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Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.21  São Paulo  2023  Epub 15-Dez-2023

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2023v21e55882 

Artigos

Confluência da escola unitária com a pedagogia histórico-crítica:em busca de uma educação revolucionária

Confluence of the unitary school with the historical-critical pedagogy:in search of a revolutionary education

Confluencia de la escuela unitaria con la pedagogía histórico-crítica:en búsqueda de una educación revolucionaria

Juliana Sampaio Morii 
http://orcid.org/0000-0002-8781-7456

Heloisa Helena Oliveira de Azevedoii 
http://orcid.org/0000-0001-5253-4299

Rafael Fernando da Costaiii 
http://orcid.org/0000-0002-2757-1036

i Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Professora da Rede Municipal de Ensino de Hortolândia/SP. E-mail: julianasmori@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-8781-7456.

ii Doutora em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). Assessora científica Ad hoc para instituições de fomento de pesquisa. E-mail: hhazevedo79@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000- 0001-5253-4299.

iii Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Orientador pedagógico da Rede Municipal de Ensino de Campinas/SP. E-mail: rafaelich3@gmail.com - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-2757-1036.


Resumo

Este artigo busca identificar a confluência da concepção de escola de Gramsci com a pedagogia histórico-crítica de Saviani, sendo ambas de base filosófica marxista, destacando a importância de se pensar a educação para a transformação social. Apresentamos as contribuições de Gramsci na área da educação, em específico a formulação do conceito de escola unitária e a importância do professor dentro dessa perspectiva. Embora exista a identificação de uma inspiração da escola unitária gramsciana na concepção da pedagogia histórico-crítica, Saviani teve contato com as ideias de Gramsci apenas ao longo do percurso de elaboração de sua teoria pedagógica, a qual ainda se encontra em processo de desenvolvimento, com ênfase em uma construção coletiva. Os resultados apontam para a importância de se pensar uma educação que promova a superação da desigualdade social e a valorização dos profissionais da educação. A teoria de Saviani, nesse sentido, tem o mérito de proporcionar uma visão crítica da educação, com uma vertente emancipadora.

Palavras-chave: escola unitária; pedagogia histórico-crítica; educação e revolução; transformação social; profissionais da educação

Abstract

This article seeks to identify the confluence of the school conception of Gramsci with the historical-critical pedagogy of Saviani, while both have a Marxist philosophical base, highlighting the importance of thinking about education for social transformation. We present the contributions of Gramsci in the educational area, in particular the formulation of the unitary school concept and the importance of the teacher within this perspective. Although there is the identification of an inspiration from the Gramscian unitary school in the conception of historical-critical pedagogy, Saviani had contact with Gramsci ideas only along the elaboration path of his pedagogical theory, which is still in the development process, with emphasis on a collective construction. Results point to the importance of thinking about an education that promotes the overcoming of social inequality and the recognition of education professionals. Saviani theory, in this sense, has the merit of providing a critical view of education, with an emancipatory aspect.

Keywords: unitary school; historical-critical pedagogy; education and revolution; social transformation; education professionals

Resumen

Este artículo busca identificar la confluencia de la concepción de escuela de Gramsci con la pedagogía histórico-crítica de Saviani, siendo ambas de base filosófica marxista, destacando la importancia de pensar la educación para la transformación social. Presentamos las contribuciones de Gramsci en el área de la educación, en particular la formulación del concepto de escuela unitaria y la importancia del maestro dentro de esta perspectiva. Aunque exista la identificación de una inspiración de la escuela unitaria gramsciana en la concepción de la pedagogía histórico-crítica, Saviani tuvo contacto con las ideas de Gramsci solo a lo largo de la ruta de elaboración de su teoría pedagógica, que aún está en proceso de desarrollo, con énfasis en una construcción colectiva. Los resultados apuntan a la importancia de pensar en una educación que promueva la superación de la desigualdad social y la valorización de los profesionales de la educación. La teoría de Saviani, en este sentido, tiene el mérito de aportar una visión crítica de la educación, con un aspecto emancipador.

Palabras clave: escuela unitaria; pedagogía histórico-crítica; educación y revolución; transformación social; profesionales de la educación

1 INTRODUÇÃO

Antonio Gramsci produziu grande parte de sua obra no período em que esteve recluso (1926-1937). O cárcere do sardo, resultado da repressão do regime fascista italiano, trouxe a produção de escritos no formato de ensaios jornalísticos, fortemente marcados pela censura. Neles, estão presentes traduções, apontamentos de temas e textos completos, inclusive com versões reescritas. O título Quaderni del carcere, que faz alusão aos escritos no período do seu encarceramento, apresenta importantes discussões sobre a educação, em um total de 2.848 páginas, organizadas em um conjunto de 33 cadernos (Monasta, 2010; Toledo, Gomes, 2013; Jacomini, Moraes, 2018).

