SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.21O Currículo e a Produção de Rostidade:Programa Ciência na Escola (PCE): índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.21  São Paulo  2023  Epub 16-Out-2023

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2023v21e51923 

Artigos

Formação Continuada em Tempos de Isolamento Social:Mudanças Culturais Permeadas pela Cibercultura

Continuing Training in Times of Social Isolation:Cultural Changes Permeed by Cyberculture

Formación Continuada en Tiempos de Aislamiento Social:Cambios Culturales por la Cibercultura

Glaucia da Silva BRITOi 
http://orcid.org/0000-0003-3874-4323

Rosilene Caetano LAGOii 
http://orcid.org/0000-0002-8476-538X

i Pós-doutora em Educação a Distância. Professora e pesquisadora da Universidade Federal do Paraná. E-mail: glaucia@ufpr.br - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0003-3874-4323.

ii Mestre em Educação. Pedagoga da Prefeitura Municipal de Araucária/PR. E-mail: rosilago@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-8476-538X.


Resumo

Esta pesquisa apresenta os resultados de uma investigação realizada com os Profissionais de Educação do Município de Araucária/PR, concernente ao processo de formação contínua, utilizando plataforma digital durante o período de isolamento social. A questão norteadora objetivou examinar nos escritos dos profissionais da educação registros de mudanças culturais permeadas pela cibercultura, usando-se como referência Bardin (2009), Lévy (1999), Forquin (1993) e Behar (2020). A análise de conteúdo foi desenvolvida em uma abordagem qualitativa e concluiu-se que o profissional da educação tem a capacidade de se adaptar às relações estabelecidas pela cibercultura, evidenciando-se as limitações quanto ao acesso às tecnologias digitais e a fragilidade desses profissionais para o uso das possibilidades oferecidas pelo ciberespaço.

Palavras-chave: formação continuada; plataformas digitais; cibercultura; covid-19

Abstract

This research presents the results of a search conducted with the Araucária’s education professionals related to the continuous training using digital platforms during the quarantine process. The guiding question aimed at examining the education professionals reports regarding cultural changes by the cyberculture, using as reference Bardin (2009), Lévy (1999), Forquin (1993), Behar (2020). The content analysis was developed into a qualitative approach, and it was concluded that the education professional is able to reinvent and understand the need to adapt itself to the relations established by the cyberculture, evidencing the limitations regarding the digital technology access and the professional’s weakness while exploring the possibilities offered by the cyberspace.

Keywords: continuous training; digital platforms; cyberculture; covid-19

Resumen

Esta investigación presenta los resultados de una investigación realizada con Profesionales de la Educación del Municipio de Araucária / PR, sobre el proceso de formación continuada, utilizando una plataforma digital durante el período de aislamiento social. La pregunta orientadora tuvo como objetivo examinar en los escritos de los profesionales de la educación registros de cambios culturales impregnados por la cibercultura, tomando como referencia a Bardin (2009), Lévy (1999), Forquin (1993), Behar (2020). El análisis de contenido se desarrolló con un enfoque cualitativo e se concluye que el profesional de la educación tiene la capacidad de adaptarse a las relaciones que establece la cibercultura, evidenciando las limitaciones al acceso a las tecnologías digitales y la fragilidad de estos profesionales para utilizar las posibilidades que ofrece el ciberespacio.

Palabras clave: educación continuada; plataformas digitales; cibercultura; covid-19

1 MUDANÇAS CULTURAIS PERMEADAS PELA CIBERCULTURA NO PROCESSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA EM TEMPOS DE ISOLAMENTO SOCIAL

O município de Araucária, lócus da pesquisa, situa-se a 27 km da cidade de Curitiba, estado do Paraná, e possui 119.123 habitantes1. Tem uma infraestrutura de 83 Unidades Educacionais, sob responsabilidade da administração municipal, atendendo-se um total de 18.471 estudantes com 2.414 profissionais da educação, segundo dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Educação (SMED)2.

Em razão da atual pandemia mundial ocasionada pelo novo coronavírus covid-19, considerando-se as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de acordo com o Decreto Municipal 34.357/2020, regulamentou-se que a partir do dia 20 de março as aulas estariam suspensas e não poderia haver aglomeração de pessoas nas instituições educacionais públicas e privadas. Houve deliberações por parte do Conselho Municipal de Educação com o Parecer 03/2020 e Orientação Normativa da SMED 08/2020, estabelecendo que os encontros presenciais não poderiam ocorrer tanto para as aulas quanto para a formação continuada dos profissionais da educação, por se caracterizar uma situação emergencial.

Conforme descrito no § 4.º do art. 32 da Lei Federal 9.394/1996:

Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante:

[...] § 4.º O ensino fundamental será presencial, sendo o ensino a distância utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais (Brasil, 1996, grifos nossos).

Segundo Behar (2020), é importante diferenciar ensino remoto e educação a distância, visto que “remoto” tem o significado de distante no espaço, porém o ensino remoto tem a presença do professor constantemente interferindo na prática pedagógica, planejando, elaborando atividades, gravando vídeos, corrigindo atividades, e conectado por meio de redes sociais e plataformas digitais quase o tempo todo com os estudantes, durante esse período emergencial em que o calendário escolar precisou ser reestruturado, porque os profissionais de educação e estudantes estavam impossibilitados de frequentar os espaços físicos. A educação a distância é uma modalidade educacional em que a interação entre tutores e professores ocorre em lugares ou tempos diversos, utilizando-se de Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA), com design próprio e concepções didáticas e pedagógicas bem definidas e estruturadas para atingir os estudantes.

Dessa forma, novas estratégias de formação continuada foram estruturadas para os profissionais da educação por meio de plataformas digitais, como YouTube e Google Meet. O processo de divulgação das formações passou a ser via redes sociais (WhatsApp) nos grupos formados pelas Unidades Educacionais.

O Comitê Gestor de Internet no Brasil (CGI.br, 2020a) realizou uma pesquisa em que aponta um aumento significativo no uso de plataformas digitais e na realização de cursos on-line por meio da Internet, em virtude da suspensão das aulas presenciais:

A Internet tem sido ferramenta indispensável para o enfrentamento dos efeitos da pandemia covid-19, e gerou mudança nos hábitos dos brasileiros nesse período [...]. Da mesma maneira, as transmissõeson-linede áudio e vídeo em tempo real ganharam maior projeção no período: em relação a 2016, a proporção de usuários de Internet que acompanharamlivespraticamente dobrou.

