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Revista e-Curriculum

versão On-line ISSN 1809-3876

e-Curriculum vol.21  São Paulo  2023  Epub 26-Fev-2024

https://doi.org/10.23925/1809-3876.2023v21e54028 

Artigos

Significações de ensino de Filosofia no Currículo do Ensino Médio na produção de periódicos da área no período 2009-2019

Meanings of Philosophy teaching in the Curriculum of High School in the production of journals of the area in the period 2009-2019

Significados de la enseñanza de Filosofía en el Currículo de la Escuela Secundaria en la producción de revistas de la zona en el periodo 2009-2019

Kleber Santos Chavesi 
http://orcid.org/0000-0002-8005-1865

Benedito Gonçalves Eugênioii 
http://orcid.org/0000-0002-5781-764X

i Doutorando em Ensino (UESB). Professor de Filosofia SEC/BA. E-mail: kleber.ksc2@gmail.com - ORCID iD: http://orcid.org/0000-0002-8005-1865.

ii Doutor em Educação (Unicamp). Professor titular (UESB) e coordenador do Programa de Pós-graduação em Ensino. E-mail: benedito.eugenio@uesb.edu.br - ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-5781-764X.


Resumo

O presente artigo apresenta parte dos resultados de uma pesquisa de mestrado, de metodologia qualitativa e de recorte bibliográfico, cujo título é Sentidos de ensino de filosofia no currículo para o ensino médio no período de 2009 a 2019, que objetivou revisar a produção da comunidade acadêmica do campo de ensino de filosofia nas obras e periódicos especializados no tema. Perseguimos os objetivos no recorte temporal, partindo da Teoria do Discurso de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, articulada ao emprego metodológico do contexto da produção de texto dos ciclos de política de Stephen Ball. A articulação dos elementos mencionados permitiu-nos concluir que persiste um antagonismo desse grupo com os discursos da comunidade filosófica e de outros momentos hegemônicos da realidade que dificulta a afirmação filosófica desse ensino no nível médio.

Palavras-chave: filosofia; ensino de filosofia; currículo; ensino médio; teoria do discurso

Abstract

This article presents part of the results of a master's research, of qualitative methodology and bibliographic clipping, whose title is Sentidos de ensino de filosofia no currículo para o ensino médio no período de 2009 a 2019, and which objective to review the production of the academic community in the field of Philosophy teaching in works and periodicals specialized in the theme. We pursue the objectives in the time clipping, starting from the Discourse Theory of Ernesto Laclau and Chantal Mouffe, linked to the methodological use of the context of the text production of Stephen Ball's political cycles. The articulation of the elements mentioned allowed us to conclude that there is still an antagonism of this group with the speeches of the philosophical community and other hegemonic moments of reality that hinder the philosophical affirmation of this teaching at the secondary level.

Keywords: philosophy; philosophy teaching; curriculum; high school; discourse theory.

Resumen

Este artículo presenta parte de los resultados de una investigación de maestría, metodología cualitativa e insectión bibliográfica, cuyo título es Significados de la filosofía docente en el currículo de bachillerato en el período de 2009 a 2019, y que tenía como objetivo revisar la producción de la comunidad académica del campo de la filosofía docente en obras y revistas especializadas en la materia. Perseguimos los objetivos en el marco temporal, partiendo de la Teoría del Discurso de Ernesto Laclau y Chantal Mouffe, articulados al uso metodológico del contexto de producción de textos de los ciclos políticos de Stephen Ball. La articulación de los elementos mencionados nos permitió concluir que un tagonismo de este grupo persiste con los discursos de la comunidad filosófica y otros momentos hegemónicos de la realidad que obstaculizan la afirmación filosófica de esta enseñanza a nivel de secundaria.

Palabras clave: filosofía; enseñanza de filosofía; currículo; secundaria; teoría del discurso

1 INTRODUÇÃO

Evidenciamos, no presente artigo, parte dos resultados de uma pesquisa mais ampla sobre o ensino de filosofia no currículo do ensino médio. O problema que nos impulsionou neste trabalho foi investigar “quais os sentidos de ensino de filosofia no currículo para o ensino médio no período de 2009 a 2019”.

Essa investigação desdobrou-se em duas partes. Uma primeira perseguiu o objetivo específico, “investigar os discursos de ensino de filosofia no ensino médio presentes na produção acadêmica dos autores mais recorrentes do campo teórico”, tendo sido apresentada em outro artigo. Por sua vez, o segundo objetivo específico, “analisar os significados de ensino de filosofia nos artigos sobre a temática publicados nos periódicos especializados mais proeminentes do campo de ensino de filosofia”, foi alcançado e será apresentado neste artigo. Ambos os textos compõem os capítulos de análise da dissertação do mestrado, escrita em formato multipaper1.

O propósito de nossa investigação, focar o período entre 2009 e 2019, foi perceber como eventos distintos e antagônicos, por exemplo, a aprovação das Leis 11.684/2008 (Brasil, 2018) e 13.415/2017 (Brasil, 2017), relacionam-se aos sentidos curriculares do ensino de filosofia no ensino médio brasileiro.