O teor presente em sua obra revela uma finalidade educativa que não se apresenta de maneira superficial, mas de forma intensa, o que evidenciaria seu perfil educador. No título I, “Os Intelectuais. O Princípio Educativo”, da obra Cadernos do Cárcere, Volume 2, em seu Caderno 12, Gramsci buscou denunciar o dualismo presente na escola, ou seja, a existência de dois tipos de escola: uma, voltada à elite, com formação humanística, e outra, voltada às classes subalternas, que promovia uma formação para o trabalho. Essa divisão funcionava como uma mola propulsora no sentido de promover e acentuar a perpetuação das desigualdades sociais (Monasta, 2010; Gramsci, 2001; Nosella, Azevedo, 2012).

No Brasil, destaca-se a importância de Dermeval Saviani na divulgação do pensamento gramsciano, sobretudo na Educação, ao incorporar de forma pioneira a teoria do sardo e suas contribuições para a educação brasileira na disciplina “Teoria da Educação”, ministrada à primeira turma de doutorado em Educação: Filosofia da Educação, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 1978 (Silva, 2017; Jacomini; Moraes, 2018). Seu empenho em compreender os problemas educacionais a partir do materialismo histórico resulta na teoria pedagógica denominada Pedagogia Histórico-Crítica, expressão adotada a partir de 1984. As bases teóricas do materialismo histórico, fontes específicas da teoria pedagógica de Saviani, são representadas por Marx e Gramsci. Com a publicação da obra Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações, em 1991, Saviani promove a difusão dessa corrente pedagógica (Saviani, 2011, 2014). Há, entretanto, uma problemática referente à análise de qual posição ocuparia a pedagogia histórico-crítica, dentro da perspectiva marxista, bem como à existência ou não de uma relação com a escola unitária de Gramsci.

O presente trabalho tem por objetivo identificar a confluência da concepção de escola de Gramsci com a pedagogia histórico-crítica de Saviani, bem como destacar a importância de se pensar a educação para a transformação social. O artigo apresenta as contribuições de Gramsci, especificamente na área da educação, o que inclui a sua formulação do conceito de escola unitária e a importância do papel do professor e, a partir dessa explanação, buscamos analisar suas aproximações com a pedagogia histórico-crítica de Saviani. A justificativa do presente estudo está em ressaltar a importância de se pensar uma educação que aponte para a denúncia e a superação da desigualdade social, a partir das visões gramsciana e da pedagogia histórico-crítica de Saviani, assim como contribuir no debate do papel da escola como possibilidade para superação da exclusão social.

Nas próximas seções, serão abordadas as contribuições do pensamento gramsciano na concepção de escola e o papel do professor dentro dessa perspectiva, presentes no capítulo O princípio educativo, na obra Cadernos do Cárcere, volume 2, bem como os princípios da pedagogia histórico-crítica de Dermeval Saviani, no sentido de uma educação revolucionária.

2 A CONCEPÇÃO GRAMSCIANA DE ESCOLA

Gramsci (1891-1937) foi um pensador marxista, contemporâneo dos grandes momentos da história mundial do início do século XX: a Grande Guerra (ou Primeira Guerra Mundial), Revolução Russa de 1917, a grande crise de 1929 e a ascensão do movimento ideológico do fascismo. Faleceu em 1937, antes do início da Segunda Guerra Mundial (Nosella; Azevedo, 2012).

Os apontamentos de Gramsci não foram publicados em vida, o que significa que toda a sua obra é póstuma. A presença das diversas áreas da sociologia em seus textos mostra a riqueza e o desafio dessa publicação póstuma: “[...] da filosofia à crítica literária, da política à sociologia, da antropologia à pedagogia” (Coutinho, 1999, p. 6). A publicação e a tradução das edições para diversas línguas, sobretudo as obras carcerárias - os chamados Cadernos do Cárcere - permitiram a difusão do pensamento gramsciano.

Gramsci é um autor marxista, o que significa sua circulação no campo teórico-político, retomando e ampliando os conceitos de Marx. Assim, o sardo demonstra que o materialismo histórico-dialético não é determinista e muito menos idealista. Se o materialismo vulgar pressupõe uma determinação absoluta, assim como o idealismo descarta a potência das condições materiais, por outro lado, no materialismo histórico-dialético há a pressuposição de uma relação dialética entre estrutura e superestrutura, sendo a estrutura a base material e o modo de produção - a superestrutura - as ideias, o que torna necessária a compreensão do vínculo existente entre estrutura e superestrutura. Nesse sentido, evidencia-se uma relação dialética, ou seja, não há um determinismo por parte das condições materiais (estrutura), muito menos um idealismo por parte das vontades individuais ou de grupo (superestrutura) (Nascimento; Sbardelotto, 2008).

