é que nos fez mantê-lo em suspensão. Esse dito, ao ser tratado no nível das palavras, permite-nos suspender uma imagem de docência na qual uma professora não gosta de ser vista escrevendo e, por isso, se isola ao fazê-lo. Ou seja, essa imagem de docência, no nível das palavras, da descrição arqueológica, mostra-nos um modo de a professora experienciar a escrita de uma carta.

Esse procedimento de mantermo-nos no nível das palavras foi demorado, pois precisávamos discutir em que medida cada dito multiplicava sentidos de docência, produzindo imagens outras. Ao longo desse procedimento, deparamo-nos com diversas imagens nas quais conseguíamos perceber invisibilidades em torno da docência. Ditos que apresentavam o verbo ensinar, a noção de ensino, de escola, entre outros, faziam-nos perguntar: onde está a docência aqui? Podemos tomar o seguinte dito do arquivo como exemplo:

“Livros nos ensinam, escolas nos guiam” (1.3 Cartas, Carta 2).

Onde está a docência nesse dito? Percebemos que a noção de imagem de docência nos força a perguntar os lugares que a docência ocupa em meio aos discursos; no caso desse dito suspenso, notamos que há a invisibilidade da docência ou do(a) docente. Entretanto, deparamo-nos com o problema da hermenêutica. Se optássemos por arquivar os ditos nos quais percebíamos as invisibilidades, precisaríamos pensar em procedimentos outros, que fugiriam do objetivo da arquivização com o princípio organizador Imagem de Docência. Da mesma maneira, pensamos em relação às fotografias, tendo em vista que a fotografia em si carrega imagens poéticas, mas, ao afirmarmos algo em relação à fotografia, estaríamos produzindo imagens outras, também nos colocando no limiar da interpretação.

Os rigores da arquivização, de ficar no nível das palavras, com o princípio organizador imagem de docência enquanto enunciado, possibilitaram-nos produzir um novo arquivo. Devido à quantidade de imagens de docências multiplicadas pelo procedimento, foi preciso fazer uma nova escolha: selecionar um dos discursos que emergiram em torno da docência nos movimentos produzidos pelo Projeto Objetos de Pensar. Apresentamos, na próxima seção, o discurso-imagem da escrita e da leitura em torno da docência, já que uma imagem pode vir carregada de diversas outras imagens.

6 DISCURSO-IMAGEM DE DOCÊNCIA: ESCRITA E LEITURA

Nesta seção, apresentamos o discurso-imagem de docência que girou em torno da escrita e da leitura. Seguem abaixo os ditos que emergiram no arquivo.

Uma prof disse “Para, não fica olhando. Não gosto que me olhem enquanto escrevo”, e foi escrever em uma sala ao lado; (1.2 Descrição da oficina).

[...] Sobre as mesas, com a face para baixo, se encontra o primeiro relato, que foi lido pelos professores, em silêncio, durante cinco minutos. As expressões dos professores durante a leitura variam entre espanto e desconforto. Após a leitura individual, os docentes recebem a segunda folha contendo a primeira sentença, decorrendo dez minutos para a escrita, o segundo relato é entregue, acompanhado de mais olhares desconfiados. Após cinco minutos de leitura a segunda sentença é entregue com mais dez minutos para a escrita. Finalizadas as reflexões individuais, os professores são orientados a virar suas cadeiras para formar um semicírculo comum. (2.2 Descrição da oficina).

Sobre o primeiro relato:

Professora 1 lê o primeiro relato que lhes foi entregue (2.2 Descrição da oficina).

Sobre o segundo relato:

Professora 5 lê o relato e completa: (2.2 Descrição da oficina).

Uma das professoras disse, logo quando começou a leitura da primeira carta “Ai, meu Deus, vou chorar” (3.2.2 Descrição da oficina).

Uma professora pediu outra folha, pois escreveria duas cartas; (3.2.2 Descrição da oficina).

Passaram-se alguns minutos, algumas professoras foram terminando de escrever suas cartas, e a pergunta que mais ouvíamos era “essa carta vai ficar com quem?” “Vocês vão querer a carta?” (3.2.2 Descrição da oficina).

Algumas professoras decidiram por si ler suas cartas; (3.2.2 Descrição oficina).

Terminou de ler sua carta e deu uma intimada para que outra professora lesse a sua; esta, um pouco envergonhada, comentou que sua carta não se compararia com a que a professora anterior leu, mas que fez do seu jeito; (3.2.2 Descrição oficina).

Professoras das Exatas comentaram muito sobre como foi o texto delas e sobre como foi o texto das professoras de Humanas, que existe uma grande diferença quando se trata disso; disseram que foram duas formas de escrita (3.2.2 Descrição oficina).

