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Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.21  São Paulo  2023  Epub 16-Out-2023

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2023v21e57088 

Artigos

A Formação de Professores(as) que Atuam na Disciplina Projeto de Vida do Novo Currículo do Ensino Médio em São Luís - MA

The Training of Teachers who Work in the Life Project Discipline of the New High School Curriculum in São Luís - MA

La Formación de Docentes que Trabajan en la Disciplina Proyecto de Vida del Nuevo Currículum Escuela Secundaria en São Luís - MA

Izamoema de SANTANAi 
http://orcid.org/0000-0002-7749-7137

Flavya Soraya Mendes Machado dos SANTOSii 
http://orcid.org/0000-0001-7421-2936

Maria José Albuquerque SANTOSiii 
http://orcid.org/0000-0001-5743-9290

1 Especialista em Orientação Educacional pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) e acadêmica do Programa de Pós-graduação em Gestão do Ensino da Educação Básica (PPGEEB) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Docente na Secretaria Estadual de Educação do Maranhão (Seduc-MA). E-mail: izamoemasantana@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-7749-7137.

2 Especialista em Orientação, Supervisão e Gestão Escolar pela Faculdade Santa Fé (FSF) e acadêmica do Programa de Pós-graduação em Gestão do Ensino da Educação Básica (PPGEEB) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Supervisora Escolar na Secretaria Estadual de Educação do Maranhão (Seduc-MA). E-mail: flavyasmmachado@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0001-7421-2936.

3 Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) e Pós-doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Docente do Programa de Pós-graduação em Gestão do Ensino da Educação Básica (PPGEEB) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: maria.albuquerque@ufma.br - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0001-5743-9290.


Resumo

Este estudo tem por objetivo investigar a relação entre a formação docente e a prática dos(as) professores(as) que atuam com a disciplina Projeto de Vida que faz parte do novo currículo do Ensino Médio no Maranhão. Para tanto, embasa-se em um referencial teórico sobre a Formação Docente, por meio de autores como Imbernón (2011), Pimenta (1997), Tardif (2014), entre outros. Trata-se de uma pesquisa de campo, quali-quantitativa e exploratória, realizada mediante um formulário on-line (Google Forms), cujos resultados indicam que há uma grande variedade na formação inicial dos docentes que atuam na disciplina e demostram que os(as) participantes se dividem entre os(as) que veem contribuições positivas oriundas de sua formação e os(as) que não encontraram relação entre a disciplina Projeto de Vida e sua formação, baseando sua prática na experiência.

Palavras-chave: formação de professores; projeto de vida; novo Ensino Médio

Abstract

This study aims to investigate the relationship between teacher education and the practice of teachers who work with the Life Project discipline that is part of the new high school curriculum in Maranhão. Therefore, it is based on a theoretical framework on Teacher Education, through authors such as Imbernón (2011), Pimenta (1997), Tardif (2014) among others. This is a qualitative-quantitative and exploratory field research, carried out through an online form (Google Forms), in which the results indicate that there is a big variety in the initial training of teachers who work in the discipline, and demonstrate that the (a)s participants are divided between those who see positive contributions from their training and those who did not find a relationship between the Life Project discipline and their training, basing your practice on experience.

Keywords: teacher training; life project; new High School

Resumen

Este estudio tiene como objetivo investigar la relación entre la formación del profesorado y la práctica de los profesores que trabajan con la disciplina Proyecto Vida que forma parte del nuevo currículum de escuela secundaria en Maranhão. Por tanto, se basa en un marco teórico sobre la Formación Docente, mediante autores como Imbernón (2011), Pimenta (1997), Tardif (2014) entre otros. Se trata de una investigación de campo cualitativo-cuantitativa y exploratoria, realizada a través de un formulario online (Google Forms), en el que los resultados indican que existe una gran variedad en la formación inicial de los docentes que laboran en la disciplina, y demuestran que los participantes se dividen entre los que ven aportes positivos de su formación y los que no encuentran relación entre la disciplina del Proyecto de Vida y su formación, basar su práctica en la experiencia.

Palabras clave: formación de profesores; proyecto de vida; nueva Escuela Secundaria

1 INTRODUÇÃO

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1996), em seu artigo 61, afirma que a formação dos profissionais da educação deve atender aos objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica. Sendo assim, as questões pertinentes à formação dos profissionais encontram-se balizadas por orientações como: a observação dos fundamentos científicos, a relevância social dos temas a serem trabalhados, a importante e necessária associação teoria e prática, bem como ganhos oriundos das experiências nos diversos lócus educacionais nos quais o(a) professor(a) está exercendo sua práxis, entre outros pontos.

Assinala-se que, atualmente, a rede estadual de educação do Maranhão está em processo de implementação da reforma curricular promulgada pela Lei n.º 13.415/2017 e pela Base Nacional Curricular Comum - BNCC (Brasil, 2018). A reformulação da nova proposta curricular no território maranhense, que traz como novidade a disciplina Projeto de Vida como componente obrigatório nas 1.ª e 2.ª séries do Ensino Médio, merece atenção especial, visto que não há formação em nível superior específica voltada a preparar docentes para desenvolverem essa disciplina. Decorre, pois, questionar: Sob qual condição formativa os professores estão ministrando essa disciplina? Como se configura a formação em serviço ofertada aos(às) professores(as) da rede estadual de educação do Maranhão? Como a formação inicial e/ou continuada se relaciona com a prática desses professores que ministram a disciplina Projeto de Vida?