No entanto, segundo o mesmo comitê, as classes menos favorecidas são as mais prejudicadas, conforme a pesquisa divulgada em 2019, que aponta que 58% dos domicílios no Brasil não têm acesso a computadores e 33% não dispõem de Internet.

Mais do que nunca percebe-se a necessidade de investimento em políticas públicas de acesso à informação e tecnologia com infraestrutura adequada e de qualidade.

Nunca foi tão crucial tornar a educação um direito universal e uma realidade para todos. Nosso mundo, em rápida transformação, enfrenta grandes desafios - das rupturas tecnológicas à mudança climática, passando por conflitos, deslocamento forçado de pessoas, intolerância e ódio - que ampliam ainda mais as desigualdades e terão impacto nas próximas décadas. A pandemia da covid-19 expôs e aprofundou ainda mais essas desigualdades e a fragilidade de nossas sociedades (Unesco, 2020, p. 5).

A intenção de pesquisa surgiu a partir de uma fala da secretária de educação, em que mencionou sobre a formação continuada ser realizada utilizando a plataforma digital, sobre as novas possibilidades de mudança nesse novo processo, em razão do isolamento social e do benefício do atendimento proporcionado aos profissionais da educação, pelos recursos oferecidos pelo ciberespaço.

Portanto, a pesquisa objetivou analisar nos escritos dos profissionais da educação registros de mudanças culturais permeados pela cibercultura, com a seguinte pergunta norteadora: Quais as mudanças culturais encontradas no processo de formação continuada permeados pela cibercultura em tempos de isolamento social no município de Araucária?

A compreensão que fundamenta esta pesquisa baseia-se no entendimento de que o profissional da educação, o professor, o pedagogo, o diretor e o estagiário são um “bem de produção” (Pinto, 1979) de si mesmo, para si mesmo, ou seja, sua ação voltada a compreender e se apropriar da cultura existente para beneficiar a si mesmo e aos seus semelhantes - seus alunos e outros profissionais - com os quais se relaciona diariamente.

Segundo Williams (1992, p. 12, apudLago, 2011, p. 30), isso significa que o termo cultura apresenta duas formas principais: a primeira é o “espírito formador”, classificada como idealista - a formação do homem em si -, e a segunda, a “ordem social global”, como materialista, ou seja, o produto dessa formação, o homem se constituindo socialmente e agindo e interferindo na sociedade em que atua, como sujeito histórico que a transforma e a modifica para atender a suas necessidades básicas e supérfluas.

Essas formas evidenciadas remetem a levar em consideração a educação (formal ou não), que é uma característica própria dos seres humanos, com sua capacidade de modificar e transformar seu ambiente para adequá-lo, diferenciando-o da natureza. É por meio do processo de educação, que ocorre no espaço chamado escola, que o ser humano tende a se afastar da natureza, com sua capacidade de planejar, organizar e modificar o espaço em que se encontra. Tal espaço é caracterizado pelos avanços da tecnologia da informação e comunicação e pela conectividade estrutural da sociedade contemporânea, definindo assim a cibercultura que, segundo Lévy (1999) e Lemos (2008), é a tecnologia sendo transformada pelo ser humano para favorecer sua cultura histórica, ampliando sua comunicação e sua conectividade, utilizando-se de técnicas materiais e intelectuais, interferindo no modo de pensar e agir em um movimento que o próprio ciberespaço oferece.

Para que o profissional da educação possa contribuir com a capacidade e a intencionalidade de criar, inovar e transformar a sociedade em que atua, com os recursos oferecidos pelo ciberespaço, há necessidade de investir em seu processo de formação contínua, em que se valorize a escola como um espaço destinado para a educação formal com heterogeneidades diversas, com capacidade de renovar a cultura ou perpetuá-la, como destaca Forquin (1993, p. 14):

[...] a cultura é conteúdo substancial da educação, sua fonte e sua justificação última: a educação não é nada fora da cultura e sem ela. Mas, reciprocamente, dir-se-á que é pela e na educação, através do trabalho paciente e continuamente recomeçado e uma “tradição docente” que a cultura se transmite e se perpetua: a educação “realiza” a cultura como memória viva, reativação incessante e sempre ameaçada, fio precário e promessa necessária da continuidade humana.

A educação representa a cultura e a cultura está imbricada na educação de modo a se renovar como memória viva e incessante que é repassada de geração em geração pelo professor, exercendo sua profissão na produção não material, trabalhando com o conhecimento, fazendo com que este seja o conteúdo fundamental para a produção cultural da humanidade imersa em uma sociedade contemporânea, com sujeitos mediados pelo uso das tecnologias de informação e comunicação.

Hoje, mais do que nunca, presenciam-se mudanças ocasionadas pelo isolamento social, em virtude do vírus covid-19, transformando o modo de conviver dos sujeitos e principalmente sua maneira de aprender, exigindo que seus profissionais criem novas estratégias no processo de ensino e aprendizagem, como descreve Behar (2020):

Essa mudança drástica do dia para a noite exigiu que os docentes assumissem o processo de planejamento, criação, adaptação dos planos de ensino, o desenvolvimento de cada aula e a aplicação de estratégias pedagógicas online. Os docentes precisaram e continuam, mais do que nunca, necessitando de muito apoio e ajuda para construir competências digitais e lidar com um ambiente desconhecido até então.

O professor é o sujeito que faz parte dessa “sociedade tecnológica” em que seu comportamento e ações são modificados a partir do momento que ele se utiliza das tecnologias de informação e comunicação e estas interferem em seu cotidiano, transformando sua maneira de pensar e agir. São as tecnologias baseadas na microeletrônica, que possibilitam novas interações e possibilidades de acesso ao conhecimento. As tecnologias de informação e comunicação, “quando disseminadas socialmente, alteram as qualificações profissionais e a maneira como as pessoas vivem cotidianamente, trabalham, informam-se e se comunicam com outras pessoas e com todo o mundo” (Kenski, 2007, p. 22).

É o fenômeno caracterizado por uma comunicação em tempo real, possibilitando a comunicação, a integração e a articulação entre as pessoas, e, segundo Kenski (2007), é a chamada rede das redes, a Internet, conectando os sujeitos no ciberespaço, que possibilita a comunicação recíproca de um com o outro, independentemente de sua localização geográfica.

A conectividade entre os seres humanos em diferentes espaços é definida por Lévy (1999, p. 17) como:

[...] o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo.

