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Revista e-Curriculum

versión On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.21  São Paulo  2023  Epub 15-Ago-2023

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2023v21e55064 

Artigos

Currículo e Formação Humana: Dilemas da Sociedade Contemporânea

Curriculum and Human Formation: Dilemmas of Contemporary Society

Currículum y Formación Humana:Dilemas de la Sociedad Contemporánea

Adriana Regina de Jesus SANTOSi 
http://orcid.org/0000-0002-9346-5311

Cezar Bueno de LIMAii 
http://orcid.org/0000-0002-7725-010X

i Doutora em Educação pela PUC-São Paulo. Pós-doutorado em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Docente do curso de Graduação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Londrina. Líder do grupo de estudo e pesquisa: Currículo, Formação e Trabalho Docente. E-mail: adrianar@uel.br - ORCID iD: http://orcid.org/0000-0002-9346-5311.

ii Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP. Docente do Curso de Graduação em Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação (Mestrado) em Direitos Humanos e Políticas Púbicas da PUC-PR. Bolsista Produtividade em Pesquisa CNPq (2022-2025). E-mail: czarbueno@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-7725-010X.


Resumo

O artigo tem como objetivo compreender a relação entre currículo e formação humana no contexto da contemporaneidade e identificar suas consequências no processo formativo. Para tanto, utilizam-se como metodologia a abordagem qualitativa e a pesquisa bibliográfica, tendo como parâmetro os pressupostos do materialismo histórico-dialético. Ao término do estudo, constatou-se a necessidade de pensar a organização curricular com parâmetro na formação humana baseada nos princípios da ontologia do ser social em sua totalidade.

Palavras-chave: formação humana; currículo; projeto social; projeto democrático; diferença

Abstract

The article aims to understand the relationship between curriculum and human training in the contemporary context and to identify its consequences in the training process. For this purpose, a qualitative approach and bibliographical research are used as a methodology, having as a parameter the assumptions of historical-dialectical materialism. At the end of the study, it was verified the need to think about the curricular organization with a parameter in human formation based on the principles of the ontology of the social being in its entirety.

Keywords: human formation; curriculum; social project; democratic project; difference

Resumen

El artículo tiene como objetivo comprender la relación entre currículo y formación humana en el contexto contemporáneo e identificar sus consecuencias en el proceso formativo. Para ello se utiliza como metodología un enfoque cualitativo y una investigación bibliográfica, teniendo como parámetro los presupuestos del materialismo histórico-dialéctico. Al final del estudio, se verificó la necesidad de pensar la organización curricular con un parámetro en la formación humana a partir de los principios de la ontología del ser social en su totalidad.

Palabras clave: formación humana; plan de estudios; proyecto social; proyecto democrático; diferencia

1 INTRODUÇÃO

As questões relacionadas ao currículo, formação humana e contexto educacional têm se constituído uma tríade indispensável na análise do currículo escolar, considerando os diferentes sujeitos nele presentes. Esses processos atravessam diversos grupos sociais, em especial, aqueles que têm sido alijados dos processos relacionados ao ensino e aprendizagem e que se encontram mais suscetíveis aos efeitos da precariedade da formação colocada em prática pela maquinaria escolar. Nas palavras de Torres Santomé (1998), são sujeitos marginalizados que não dispõem de estruturas importantes de poder, sendo assim, histórica e cotidianamente, silenciados.

O objetivo deste artigo é compreender a relação entre currículo e formação humana no contexto da contemporaneidade, a fim de identificar suas implicações no processo formativo. Para tanto, utilizam-se como metodologia a abordagem qualitativa e a pesquisa bibliográfica, tendo como parâmetro a metodologia baseada no materialismo histórico dialético, buscando na construção e nas contradições históricas os dilemas e dificuldades de formar sujeitos emancipados para o enfrentamento de suas realidades e necessidades cotidianas.

Sendo assim, percorreram-se várias trilhas e leituras que formaram um mosaico a partir de três eixos de análise. O primeiro, remete a uma discussão epistemológica; o segundo, a configuração do contemporâneo como condição de existência dos processos formativos; e, por fim, a noção de currículo e a formação humana produzida como efeito desse processo.

2 MATIZES EPISTEMOLÓGICAS E SUAS IMPLICAÇÕES NA CONSTITUIÇÃO DO CONHECIMENTO

Pensar a constituição da formação humana leva-nos a problematizar o conceito e o contexto dos matizes epistemológicos e suas implicações na construção do conhecimento e do currículo escolar. Isso posto, a objetividade da observação e a legitimidade da indução, constituintes do empirismo lógico, perderam prestígio com o combate exaustivo sofrido, especialmente, a partir das obras de Popper (1972), Kuhn (1975) e Feyerabend (1977).

Para Popper (1972, p. 61), “As teorias são redes, lançadas para capturar aquilo que denominamos o mundo: para racionalizá-lo, explicá-lo, dominá-lo. Nossos esforços são no sentido de tornar as malhas da rede cada vez mais estreitas”.