Diante do exposto, este artigo pretende investigar a relação entre a formação docente e a prática dos(as) professores(as) que ministram a disciplina Projeto de Vida no Ensino Médio em São Luís - MA. Para tanto, realizamos um levantamento sobre a formação inicial e continuada dos professores(as) que ministram a disciplina de Projeto de Vida nas escolas de tempo integral de Ensino Médio em São Luís - MA e questionamos como a formação (inicial/continuada/em serviço) contribui para a prática docente desses(as) professores(as).

Logo, iniciaremos descrevendo aspectos da formação docente referenciados em autores como Imbernón (2011), Papi (2005), Pimenta (1997), Ramalho, Nuñes e Gauthier (2004), Tardif (2014), entre outros. Em seguida, realizaremos um apanhado histórico sobre o Ensino Médio no Brasil e discutiremos como a formação docente, em geral, foi afetada pela reforma curricular vigente. Por último, descreveremos a atual reforma no Ensino Médio e como está se configurando sua implantação no Maranhão. A partir desse referencial teórico, faremos uma discussão sobre a relação entre a formação dos professores e a prática docente na disciplina Projeto de Vida nas escolas de tempo integral que ofertam o Ensino Médio na rede estadual na cidade de São Luís - MA.

2 O PROCESSO FORMATIVO DE PROFESSORES(AS) E A CONSTRUÇÃO DE SABERES DOCENTES

O ofício docente tem origem remota, mas somente no final do século XVII a formação docente foi institucionalizada na Europa. De acordo com Veiga, Araújo e Kapuziniak (2005), a primeira experiência de formação docente foi realizada por Charles Démia que, em 1672, fundou em Lyon, na França, um centro de formação que se assemelhava às escolas normais. Também significativa foi a contribuição de Jean Baptiste de la Salle, fundador da Congregação dos Lassalistas, que instituiu em 1688 uma escola de formação de professores, assim como suas obras Conduite des Écoles (escrita em 1706 e publicada em 1720) e Règles de la bienséance (1703), visando fundamentar a atuação do professor.

Para Papi (2005), a docência é o resultado de uma construção política e social cujas origens remetem às relações estabelecidas com a Igreja. No imaginário social, a docência é vista como um sacerdócio, pressupondo a exigência de uma vocação. Com o decorrer do tempo, a docência, sob a tutela do Estado, adquire o status de ofício, no entanto ainda carrega consigo dependência em relação às normas e valores externos.

Em face do exposto, Gauthier et al. (2013) afirmam que definir um repertório de conhecimentos para a docência tem sido uma preocupação pertinente nas pesquisas desde a década de 70 do século passado. Dessa forma, eles classificam os saberes docentes em: saberes disciplinares (a “matéria”), saberes curriculares (o “programa”), saberes das ciências da Educação (psicologia, sociologia, ética etc.), saberes da tradição pedagógica (o “uso”, as concepções individuais do docente sobre a escola e sua prática), os saberes experienciais (oriundos da prática cotidiana) e os saberes da ação pedagógica (legitimados pela pesquisa). De acordo com os autores, estes últimos precisam ser produzidos para garantir a profissionalização da docência.

Em contrapartida, Papi (2005) distingue os saberes docentes em teóricos e práticos. Os primeiros dizem respeito aos saberes a serem ensinados e os saberes para ensinar, ou seja, os saberes disciplinares, didáticos e pedagógicos e os segundos referem-se aos saberes da experiência, que se dividem em saberes sobre a prática, ou seja, os procedimentos adotados, e os saberes da prática, que correspondem às ações exitosas no ensino.

Por sua vez, para Imbernón (2011), o conhecimento pedagógico é um conhecimento especializado legitimado pela prática, que se constitui constantemente na vida profissional do professor. O conceito de competência profissional do professor vai além da preparação disciplinar, curricular, mediadora, ética, institucional e coletiva, expandindo-se e demandando uma bagagem sociocultural.

Assim, pensar a formação em matéria de aquisição de competências requer definir esse conceito, que, segundo Ramalho, Nuñes e Gauthier (2004, p. 70), é “a capacidade manifestada na ação, para fazer um saber, com consciência, responsabilidade, ética, que possibilita resolver com eficácia e eficiência situações-problemas da profissão”.

Portanto, a prática profissional ganha uma nova dimensão que se relaciona com um compromisso social perante a categoria e a instituição. Salles (2004) destaca que o desenvolvimento profissional não deve ser pensado desvinculado do desenvolvimento da escola e da sociedade, assim como a formação inicial e a continuada não devem ser dissociadas, e sim consideradas como unidades interdependentes e integradas do processo de formação de professores.

Para Pimenta (1997), a formação inicial distanciada do ambiente escolar, em sua perspectiva burocrática, não dá conta das contradições da prática social de educar. Assim, a formação continuada, voltada tão somente à atualização de conteúdos e desvinculada da prática pedagógica, mostra-se ineficiente para alterar situações de fracasso escolar.

Imbernón (2011) corrobora ao afirmar que o trabalho docente se tornou complexo e diversificado, fazendo-se necessária uma redefinição tanto da formação inicial quanto permanente, de modo que transcenda a mera atualização científica e que possibilite criar espaços de participação, reflexão e formação para que possamos conviver com a mudança e a incerteza.

Em consonância com o descrito supra, Tardif (2014) faz críticas à formação de professores, a qual não leva em consideração os pontos de vista dos “professores de profissão”, inclusive na determinação dos conteúdos e formas. Ele também critica a organização do processo formativo em torno de lógicas disciplinares fragmentadas e desconectadas, que separa os momentos de aquisição de conhecimentos da sua aplicação prática, numa verdadeira cisão entre teoria e prática.