Para Gramsci (1999), mesmo que em última instância a base material (estrutura) seja predominante em relação à superestrutura, a relação dialética implica a mútua determinação entre estrutura e superestrutura. Não há relação de causa e efeito ou uma determinação mecânica da materialidade, o que significa que a estrutura não possui um poder de determinação. Além disso, ressalta-se que nem toda alteração na superestrutura é decorrente da alteração na base material (estrutura), assim como a alteração na superestrutura não é insignificante à estrutura. O sardo destaca ainda que a ação humana não é irrelevante e, mesmo condicionada à base material, pode haver a organização para a sua negação; aqui se reconhecem a capacidade e a possibilidade da revolução. O processo histórico e a realidade material estão em movimento e sofrem modificações em uma relação dialética.

A escola é uma instituição do século XVIII criada após a revolução burguesa em uma sociedade com base material capitalista, sendo direcionada justamente a fim de preparar todos para o novo modo de produção. No início, a burguesia - classe até então revolucionária - valorizava a escola como instituição para todos com uma formação contundente. Mas, já no poder, a burguesia passa a transformá-la em instrumento de coesão social em que se busca a promoção da ideologia dominante. Assim, a ênfase do sardo é evidenciar a diferenciação existente da escola voltada para a classe burguesa e a destinada aos proletários. Há a compartimentalização da educação e a reprodução da desigualdade social, de maneira a legitimar a ideia da existência de mérito e a própria exploração do capital (burguesia) sobre a força de trabalho (proletariado) (Gramsci, 2001).

No entanto, não existe um movimento homogêneo na escola, mas sim hegemônico; as tensões e contradições se fazem presentes e abrem espaço para a contra-hegemonia. A escola se torna um campo de luta de classes, sobretudo, de luta hegemônica. Isso evidencia que tal instituição está localizada na superestrutura - onde circulam as ideias - mas é fundamental para a manutenção da coesão social (ou a sua negação) e, portanto, para a base material. Desse modo, notamos sua importância na manutenção ou transformação da realidade social vigente e do modo de produção (Gramsci, 2001).

No título I, “Os Intelectuais. O Princípio Educativo”, da obra Cadernos do Cárcere, Volume 2, em seu Caderno 12, objeto do presente estudo, Gramsci (2001) traça uma análise da sociedade, bem como a função da escola na constituição das diversas camadas sociais como reflexo das aspirações dos sujeitos. As aspirações dessas várias categorias estavam presentes no bojo das intenções presentes nos tipos de escola existentes; nesse sentido, a escola seria um perpetuador das diferenças sociais, dado que “[...] a escola profissional destinava-se às classes instrumentais, enquanto a clássica destinava-se às classes dominantes e aos intelectuais” (Gramsci, 2001, p. 33). Sua crítica repousava nos interesses das classes dominantes, presentes na constituição dos tipos de escola: “[...] difundir cada vez mais as escolas profissionais especializadas, nas quais o destino do aluno e sua futura atividade são predeterminados” (Gramsci, 2001, p. 33).

Para o melhor entendimento de seu pensamento, há que se vislumbrar o pano de fundo do período histórico em que Gramsci realizou sua análise: a reforma educacional do regime fascista, conduzida por Giovanni Gentile, em 1923, que acarretou o reforço da estrutura educacional dualista, além de proporcionar um ambiente favorável à ideologia da ditadura de Mussolini: “[...] a escola deveria difundir noções ligadas ao nacionalismo, ao patriotismo e ao incondicional respeito pelas regras e normas do Estado” (Loureiro, 2011, p. 14).

Gramsci coloca a escola como determinante inevitável do futuro no mundo do trabalho, pois as escolas profissionais teriam por objetivo o atendimento ao interesse da formação de classes proletárias, o que acabaria por traçar o destino do sujeito. O sardo denuncia a formação voltada para funções que seriam já predeterminadas, de acordo com a classe social de origem do indivíduo, que promovia e determinava a divisão do trabalho. Diferentemente da escola clássica, voltada aos membros da classe burguesa, a escola destinada aos operários excluía a dimensão da cultura humanística. Verifica-se, assim, uma oposição entre trabalho manual e intelectual. Essa escola estava camuflada por uma aparência de democracia, mas na verdade significava a materialização da ideologia das classes dominantes (Gramsci, 2001; Monasta, 2010; Silveira, 2015). Ou seja, para Gramsci, a “educação não é apartada das relações de poder; delas emerge e, retroalimentando-as, forma um tipo de homem e de civilização” (Martins, 2017b, p. 1003).

Almeida e Sá (2015) enfatizam o viés da educação como reforço da dinâmica capitalista de exclusão, bem como evidenciam a visão gramsciana da necessidade de uma escola com visão de formação integral do sujeito como superação dessa dicotomia de formação dos subalternos e das elites. Essa escola humanizadora era destinada apenas a uma minoria; à classe trabalhadora sobrava a formação para o processo produtivo inserido na economia capitalista, ou seja, a preparação da mão de obra para o mundo do trabalho proletariado.