Essa rede deve estar exposta a todo o tempo a fim de que outros, que também se dedicam a esse alinhavo, possam verificar e comprovar sua qualidade para apreender a realidade. Para Popper (1972), a objetividade da ciência não reside na imparcialidade do estudioso, mas na disposição de formular hipóteses para serem submetidas a críticas por parte de outros cientistas.

Entretanto, como explica o autor, as teorias - ou as redes -, por melhor que sejam confeccionadas, são precárias, ou seja, as verdades, em ciência, são caracterizadas pelo caráter provisório. Na tentativa de produzir redes ou teorias resistentes ao falseamento, seguem-se determinados procedimentos. “Assim como o xadrez pode ser definido em função de regras que lhe são próprias, a Ciência pode ser definida em função de regras metodológicas. Cabe proceder ao estabelecimento dessas regras de maneira sistemática” (POPPER, 1972, p. 56).

Na contramão do racionalismo crítico popperiano, encontra-se o anarquismo iconoclasta feyerabendiano. Conforme essa visão, para se desenvolver o conhecimento, é “absolutamente necessário” que, “dada uma regra qualquer, por fundamental e necessária que se afigure para a ciência, sempre haverá circunstâncias em que se torna conveniente não apenas ignorá-la como adotar a regra oposta” (FEYERABEND, 1977, p. 30).

Contribuindo com essa reflexão, Peirce (1975), sustenta que a abdução é a única forma de raciocínio que pode produzir uma ideia nova, sendo esse o processo que torna aplicável o conhecimento que chega à pessoa. A abdução se inicia a partir dos fatos; estes sugerem a hipótese, seguida da elaboração de uma teoria. Como afirma Eco (1991, p. 22), “É um instinto que confia na percepção inconsciente das conexões entre os aspectos do mundo”.

Alcança-se a inferência abdutiva por meio de conexões entre os aspectos observados da realidade, buscando a “comunicação subliminar das mensagens”. É assim que a atividade científica se aproxima do trabalho de um detetive como Sherlock Holmes: atento sempre aos imperceptíveis detalhes das cenas e circunstâncias dos crimes por ele investigados (ECO, 1991).

Diferentemente, Bachelard (1972) considera a intuição um dos obstáculos para o pensamento científico. Concorda, no entanto, quanto ao caráter desbravador e provocativo do exercício disciplinado da ciência. Perguntava: se uma afirmação científica não provoca debates, a que serve? “Uma experiência científica é, pois, uma experiência que contradiz a experiência comum” (BACHELARD, 1994, p. 13).

O autor, no livro La formación del espíritu científico: contribución a un psicoanálisis del conocimiento objetivo (1994), discute os diversos obstáculos epistemológicos que devem ser superados para que se estabeleça e se desenvolva uma mentalidade verdadeiramente científica. Um desses obstáculos identificados na construção da ciência - talvez o mais difícil de superar - diz respeito à própria linguagem científica. Isso porque, segundo o autor, ela abriga, com frequência, a imprecisão e as ciladas das metáforas. É o que ele chama de “obstáculo verbal”.

Bachelard (1994, p. 96) afirma que “Uma ciência que aceita as imagens é, mais que qualquer outra, vítima das metáforas. O espírito científico deve lutar incessantemente contra as imagens, contra as analogias, contra as metáforas”. Nesse sentido, dá o exemplo da esponja - ou o caráter de esponjosidade - que, no período pré-científico (da antiguidade até o século XVIII), era utilizada para explicar o que era o gelo, o vidro, a própria terra e até mesmo o sangue, entendidos como “uma espécie de esponja impregnada de fogo”. O autor chama esse processo de “bateria metafórica”, o que, segundo ele, é uma mostra de como atua o empirismo ingênuo.

Sfez (1994), em oposição a Bachelard, é benevolente com as metáforas, reconhecendo nelas um efeito pedagógico. A metáfora é um ato produtivo no próprio interior da ciência. O pesquisador faz, ao mesmo tempo, papel de inventor da metáfora e de comentador do que propõe.

Essa produção da metáfora não apenas afeta o domínio que toma de empréstimo seu modelo a outra ciência - isto é, o objeto secundário da analogia, como esclarece o objeto primeiro, aquele que é tomado como referência (SFEZ, 1994, p. 27).

Embora Bachelard (1994, p. 93) recomende cuidado com seu uso - “as metáforas seduzem a razão. São imagens particulares e remotas que insensivelmente se convertem em esquemas gerais” -, aproxima-se de Sfez (1994), ao reconhecer que, no pensamento científico moderno, a metáfora‚ não sendo o ponto de partida, pode clarear as ideias abstratas e ilustrar características do fenômeno analisado. Segundo o autor, “são ilhotas do imaginário, que motivam a pesquisa e criam zonas de atração para os conceitos” (BACHELARD, 1994, p. 26).