O professor é sujeito histórico que atua em uma sociedade, em uma escola cada vez mais mediada pelos avanços tecnológicos, e a tecnologia de informação e comunicação está disponível para que os conhecimentos sejam ampliados por meio das possibilidades que o ciberespaço oferece nesse sentido, principalmente em tempos de isolamento social, em que o professor precisou desenvolver métodos para contribuir com o processo de ensino e aprendizagem, a fim de manter o vínculo com o estudante. Nesse sentido, Arruda (2020, p. 10) corrobora aduzindo:

[...] que a educação remota é um princípio importante para manter o vínculo entre estudantes, professores e demais profissionais da Educação. A resposta em contrário pode representar o afastamento por muitos meses de estudantes dos espaços escolares (físicos e virtuais), o que pode comprometer a qualidade da educação, possivelmente mais do que a implementação de iniciativas que mantenham tais vínculos, apesar das limitações que venham a conferir. A singularidade da pandemia deve levar também a uma compreensão de que a educação remota não se restringe à existência ou não de acesso tecnológico, mas precisa envolver a complexidade representada por docentes confinados, que possuem famílias e que também se encontram em condições de fragilidades em suas atividades.

É o momento de identificar as fragilidades de acesso às tecnologias digitais, porém é inevitável reconhecer que políticas de investimento na infraestrutura de acesso à Internet, em equipamentos tecnológicos e de formação continuada para o uso desses recursos, precisarão ser planejadas, estruturadas e executadas para possibilitar a imersão no mundo permeado pela cibercultura, em que “[...] a educação hoje já não pode mais manter-se somente como acadêmica ou profissionalizante, por isso necessitamos de professores que conheçam o sistema produtivo e principalmente as inovações tecnológicas” (Brito; Purificação, 2015, p. 44). Trata-se de possibilitar ao professor entender como a tecnologia permeia toda a nossa existência, compreendendo a cultura atual, e como agir diante do cenário em que se vê trabalhando com o ensino remoto e com tantos afazeres em seu próprio lar.

Nesse sentido, o profissional que atua na educação, imerso entre muitos afazeres, de uma hora para outra se viu diante de um ensino remoto que possibilita utilizar as tecnologias digitais para se aproximar dos estudantes em um movimento de superação, colaboração e novos desafios, é um reinventar no processo de ensino.

Segundo Behar (2020), o ensino remoto é uma situação que talvez ocorresse daqui a dez anos, no entanto “acabou acontecendo de forma ‘emergencial’ em um, dois ou três meses. Os professores estão aprendendo mais do que nunca a criar aulas on-line, testando, errando, ajustando e se desafiando a cada dia”. Assim, o saber do professor e do profissional que atua na educação está se modificando a cada dia e o processo de formação continuada também precisou ser revisto e estruturado para além dos espaços presenciais.

É proporcionar ao professor um “saber” que, segundo Tardif (2002), leva em consideração as dimensões sociais, organizacionais e humanas em que o professor se encontra, principalmente em tempos de isolamento social, em que esse professor precisa proporcionar um ensino remoto em que muitas vezes se encontra despreparado, é a oportunidade de estruturar uma formação para tal ação, mesmo que autônoma ou colaborativamente, entre seus pares, para que de fato se possa efetivar o processo de ensino remoto em tempos de pandemia.

É importante lembrar que a situação emergencial é também momento propício para fomentar uma política de universalização do acesso às informações e conhecimentos disponibilizados pela Internet. No quadro atual de desenvolvimento tecnológico, conforme mostramos, estamos dentro de possibilidades de reconfigurar as políticas de acesso tecnológico não mais ao acesso institucional (por meio da escola), mas a um acesso individual, em que todos as pessoas vinculadas à escola têm direito a esse bem (Arruda, 2020, p. 10).

Freire (1997) contribui, nesse sentido, destacando o quanto os professores precisam estar abertos e dispostos a reconhecer a realidade contextual que envolve seus alunos não apenas para compreendê-los, mas principalmente para exercerem melhor sua atividade docente, em que a dialogicidade precisa estar presente mesmo que seja a distância, por meio de mensagens, áudios, vídeos e emojis, em que a comunicação seja efetiva para se manter o vínculo, a interação e o diálogo.

2 O PROCESSO DE PESQUISA: O QUE REVELAM OS DADOS SOBRE O PROCESSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA EM PLATAFORMA DIGITAL

Para responder à questão proposta e atingir o objetivo da pesquisa, foi elaborado um questionário on-line, cujo link foi enviado por meio de uma rede social para 68 profissionais da educação, atuantes na educação pública do Município de Araucária, dos quais 50 responderam voluntariamente. Na sequência, estabeleceu-se uma “leitura flutuante” (Bardin, 2009) nos registros encontrados, levando em consideração os potenciais apontados por Lankshear e Knobel (2008), as fontes de dados tratadas como “dados escritos”, para as respostas à questão proposta pela pesquisa.

O método de análise de conteúdo (Bardin, 2009) foi utilizado para favorecer a análise dos textos, com os depoimentos explicitados nas respostas do questionário respondido on-line pelos profissionais da educação, entre esses diretores, pedagogos, professores e estagiários que atuam em diferentes Unidades Educacionais, com o objetivo de analisar nos escritos, registros de mudanças culturais permeados pela cibercultura.

Foi escolhida para esta pesquisa a regra da representatividade, por amostragem (Bardin, 2009) referente aos registros dos questionários, no que se refere aos pontos positivos e negativos relativamente à formação continuada por meio de plataformas digitais. Para constituição do quadro de fontes e para o sorteio da amostra aleatória foram seguidas as etapas:

  1. determinados 20% da amostra, aleatória, de acordo com o número total de participantes da pesquisa;

  2. enumeradas as respostas referentes a cada participante;

  3. realizado o sorteio aleatório das respostas para compor o quadro de fonte de dados;

  4. identificados os registros sorteados por letra “R” e seguido do número, como exemplo R1, refere-se ao registro 1 sorteado e assim sucessivamente até o registro 10, considerado R10.

A análise de categoria proposta nesta pesquisa pretende identificar os dados, agrupando-os pela técnica de “codificação de cores”, e, segundo Lankshear e Knobel (2008, p. 226), trata-se de um processo de sinalização para identificar a que categoria pertencem os dados coletados.

Partindo-se do referencial teórico, orientações, experiências da pesquisadora e de acordo com o objetivo desta pesquisa, foram elencadas as categorias: Metodologia utilizada no curso, Aprendizagem do professor e Integração das tecnologias com a prática do ensino remoto.