A visão de Gramsci (2001) sobre a escola mostra sua condição de espaço de luta. A hegemonia da classe dominante é construída em instituições do Estado, sendo a escola uma delas; o consenso dos governados é construído através da coerção, logo, o consenso é ensinado, em oposição à ideia de que não é parcial e/ou natural. Contudo, o sardo reconhecendo a escola - uma dessas instituições - como espaço/campo de luta hegemônica, afirma que tal processo não é constituído sem tensão e resistência, sendo assim, o autor reconhece o potencial revolucionário dessa instituição. Ela é um aparelho hegemônico do Estado que propaga a ideologia dominante e visa consolidar a hegemonia da classe burguesa, mas não se reduz a tal condição. As contradições desse processo de construção de consenso, os processos históricos e a disputa do campo cultural da sociedade civil materializada nessa instituição geram a negação a tais contradições e, portanto, auxiliam na formação da consciência da classe trabalhadora e na construção de outra hegemonia. Na visão gramsciana, a compreensão da escola não pode ser reduzida a uma instituição do Estado burguês que serve somente para a inculcação ideológica da classe dominante, pois isso gera um efeito contrário, ou seja, um desarmamento intelectual da população para fazer a crítica. Logo, deve ser vista como espaço de luta, campo do choque cultural para a negação e/ou crítica do senso comum, movimento necessário para transformação social e do próprio mundo.

Dentro desse contexto, a obra de Gramsci traz contribuições para os estudos na área da educação, dado que representa uma crítica ao modelo de escola que traduz os interesses das classes hegemônicas, uma vez que apresenta uma identidade revolucionária. Trata-se de uma educação que se compromete com a formação do ser humano de uma forma integral. Ao propor um modelo de escola que abarca a sociedade em seu movimento dialético, Gramsci permite uma reflexão sobre o papel da educação, que traduz uma visão revolucionária de escola (Toledo; Gomes, 2013).

Almeida e Sá (2015, p. 229) mostram que o “princípio educativo gramsciano concebe a escola como superação da alienação e dos antagonismos e, para o pensador, cabe à escola contribuir na tarefa de emancipação”, pois essa instituição permite a participação ativa de todos, o que inclui e supera a noção de instrução-educação. Trata-se de uma pedagogia emancipatória, posto que a ênfase recai sobre a formação humana.

A escola unitária proposta por Gramsci surge dentro de uma conjuntura com vistas à formação humanista integral como forma de se sobrepor ao sistema de ensino excludente. Visa promover a unificação de uma formação voltada tanto para o conhecimento como para o trabalho, uma escola humanista que una o saber e o fazer. Há a influência de Marx e Engels ao relacionar o conhecimento humanista e o âmbito do trabalho; a escola unitária consiste na modificação da sociedade (Martins, 2017a).

Conforme mostram Nascimento e Sbardelotto (2008), a escola unitária seria uma escola única, com um ensino desinteressado e comum a todos. Os autores enfatizam a necessidade de explicação dos termos pelo olhar gramsciano: “comum” indicaria uma escola que abrangesse uma oportunidade de ingresso a todos os indivíduos; “única” no sentido de uma escola sem classes sociais, com a superação da dualidade do ensino para a elite e instrução para os proletários e, por fim, “desinteressada”, no sentido de permitir uma formação que proporcione a apropriação da historicidade cultural que permita o entendimento da sociedade em que se insere o educando.

Com seu ensino, a escola luta contra o folclore, contra todas as sedimentações tradicionais de concepções do mundo, a fim de difundir uma concepção mais moderna, cujos elementos primitivos e fundamentais são dados pela aprendizagem da existência de leis naturais como algo objetivo e rebelde, às quais é preciso adaptar-se para dominá-las, e de leis civis e estatais, produto de uma atividade humana, que são estabelecidas pelo homem e podem ser por ele modificadas tendo em vista seu desenvolvimento coletivo; a lei civil e estatal organiza os homens do modo historicamente mais adequado a dominar as leis da natureza, isto é, a tornar mais fácil o seu trabalho, que é a forma própria através da qual o homem participa ativamente na vida da natureza, visando a transformá-la e socializá-la cada vez mais profundamente (Gramsci, 2001, Caderno 12, §2, p. 42-43).

Trata-se de uma escola de veia revolucionária, com o objetivo na transformação da sociedade ao possibilitar a formação de intelectuais provenientes das classes excluídas, que inclusive atendam aos requisitos para atuarem nas esferas de tomada de decisões, o que representa a necessidade de assumir uma posição ativa, ou seja, intelectuais orgânicos, formados pela escola unitária. A categoria intelectual é importante na obra de Gramsci, pois identifica o intelectual como produtor e divulgador do conhecimento; muitas vezes são prepostos da hegemonia e da coerção, mas podem servir justamente ao fim contrário, ou seja, ser intelectuais que socializem o conhecimento e possibilitem à classe proletária a consciência crítica. Classifica-os em dois tipos: o intelectual tradicional e o orgânico. O intelectual tradicional preexiste ao surgimento da classe (burguesa ou proletária) e é uma continuidade histórica, contudo tende a se adaptar ou ser cooptado pela classe dominante. Já o intelectual orgânico surge junto e no processo de desenvolvimento de uma classe específica e tem o objetivo de garantir a homogeneidade e a consciência de classe ao seu grupo (o que pode garantir hegemonia), logo, surge organicamente com a classe, seja ela conservadora, progressista ou revolucionária (Martins, 2017b).