A produtividade explicativa das metáforas nos estudos das organizações é defendida por Morgan (1996), em seu rico e denso trabalho, Imagens da organização. Assim se expressa o autor:

Metáforas são frequentemente vistas apenas como um artifício para embelezar o discurso, mas seu significado é muito maior do que isto. Usar uma metáfora implica um modo de pensar e uma forma de ver que permeia a maneira pela qual entendemos nosso mundo em geral. Por exemplo, a pesquisa em uma ampla variedade de campos, mostrou que a metáfora exerce influência formadora sobre a ciência, sobre a nossa linguagem e sobre a forma de pensar, bem como sobre a nossa forma de expressão corriqueira (MORGAN, 1996, p. 16).

O autor em questão utiliza diferentes metáforas para entender o caráter complexo e paradoxal da vida organizacional - por exemplo, quando define as organizações como máquinas; como organismos; como cérebros, como culturas, como sistemas de governo; como prisões psíquicas; como fluxo e transformação ou como instrumentos de dominação -, o que lhe permitiu refletir sobre dimensões e aspectos não pensados como possíveis anteriormente.

Faz-se necessário ressaltar que a leitura de diversos autores que discutem epistemologia confirma que, atualmente, os critérios de cientificidade são flexíveis, porém existe um ponto, no entanto, em que todos concordam: a preocupação com a clareza do discurso científico, de modo a permitir a crítica fundamentada e principalmente a necessidade de pensar na formação ontológica do ser humano.

Mas como esses processos são pensados no contexto contemporâneo? Para tanto, será necessário aproximarmo-nos do conceito a partir das críticas executadas relativamente aos princípios e valores do pensamento moderno, o que será objeto da análise a seguir.

3 CURRÍCULO E FORMAÇÃO HUMANA NO CONTEXTO DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

A modernidade veio no bojo de uma cultura na qual se quebram os vínculos metafísicos que explicavam o homem e o mundo, tornando-se a razão a fonte da produção dos saberes, da ciência, ancorada em critérios de objetividade, distanciando-se dos objetos ou dos poderes transcendentais, religiosos ou metafísicos. Também, o sujeito, o eu, passa a ser considerado um sujeito empírico, objeto entre outros objetos do mundo real, mas que se constitui simultaneamente como condição fundamental de qualquer experiência possível e de sua análise (GOERGEN, 1996).

O conceito de modernidade aparece associado à condição social que teve a sua origem na crença iluminista na razão e na capacidade da ciência para proporcionar o domínio sobre a natureza e para aperfeiçoar as instituições sociais com vista à emancipação do homem (FERNANDES, 2000, p. 31).

É certo, porém, que a realidade tem-se revelado diferente de tais crenças no poder da razão, aliás, profundamente abaladas, nas últimas décadas, por crises e tensões sociais várias, o que, por sua vez, traz algumas implicações no que se refere ao conceito de currículo, segundo essa autora.

O realce da subjetividade traz a liberação a fim de que o homem se sirva de seu próprio entendimento - sua razão - para, conscientemente, criar normas de pensar e agir livres de fundamentos em argumentos transcendentes. Consequentemente, a modernidade abre-se para o futuro e gera a condição de pensar e produzir “progresso”. Essas características da modernidade não se põem apenas nos ambientes científicos ou filosóficos, elas perpassam toda a sociedade. A modernidade caracteriza-se como a era da racionalidade, a qual fundamenta não somente o conhecimento científico, como também as relações sociais, as relações de trabalho, a vida social, a própria arte, a ética, a moral.

Segundo Fernandes (2000, p. 103), o conhecimento está fundamentado no interesse de ordem “técnica, prática ou emancipatória”. Em consequência, a autora menciona e existência de três paradigmas, a saber: o “empírico-analítico, com interesse técnico, com o propósito de predizer e controlar o histórico-hermenêutico, de interesse prático, com propósito de situar e orientar, sociocrítico ou crítico-social, de interesse emancipatório ou liberador, que de propõe desvelar e romper”.

Além disso, cria condições de verdade que enclausuram a própria razão e que geram formas de poder e homogeneízam contextos e pessoas, impondo-se como instrumento de controle (HABERMAS, 1990). Críticas abrem-se contra essa razão que se põe como absoluta e objetivada, razão que, nas palavras de Goergen (1996, p. 22),

[...] se anunciara como caminho seguro para a autonomia e liberdade do homem, revelar-se-ia, ao final, o mais radical e insensível inimigo do homem por transformá-lo em objeto a serviço dos ditames da performatividade científico-tecnológica. A eficiência alçada ao nível de norma suprema da razão impôs o abandono dos ideais e fins humanos.