Ao analisarmos, nos escritos dos profissionais da educação, registros de mudanças culturais permeados pela cibercultura e ao questionarmos os profissionais sobre a formação continuada utilizando plataforma digital, evidenciamos - nos comentários dos profissionais de educação - os aspectos positivos e negativos na categoria de metodologia usada no curso, a capacidade de modificação e renovação da cultura, diretamente ligada à educação, como propõe Forquin (1993), em que a cultura é conteúdo substancial da educação e que elas (cultura e educação) estão intimamente interligadas e são interdependentes e suas contribuições constituem o ser humano como sujeito. Como demonstram as citações a seguir:

É um formato mais flexível que permite estudar de forma mais tranquila, podendo até mesmo gravar as aulas e salvar as lives para possíveis consultas futuras, precisamos nos adaptar... (R8).

Acho positivo o fato delas ficarem gravadas... (R1).

Se a escola é um mundo social, de certa forma os profissionais que nela atuam transmitem e perpetuam a cultura, que é conteúdo fundamental da educação. A escola é o espaço responsável por grande parte da produção cultural existente e está imersa na cultura contemporânea e participa de todas as transformações existentes, principalmente as que ocorreram com as suspensões das aulas presenciais, por motivos de segurança e preservação da vida humana, em razão do novo coronavírus covid-19 e da pandemia mundial que se instaurou.

Portanto, percebem-se nos comentários realizados pelos profissionais da educação, no tocante à formação continuada, elementos presentes da cibercultura e, nesse sentido, Lemos (2008) corrobora aduzindo que precisamos dirigir nosso olhar para o mundo da vida em que a escola está conectada às mudanças e inovações presentes em seu tempo e espaço.

Mesmo diante das dificuldades encontradas, por exemplo, como não podiam ocorrer aglomerações, todos precisavam estar em isolamento em suas casas, foi possível dar continuidade ao processo de formação, como descrito pelo profissional da educação “Positivo: Continuidade do processo de formação...” (R7). Isso permite analisar implicitamente que, em virtude das mudanças sociais existentes na educação, pela impossibilidade de contato pessoal entre os seres humanos, para evitar proliferação do vírus, houve uma necessidade de atender a demanda de uma formação continuada.

Corroborando nesse sentido, Brito e Purificação (2015) acrescentam que os professores precisam estar abertos às inovações tecnológicas, bem como se adaptarem às imposições da sociedade de um universo cultural cada vez mais amplo e tecnológico, que muda suas relações entre si, seus pares e de todo um grupo social caracterizado pela cibercultura, que necessita de formação continuada para transformação de sua prática pedagógica.

É a possibilidade de integração, articulação e conexão entre as pessoas, por meio das redes, a chamada Internet, espaço possível de relacionamento entre as pessoas conectadas por meio do ciberespaço (Lévy, 1999), que permite a conectividade virtual entre as pessoas em diferentes espaços. Como analisamos nas citações descritas:

Positivo: Poder participar e Assistir de onde estiver (R5).

Positivo: alcance de maior número de pessoas; - economia da mantenedora com a estrutura e organização do espaço físico; - economia para deslocamento, maior conforto (quando em casa) (R10).

Positivo é a facilidade de alcançar um número muito grande de pessoas e em diversos lugares (R4).

As constatações nos escritos apontam para o que Lévy (1999) e Lemos (2008) sustentam no sentido de que essa possibilidade de interconexão mundial de computadores, o ciberespaço, não se refere apenas à questão de infraestrutura material, mas também à quantidade ilimitada de informações e de seres humanos que navegam e que usufruem desse universo tecnológico. Nesse sentido, como as descrições destacam, é possível evidenciar a transformação que ocorre na sociedade por meio da conectividade caracterizada pela cibercultura que Lévy (1999) define como instrumentos materiais e intelectuais que se desenvolvem na mesma proporção que o crescimento do ciberespaço.

Na expressão “Através das lives podemos pegar referências de livros, teóricos para aprofundar nosso trabalho e a nossa teoria” (R3), fica evidente a constituição dessa sociedade caracterizada pela conectividade, a cibercultura, constante no processo de formação contínua, utilizando-se das plataformas digitais.

É a demonstração de possibilidades de reestruturação do processo em que aponta as características presentes na cibercultura, transcendendo os espaços físicos em que ocorrem a educação e a formação, atingindo assim um maior número de pessoas e lugares, modificando a cultura histórica da humanidade, permeada pelo uso das tecnologias digitais e/ou as tecnologias digitais transformando a cultura de formação continuada em tempos de isolamento social.

No entanto, com relação à metodologia utilizada no curso, os participantes da pesquisa apontam alguns aspectos a serem superados nesse processo em que convivem no universo da cibercultura, como descrevem relativamente aos problemas técnicos de infraestrutura adequada:

[...] e muitos problemas técnicos como áudio, Internet que às vezes não funciona e trava... problemas de acesso... Internet paga... (R2).

[...] Ponto negativo: depende de acesso constante à Internet, nem todas as pessoas têm acesso... (R8).

Os recortes encontrados em R2 e R8 evidenciam o que Moran, Masetto e Behrens (2008) destacam a grande dificuldade da sociedade de proporcionar uma educação que não seja padronizada e supere as dificuldades de infraestrutura existentes, em que o acesso à Internet é insatisfatório.

Kenski (2007) realça que, para atender às exigências que o ciberespaço oferece, são necessárias mudanças estruturais e pedagógicas para que só então possam acontecer as transformações que transcendam os espaços físicos em que ocorre a educação.

É necessário investir em políticas públicas de democratização ao acesso, o qual possa permanecer nas trocas de governo e não se desmantele aquilo que vem sendo construído, como aponta Saviani (2007).

A esse respeito, no relatório emitido pelo CGI.br (2020b) sobre Internet, desinformação e democracia, destaca-se que não apenas acessamos a Internet ou saímos dela, mas estamos a todo instante na Internet, logo é preciso estabelecer regras de democratização e acesso para todos, e quem tem a prerrogativa de fazê-lo é o Estado. Não se pode mais aceitar que a grande parte da população - e aqui tratamos de profissionais da educação - seja privada do acesso ao conhecimento.