Ampliando os horizontes, Pimenta (1997) propõe a superação da fragmentação dos saberes científicos, pedagógicos e experienciais. De acordo com a autora, é necessária a prática para confrontar os saberes teóricos e devem ser feitos registros para a construção de novos saberes. Para a autora, é fundamental “pensar a formação como um processo único, englobando a inicial e contínua” (Pimenta, 1997, p. 12), sendo necessária a articulação entre a formação inicial, a realidade das escolas e a formação continuada.

Nessa perspectiva, buscamos, de maneira sucinta, definir esses conceitos. Como etapas contínuas e interdependentes, a formação inicial caracteriza-se pela aquisição de competências e habilidades mínimas exigidas para o exercício da docência, que deve ser complementada ao longo do tempo, definida desde então como formação permanente, processo que pode partir das necessidades do próprio docente ou como exigência da instituição para a qual trabalha (Imbernón, 2011).

Dando continuidade, cabe ressaltar que o processo formativo docente se encontra implicado nos impactos das reformas curriculares historicamente propostas no Brasil, com destaque neste estudo para o Ensino Médio. Por essa razão, os tópicos que seguem consideram, mesmo que sucintamente, o percurso histórico do Ensino Médio e as repercussões da reforma curricular atual na formação de professores(as).

3 ENTRE A LETRA DA LEI E AS VIVÊNCIAS SOCIAIS: O PERCURSO DO ENSINO MÉDIO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Tratando-se do Ensino Médio, inicia-se, sucintamente, com algumas considerações de ordem histórica, a partir do Decreto n.º 19.890/1931, que dispõe sobre a organização do ensino secundário que regulamentou e organizou o ensino profissional e comercial do País. Getúlio Vargas e Francisco Campos, em sua reforma, não conseguiram romper com a educação voltada para as elites. Para se ter uma ideia, o artigo 1.º começa identificando o espaço onde o ensino secundário seria ministrado: O Colégio Pedro II localizado no Rio de Janeiro, local onde apenas os filhos da elite teriam condições de acesso e permanência.

Ampliando o olhar sobre o Ensino Secundário, ele era mantido em dois ciclos: o curso ginasial, com duração de quatro anos, e o segundo clássico e científico, com duração de três anos. Nesse período, o ensino secundário e o profissional não se comunicavam. Somente a partir da Lei n.º 1.076/1950 que tal permissão foi concedida, ou seja, ela assegurou aos estudantes dos cursos de primeiro ciclo do ensino comercial, industrial ou agrícola o direito à matrícula nos cursos clássico e científico e ainda permitiu a matrícula nos cursos superiores aos egressos dos cursos comerciais técnicos após aprovação em exames vestibulares.

Na década seguinte, a Lei n.º 4.024/1961 decretou a equiparação entre o ensino profissional e o propedêutico. O então Presidente João Goulart, ao promulgar as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, permitiu o surgimento de uma primeira legislação norteadora da Educação, porém com muitos pontos ainda a serem ampliados. O acesso e a permanência dos jovens não foram assuntos sequer discutidos, bem como a formação dos professores nem mesmo foi mencionada.

Outro momento decisivo para a construção do Ensino Médio foi a Lei n.º 5.692/1971. Dez anos depois, o ensino de 1.º e 2.º graus foi estabelecido. O Presidente Emílio G. Médici e o Ministro Jarbas Passarinho postularam que o ensino de 1.º e 2.º graus teriam por objetivo desenvolver as potencialidades e a qualificação para o trabalho e o exercício da cidadania. Entretanto, as habilitações profissionais poderiam ser realizadas em cooperação com empresas e outras entidades públicas e privadas. Outra tendência importante foi a obrigatoriedade das disciplinas Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde.

Fazendo jus ao momento de abertura política, a Lei n.º 7.044/1982 facultou a profissionalização no 2.º grau. O então Presidente João Figueiredo estabeleceu o mínimo de 2.200 horas de trabalho escolar em pelo menos três séries anuais e deixou a cargo do Conselho Federal de Educação as questões relacionadas à habilitação profissional. Caminhando nesse mesmo sentido, a Lei n.º 9.394/1996 agregou o Ensino Médio à última etapa da Educação Básica com a finalidade de preparação para a continuidade dos estudos, preparação básica para o trabalho e o exercício da cidadania.

A Lei n.º 11.741/2008 redimensionou, institucionalizou e integrou a Educação Profissional Técnica de Ensino Médio, da Educação de Jovens e Adultos e da Educação Profissional e Tecnológica. Entretanto, esse foi mais um capítulo na história do Ensino Médio, que vivenciou uma nova reforma curricular, por meio da Lei n.º 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, que estabelece a flexibilização curricular, por meio de itinerários formativos distintos e a política de fomento às escolas em tempo integral. Em complementação às orientações desse processo de configuração das bases da nova política educacional, a Resolução n.º 2, de 20 de dezembro de 2019, define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica, nominada BNC-Formação.

Enquanto o Novo Ensino Médio se adéqua à BNCC e propõe itinerários formativos que contemplem em seus arranjos curriculares as áreas de linguagens e suas tecnologias, matemática e suas tecnologias, ciências da natureza e suas tecnologias, ciências humanas e sociais aplicadas, e a formação técnica e profissional, a BNC-Formação estipula como deverá ser a formação dos profissionais que implementarão esses currículos. Dos gabinetes das Secretarias até a sala de aula temos um longo caminho a percorrer, logo, a seguir, discorreremos sobre os impactos na formação de professores oriundos da atual reforma curricular no Ensino Médio.