Habermas (1990, p. 289), partindo do pressuposto de que a modernidade não foi superada, argumenta que, dentro das próprias condições instauradas pela modernidade, é possível avançar, sair da camisa de força de uma racionalidade fechada, por meio do uso do que chama de “razão comunicacional”, uma razão dialógica, no lugar da razão autorreferente, trazendo a ideia de uma teoria da ação comunicativa.

Segundo ele, se entender o saber “como transmitido de forma comunicacional, a racionalidade limita-se à capacidade de participantes responsáveis em interações de se orientarem com relação a exigências de validade que assentam sobre o reconhecimento intersubjetivo”. Muda o centro de referência, instaurando-se uma racionalidade que implica uma consciência reflexiva das expressões humanas, uma racionalidade dialógica, criando no diálogo os pontos de apoio de sua validade. Isso pressuporia a diferenciação clara do mundo dos fatos objetivos, do mundo das normas sociais e do mundo da experiência interior.

A noção habermasiana de racionalidade comunicativa, segundo Wellmer (1991, p. 92), refletiria a condição cognitiva e moral dos humanos num mundo “desencantado”. Por essa razão, ainda conforme esse autor, que:

Habermas pode pensar a ação comunicativa como portadora potencial de uma racionalidade diferenciada que só pode se manifestar depois que se tenha destruído o dogmatismo implícito das concepções de mundo tradicionais, e na qual os requisitos de validade possam ser construídos pela argumentação, pelo confronto de diferentes posições, na procura de consensos aceitáveis. A argumentação como meio de se obter consenso intersubjetivo assume um papel fundamental, quando ela e as formas de ação comunicativa substituem outros meios de coordenação de ações, de integração social e de reprodução simbólica, constituindo o que Habermas denomina “racionalização comunicativa” (WELLMER, 1991, p. 92).

Todavia, os curriculistas apontam que currículo é um termo polissêmico, querendo com esse rótulo significar que a palavra veicula uma noção sujeita a ambiguidade e diversidade de sentidos. Como lembra Llavador (1994, p. 370), “a palavra currículo engana-nos porque nos faz pensar numa só coisa, quando se trata de muitas simultaneamente e todas elas inter-relacionadas”. Tal concepção trará efeitos para pensar a formação humana.

Muitos autores como Dussel (1998) afirmam que o campo do currículo vem se caracterizando por um hibridismo de tendências teóricas distintas. Frequentemente, tal característica híbrida é expressa pela associação de princípios das teorias críticas, com base neomarxista e/ou fenomenológica e interacionista, a princípios de teorias pós-críticas, vinculadas aos discursos pós-moderno, pós-estrutural e pós-colonial.

É importante frisar que, no contexto da conjuntura econômico-política e ideológica vigente em diferentes países latino-americanos, o paradigma neoliberal vem orientando governos a promoverem mudanças econômicas e educacionais de caráter elitista e socialmente excludentes. Fjeld e Quitana (2019, p. 4), por exemplo, qualificam o neoliberalismo como

[...] un proyecto ideológico hegemónico capaz de afectar la vida de los otros sectores sociales, através de imágenes de mundo y políticas públicas que se han vuelto socialmente dominantes, pese a que sólo terminan beneficiando a una elite [que está no poder ou que influencia as decisões de poder do Estado] operado particularmente a través de formas de privatización, desregulación y liberalización, con efectos de despolitización y de creciente desigualdade [...].

As reflexões dos autores permitem inferir que o projeto hegemônico em curso apregoa a supremacia dos valores de mercado, a apropriação privada dos espaços, dos recursos naturais, das formas de produção do conhecimento (racionalidade meritocrática) e do imperativo funcional Estado-empresa como princípio norteador das políticas governamentais (FJELD; QUITANA, 2019, p. 4). No Brasil e na maioria dos países latino-americanos, o projeto hegemônico neoliberal reforça a busca do consenso, negando as noções de conflito e antagonismo, apesar de a realidade cotidiana dos países conviver com múltiplas situações de desigualdade e violação dos direitos humanos.

Autores como Giroux (2002) rejeitam lançar os pensamentos moderno e pós-moderno um contra o outro, tentando produzir uma convergência desses discursos em direção a um projeto político vinculado à reconstrução da vida pública democrática.

Em diferentes textos, Giroux (2002) defende as construções históricas da razão, da autoridade, da verdade, da ética e da identidade, de forma a questionar perspectivas modernas centradas na compreensão de bases universais para o pensamento. Sustenta, ainda, que a política cultural é uma política da diferença, na qual essa diferença não é um signo fixo como propõe o estruturalismo - ou alguns estruturalismos -, mas envolve significados que são produtos de relações de diferença mutáveis e modificadas no jogo referencial da linguagem. Ainda assim, suas análises permanecem tributárias a Paulo Freire e à Escola de Frankfurt, especialmente no que concerne à permanência do foco na emancipação e à perspectiva de tornar possível uma ação política coletiva.