Identificamos nos comentários dos profissionais que participaram da pesquisa elementos que revelam a importância de as formações serem realizadas com a intenção de superar a relação de exterioridade que descreve Tardif (2002), em que os formadores determinam os saberes científicos e pedagógicos a serem ensinados, ao passo que aos professores compete apenas apropriar-se e aplicá-los como normas e elementos de sua competência profissional. Tal competência é determinada e sancionada muitas vezes por universidades e mantenedoras, sem verificar a necessidade de professores e da escola, como descrevem a citações a seguir:

[...] O negativo é o excesso de lives, em vários dias recebo convite para assistir de duas a quatro lives, e todas de alguma maneira ligada à educação (R3).

[...] Negativo: Muitas lives seguidamente atrapalham um pouco, pois o atendimento aos alunos é durante o dia inteiro e é difícil interferir o tempo todo e se dividir entre explicação para os alunos e assistir as lives... (R7).

Essa relação de exterioridade expressa nos dizeres de R3 e R7 sobre o excesso de formações em plataformas digitais revela que há possibilidade de reestruturação no planejamento das formações para que venham atender aos anseios da comunidade escolar, bem como rever o processo de interação entre os participantes e os palestrantes, entre o processo de formação e as necessidades dos profissionais da educação, a qual Day (2001) julga ser imprescindível para que haja uma transformação no pensamento e na prática dos profissionais da educação, consequentemente, indireta e diretamente, surtindo efeito na aprendizagem de seus estudantes, conforme os dizeres: “[...] Como negativo, entendo que a interação professor/palestrante de quem está assistindo fica mais difícil” (R1). “[...] e a interação entre os participantes acaba sendo rasa” (R8).

Nesse sentido, Brito e Purificação (2015) assinalam o quanto a tecnologia digital permeia toda a nossa existência, e, ao escolhermos determinada tecnologia de informação e comunicação para ser utilizada, representa também uma opção cultural que expressa o momento social, político e econômico vivido, em que houve necessidade de comunicação e interação, em um processo dialógico (Freire, 1997), para que assim o profissional da educação pudesse alterar sua forma de pensar e agir.

Enaltece-se assim o processo de ação e reflexão (Valente, 2003), desafio que possibilita ao profissional apropriar-se criticamente desses meios digitais e constatar que a interação é essencial para que se possa questionar, analisar e refletir, relativizando assim seu processo de formação e seu saber profissional (Tardif, 2002).

Levando-se em consideração as dimensões sociais, organizacionais e humanas que constituem o saber profissional do professor, defendida por Tardif (2002), é possível identificar nas expressões as recorrências sobre os aspectos positivos e negativos da formação continuada por meio de plataformas digitais para os profissionais da educação, compondo a categoria aprendizagem do profissional da educação.

Analisou-se aqui o processo de aprendizagem do profissional da educação e é possível evidenciar nas expressões dos registros a presença dos aspectos culturais para que os profissionais da educação possam atuar atendendo à demanda da sociedade atual estruturada pela conectividade, caracterizada pela cibercultura, em que os saberes não podem mais ser padronizados e rotinizados, como defende Lévy (1999). Devem ser construídos novos espaços para ampliação do conhecimento de forma mais ampla e não linear, reorganizados de acordo com os objetivos e contextos da sociedade atual, como revelam os seguintes registros: “Acho positivo [...] poder voltar a elas posteriormente para verificar algo que me interesse” (R1); e “Eu não vejo problemas...” (R6).

As transformações constantes ocorridas nos espaços virtuais possibilitam uma nova relação com o saber, demonstradas por Lévy (1999, p. 157), por meio de três constatações: a primeira é a renovação dos saberes durante o percurso profissional; a segunda a natureza do trabalho que estará voltada para aprender, transmitir saberes e produzir conhecimentos; e a terceira diz respeito ao ciberespaço, que apresenta tecnologias intelectuais que amplificam as funções cognitivas humanas, ampliando o potencial de inteligência coletiva, como se analisa em: “[...] uma saída para contribuir com o nosso conhecimento neste momento...” (R2); e “[...] ajuda aos profissionais que têm mais dificuldade com as ferramentas on-line (R7).

A tecnologia não pode ser compreendida como algo neutro, estático e material, é um processo histórico e, como tal, interfere diretamente em todas as relações e tem suas implicações diretas na cultura da sociedade atual e na cultura de aprendizagem dos profissionais da educação que se encontram em um momento caracterizado por mudanças velozes, muitos buscando na educação a possibilidade de acesso ao conhecimento para assim ter uma qualidade de vida melhor, como corrobora Kenski (2007).

Dessa forma, analisamos que a aprendizagem do profissional da educação também ocorre pelas interações e relações, como descritas por Tardif (2002), em que reitera a pertinência acerca da interação que se dá entre alunos e professores (expressões usadas aqui mesmo tratando-se de professor aprendiz e professor formador), em que as interações humanas precisam ser determinantes e dominantes no contexto da atividade que o professor exerce, que são pessoas e interagem com pessoas, “onde estão presentes símbolos, valores, sentimentos, atitudes, que são passíveis de interpretação e decisão” (Tardif, 2002, p. 50), como descritos nos registros:

Negativo: a educação é humana, dessa forma requer a interação em todas as dimensões. O trabalho remoto limita as percepções e interações... (R9).

[...] E também percebo uma certa romantização das pessoas com esse período, nós que estamos assistindo as lives e as pessoas que promovem, somos privilegiados, a grande maioria da população está vivendo entre o medo e a angústia, e percebo que nas lives a maioria das pessoas estão focadas em dizer que temos que aprender com esse momento, que temos que ser resilientes, mas não existe resiliência fora da nossa bolha... (R3).

Como mostram as citações, os saberes dos professores são “plurais” e foram se constituindo de sua própria experiência e da socialização com seus pares, como defende Tardif (2002). Pode-se observar nos registros que os saberes dos professores provêm não só da formação, mas também de diversas fontes, tempos e lugares. É evidente a influência que a vida pessoal, os aspectos políticos e o contexto educacional exercem sobre o desenvolvimento contínuo de professores, e cada qual possui sua história pessoal e profissional. Segundo Day (2001), para um crescimento no processo de formação, há que considerar suas necessidades particulares e a forma como estas poderão ser identificadas, atendendo assim suas necessidades mais evidentes, durante o período que vivenciamos o isolamento social, como cita R3: “[...] a grande maioria da população está vivendo entre o medo e a angústia, e percebo que nas lives a maioria das pessoas estão focadas em dizer que temos que aprender com esse momento, que temos que ser resilientes, mas não existe resiliência fora da nossa bolha...”.