No intento de alcançar os objetivos diante do período selecionado, chegamos à formação de um corpus formado por dois âmbitos da comunidade de ensino de filosofia: livros dos autores mais recorrentes da área (Alejandro Cerletti, Lídia Maria Rodrigo, Sílvio Gallo e Rodrigo Gelamo) e artigos dos cinco periódicos brasileiros mais dedicados ao problema do ensino de filosofia em perspectiva filosófica. Neste artigo, pautamo-nos pelos resultados obtidos a partir dessa segunda parte do corpus.

Para discussão dos resultados, bem como para definir precariamente os limites da pesquisa, seguimos um caminho pós-estrutural e pós-fundacional como indicado na Teoria do Discurso de Laclau e Mouffe (2015). Traduzida do campo político - no qual se origina - para o educacional, no Brasil, por trabalhos como os de Lopes e Macedo (2011); Lopes, Oliveira e Oliveira (2018). A Teoria do Discurso ainda encontra um detalhamento expressivo nas obras de Mendonça e Rodrigues (2014) e Lopes e Mendonça (2015). Além disso, empregamos metodologicamente, para pensar a categorização dos resultados, o contexto da produção de texto, dos Ciclos de Política de Stephen Ball (apudMainardes; Marcondes, 2009).

Esses aspectos estão entrelaçados neste artigo, cuja responsabilidade é compreender as “significações de ensino de filosofia no currículo do ensino médio”, no corpus e período antes mencionados. Para tanto, apresentamos o texto como um conjunto de duas grandes partes. A primeira delas, teórico-metodológica, traz as nuances contextuais e conceituais da Teoria do Discurso acionadas, bem como o caminho metodológico empreendido para que - na segunda parte - pudéssemos proceder à discussão dos resultados alcançados.

Assim, discutindo os significados do ensino de filosofia como fortemente ligados a uma prática que se quer filosófica, podemos, somando esta à outra parte da pesquisa (discorrida em outro artigo), chegar aos sentidos desse ensino no nível médio. Com este texto, cabe dizer que os pesquisadores do campo têm suas pesquisas em processo de articulação que os (nos) posiciona antagonicamente em relação a elos tanto da comunidade filosófica quanto de projetos mais amplos para fixação dos sentidos do currículo da educação brasileira.

2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

2.1 Nuances contextuais e conceituais da Teoria do Discurso em Laclau e Mouffe

Pensar um objeto de estudo por meio da Teoria do Discurso (Laclau; Mouffe, 2015) exige a revisão das concepções de realidade das quais se possa partir. Em nossa perspectiva, a realidade - toda ela - é discursiva. Isso implica que toda existência conhecida possui um sentido, o qual - se existe - foi construído em um processo de arranjos e desarranjos entre elementos cujas identidades não podem ser pensadas como fixas e definitivas.

A teoria de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe foi construída em um diálogo que se forjou em um campo teórico que pode ser apresentado pelo emprego do prefixo “pós”, do qual não se almeja uma conotação que desmereça o elemento seguinte. O que se deseja com essa expressão é marcar uma mudança (superação) de alguns dos pressupostos dos termos empregados seguidamente ao prefixo, por compreender que eles - dada a complexificação acelerada com que a realidade vai sendo construída - não chegam a acompanhar e, no campo teórico, a explicar de maneira mais precisa essa (sempre nova) realidade.

Dessa maneira, a Teoria do Discurso consiste em uma construção epistemológica pós-estrutural, pós-fundacional e pós-marxista. Ela assim o é porquanto considera elementos dessas correntes teóricas anteriores, ao tempo em que revisa - construindo outros sentidos - e amplia as perspectivas em relação a elas, porque também há o acréscimo de novas categorias. Nisso, o atributo “pós”, além do que foi mencionado, marca a nomeação de um nova corrente teórica.

Apresentado por via negativa, o pós-estruturalismo de matiz pós-fundacionalista difere-se das teorias anteriores por não restringir a realidade a categorias teóricas rígidas (marxismo), por não conferir um centro fundante às estruturas (fundacionalismo) e, por essa razão, compreender que as identidades (plurais) das estruturas, não sendo fixas, também não são irreversivelmente determinantes (alguns estruturalismos).

Os aprofundamentos dessa discussão foram apresentados pelos professores Mendonça e Rodrigues (2014), como também discutidas por Chaves, Campos e Eugênio (2022), de tal sorte que nos limitamos aqui a retomar apenas as nuances da teoria empregadas para consecução deste artigo.

Assim, ao considerarmos a realidade em uma perspectiva discursiva, vale compreendermos que sentido tem o discurso nessa teoria e de que modo ele nos leva a interpretar as significações do currículo de filosofia do ensino médio. Também é oportuno sinalizar que, como no emprego de outras correntes de pensamento, o uso de um conceito teórico costuma trazer outros que o suplementam na tentativa de chegar a uma explicação mais acertada do real.

Por conseguinte, elaborando o conceito de discurso na obra fundante da teoria, os autores demonstram essa necessidade, quando chamam “articulação qualquer prática que estabeleça uma relação entre elementos de tal modo que a sua identidade seja modificada como um resultado da prática articulatória. A totalidade estruturada resultante desta prática articulatória chamamos discurso” (Laclau; Mouffe, 2015, p. 178).