McLaren (2000), coautor em muitos textos de Giroux, igualmente assume filiações pós-estruturalistas, particularmente na análise da diferença e da linguagem, mas segue procurando pensar sobre a validade de categorias marxistas, como a totalidade e as relações materiais entre capital e trabalho. Em entrevista a Biesta e Miedema, McLaren (2000) chega a desenvolver uma diferença entre os pós-modernistas lúdicos e os pós-modernistas críticos ou de resistência. Os primeiros, segundo o autor, ocultam as condições materiais associadas às relações entre capital e trabalho e focalizam o sofrimento humano, sobretudo como um discurso ou texto a serem desenvolvidos e desconstruídos. Os segundos, por sua vez, tentam analisar o sujeito como significações tornadas relativamente fixas em determinações históricas específicas, marcadas por conflitos de raça, classe e gênero.

Dessarte, refletindo sobre o currículo no contexto contemporâneo, surge uma questão: como pensar a relação na formação humana, respeitando o princípio da diversidade no contexto da realidade escolar e, ao mesmo tempo, promover estratégias de participação e deliberação no espaço escolar?

No contexto educacional contemporâneo, marcado por profundas mudanças, estas acompanhadas de transformações históricas, políticas e socioculturais, exige-se uma leitura crítica em relação ao processo formativo. Essa percepção poderá marcar a transitoriedade e a instabilidade das identidades, ou seja, nossos pensamentos, valores, conceitos e perspectivas estarão sempre em um contínuo processo de movimento. Logo, podemos evidenciar as estreitas relações entre as transformações identitárias e os processos históricos, sociais e culturais que constituem nossa diversidade como seres humanos (HALL, 2006).

Portanto, justifica-se a presente reflexão por entender a necessidade de buscar no processo educativo a humanização do ser humano, como ser uni, diverso e social capaz de exercer criticidade para agir de modo a transformar sua realidade.

Contribuindo com essa reflexão, Saviani (1991, p. 11) afirma que “[...] a educação é um fenômeno próprio dos seres humanos”, e, como tal, sempre existiu, mesmo antes de toda a formalização sobre ela. Isso posto, dizer, pois, que a educação é um fenômeno próprio dos seres humanos significa afirmar que ela é, ao mesmo tempo, uma exigência do e para o processo de trabalho, bem como é, ela própria, um processo de trabalho.

Entretanto, para produzir materialmente, o homem necessita antecipar em ideias os objetivos da ação, o que significa que ele representa mentalmente os objetivos reais. Essa representação inclui o aspecto de conhecimento das propriedades do mundo real (ciência), de valorização (ética) e de simbolização (arte). Tais aspectos, na medida em que são objetos de preocupação explícita e direta, abrem a perspectiva de outra categoria de produção que pode ser traduzida pela rubrica “trabalho não material” (SAVIANI, 1991, p. 12), o que implica a possibilidade da formação humana, pois esta tem a ver com ideias, conceitos, valores, habilidades, hábitos, símbolos, realidade construída pelo homem e que não está prontamente dado pela natureza.

Logo, a educação tem como finalidade, além de transmitir conhecimento, permitir que os homens se tornem homens pela assimilação dessa cultura produzida (SAVIANI, 1991, p. 14).

Sendo assim, o currículo escolar e o processo de ensino e aprendizagem necessitam ter como princípio problematizar que tipo de formação estamos realizando nas instituições de ensino, ou seja, o cenário sociopolítico-econômico e cultural da sociedade contemporânea apresenta desafios e inquietudes no que tange às identidades individual e coletiva dos sujeitos, isto é, nesse processo de transformação social, observamos que algumas características humanas sofreram alterações significativas, o que implica pensar a formação tendo como parâmetro a diversidade cultural e o enfrentamento à desigualdade, à violência e à exclusão social.

Em vez de tentarmos buscar uma essência para o entendimento desses processos, é necessário empenharmo-nos em problematizar as situações vividas no cotidiano escolar, procurando demonstrar a importância de nos dedicarmos a pensar no currículo escolar e no processo de ensino e aprendizagem como espaços-tempos de aprofundamento dessas discussões, ou seja, é imprescindível um novo olhar sobre a leitura de mundo e da condição humana. Os instrumentos dessa nova leitura não são os mecanismos analíticos e reducionistas da lógica clássica. A racionalidade é complementada pela intuição e pelo sentimento. Sendo assim, necessitamos questionar, em educação, diversos elementos dialeticamente contrapostos.

Isto posto, o sujeito cognitivo passa a ser entendido não apenas como um sujeito racional, mas também como um sujeito psicológico, social, político, isto é, relacional, haja vista que é fruto do processo entre subjetividade e objetividade.

Para tanto, o currículo escolar deve ter como princípio que aluno e professor sejam entendidos como sujeitos que se relacionam na dinâmica histórica da sociedade. Bachelard (1994, p. 215) expõe muito claramente essa ideia, afirmando:

Fechado no ser, sempre há de ser necessário sair dele. Apenas saído do ser, sempre há de ser preciso voltar a ele. Assim, no ser, tudo é circuito, tudo é rodeio, retorno, discursos, tudo é rosário de permanências, tudo é refrão de estrofes sem fim.