Ao possibilitar à classe subalterna - proletários - o acesso ao que há de mais avançado na ciência, na filosofia e nas artes, a escola unitária poderá auxiliar na sua tomada de consciência e organização para a transformação social, cuja tarefa repousa em propiciar condições igualitárias aos educandos, a despeito de sua posição na hierarquia social. Nesse sentido, a tarefa atual consiste na transposição da lógica neoliberal que reproduz, sob uma ilusória aparência de participação e democracia, o jogo de poderes (Almeida, Sá, 2015).

Ainda no título I, “Os Intelectuais. O Princípio Educativo”, da obra Cadernos do Cárcere, Volume 2, Caderno 12, dentro da concepção da escola unitária, encontra-se a importância do papel do professor e seu trabalho ativo no estabelecimento de uma relação entre instrução e educação. Trata-se da figura do professor consciente:

[...] pode-se dizer que, na escola, o nexo instrução-educação somente pode ser representado pelo trabalho vivo do professor, na medida em que o professor é consciente dos contrastes entre o tipo de sociedade e de cultura que ele representa e o tipo de sociedade e de cultura representado pelos alunos; e é também consciente de sua tarefa, que consiste em acelerar e disciplinar a formação da criança conforme o tipo superior em luta com o tipo inferior (Gramsci, 2001, p. 44).

Em Gramsci, encontramos a relação inseparável entre educação e instrução e a crítica ao autoritarismo e ao mecanicismo, o que fortalece a posição do professor no sentido de promover um norteamento dos saberes. Esse processo exclui o reducionismo da memorização ou repetição, bem como enfatiza o papel de um professor que estabeleça condições para que a educação e a instrução se instaurem, em uma perspectiva de direcionamento do trabalho pedagógico, sem autoritarismos e mecanicismos. Para tanto, há a necessidade de que o trabalho pedagógico seja promotor de sentido pelos sujeitos, em que propicie condições para a adaptação entre criança e escola e vice-versa. Destaca-se ainda a crítica do sardo em relação ao espontaneísmo no trabalho pedagógico, pois haveria a negação do papel do educador como ativo no papel de direcionar os educandos (Silveira, 2017).

Gramsci (2001) afirma que a instrução não é oposta à educação; a instrumentalização é vital ao progresso, sendo a disciplina necessária para alcançar o seu maior potencial de criação para a promoção da liberdade. Então, com o trabalho vivo do professor que direciona seus alunos, constrói-se liberdade. Já um trabalho sem disciplina e direcionamento, contraditoriamente, não possibilita as condições de criação e, portanto, a liberdade em si.

Na perspectiva gramsciana, a autoridade do professor é diferente de uma conduta autoritária, pois a função do professor pode ser permeada pela afetividade, bem como pela amorosidade. O professor democrático em Gramsci reflete a importância da autonomia, conquistada por uma visão que inclui respeito entre os pares, a liberdade e a colaboração (Silveira, 2018).

3 A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA DE SAVIANI E A INFLUÊNCIA GRAMSCIANA

A pedagogia histórico-crítica, proposta por Dermeval Saviani, foi inicialmente concebida como pedagogia dialética. Entretanto, seu idealizador propôs a sua alteração para pedagogia histórico-crítica, que passou a ser adotada a partir de 1984, no sentido de evitar interpretações amplas ou difusas, bem como promover a curiosidade sobre a expressão (Saviani, 2011).

Em outros termos, o que eu quero traduzir com a expressão pedagogia histórico-crítica é o empenho em compreender a questão educacional com base no desenvolvimento histórico objetivo. Portanto, a concepção pressuposta nesta visão da pedagogia histórico-crítica é o materialismo histórico, ou seja, a compreensão da história a partir do desenvolvimento material, da determinação das condições materiais da existência humana. No Brasil, esta corrente pedagógica firma-se, fundamentalmente, a partir de 1979 (Saviani, 2011, p. 76).

O materialismo histórico-dialético, presente na pedagogia histórico-crítica, busca a compreensão da existência a partir de uma perspectiva histórica, com o intuito de promover transformação dessa realidade, também presente no contexto escolar. Nesse sentido, Saviani (2011, p. 88) mostra que na pedagogia histórico-crítica a interpretação histórica está evidente na “compreensão da questão escolar, a defesa da especificidade da escola e a importância do trabalho escolar como elemento necessário ao desenvolvimento cultural, que concorre para o desenvolvimento humano em geral”.