4 AS MUDANÇAS NO PROCESSO FORMATIVO DOCENTE A PARTIR DA BNCC

As Reformas Curriculares na Educação no Brasil causaram impactos significativos na formação de professores. Ramalho, Nuñes e Gauthier (2004) fazem uma crítica aos processos tradicionais de reformulação curricular que dão pouco espaço aos professores, conferindo-lhes a responsabilidade de implementar processos curriculares pensados por outros.

Para Gimeno Sacristán (2000), as exigências sobre os(as) professores(as) cresceram em detrimento de sua qualificação, que não acompanha esse ritmo de mudanças. De acordo com o autor, a complexidade da prática docente e sua função sociocultural, atreladas à estrutura e organização escolar inadequadas, colocam a categoria à mercê de elaborações externas do currículo prescrito.

Em meio a esse cenário, em função da Lei n.º 13.415/2017, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n.º 9.394/1996) e influenciou a construção da BNCC (Brasil, 2018), ocorreram reflexos na formação de professores, ao reformular as Diretrizes Curriculares para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica, por meio da Resolução CNE/CP n.º 2 de 20 de dezembro de 2019, que estabelece as competências gerais para a docência, tendo por base as dez competências gerais da educação básica fixadas pela BNCC (Brasil, 2018). Em seu artigo 4.º, a resolução apresenta como fundamentos para formação inicial de professores as seguintes dimensões: conhecimento profissional, prática profissional e engajamento profissional.

Contrariando essas ideias, Silva (2018) critica a formação baseada em competências que, segunda a autora, visam o controle sobre o aprendiz e os educadores, por terem um carácter utilitário e produtivo, atendendo às exigências do mercado e ignorando a dimensão histórico-cultural na formação humana. Logo, privilegia-se o produto em vez do processo de aprendizagem, de modo que o conhecimento se reduz à aplicação imediata, ficando distante de uma reflexão crítica aprofundada.

Entretanto, observa-se que a nova legislação tenta atender demandas que têm sido temas de debates e pesquisas no meio acadêmico nos últimos anos: a integração entre conhecimento teórico e prático e a profissionalização da docência. Essas temáticas são defendidas por autores contemporâneos, como Tardif (2014), ao propor abandonar a visão tradicional da relação entre teoria e prática, afirmando que ambas mantêm uma interdependência e que é necessário reconhecer os professores como produtores de conhecimento no exercício de sua prática. Contudo, para tal, é preciso que a categoria lute por espaços de controle e decisão sobre a estrutura e organização das instituições para as quais trabalham, assim como busque a unidade da profissão docente do pré-escolar à universidade.

Prosseguindo com a análise, no artigo 8.º, III, da Resolução do CNE/CP nº 2/2019, um dos fundamentos pedagógicos da formação docente é a conexão entre ensino e pesquisa como centralidade do processo ensino e aprendizagem. De acordo com Gauthier et al. (2013), para profissionalizar o ensino é preciso identificar saberes da ação pedagógica e validá-los por meio da pesquisa científica, integrando prática e teoria na formação docente.

Entretanto, é preciso estar atento aos novos rumos da formação docente no Brasil. Kalmus e Souza (2016, p. 55) denunciam os interesses econômicos por trás da oferta de cursos de formação para professores pela iniciativa privada:

A multiplicação de cursos de formação de professores de níveis, extensão e modalidades diversas é uma das ênfases das políticas correntes, as quais têm favorecido, por meio de consórcios e parcerias diversas, a abertura crescente para a entrada de empresas privadas no terreno antes reservado à atuação do Estado.

Há, portanto, uma preocupação atual com a precarização da formação docente no Brasil, visto que se multiplicaram as instituições e as modalidades de formação, sem, contudo, garantir qualidade.

Com relação à formação continuada, as Diretrizes Curriculares para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica, também instituída após a BNCC (Brasil, 2018), por meio da Resolução CNE/CP n.º 1, de 27 de outubro de 2020, em seu artigo 7.º, para que tenha eficácia, a formação continuada deve atender as seguintes características: foco no conhecimento pedagógico do conteúdo, uso de metodologias ativas de aprendizagem, trabalho colaborativo entre pares, duração prolongada da formação e coerência sistêmica.

Segundo Imbernón (2011), a formação permanente deve promover a aprendizagem colaborativa, possibilitando a reflexão individual e coletiva na resolução de problemas práticos do cotidiano docente, adequando modalidades a finalidades formativas dos professores.

Isso também vai ao encontro do seu artigo 11 das Diretrizes Curriculares para Formação Continuada (Brasil, 2020), o qual menciona que as políticas para a Formação em Serviço, implementadas pelas escolas, redes escolares ou sistemas de ensino, por si ou em parcerias com outras instituições, devem ser desenvolvidas em alinhamento com as reais necessidades dos contextos e ambientes de atuação dos professores.

Assim, infere-se que as reformas curriculares geram necessidade de formação continuada do corpo docente, visto que a implementação das mudanças fica a cargo da escola e dos educadores. Por essa razão, Silva (2018, p. 13) afirma que: “O currículo deve ser pensado e proposto tomando sempre como referência a escola em suas práticas reais, considerando-se os saberes produzidos pelos professores, as intenções da formação e as condições em que ela se processa”.

Ao se fazer esse recorte teórico sobre as demandas atuais na formação de professores, pretendemos levantar questões pertinentes sobre a formação de professores(as), em especial dos(as) que atuam no Ensino Médio, modalidade de ensino que está passando por reformulações e, portanto, requer atenção. Tendo em vista que essas mudanças precisam ser assimiladas pelos docentes em atividade, assim como pelos futuros docentes, a seguir são pontuados alguns aspectos pertinentes à reforma do Ensino Médio e como sua implementação está se configurando na rede estadual do Maranhão.