Portanto, o currículo tem que ser um lugar de criação, de produção de saber, isto é, não serve apenas para reproduzir uma história linear, pelo contrário, o mínimo que se exige do currículo escolar é que ele possa ser um momento que também leve a pensar a história da humanidade, tomando em consideração a ação nas continuidades e mudanças do tempo e, dessa maneira, possibilitar aos homens e mulheres perceberem-se como indivíduos produtores de história. Para tanto, as instituições de ensino necessitam

[...] superar a visão restrita do mundo e a compreender a complexa realidade, ao mesmo tempo, resgatar a centralidade do homem na realidade e na produção do conhecimento, de modo a permitir, ao mesmo tempo, uma melhor compreensão da realidade e do homem como um ser determinante e determinado (LÜCK, 1995, p. 60).

Muitas vezes, pergunta-se: fará sentido continuar a inscrever o agir educativo no registro epistemológico que autorizou a procura desenfreada de certezas em educação? Terá chegado o momento de fazer o luto das certezas em educação? Todas essas questões buscam respostas práticas para amenizar os conflitos, os desafios e as incertezas na história da educação, bem como no trabalho docente.

Viemos de um passado social feito de certezas relacionadas com a ciência e achamo-nos num presente caracterizado por um grande questionamento da possibilidade intrínseca de possuir certezas, pois, segundo Barbosa (1998, p. 47), “vivemos o fim das certezas”.

Casali (2005, p. 11) complementa, dizendo:

Já seria um grande avanço histórico se a escola pudesse começar por libertar a pedagogia das certezas e das verdades (do ensino mais ou menos dogmático) para assumir uma pedagogia que inclui positivamente a incerteza, o erro, a pergunta, a dúvida, a procura, a investigação.

Contudo, a disponibilidade para entender as incertezas não depende apenas da boa vontade do sujeito, mas, fundamentalmente, da inscrição de seu agir em novo registro epistemológico, isto é, em nova instância paradigmática.

Assim, a tarefa da instituição de ensino é tornar-se mais exigente e mais comprometida com o processo de condução da formação humana, pois o contexto social em que se vive ao anunciar o fim das certezas cria condições favoráveis a essa mudança.

Faz-se necessário destacar que o papel do currículo escolar, nesse contexto histórico representado pelas incertezas, não é propriamente promover e desenvolver uma ação com sentido moral ou voltado apenas para o mercado de trabalho, e sim de levar a cabo uma ação com significado social e político.

Pode-se apontar, então, que os grandes desafios relativos ao processo de ensino e aprendizagem no que tange à formação humana podem ser caracterizados pelas incertezas. Contribuindo com essa reflexão, Barbosa (1998) afirma que, para entendermos as incertezas, é necessário compreendermos o plano ético-político, o plano teórico e epistemológico e o plano da ação prática do professor.

No plano ético-político, é imprescindível que a formação humana seja pensada em uma perspectiva unilateral e dentro de uma concepção de que as pessoas vêm em primeiro lugar; assim, a tarefa é afirmar os valores de efetiva equidade, qualidade para todos, solidariedade e da necessária ampliação da esfera pública democrática em contraposição à liberdade e qualidade para poucos, reguladas pelo mercado, e das perspectivas do individualismo e do privatismo. É nessa direção que Fjeld e Quitana (2019) nos provocam enfatizar a categoria comum como algo não natural, mas um processo que se institui em práticas, arranjos institucionais, organizações populares, entre outros. Os autores realçam que “os comuns são relações sociais regidas por regras de uso e de distribuição [...] ou de coprodução de certos recursos” (FJELD; QUITANA, 2019, p. 5-6). Assim:

[...] pensar lo comin como un principio político. [...] Asi, al comprender lo común de este modo está en juego, en primer jugar, abogar por una radicalización de la democracia, entendida fundamentalmente desde la idea de autogobierno y decisión colectiva sobre la destinación de ciertos espacios, bienes, formas de producción, relaciones, que a un espacio social le conciernen. Por eso, desde esta perspectiva, para ser verdaderamente común, el uso debe implicar la deliberación y la determinación colectivas por parte de los interesados en su destinaclón a nivel institucional que pueden desplegar formas de construcción y gestión de lo común, a contrapelo de los efectos desdemocratizantes del neoliberalismo (FIELD; QUITANA, 2019, p. 6).

No tocante ao plano teórico e epistemológico, um dos desafios refere-se ao fato de que a formação humana deve ir além da formação técnica e científica, ou seja, esta deve estar atrelada a uma perspectiva de projeto social democrático.

Uma formação sem uma sólida base teórica e epistemológica reduz-se a um adestramento e a um atrofiamento das possibilidades de analisar as relações sociais, os processos de poder e de dominação.