A pedagogia histórico-crítica é uma teoria da educação que capta criticamente a realidade escolar e uma pedagogia que propõe a superação da ordem vigente. Busca a promoção de uma sociedade socialista como forma de superação das desigualdades sociais vigentes, o que significa um alicerce no conceito de realidade, dado que abrange o modo de produção histórica dos homens no tempo. Sua concepção surge como uma crítica às chamadas teorias crítico-reprodutivistas, que carecem de um alicerce histórico (Saviani, 2011).

Diferente das teorias não críticas, nega a onipotência da educação escolar, assim como nega a impotência, o que a diferencia das teorias crítico-reprodutivistas. Portanto, é uma pedagogia revolucionária que se constitui através de uma crítica dialética, que reconhece a unidade entre educação e revolução. As contradições e a própria saturação do capitalismo se constituem como condições objetivas para a revolução, sendo necessária a construção das condições subjetivas que, por sua vez, ocorrem por meio da educação no processo de socialização do conhecimento e desvelamento das condições históricas. A pedagogia histórico-crítica se propõe a esse movimento e, com isso, possibilita experiências práticas diferenciadas e consciência de classe capaz de promover a transformação social, a revolução (Saviani, 2011).

Nesse processo a educação desempenha papel estratégico porque, se as condições objetivas estão postas, para operar nestas condições não deixando escapar a oportunidade histórica de desencadear, com chances de êxito, a revolução socialista, impõe-se preencher as condições subjetivas que implicam uma aguda consciência da situação com uma compreensão clara das condições vigentes a partir de seus determinantes históricos a fim de se instrumentalizar tecnicamente para realizar as ações necessárias à construção da nova forma de sociedade. E é exatamente esse o âmbito de incidência do trabalho educativo que, consequentemente, deverá estar ancorado numa sólida teoria pedagógica que elabore e sistematize os elementos garantidores do acesso aos elementos que assegurem o desenvolvimento da consciência, a compreensão clara da situação e a instrumentação técnica para uma ação eficaz. É essa, enfim, a tarefa a que vem se propondo a pedagogia histórico-crítica constituindo-se, em consequência, como uma teoria revolucionária da educação (Saviani, 2017, p. 70).

A compreensão da reciprocidade entre educação e revolução é justamente a distinção entre a pedagogia histórico-crítica e as demais teorias pedagógicas contra-hegemônicas (crítico-reprodutivistas). As teorias crítico-reprodutivistas negam a possibilidade de uma pedagogia revolucionária; uma vez que a escola é produto de um Estado burguês, questiona-se a possibilidade de uma pedagogia socialista em uma sociedade capitalista (Saviani, 2011).

Para Saviani (2011), é a transmissão-assimilação de um saber que não recai apenas sobre o saber sistematizado, mas abrange o saber escolar. Nesse sentido, o saber escolar deve levar em consideração o modo como a transmissão-assimilação do saber sistematizado é assegurada. Representadas por Marx e Gramsci, as fontes específicas da pedagogia histórico-crítica podem ser observadas pelas concepções teóricas do materialismo histórico-dialético, o qual abrange “[...] desde a forma como são produzidas as relações sociais e suas condições de existência até a inserção da educação nesse processo” (Saviani, 2011, p. 120). Podemos notar a confluência entre a pedagogia histórico-crítica e as ideias gramscianas, no movimento que visa a transformação social, a partir da compreensão e da contestação da realidade vigente. Tal visão perpassa o método pedagógico; o papel do professor é o de facilitar a assimilação das relações sociais, bem como do conhecimento histórico acumulado.

Apesar da contribuição de Marx na concepção da pedagogia histórico-crítica, ressalta-se ainda a importância de discutir as ideias de outros clássicos, dado que Marx não propôs uma teoria pedagógica.

A fundamentação teórica da pedagogia histórico-crítica nos aspectos filosóficos, históricos, econômicos e político-sociais propõe-se explicitamente a seguir as trilhas abertas pelas agudas investigações desenvolvidas por Marx sobre as condições históricas de produção da existência humana que resultaram na forma da sociedade atual dominada pelo capital. É, pois, no espírito de suas investigações que essa proposta pedagógica se inspira. Frise-se: é de inspiração que se trata e não de extrair dos clássicos do marxismo uma teoria pedagógica. Pois, como se sabe, nem Marx, nem Engels, Lenin ou Gramsci desenvolveram teoria pedagógica em sentido próprio. Assim, quando esses autores são citados, o que está em causa não é a transposição de seus textos para a pedagogia e, nem mesmo, a aplicação de suas análises ao contexto pedagógico. Aquilo que está em causa é a elaboração de uma concepção pedagógica em consonância com a concepção de mundo e de homem própria do materialismo histórico (Saviani, 2008, p. 185-186, grifo nosso).