O conteúdo do texto revela a insegurança, a dificuldade e o receio tanto dos profissionais da educação como dos estudantes diante de tais mudanças. No entanto, compreende-se que a dificuldade de acesso às tecnologias digitais ampliou significativamente as desigualdades e seus impactos serão evidenciados nas próximas décadas (Unesco, 2020).

Mesmo diante das dificuldades, receios e inseguranças, Freire (1997) defende que o importante é não permitir que a situação que vivenciamos paralise-nos ou nos leve a desistir de enfrentar a situação, e acrescenta que diante de qualquer medo precisamos nos aperfeiçoar e encará-lo posteriormente.

Criar estratégias de planejamento para a formação continuada, como descreve Day (2001), requer pensar na “inclusão digital” do profissional da educação. Isso vai além de proporcionar-lhes conhecimentos instrumentais, é criar condições para que esses professores se sintam incluídos, como podemos observar nas citações analisadas de R4 e R8:

Ponto negativo é que eu tenho dificuldade em utilizar as tecnologias, não só eu mas outras pessoas também (R4).

[...] nem todas as pessoas têm acesso ou sabem como funciona as plataformas on-line (R8).

As expressões reiteram a tese de Day (2001, p. 204), citadas anteriormente, no que se refere à importância de as formações serem concebidas para atenderem às necessidades dos profissionais da educação e as do sistemas em proporcionar a formação continuada, procurando encontrar o equilíbrio para que o processo de formação proporcione uma aprendizagem intensiva, que resulte em um crescimento não apenas aditivo (aquisição de conhecimentos) mas também em um crescimento transformativo (do qual decorrem mudanças significativas).

A formação continuada precisa ser repensada e atualizada a fim de atender às exigências da sociedade atual, em que as formações devem contemplar o uso das tecnologias não só no presencial, mas também no virtual, com o objetivo de se apropriar das tecnologias digitais para “dominá-las” para além da alienação, a fim de compreender como utilizar as tecnologias para o processo de ensino remoto, porque “não há gosto sem a facilidade que vem com a prática e o domínio” (Moran, 2007, p. 43).

Os dados levantados por meio da Categoria Aprendizagem dos profissionais da educação revelam que estes estão em constante processo de aprendizagem, que não se negam ou relutam em utilizar as tecnologias digitais, mas querem sim atender às necessidades de aprendizagem de seu aluno, porém ainda precisam de formação continuada em tecnologias digitais para a superação das dificuldades que enfrentam. Foi identificada na categoria de Aprendizagem do Professor, implicitamente, a ausência de formação do uso das tecnologias em plataformas digitais em seu processo de formação contínua.

Tornam-se essenciais uma boa infraestrutura de acesso à Internet e o apoio ao professor a longo prazo, para que os objetivos a que se propõem com a utilização das tecnologias digitais possam ser atingidos para o ensino remoto.

Limitou-se nesta pesquisa a detectar na formação continuada em plataformas digitais do profissional da educação o crescimento aditivo (aquisição de conhecimentos), ao que se refere Day (2001), relacionado ao uso de plataformas digitais, e se compreendeu que este se encontra em processo de “inclusão digital” e muitos necessitam de formação continuada específica para o uso das tecnologias digitais para que de fato se sintam envolvidos no universo da cibercultura. Quanto ao crescimento transformativo (que resulta em mudanças significativas), que nos indica Day (2001), na compreensão e ação do profissional da educação diante das mudanças apresentadas pela cibercultura de formações continuadas em plataformas digitais, é uma lacuna que precisará ser pesquisada.

Ao analisar a categoria sobre a integração das tecnologias com a prática do ensino remoto, da formação continuada utilizando-se das plataformas digitais que os profissionais da educação realizaram naquele momento, constatou-se que os profissionais da educação têm compreensão de que as tecnologias digitais estão presentes em nosso cotidiano e interferem significativamente em nosso modo de pensar, sentir e agir, alterando o processo da cultura humana permeados pela cibercultura , como cita R9: “Positivos: agregar o uso de ferramentas das novas tecnologias permite ampliar as possibilidades e alcance do processo de ensino e aprendizagem”. E o registro de R3 “Através das lives podemos pegar referências de livros, teóricos para aprofundar nosso trabalho e a nossa teoria”.

Nas expressões de R9 e R3 fica explícita a defesa de Kenski (2007) de que o desenvolvimento tecnológico de cada época mudou e alterou significativamente a estrutura social, cultural e humana e que o uso de determinada tecnologia se impõe à cultura existente e transforma o comportamento do indivíduo e de toda uma sociedade. A educação está inserida nesse contexto social e a apropriação de certas tecnologias e informações é o que diferencia os seres humanos.

Fica evidente que a cultura é bem de consumo e que a sociedade, por meio da educação, proporciona sua distribuição como conteúdo substancial (Forquin, 1993), tendo um novo papel no mundo contemporâneo, o de instituir sujeitos humanos que interferem, apropriam-se e ampliam seus conhecimentos mediante as oportunidades que o ciberespaço proporciona.

Os aspectos negativos analisados revelam a necessidade de rever o processo de formação continuada para integrar o uso das tecnologias de informação e comunicação à prática do profissional da educação com o ensino remoto como destacam os registros:

Ela não é específica na maneira de como desenvolver sua prática remotamente, seria melhor usando tecnologias interativas, como foi ensinando um pouco na semana pedagógica. Assim a gente iria aprendendo (R5).

Negativo: Muitas lives seguidamente atrapalham um pouco pois o atendimento aos alunos é durante o dia inteiro e é difícil interferir o tempo todo e se dividir entre explicação para os alunos e assistir as lives ... Muitas ideias não se adaptam à realidade das escolas (R7).

Ao analisar as expressões R5 e R7, percebem-se as barreiras de exterioridade (Tardif, 2002) presentes no processo de formação continuada utilizando-se as plataformas digitais. Para que de fato essa formação contribua com o cotidiano escolar é preciso ultrapassar essas barreiras e a formação do profissional da educação deve contemplar as necessidades atuais, visto que sentem dificuldades para trabalhar com o ensino remoto. É necessária uma articulação entre a ciência e a prática docente, ou seja, os conhecimentos científicos incorporados à prática docente; é a teoria permitindo reflexões sobre a prática educativa, e vice-versa.