No âmbito dos processos de produção histórica do conhecimento científico, crítico e dos processos de ensinar e aprender, é imprescindível compreender que eles gestam e se desenvolvem a partir de determinações e mediações diversas no plano histórico, social e cultural. De acordo com essa perspectiva, os problemas sociais relativos à existência de qualquer modelo de formação socioeducacional podem ser lidos, interpretados e resolvidos de diferentes maneiras. A rigor, a produção da verdade nas sociedades em curso, incluindo seu aparato de conhecimento técnico-científico e educativo, pode ser apreendida como uma relação de saber-poder que se inscreve em diferentes campos como o econômico, o político, o midiático, o estatal, o educacional, entre outros, a qual, por seu turno, incide de maneira direta nas formas de ser, pensar e agir no espaço escolar.

Com relação ao plano da ação prática da formação humana, o desafio central é o de como potenciar essa experiência da ação cotidiana para que ela não se reduza à repetição mecânica, ao ativismo pedagógico ou ao voluntarismo político.

O processo formativo necessita de um projeto explícito e consciente, no qual as dimensões ético-políticas, teóricas e epistemológicas, anteriormente assinaladas, constituam sua base. Nas condições objetivas das relações sociais capitalistas, dentro das quais se atua, essa perspectiva contra-hegemônica é, sobretudo hoje, considerada um devaneio.

Portanto, a formação humana e a construção do currículo escolar, fora da ótica da alteridade, isoladas dos avanços filosóficos científicos e culturais e descomprometidas com o tecnocentrismo, tornam-se anacrônicas.

O conhecimento da complexidade que permeia a dinâmica social na contemporaneidade torna-se, assim, um pré-requisito para que as instituições de ensino compreendam a natureza de seu papel na educação e na sociedade e a função social que a educação pode e/ou tem assumido na atualidade. No caso, a inspiração no pensamento crítico tem apontado na direção de assumir a educação como ação cultural para a liberdade, formação e emancipação humana.

Contudo, para além do reconhecimento das liberdades e subjetividades individuais e coletivas, há, nas sociedades contemporâneas, problemas e tensionamentos que perpassam o currículo, cuja possibilidade de êxito e equacionamento sociopolítico supõe superar o caráter importante, porém fragmentário, das lutas em prol do reconhecimento à diferença entre os diversos grupos sociais e estabelecer, via estratégias e procedimentos democráticos participativos e deliberativos, no sentido de evitar que a luta por reconhecimento e o direito à diferença não naturalizem a desigualdade econômica e social. É bom lembrar que o paradigma neoliberal promove e reforça o discurso da diferença, da meritocracia, e naturaliza o discurso da desigualdade.

Isso posto, educação para quê? Para quem? Mais do que uma retórica, tornam-se questões necessárias para pensar os processos formativos diante do tempo presente. Para tanto, toda essa intencionalidade política e pedagógica que permeia a ação educativa, quando assumida em sua radicalidade, configura-se um diferencial nos processos formativos, contribuindo para que os sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem ampliem sua consciência crítica e assumam um compromisso mais efetivo com as lutas e as aspirações dos grupos minoritários da sociedade, que ajudem a cultivar a esperança e a inserção dos seres humanos em espaços e movimentos sociais que afirmem o direito à vida com dignidade, à educação, habitação, saúde, confrontando as desigualdades e a hierarquia de classe, raça/etnia, gênero, idade, religião e região, atualmente acirradas na sociedade, possibilitando, assim, a constituição da formação humana.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao buscar inspiração na premissa de que os homens e as mulheres são seres inacabados, que procuram contínua e incessantemente sua humanização, pretende-se dar visibilidade à função social que a educação assume na formação das pessoas ao torná-las cada vez mais humanas, isso, quando ela é entendida como instrumento não neutro de socialização/construção de conhecimentos produzidos coletivamente na sociedade, que viabiliza a leitura e a interpretação de mundo e da palavra, que pode contribuir significativamente para a ampliação da participação popular e fortalecimento do controle social, constituindo-se como condição necessária, mas não suficiente, para a transformação da sociedade.

Entra em cena nessa perspectiva o conjunto de reflexões realizadas por alguns teóricos da educação, entre eles Apple (1988), McLaren (2000), sobre o currículo e formação humana, as quais ajudam a identificar todos os seres humanos como portadores de cultura e de conhecimentos e a compreender o currículo numa visão ampliada, entendido como um artefato cultural, construído coletivamente por todos os sujeitos envolvidos no processo educacional, em uma relação dialógica, que envolve conflito e poder, disputas ideológicas, culturais e identitárias, que, de forma coletiva, estabelecem alianças e compromissos para interferir e liderar na seleção e legitimação dos conhecimentos, valores, ideologia, padrões culturais e de sociabilidade nos diferenciados espaços e processos de formação dos seres humanos.