5 O NOVO CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO E A IMPLEMENTAÇÃO DA DISCIPLINA PROJETO DE VIDA NO TERRITÓRIO MARANHENSE

A Lei n.º 13.415/2017 institui a política de fomento à implementação de escolas de Ensino Médio de tempo integral e estabelece que os sistemas de ensino devem se adaptar à nova carga horária no prazo de cinco anos. Para que se cumpra a referida lei, o novo Documento Curricular para o Território Maranhense (DCTM) para o Ensino Médio (Maranhão, 2022) apresenta mudanças na organização dos componentes curriculares da formação geral do currículo do Ensino Médio e os itinerários formativos, que se constituem a partir da integração dos componentes curriculares por área de conhecimento.

Assim, a parte diversificada do currículo no DCTM (Maranhão, 2022) para as escolas de tempo integral é composta pelos Itinerários Formativos, o Estudo Orientado, as Práticas Experimentais, as Disciplinas eletivas, o Projeto de Vida, o Pós-médio, o Projeto de corresponsabilidade social, os Projetos empreendedores e a Tutoria. Dentro desse mosaico de objetos curriculares o Projeto de Vida, componente obrigatório a ser ministrado nas duas primeiras séries do Ensino Médio, é o elemento estruturador e organizador do percurso formativo pessoal e profissional do estudante.

O termo Projeto de Vida, que aparece na BNCC (Brasil, 2018) como eixo norteador, já vem sendo utilizado pelo Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE) em seu modelo curricular adotado por escolas de tempo integral em diversas regiões do Brasil. Esse modelo criado pelo pedagogo Antônio Carlos Gomes da Costa e por Bruno Silveira, denominado Escola da Escolha, subsidiado pela iniciativa privada, implantado pela primeira vez em Pernambuco em 2004, foi implementado na rede estadual do Maranhão em 2016 (ICE, 2015)

Assim como na BNCC, na Escola da Escolha, o Projeto de Vida dos estudantes é o eixo principal, no qual o currículo e a prática pedagógica se baseiam. Dessa forma, tendo como referência a proposição do ICE (2021), o componente curricular, apresentado como disciplina Projeto de Vida, busca desenvolver nos estudantes autoconhecimento, habilidades socioemocionais, competências sociais e produtivas, que possibilitem a aquisição de aprendizagens ao longo da vida.

Diante do exposto, buscamos analisar a relação entre a formação dos(as) professores(as) e a prática docente mediante o desafio de ministrar um novo componente curricular aqui apresentado - a disciplina Projeto de Vida.

6 SOBRE A PESQUISA

Este estudo resulta de uma pesquisa de campo, quali-quantitativa e exploratória, realizada por meio de um levantamento sobre a formação dos professores que desenvolvem a disciplina Projeto de Vida nas escolas de tempo integral de Ensino Médio em São Luís - MA e sua influência na prática docente. Como instrumento de coleta de dados foi utilizado um questionário on-line (Google Forms), o qual foi enviado por e-mail aos docentes que atuam na rede estadual de educação do Maranhão, bem como pela análise do documento curricular para território maranhense, o DCTM do Ensino Médio.

Tendo em vista o contexto de pandemia durante o qual esse estudo foi realizado, adotou-se a pesquisa tecnológica para que os(as) professore(a)s pudessem se sentir contemplados em suas narrativas e simultaneamente foram obtidos subsídios para delinear o cenário ludovicense. Por essa razão, o instrumento de coleta de dados, o Google Forms, é definido como:

[...] um aplicativo que pode criar formulários, por meio de uma planilha no Google Drive [...] pode ser muito útil em diversas atividades acadêmicas, nesse caso em especial para a coleta e análise de dados estatísticos, facilitando o processo de pesquisa (Mota, 2019, p. 373).

O campo investigado constituiu-se de uma amostra composta por professores de 18 Centros Educa Mais localizados na cidade de São Luís - MA, que ofertam o Ensino Médio em escolas de tempo integral. Tais escolas adotam um currículo que contempla os componentes curriculares da BNCC e, na parte diversificada, a disciplina Projeto de Vida, implementados pela Secretaria Estadual de Educação do Maranhão (Seduc-MA) em parceria com o ICE.

Participaram da pesquisa 20 professores(as) de um total de 36, o que corresponde a mais de 50% dos que atuam nos 18 Centros Educa Mais localizados na cidade de São Luís - MA.

O formulário continha o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e oito questões - cinco questões objetivas e três subjetivas. As questões objetivas versavam sobre a formação inicial e continuada dos(as) professores(as), a experiência docente anterior e posterior à disciplina Projeto de Vida, assim como a participação ou não em formação em serviço para atuar nessa disciplina. As questões subjetivas, por seu turno, discorriam sobre a contribuição ou não da formação (inicial/ continuada/ em serviço) para a prática docente na disciplina em questão.

A verificação dos dados foi realizada por meio da análise de conteúdo, método que, de acordo com Deslandes, Gomes e Minayo (2009), possibilita ir além da descrição dos conteúdos explícitos da comunicação para chegar a dimensões interpretativas.

7 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para compor os primeiros passos desse espaço amostral, leva-se em consideração a formação inicial dos participantes envolvidos na pesquisa e destacam-se as disciplinas de Arte (20%) e Língua Espanhola e Sociologia (15% cada), as quais têm mais professores(as) ministrantes da disciplina Projeto de Vida, conforme explicitado no Gráfico 1.

Fonte: As autoras.