Infelizmente, a maior parte das formações que ocorrem hoje existe sob a forma de cursos. A esse respeito Day (2001) reitera que são realizadas fora da escola e atendem apenas à necessidade individual, e muitas vezes daqueles que menos precisam. Elas não se constituem a partir das demandas institucionais, nem, principalmente, das necessidades dos professores de atender ao processo de ensino e aprendizagem, não criam, tampouco, mecanismos de divulgação dos resultados, ou seja, recontextualizar na prática aquilo que aprendeu na formação, como expresso nos registros:

O negativo é o excesso de lives, isso gera uma sensação de impotência, de não estarmos dando conta de tantos afazeres... (R3).

[...] para a grande maioria da população que de alguma forma está envolvida com atividades pedagógicas que enviamos para casa, é simplesmente desgastante (R3).

Fica evidente que o professor quer aprender, até porque ele, “como todo ser humano, é construtor de si mesmo e da sua história. Essa construção ocorre pelas ações num processo interativo permeado pelas condições e circunstâncias que o envolvem” (Brito; Purificação, 2015, p. 43). No entanto, sem preparação diante das atividades remotas, “o professor tem que participar ativamente do conteúdo, interagindo ao vivo com seus alunos e organizando tarefas para serem realizadas e postadas ao longo da semana na plataforma selecionada pela instituição” (Behar, 2020).

Contudo, a fim de que o sujeito profissional da educação, em especial o professor, tenha condições para discutir e analisar as reais potencialidades das tecnologias digitais para a educação, é preciso seja revista sua formação continuada, com o intuito de ele possa tornar-se sujeito atuante desse novo processo em que a sociedade se comunica cada vez mais por um universo cultural e tecnológico (Brito; Purificação, 2015), como identificamos na citação de R6:

E em algumas disciplinas facilitaria muito ter ferramentas nos próprios formulários, como na matemática que temos que improvisar em tudo para a linguagem dos símbolos e equações, dentro do Classroom, se tem que correr atrás de outros recursos (R6).

Os profissionais da educação trabalham com pessoas e, nesse sentido, as interações humanas precisam ser determinantes e dominantes no contexto da atividade que o professor exerce, “onde estão presentes símbolos, valores, sentimentos, atitudes, que são passíveis de interpretação e decisão, interpretação e decisão que possuem, geralmente, um caráter de urgência” (Tardif, 2002, p. 50), como evidenciamos no dizer de R9: “[...] O trabalho remoto limita as percepções e interações entre educadores-educandos e entre educandos-educandos”.

Para que o professor possa atingir a ação de atender às necessidades de seus alunos, é preciso que se aproprie das tecnologias de informação e comunicação para “dominá-las” no sentido de não se alienar ou muito menos torná-las uma realidade entificada, superior a ele, e sim entender como utilizar as tecnologias digitais para o processo de ensino remoto.

Portanto, há necessidade de rever o processo de formação continuada utilizando-se de plataformas digitais, bem como de proporcionar formações em tecnologias digitais para que de fato ocorram mudanças significativas e o docente se torne um “orientador/mediador”. Nas palavras de Moran (2007, p. 30), “aprende com a prática e a pesquisa e ensina a partir do que aprende. Realiza-se aprendendo-pesquisando-ensinando-aprendendo”.

A complexidade existente no processo de formação em tecnologias digitais “é algo centenário” (Valente, 2003) por se tratar de implementação de mudanças profundas no setor educacional. O momento foi de romper com os paradigmas existentes, inovar e criar estratégias para trabalhar com o aluno que viveu esse momento histórico, com informações à sua disposição em tempo real e com aulas por meio do ensino remoto. Agora, o que fazer com essas informações merece a atenção especial do profissional professor que precisa se preparar para se apropriar dessas inovações, e buscar transformar a informação em conhecimento demanda rever o que significa ensinar e aprender, “[...] saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” (Freire, 1996, p. 47).

Tudo o que foi analisado no conteúdo dos registros da categoria de integração das tecnologias com a prática do ensino remoto precisa ser complementado e aprofundado, deixando-se aqui uma lacuna para ser desvelada e elencar práticas pedagógicas que demonstrem como as tecnologias digitais estão sendo utilizadas no ensino remoto para que se efetive o processo de ensino e interação educador-educando, educando-educador.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisou-se nesta pesquisa a capacidade do profissional da educação, diante das mudanças culturais permeadas pela cibercultura. Pelos registros, revelou-se a capacidade de renovação e modificação da cultura diretamente imbricada com a educação, ao passo que as alterações no cotidiano em tempos de pandemia e isolamento social fizeram com que os profissionais da educação buscassem novas formas de ensinar e até mesmo de aprender, e evidenciaram limitações quanto ao acesso às tecnologias digitais e à fragilidade desses profissionais para o uso do ciberespaço, como apontamos a seguir.

Ao analisar a metodologia de aprendizagem do profissional de educação utilizada, houve a prerrogativa por parte dos profissionais da educação sobre a importância da continuidade da formação continuada por meio de plataforma digital, atendendo à demanda da sociedade atual que se comunica cada vez mais por um universo amplo e tecnológico. Assim, a metodologia do curso veio ao encontro das mudanças estabelecidas pelas oportunidades que o ciberespaço disponibiliza, em que as mudanças sociais em tempo de isolamento social possibilitaram mudanças culturais no processo educacional mediante o ensino remoto. Os cursos oferecidos puderam ser assistidos de acordo com o tempo e localização geográfica de cada profissional, pois ficaram gravadas as transmissões que ocorriam ao vivo e houve um alcance maior no número de pessoas que puderam se apropriar do acesso ao conhecimento.

No entanto, os profissionais destacaram que o excesso de formações em forma de lives ocasionou certo desconforto e, por conseguinte, sentiram-se sobrecarregados por estarem ao mesmo tempo realizando atendimento remoto aos alunos, o que expressa uma relação de exterioridade no planejamento das formações que não atendem às especificidades dos profissionais em tempo de ensino remoto. Evidenciam-se ainda as dificuldades de acesso em razão da instabilidade da Internet e até mesmo das condições financeiras por parte de alguns profissionais. É preciso estabelecer regras e políticas públicas de democratização e acesso para que todos os profissionais tenham o acesso ao conhecimento.