As reflexões de Freire contribuem no sentido de propiciar às instituições de ensino a compreensão sobre a existência desses processos, estimulando-os a tomar posição nas disputas em que se definem “quais conhecimentos?”, “os conhecimentos de quem?”, “quem é autorizado a participar da definição?”, e quais implicações essas definições impõem aos grupos pertencentes a determinada cultura?

Ajudam também a compreender, de forma mais ampliada, a educação e o currículo como espaços de disseminação de políticas e práticas culturais que interferem em grande medida na produção das identidades culturais e na produção/reprodução da sociedade. Nesses espaços, os conflitos culturais se manifestam com muita intensidade e, na maioria dos casos, são muito acirradas as investidas que os grupos com maior poder têm efetivado em processos de negação das culturas dos grupos minoritários.

Por outro lado, os processos de resistência e contestação fazem-se existir e precisam ser fortalecidos com a construção de propostas educativas e curriculares que corroborem os padrões identitários e culturais dos grupos discriminados e excluídos da sociedade, ao serem permeadas pelo reconhecimento e valorização das diferenças e da alteridade.

Para Freire (2000, p. 53),

é certo que homens e mulheres podem mudar o mundo para melhor, para fazê-lo menos injusto, mas a partir da realidade concreta a que chegam a suas gerações. […] O que não é possível é se quer pensar em transformar o mundo sem sonho, sem utopia ou sem projeto.

Da mesma forma, como não é possível modificar o mundo sem projeto, sem utopia, não se pode transformar a educação sem um projeto curricular de mudança consciente de suas possibilidades e de seus limites. Ainda para Freire (2000, p. 39): “É a relação entre a dificuldade e a possibilidade de mudar o mundo que coloca a questão da consciência na história, na questão da decisão, da opção, a questão da ética e da educação e de seus limites”.

É preciso ressaltar que o currículo necessita ser percebido como um território a ser contestado diariamente, pois é por ele que se pode pensar e legitimar o conhecimento que se pretende: para quem, para que e como, tendo como parâmetro a visão de mundo, de sociedade e de educação em que se acredita.

Segundo Casali (2005, p. 12):

Ao mesmo tempo, a educação é o lugar de se repensar criticamente esse próprio padrão cultural, as formas de produção dos indivíduos e as formas das determinações macroestruturais da economia, da política e da cultura mundiais. Portanto a educação é moral (particular) e é ética (universal), na medida em que é uma possibilidade e um impulso à transformação: desenvolvimento das potencialidades dos educandos, cada um em sua irredutível singularidade, em tensão dialética com as potencialidades coletivas de seu grupo (particularidades) e de toda a humanidade (universalidade).

Freire, durante sua vida, em seus escritos, realçou a necessidade de formação permanente dos educadores como condição para as devidas mudanças necessárias se pretende efetivar com relação ao currículo, à aprendizagem, à prática pedagógica, enfim, no papel da escola e da educação, que se estabelece em todos os espaços da sociedade.

Em seu texto “Saberes escolares: o singular, o particular, o universal”, Casali (2001, p. 14) afirma:

Por isso, cabe mais uma vez desinstalar a pedagogia, não dessa sua pretensão de síntese, mas de um certo modo de pretender a efetivação dessa síntese. Para tanto, se quiser pensar por metáforas, seria conveniente pensar em redes e em redes de redes. Se quiser considerar a questão do ponto de vista conceitual, seria oportuno recuperar a noção de “concreto” formulada pela tradição marxista. O concreto é concreto porque é síntese de diversas determinações, isto é, unidade do diverso.

A propósito disso, comenta Kosik (1976, p. 24):

[...] na apropriação prático-espiritual do mundo, da qual e sobre o fundamento da qual derivam originariamente todos os outros modos de apropriação - teórica, artística etc. - a realidade é concebida como um todo indivisível de entidades e significados [...].

Nessa condição, comenta Casali (2005 p. 15),

[...] o currículo poderá realizar-se efetivamente como um concreto histórico: “síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso” e, apenas assim, um projeto aberto a uma construção institucional cotidiana deliberada. Um projeto de apropriação do mundo concreto que se vive e se constrói.

Para tanto, uma organização curricular de formação humana deve-se pautar pela ontologia do ser social em sua totalidade, buscando dar movimento a uma formação que vise resgatar, nos sujeitos, suas essências indenitárias, suas consciências como sujeito do processo histórico, sua percepção de coletividade, seu entendimento de doação ao próximo, pois só assim estaremos fornecendo, a nós mesmos, as bases para um projeto de superação, de extinção desse sistema que nos escamoteia diariamente em nossas relações com esse modelo de trabalho que nos tira vida e tempo para produzir nossa história e biografia de vida em sociedade.

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Recebido: 16 de Julho de 2021; Aceito: 19 de Setembro de 2022; Publicado: 14 de Julho de 2023

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