Gráfico 1 Distribuição de professores segundo a Formação Acadêmica Inicial e percentualmente, segundo atuação na disciplina Projeto de Vida 

Outro fator levado em consideração foi o nível de qualificação dos(as) professores(as) envolvidos(as) na pesquisa. Identificou-se que 65% dos professores possuem especialização; 10% têm mestrado em suas respectivas áreas de formação. Chama atenção o percentual significativo de profissionais que tanto não avançaram seus estudos do nível mestrado para o nível doutorado quanto do nível graduação para o nível de especialização em suas áreas de formação, conforme demonstrado no Gráfico 2.

Fonte: As autoras.

Gráfico 2 Distribuição percentual de professores, segundo nível de qualificação/titulação 

O terceiro aspecto contemplado na pesquisa foi o tempo de experiência docente. A maioria dos(as) educadores(as), ou seja, cerca de 30%, está trabalhando ativamente nas salas de aula entre 11 e 15 anos. Logo após, destacamos que 25% deles estão entre 6 e 10 anos ministrando aulas e que cerca de 15% dos atuantes nesse contexto possuem mais de 25 anos de docência. O Gráfico 3 demonstra, também, um empate técnico de 10% para os outros três espaços temporais elencados: entre 1 e 5 anos, entre 16 e 20 anos e entre 21 e 25 anos.

Fonte: As autoras.

Gráfico 3 Distribuição percentual de professores, segundo tempo de experiência docente 

O Gráfico 4, por sua vez, apresenta o tempo de envolvimento dos professores com o planejamento, o conteúdo e o desenvolvimento da disciplina Projeto de Vida, visto que as escolas em tempo integral do Estado do Maranhão há mais de três anos trabalham com essa disciplina como componente curricular. O maior tempo encontrado com cerca de 35% dos(as) professores(as) é de dois anos, seguido de 25% com docentes que ainda não completaram nem um ano de fazer pedagógico. Em contrapartida, temos 20% de profissionais com certa experiência na área, visto que possuem acima de três anos de prática.

Fonte: As autoras.

Gráfico 4 Distribuição percentual de professores, segundo tempo em que desenvolvem a disciplina Projeto de Vida 

Com o intuito de compor um perfil desses professores, questionou-se sobre a participação deles na formação específica ofertada pela Seduc-MA, no sentido de garantir um conhecimento mínimo da proposta curricular adotada para a disciplina. O Gráfico 5 demonstra que a maioria, cerca de 75% dos profissionais, tem esse embasamento epistemológico.

Fonte: As autoras.

Gráfico 5 Distribuição percentual de professores, segundo formação específica recebida para desenvolver a disciplina Projeto de Vida  

Diante do cenário anteriormente apresentado, hão de se registrar alguns achados sobre os docentes envolvidos no fazer da disciplina Projeto de Vida. O primeiro questionamento a ser levantado diz respeito à presença de professores de formação acadêmica nas disciplinas de Arte, Língua Espanhola e Sociologia. Teriam eles conteúdos mais próximos à matriz curricular? Seriam eles um componente curricular com menor carga horária, o que permitiria ter “tempo” para elaborar metodologias diversificadas para a disciplina? Ou ainda... haveria uma identificação pessoal com as temáticas apresentadas?

No que concerne à continuidade dos estudos, interrogamo-nos: Qual seria o motivo para os profissionais da rede de educação terem somente uma especialização? Por que apenas 10% enveredam para o caminho do mestrado, mas não dão continuidade ao doutorado? Como explicar que 25% desses profissionais não têm nenhuma qualificação? Várias possibilidades de respostas poderiam ser apresentadas, entre elas algumas culpando os professores pela não qualificação, outras culpando o Estado pela ausência de políticas públicas.

Os dados sobre o tempo de docência apresentam o panorama mais díspar e ao mesmo tempo mais próximo do que foi encontrado no interior das escolas: profissionais com pouco, médio e longos anos de experiência. Parece que esse fator, “o tempo”, não interfere na escolha desse profissional, pois até mesmo o tempo de atuação da disciplina, dois anos, menos de um ano ou acima de três anos, foi bem divergente e com percentuais aproximados.

No tocante à Formação Continuada em Serviço promovida pela Seduc-MA, tem-se uma inquietação, um percentual de 25% afirmou não ter acesso a esse momento. Esse fato nos fez questionar o motivo para tal situação: A pandemia afetou o curso natural das ações? Ou será que houve desistência ou abandono por parte dos docentes que assumiram a disciplina?

Entre lacunas e tematizações, deixamos essas e outras preocupações e verificações para serem ampliadas de acordo com a análise da subjetividade de algumas questões. O traçado de um possível perfil é feito por múltiplos olhares, que se entrecruzam em uma comunhão de histórias de vidas mediatizadas, em nosso caso, pela proposição de um novo currículo.

Dando continuidade à nossa discussão, fez-se a análise de conteúdo temática das questões subjetivas, que, de acordo com Deslandes, Gomes e Minayo (2009), consiste em agrupar unidades de análise, que são palavras ou frases que trazem um tema, dentro de categorias e subcategorias conforme a semelhança. O Quadro 1 apresenta as categorias e as subcategorias encontradas na análise e o quantitativo de suas respectivas unidades de análise:

Quadro 1 Categorias e subcategorias de análise 

Categoria Subcategorias Unidades de análise
Contribuição da formação em serviço para a prática na disciplina Projeto de Vida Aspectos pedagógicos presentes na formação em serviço 4
Compreensão do objeto de conhecimento da disciplina Projeto de Vida 5
Relevância da formação em serviço 7
Atuação na disciplina Projeto de Vida sem participar da formação em serviço Atitudes, procedimentos e rotinas 2
Fontes de informações consultadas 3
Contribuição da formação inicial para a atuação na disciplina Projeto de Vida Aspectos disciplinares e pedagógicos relacionados à prática docente 5
Aspectos relacionados à experiência docente anterior à disciplina Projeto de Vida 7
Menção à formação continuada 2
Relação entre a formação inicial e a disciplina Projeto de Vida 7

Fonte: As autoras.