Ao ministrar a palestra intitulada “Pressupostos gramscianos da Pedagogia Histórico-Crítica”, na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no dia 30 de maio de 2017, Saviani explica a relação entre o pensamento do sardo e a concepção da teoria pedagógica histórico-crítica:

Eu penso que a presença de Gramsci na construção da Pedagogia Histórico-Crítica pode ser considerada de diferentes maneiras e a primeira delas seria marcada pela afinidade de propósitos entre o empreendimento filosófico-teórico e político-prático gramsciano e aquele que eu procurei desenvolver; a segunda maneira seria de caráter metodológico, ou seja, pela adoção na construção da Pedagogia Histórico-Crítica da mesma posição assumida por Gramsci diante da concepção teórico-filosófica lavrada por Marx [...] então é uma questão metodológica: como Gramsci leu, lidou e se apropriou e aplicou a concepção e metodologia da análise concreta de situações concretas desenvolvida por Marx. E como na construção da Pedagogia Histórico-Crítica isso também foi feito [...] correspondência e afinidade com o pensamento de Gramsci. E a terceira maneira estaria configurada pelas análises e categorias elaboradas por Gramsci que se incorporaram à formulação da Teoria Pedagógica Histórico-Crítica (Pressupostos, 2017).

De forma a analisar a contribuição do sardo para a concepção da pedagogia histórico-crítica, Martins (2017b) estabelece sua análise no significado gramsciano de tradutibilidade, com base em Boothman (2017). Este último mostra que a linguagem está fundamentada na realidade social, sendo que não existe exatidão em uma tradução, pois as palavras apresentam uma multiplicidade de sentidos e não há uma validade de equivalências, como ocorre em uma expressão matemática. Com o método gramsciano há a extrapolação “[...] da ‘naturalização’ e da ‘alienação’ linguística, ou seja, do uso dos únicos termos ou conceitos aderentes à língua e à cultura de destino, ou da incorporação no texto traduzido de elementos ‘estranhos’, isto é, termos da língua de origem” (Boothman, 2017, p. 1545). Para Martins (2017b), a teoria pedagógica de Saviani é uma tradução da escola unitária gramsciana1, apreendida em cinco pontos: a escola como elemento central à transição ao socialismo; crítica às teorias educacionais, tanto as pedagogias tradicionais, como a Escola Nova; apoio a um determinado processo formativo; método educativo; e organização escolar proposta.

Saviani (2011) evidencia também a influência de Vázquez na concepção da sua teoria pedagógica, a partir do conceito de práxis, no sentido de unir e integrar teoria e prática, de autores vigotskianos e, ainda, no campo específico da pedagogia, o autor cita Pistrak (1981), Makarenko (1977, 1982, 1985), Manacorda, Broccoli (1977), Betti (1981) e Ragazzini (1978, 2002). Por fim, vale ressaltar que a Pedagogia Histórico-Crítica de Saviani ainda está em processo de desenvolvimento com o trabalho de muitas mãos, com a colaboração de estudiosos da Psicologia Histórico-Cultural (Lígia M. Martins, Newton Duarte e Ana Carolina G. Marsiglia) e, principalmente, com o trabalho e produção de conhecimento do Grupo de Estudos e Pesquisas História, Sociedade e Educação no Brasil (HISTEDBR) da Faculdade de Educação da Unicamp.

A teoria pedagógica histórico-crítica propõe o movimento da síncrese para a síntese, uma passagem do empírico para o concreto através da abstração, pela mediação da análise, do trabalho do professor. Ou seja, os estudantes vêm com uma visão de um todo caótico, uma impressão sensível da realidade (síncrese) e precisam, a partir do trabalho do professor, que deve considerar esse ponto de partida, compreender pela abstração, através do conhecimento sistematizado, a conceituação do “simples” que, retornando à totalidade, possibilita o aprendizado do concreto. É o movimento de passagem do empírico para o concreto pela mediação da abstração, da síncrese para a síntese pela mediação da análise. Esse movimento, por sua vez, faz da pedagogia histórico-crítica uma pedagogia concreta, que a partir da compreensão das contradições da realidade procede para a construção de uma nova ordem social e, portanto, faz dela uma pedagogia revolucionária (Saviani, 2011).

Saviani (2012) cita o sardo como uma de suas referências e sua importância é retomada na compreensão da relação entre o desenvolvimento da base material com o desenvolvimento cultural, bem como o trabalho como matéria e meio da educação. Destaca-se o conceito de “catarse” de Gramsci como sendo o momento pelo qual o aluno consegue tomar consciência da realidade, exploração própria do capitalismo - pode e tem os instrumentos para a sua transformação. Segundo Saviani (2012, p. 82):

Além de Marx, Gramsci, que entre os teóricos marxistas foi aquele que mais avançou na discussão da questão escolar, alimentou minhas análises pedagógicas. Inspirado nele, lancei mão da categoria “catarse” para caracterizar o quarto passo da pedagogia histórico-crítica, constitutivo do momento culminante do processo educativo, quando o educando ascende a expressão elaborada da nova forma de entendimento da prática social. Pareceu-me que a acepção gramsciana do termo “catarse”, entendendo-a como a “elaboração superior da estrutura em superestrutura na consciência dos Homens” (Gramsci, 1978, p. 53), revelava-se perfeitamente adequada para exprimir o momento da efetiva incorporação dos instrumentos culturais, transformados, pela mediação do trabalho pedagógico, em elementos ativos de transformação social (Saviani, 2007a,p.72).