As imagens de escrever e ler emergiram especificamente na materialidade repetível “descrição da oficina” de três oficinas do Projeto, em que se propuseram os exercícios dos objetos “Os jovens e as funções da escola: uma matéria epistolar”, “Justiça Docente” e “A Artista está presente”. Para a emergência de um discurso-imagem de docência em torno da escrita e da leitura, percebemos três condições de possibilidade diferentes: materialidade repetível, posição de sujeito de oficineiro(a) e Objeto de Pensar.

O discurso-imagem emergiu apenas na materialidade repetível “descrição da oficina”, que funcionou como uma espécie de diário de campo. Enquanto uma pesquisadora do grupo e um(a) bolsista de iniciação científica desenvolviam as oficinas, outros(as) dois(duas) bolsistas registravam em documento escrito os acontecimentos, tanto o sequenciamento das atividades e ações quanto as ações/reações e afetos/percepções dos(as) participantes. Assim, emergiram discursos-imagens no arquivo do Projeto Objetos de Pensar que se caracterizaram como ditos próprios daqueles(as) que registram uma oficina, possibilitando imagens de docência outras, específicas para situações de oficina. Também observamos que a escrita e a leitura emergiram como imagens em efeito às proposições dos Objetos de Pensar que solicitavam essas ações.

O primeiro Objeto de Pensar do arquivo “Os jovens e as funções da escola: uma matéria epistolar” (SCHWERTNER, 2020) é composto por um vídeo que apresenta discursos de estudantes sobre a escola onde estudam. Os(as) participantes da oficina foram convidados(as) a fazer anotações sobre suas sensações em relação ao vídeo. Depois, aquilo que foi anotado precisava ser passado para tirinhas de papel, as quais foram colocadas em uma caixa. Esta caixa, após ser preenchida com as tirinhas, foi repassada para que os(as) participantes as retirassem aleatoriamente. A partir dessa tirinha retirada, iniciou-se um momento de escrita de uma carta para os(as) estudantes do vídeo assistido. Ao fim, os(as) participantes foram convidados(as) a compartilhar suas escritas.

O segundo Objeto de Pensar foi o “Justiça Docente” (PEDERIVA, 2020), sugerindo-se aos(às) participantes a leitura de dois depoimentos de dois(duas) estudantes diferentes. Após a leitura dos depoimentos, os(as) participantes receberam um envelope contendo orientações, as quais indicavam a escrita, por parte desse(a) participante, de uma sentença sobre aquilo que o(a) estudante disse no seu depoimento. Ao fim, essas escritas foram compartilhadas com o grande grupo.

Já o terceiro Objeto de Pensar, “A Artista está Presente” (BAVARESCO, 2020), convidou o(a) participante a sentar-se a uma mesa, tendo, do outro lado, uma cadeira vazia. Nessa mesa, estavam dispostos dois envelopes, contendo orientações e folhas em branco. Os(as) participantes abriram o envelope 1 primeiro e, depois, conforme orientação nele contida, abriram o envelope 2, com a proposta de que escrevessem uma carta sobre sua prática docente em relação aos(às) seus(suas) estudantes.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao decidirmos operar a noção de imagem de docência no arquivo do Projeto Objetos de Pensar, pudemos pensar sobre os modos pelos quais a docência se multiplica em imagens, que podem ser entendidas como discursos, à maneira de Foucault (2008). Uma imagem pode vir carregada de diversas outras imagens. Assim, no arquivo, como aquilo que comanda a lei do que pode ser dito, neste caso, sobre a docência, “a imagem não explica: convida a recriá-la e, literalmente, a revivê-la” (PAZ, 2012, p. 119). Em outras palavras, ao arquivarmos as imagens dos professores ou da docência, não as estamos explicando, pela própria impossibilidade disso; ao contrário, as estamos recriando e revivendo.

“Onde está a beleza? Onde tenho de querer com toda a vontade; onde quero amar e declinar, para que uma imagem não permaneça apenas imagem.” (NIETZSCHE, 2011, p. 117, grifo do autor). O arquivo das imagens da docência produz uma vontade de não permanecer uma imagem dogmática de docência, e o primeiro movimento de arquivização permitiu a multiplicação das imagens em cerca de 150 ditos e aproximadamente 40 discursos-imagens diferentes. Ao retomarmos esse processo de arquivização, percebemos que podíamos reorganizá-lo novamente, por meio de outras repetições de enunciados, com outros princípios organizadores. Nessa via, este artigo é um primeiro movimento de pensamento sobre as imagens de docência do arquivo do Projeto Objetos de Pensar, e pretendemos não permanecer apenas em imagem de escrita e leitura.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 19 de Agosto de 2021; Aceito: 20 de Junho de 2022; Publicado: 30 de Março de 2023

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