De acordo com as questões subjetivas do questionário on-line, a primeira categoria foi “contribuição da formação em serviço para a prática na disciplina Projeto de Vida”, desmembrada em três subcategorias: “Aspectos pedagógicos presentes na formação em serviço”; “Compreensão do objeto de conhecimento da disciplina Projeto de Vida”; e “Relevância da formação em serviço”. Observem alguns exemplos de falas extraídas dessa categoria:

Significativamente. As instruções recebidas durante a formação, nortearam meu trabalho no que diz respeito a disciplina projeto de vida e pude contemplar melhor cada assunto abordado no material estruturado.

Foi de grande relevância por ser um componente curricular novo se fez necessário perceber a especificidade do trabalho em ajudar o aluno a planejar e olhar para seu futuro mostrando a ele que suas escolhas são primordiais para o seu projeto de vida.

Essa formação foi a base para ministrar a disciplina, pois ela mostrou os pontos básicos e importantes de projeto de vida como disciplina e como centralidade do modelo da escola da escolha.

A formação me auxiliou no entendimento sobre o que era de fato o Projeto de Vida, além das temáticas a serem desenvolvidas por cada série e a estrutura das aulas e as propostas de atividades.

Na subcategoria “Aspectos pedagógicos”, os docentes versaram a respeito de como a formação em serviço possibilitou a imersão no material estruturado pelo ICE direcionando sua prática. Na subcategoria “Compreensão do objeto de conhecimento da disciplina Projeto de Vida”, os participantes falaram sobre os esclarecimentos acerca da disciplina, a compreensão de sua estrutura, organização, temáticas, e a importância da disciplina dentro do currículo. Por sua vez, na subcategoria “Relevância da formação em serviço”, os participantes explanaram sobre o valor da formação em serviço, em sua maioria consideraram-na positiva, servindo de base para suas atuações na disciplina Projeto de Vida.

Analisando essa categoria, podemos estabelecer um paralelo com o posicionamento de Gimeno Sacristán (2000): o professor sempre exerce papel de intérprete ativo do currículo, sendo mediador entre o currículo e a aprendizagem dos alunos. Assim, a atribuição de significados por parte do professor condiciona sua prática e reflete na aprendizagem dos alunos. O autor ainda destaca que a necessidade de subsídios pedagógicos não destitui o professor de sua autonomia, mas que devemos questionar os interesses explícitos e implícitos nas mudanças curriculares e os mecanismos de controle sobre a produção desses materiais.

Destacamos que algumas falas reportaram o fato de ser uma disciplina nova e a ausência de conhecimentos sobre esta, o que nos faz refletir sobre a necessidade de uma formação mais sólida para se trabalhar tal disciplina. Em uma das falas, um(a) professor(a) ressalta só ter participado de uma formação on-line. Essa insegurança com relação ao novo, o apego aos procedimentos e material pedagógico, é semelhante ao comportamento dos professores recém-formados, em seus anos iniciais de exercício da docência. Tardif (2014) menciona a precariedade na carreira docente e como isso afeta a identidade docente, a falta de reconhecimento social e de estabilidade na profissão repercute na identificação com a profissão e consequentemente em sua prática.

A segunda categoria foi “Atuação na disciplina Projeto de Vida sem participar da formação em serviço”, que gerou duas subcategorias: “Atitudes, procedimentos e rotinas” e “Fontes de informações consultadas”, cujos exemplos são: “Conversas e informações com colegas que já ministraram a disciplina”. “Material de apoio oferecido pela escola (apostila)”. “Resiliência e conhecimento”.

Na subcategoria “Atitudes, procedimentos e rotinas”, os participantes mencionam posturas e comportamentos adotados no exercício da sua prática docente na disciplina Projeto de Vida. Já na subcategoria “Fontes de informações consultadas” os participantes destacam o material oferecido pela escola, trocas de experiência com outros colegas de profissão e a busca por outras referências como base para sua atuação na disciplina Projeto de Vida.

Percebe-se aqui uma fala que corrobora com os teóricos que defendem a formação de modo colaborativo. Segundo Imbernón (2011), é preciso desenvolver nas escolas um clima/cultura colaborativa, que permita essa troca de experiências, assim como o diagnóstico e a tomada de decisão conjunta.

Por essa razão, Pimenta (1997) argumenta que a pesquisa deve ser o princípio formativo na docência, sendo a escola espaço de trabalho e formação, por meio de gestão democrática que possibilite a participação de todos e propicie a construção de redes de formação contínua.

A terceira categoria foi “Contribuição da formação inicial para a atuação na disciplina Projeto de Vida”, na qual encontramos quatro subcategorias: “Aspectos disciplinares e pedagógicos relacionados à prática docente”; “Aspectos relacionados à experiência docente anterior à disciplina Projeto de Vida”; “Menção à formação continuada”; e “Relação entre a formação inicial e a disciplina Projeto de Vida”. Vejam alguns exemplos:

Me aproximar mais dos conteúdos, da realidade dos estudantes, as linguagens abordadas e a metodologia dentro da sala de aula.

Tenho muita afinidade com meus alunos, gosto de ouvir e ser ouvida, quando necessário. Procuro desenvolver meu trabalho da melhor forma possível.

A formação inicial (Química) não traz muita relação com a disciplina de Projeto de Vida, uma vez que meus alunos, podem ou não escolherem a minha área como área de atuação na vida profissional.