A catarse é o momento de tomada de consciência, da elaboração da estrutura na superestrutura, o aprendizado. A estrutura, como vimos, não é determinante a ponto de imobilizar as ações humanas, assim como tais ações não são alheias aos condicionantes da estrutura. É justamente a catarse, o movimento da teoria pedagogia histórico-crítica, que possibilita essa reflexão, dado que a estrutura se converte em superestrutura na consciência dos Homens, ou seja, a estrutura deixa de ser força superior para se tornar meio para revolução. Aponta para a necessidade de uma postura que, além de denunciar a desigualdade social do sistema capitalista e até mesmo a possível reprodução desta na escola, propõe caminhos para a superação da desigualdade. A prática social é o ponto de partida e de chegada, sendo a pedagogia a mediação (problematização/ instrumentalização/ catarse). Essa teoria não segue passos, não tem lógica formal, mas é uma pedagogia concreta que propõe o movimento da síncrese para a síntese, a tomada de consciência das classes para incorporação de instrumentos e a compreensão para a transformação social (Saviani, 2011, 2019).

Embora não haja uma metodologia determinada, a pedagogia histórico-crítica busca o desenvolvimento da participação e iniciativa do aluno, com o estímulo ao diálogo entre os alunos, com a inclusão de seus interesses, bem como a consideração de seu ritmo no processo de aprendizagem e formação psicológica. O professor é ativo no sentido de promover e estabelecer o diálogo, e trazendo a possibilidade de alcance ao saber sistematizado (Saviani, 2008).

Como aponta Martins (2017b, p. 1010), o professor na pedagogia histórico-crítica aprende; pois ele tem que “aprender o que sabe o aluno, aprender a realidade, aprender o saber elaborado, enfim, que avance na própria aprendizagem ao promover a aprendizagem dos alunos”. Dessa forma, o autor mostra que em Gramsci e Saviani existe o movimento: ação descendente do professor e a atitude ascendente do aluno, o que significa, respectivamente, da síntese à síncrese e vice-versa. Esse movimento revela a importância do papel do professor, o qual deve possibilitar que o aluno tenha sua consciência elevada, com uma compreensão de si e do mundo a partir do saber sistematizado.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A concepção da pedagogia histórico-crítica tem raízes no materialismo histórico-dialético de Marx, bem como na defesa de uma escola ativa, na vertente do pensamento de Gramsci. A teoria de Saviani, nesse sentido, tem o mérito de proporcionar uma visão crítica da educação, com uma vertente emancipadora, bem como evidenciar a tarefa do professor em promover a liberdade, a autonomia e a consciência dos seus alunos. Seu papel deve abarcar a redução das desigualdades sociais presentes de forma tão cristalizada em nossa sociedade.

A contribuição de Gramsci para a concepção da pedagogia histórico-crítica é evidenciada, sobretudo, na possibilidade de se enxergar a escola como campo de luta e, portanto, ser possível a constituição de uma pedagogia socialista em uma sociedade capitalista. Ambos os autores defendem o poder revolucionário da educação, assim como a necessidade da superação do binômio instrução-educação. Ou seja, o ensino humanístico da liberdade não descarta a necessidade da formação instrumental e a problematização necessária para a superação da realidade excludente necessita do trabalho vivo do professor na transmissão do conhecimento.

Dessa forma, observou-se que a influência de Marx e Gramsci na concepção da pedagogia histórico-crítica representa uma crítica às pedagogias crítico-reprodutivistas; o papel da escola, no sentido de promover a liberdade e a consciência dos homens, surge como um caminho para a superação das desigualdades sociais. Assim, o conceito de escola unitária e de professor ativo de Gramsci ainda encontra eco na atualidade. Embora exista a identificação de uma inspiração da escola unitária de Gramsci na concepção da pedagogia histórico-crítica, há que se destacar que a pedagogia histórico-crítica ainda se encontra em processo de desenvolvimento, em uma construção teórica coletiva.

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NOTAS:

1 Entretanto, Dermeval Saviani não confirma que a teoria pedagógica histórico-crítica é uma tradução da escola unitária, ao ser indagado por Marcos Francisco Martins, docente do Departamento de Ciências Humanas e Educação (DCHE) - Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), na palestra de encerramento da disciplina Seminários Avançados I: Gramsci e a Educação, intitulada: “Pressupostos gramscianos da Pedagogia Histórico-Crítica”, na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no dia 30 de maio de 2017. Saviani responde que é uma leitura dele, pois há teóricos que não relacionam a pedagogia histórico-crítica e Gramsci (Martins, 2017b, p. 1008).

Recebido: 04 de Outubro de 2021; Aceito: 14 de Novembro de 2022; Publicado: 31 de Outubro de 2023

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