Em referência à aprendizagem do profissional da educação, percebe-se que os profissionais da educação têm a compreensão de que as tecnologias digitais estão presentes em nosso cotidiano e interferem significativamente em nosso modo de pensar, sentir e agir, alterando o processo da cultura humana permeado pela cibercultura. Os profissionais da educação não receberam preparação específica para o uso das tecnologias digitais aliadas ao ensino remoto e se sentiram sobrecarregados ao interagirem ao vivo com os estudantes e familiares em redes sociais, organizando tarefas, disponibilizando atividades em plataformas digitais e participando de inúmeras formações on-line. Tudo isso ocasionou uma aprendizagem aditiva (aquisição de conhecimentos) a seu processo de formação e não transformativa (mudanças significativas) para sua prática com os estudantes em aulas remotas. A falta de interação no processo de formação continuada em plataformas digitais também é elemento determinante que tem prejudicado o processo de aprendizagem dos profissionais da educação, pois, por meio da socialização com seus pares, surge a oportunidade de aprenderem colaborativamente, contribuindo com seu desenvolvimento contínuo, mesmo nos tempos de isolamento social. Poder questionar, analisar, refletir e recontextualizar o que foi ensinado na formação contínua é aspecto essencial da cibercultura. Fica evidente a necessidade de investimento em formações contínuas voltadas para o desenvolvimento do uso das tecnologias digitais para o ensino remoto, a fim de que o profissional da educação possa aplicar na prática aquilo que aprende pesquisando num movimento que se constrói aprendendo-pesquisando-ensinando-aprendendo.

Constata-se na integração das tecnologias com a prática pedagógica do ensino remoto que os profissionais da educação têm compreensão de que as tecnologias digitais estão presentes em nosso cotidiano e interferem significativamente em nosso modo de pensar, sentir e agir, alterando o processo da cultura humana permeado pelas cibercultura, porém as formações não são específicas para a atuação no ensino remoto utilizando-se das tecnologias digitais.

É preciso estabelecer um equilíbrio entre as necessidades do profissional da educação e as do sistema, colocando-se em sintonia com as exigências do desenvolvimento científico e tecnológico e com as demandas da sociedade atual pelo uso das tecnologias digitais, atendendo a essa demanda de proporcionar formações que possibilitem a integração com a prática pedagógica do ensino remoto.

Novamente, evidencia-se a necessidade de investimento em uma boa infraestrutura de acesso à Internet e apoio aos profissionais da educação a longo prazo, para que os objetivos que se propõem com a utilização das tecnologias digitais possam ser atingidos para o ensino remoto e ocorra uma recontextualização da formação continuada com a prática pedagógica, minimizando os impactos na aprendizagem advindos da ausência do ensino presencial, por meio do ensino remoto.

REFERÊNCIAS

Arruda, Eucidio. Educação remota emergencial: elementos para políticas públicas na educação brasileira em tempos de Covid-19. Revista Em Rede Educação a Distância, Belo Horizonte, v. 7, n. 1, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.aunirede.org.br/revista/index.php/emrede/article/view/621 . Acesso em: 10 ago. 2020. [ Links ]

Bardin, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2009. [ Links ]

Behar, Patricia A. O ensino remoto emergencial e a educação a distância. UFRGS, jul. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.ufrgs.br/coronavirus/base/artigo-o-ensino-remoto-emergencial-e-a-educacao-a-distancia/ . Acesso em: 10 ago. 2020 [ Links ]

Brasil. Lei n.º 9.394, de 23 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: Presidência da República, [1996]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm . Acesso em: 19 ago. 2020. [ Links ]

Brito, Gláucia da Silva; Purificação, Ivonélia da. Educação e novas tecnologias: um repensar. Curitiba: IBPEX, 2015. [ Links ]

CGI.br. Comitê Gestor da Internet no Brasil. Relatório Internet - Desinformação e Democracia. São Paulo: CGI.br, 2020a. Disponível em: Disponível em: https://www.cgi.br/publicacao/relatorio-internet-desinformacao-e-democracia/ . Acesso em: 10 ago. 2020. [ Links ]

CGI.br. Comitê Gestor da Internet no Brasil. Painel TIC COVID-19 aponta aumento do comércio eletrônico e das atividades culturais on-line durante a quarentena. São Paulo: CGI.br, 2020b. Disponível em: Disponível em: https://www.cgi.br/noticia/releases/painel-tic-covid-19-aponta-aumento-do-comercio-eletronico-e-das-atividades-culturais-on-line-durante-a-quarentena/ . Acesso em: 8 ago. 2020. [ Links ]

Day, Christopher. Desenvolvimento profissional de professores: os desafios da aprendizagem permanente. Porto: Porto, 2001. [ Links ]

Forquin, Jean-Claude. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1993. [ Links ]

Freire, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. [ Links ]

Freire, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d’Água, 1997. [ Links ]

Kenski, Vani M. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação. Campinas: Papirus, 2007. [ Links ]

Lago, Rosilene C. Gestão da formação em tecnologias educacionais conectada ao professor: análise do projeto do município de Araucária - Paraná. 2011. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2011. [ Links ]

Lankshear, Colin; Knobel, Michele. Pesquisa pedagógica: do projeto à implementação. Porto Alegre: Artmed, 2008. [ Links ]

Lemos, André. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2008. [ Links ]

Lévy, Pierre. Cibercultura. São Paulo: 34, 1999. [ Links ]

Moran, José M. A educação que desejamos: novos desafios e como chegar lá. Campinas: Papirus, 2007. [ Links ]

Moran, José M.; Masetto, Marcos T.; Behrens, Marilda A. Novas tecnologias e mediação pedagógica. 14. ed. Campinas: Papirus, 2008. [ Links ]

Pinto, Álvaro Vieira. Ciência e existência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. [ Links ]

Saviani, Dermeval. Os desafios da educação pública na sociedade de classes. In: ORSO, José Paulino (Org.). Educação, sociedade de classes e reformas universitárias. Campinas: Autores Associados, 2007. p. 9-26. [ Links ]

Tardif, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002. [ Links ]

Unesco. Resumo do Relatório de Monitoramento Global da Educação 2020: inclusão e educação para todos. Paris: Unesco, 2020. Disponível em: Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000373721 . Acesso em: 19 ago. 2020. [ Links ]

Valente, José Armando (Org.). Formação de educadores para o uso da informática na escola. Campinas: Unicamp/Nied, 2003. [ Links ]

NOTAS:

1 Dados Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - Censo 2010. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pr/araucaria/panorama. Acesso em: 8 ago. 2020.

2 Dados Departamento de Estrutura e Funcionamento - SMED - 2020 em 19.08.2020.

Recebido: 13 de Dezembro de 2020; Aceito: 18 de Agosto de 2022; Publicado: 08 de Setembro de 2023

Creative Commons License Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional que permite o uso irrestrito, distribuição e reprodução em qualquer meio, desde que a obra original seja devidamente citada.