Durante a minha formação em Arte trabalhei muito com produção cultural e criação de eventos isso me ajudou muito com a visão de planejamento, criação de programação.

Minha especialização (Psicologia da Educação e Psicopedagogia) foi quem de fato contribuiu para trabalhar na disciplina.

Na subcategoria “Aspectos disciplinares e pedagógicos relacionados à prática docente”, os participantes mencionam conhecimentos, metodologias e estratégias que utilizam no cotidiano das aulas de projeto de vida adquiridos ao longo de sua formação geral. Na subcategoria “Aspectos relacionados à experiência docente anterior à disciplina”, os participantes referem-se a habilidades desenvolvidas no relacionamento com os alunos, adquiridas ao longo de suas experiências como docentes e que são úteis à disciplina Projeto de Vida. Nas subcategorias “Relação entre a formação inicial e a disciplina Projeto de Vida” e “Menção à formação continuada”, os participantes destacam as similaridades e as diferenças entre o objeto de estudo de suas formações inicial e/ou continuada e o objeto de estudo da disciplina Projeto de Vida.

Para Imbernón (2011), o currículo formativo da formação inicial deve promover experiências interdisciplinares, pesquisa de aspectos relacionados às características dos alunos, capacidade de tomar decisões, confirmar ou modificar atitudes etc. Isso fica evidente na fala dos participantes, ao ressaltarem como as aprendizagens adquiridas com a experiência docente auxiliam na prática com a disciplina Projeto de Vida.

Nessa categoria, constata-se como os saberes docentes se manifestam nas falas dos participantes, contribuindo com sua atuação na disciplina Projeto de Vida. De acordo Gauthier et al. (2013), os saberes disciplinares correspondem aos conteúdos elaborados pela ciência a respeito do mundo; os saberes pedagógicos podem ter sua origem na tradição pedagógica e ser validados por meio da pesquisa; os saberes e experiências correspondem à jurisprudência particular do docente perante sua prática, que definirá um conjunto de regras a serem seguidas.

Verifica-se, portanto, que, com relação aos saberes disciplinares, nem todos encontraram correspondência entre os conteúdos de sua formação inicial com os conteúdos trabalhados na disciplina Projeto de Vida. No tocante aos saberes pedagógicos e da experiência, há falas que corroboram sua prática docente nessa disciplina.

Entretanto, essa dificuldade de relacionar os saberes disciplinares de sua formação inicial com a disciplina Projeto de Vida revela uma carência que deve ser levada em consideração na formação em serviço realizada pela Seduc-MA. Essa dificuldade pode estar relacionada à formação de professores(as) ofertada em nosso país, cuja fragmentação dos saberes e a ausência do ensino interdisciplinar ou transdisciplinar dentro da academia refletem no cotidiano das escolas (Pimenta, 1997).

Em consonância com o exposto, Tardif (2014) faz críticas à maneira como os docentes adquirem esses saberes, segundo ele de segunda mão, em uma posição de exterioridade em relação à sua prática, ficando a cargo das universidades a construção e a disseminação desses saberes. Destaca ainda que a modulação da prática docente leva ao habitus, assim esses saberes precisam ser questionados por meio da troca com seus pares, para que assim possam se organizar e se tornar, em vez de consumidores, produtores de conhecimento.

Além disso, vemos nessa categoria a necessidade de uma formação que prepare os(as) professores(as) para mudanças e incertezas, como prenuncia Imbernón (2011), visto que essas mudanças não dizem respeito apenas a conjecturas econômicas e políticas, mas também a aspectos sociais e culturais, sendo necessária uma formação que promova a autonomia docente perante a complexidade da prática docente.

Vemos, assim, uma convocação dos(as) docentes para assumirem responsabilidades que vão além das disciplinas escolares. Por um lado, percebe-se uma tendência a mergulhar na dinâmica das relações intersubjetivas que se constituem no ambiente escolar e, por outro, uma preocupação com o distanciamento do conhecimento especializado, visto que os desafios na atualidade são diversos, haja vista o desafio de assumir novo componente curricular como a disciplina Projeto de Vida, resultado de recorrentes mudanças curriculares. Isso tudo torna a formação docente instável, em constante devir.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente o Ensino Médio, etapa final da Educação Básica, vivencia a reforma curricular promulgada pela Lei 13.415/2017. E as primeiras inquietações surgem ao observarmos a distância que há entre o que está escrito na legislação e as dúvidas que o fazer pedagógico propicia. Ao ouvirmos professores(as) de escolas estaduais de tempo integral em São Luís - MA, os relatos revelam a distância entre suas formações com o que está sendo proposto. Eles mencionaram a importância do diálogo entre os pares para encontrar alternativas e proposições em direção à construção da disciplina Projeto de Vida.

Educadores se angustiam com circunstâncias não previstas em sua formação inicial, em lacunas não preenchidas na formação em serviço, mas que se ampliam com o fazer diário e suas (re)invenções dentro da sala de aula. Nesse processo, a experiência docente se torna essencial para encarar o novo.

Um mosaico de opiniões favoráveis ou não à construção da disciplina Projeto de Vida está posto. Todavia, observamos algumas lacunas, encontramos alguns espaços ainda em construção e temos a certeza de que essa é apenas uma parte do inacabamento que essa nova “reforma” educacional se propõe.

Que venham as novas cenas... e outras perspectivas ainda não constatadas, mas que serão evidenciadas em um futuro bem próximo.

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Recebido: 11 de Janeiro de 2022; Aceito: 02 de Abril de 2022; Publicado: 08 de Setembro de 2023

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