Por essa razão, partindo da categoria discurso, passamos por outras, como articulação, elementos, momentos, diferencial, equivalencial, ponto nodal, hegemonia e antagonismo. A definição de currículo, por exemplo, depende de que alguns “elementos diferentes” se “articulem” em torno de um “ponto nodal”, por meio de um processo de “equivalência”, a ponto de formarem um “momento”. Esse evento em torno do ponto nodal pode dar origem a um momento “hegemônico” que consolida uma realidade, conferindo a ela o preenchimento de uma falta (definitivamente) impreenchível.

Discurso, assim, é o modo como contatamos e significamos o mundo (a existência em sua totalidade conhecida e desconhecida), e tudo que nele chamamos de realidade (mesmo a fantasia e a imaginação). Dizemos que a realidade é discursiva, porque os sentidos que ela possui - nesse contexto teórico - constrói-se pelo caminho apresentado supra. A falta a que nos referimos diz respeito à necessidade que os momentos e, antes, os elementos têm de se definirem. Buscam uma fixação definitiva, o que é uma impossibilidade que se remedeia por meio de significações precárias.

Dessa feita, tomando novamente o currículo, ele vai sendo definido de formas diversas ao longo do tempo, ainda que se trate (em tese) do mesmo objeto. Já foi afirmado como tradicional, renovado, tecnicista, crítico, entre tantas outras configurações. Se assim ocorreu, entendemos que o foi por conta da realidade discursiva, que, conforme os arranjos, modifica a identidade dos momentos pela articulação dos elementos (também suscetíveis a essa mudança).

Logo, com os estudiosos da Teoria do Discurso no campo curricular, afirmamos que o currículo é um texto (Lopes; Macedo, 2011) e que o texto é um discurso - como tudo o mais na realidade. Sendo assim, o currículo vai tendo seu sentido alterado conforme as articulações hegemônicas são realizadas.

Demonstraremos com mais detalhes esse jogo articulatório ao longo deste trabalho, sobremaneira ao nos apropriarmos do termo “significações”, como aquele equivalente a uma parte (elemento) que, com outros (elementos, significações), configura um sentido. Sentido, assim, é entendido como o resultado das articulações de diferentes significados que apaziguam as diferenças em função de um objetivo maior: hegemonizar-se. Esse movimento confere sentido a uma realidade específica, como a curricular, que nos interessa mais diretamente, conforme demonstram os contornos da pesquisa.

2.2 Contornos metodológicos da pesquisa

Uma das razões pelas quais expomos em detalhes os dados e procedimentos de análise consiste na caracterização acadêmico-científica que este trabalho possui. Por esse motivo, considerando a necessidade de apresentar essa classificação, partimos dos critérios pensados por Bogdan e Biklen (1999), segundo os quais uma pesquisa qualitativa, como a nossa, faz-se na articulação de alguns elementos, tais como: a) o protagonismo dos pesquisadores; b) uma acentuada atenção ao processo pelo qual se constroem os resultados; c) o emprego de um raciocínio indutivo; e d) a descrição e significação de cada etapa do processo investigativo.

Para atingirmos o recorte do corpus, partimos de uma busca na plataforma Sucupira, no portal da Capes, cujo objetivo foi localizar os periódicos mais dedicados (maior volume de publicação) especificamente ao ensino de filosofia no Brasil, no período de interesse da pesquisa (2009-2019), para deles selecionar os artigos diretamente relacionados a nosso objeto.

Para tanto, realizamos os seguintes procedimentos: 1) inserimos separadamente os elementos “filo”, “filosofic” e “filosofia” no “campo de busca” da ferramenta on-line (Sucupira), ao tempo em que acionamos o campo “área de avaliação”, incluindo neste o descritor ensino. Com esses procedimentos, chegamos a 995 resultados quando da pesquisa pelo evento de classificação 2010-2012 e a 1.425 resultados, quando da pesquisa pelo evento de classificação 2013-20162.

A seguir, 2) elegemos alguns critérios de seleção focados em nosso objeto. Por essa razão, entendemos que fariam parte do corpus os periódicos: a) brasileiros, ou internacionais a partir do Brasil; b) do campo de filosofia; c) da área de avaliação em Ensino; d) avaliados em ensino nos dois períodos, o triênio de 2010-2012 e o quadriênio de 2013-2016, ou ao menos em um deles; e) classificados com Qualis entre A1 e B3.

Desse processo chegamos a treze periódicos, dos quais selecionamos os cinco que, entre 2009 e 2019, publicaram o maior número de artigos que atendessem aos seguintes parâmetros: a) em cujo título se encontrava o radical “ensin”; b) no título ou entre as palavras-chave contivesse um ou mais dos seguintes descritores: (i) ensino de filosofia; (ii) filosofia; (iii) ensino médio; e (iv) currículo; c) que apresentaram no resumo e, de maneira explícita, no conteúdo, e que este estivesse diretamente relacionado ao ensino de filosofia no ensino médio; d) finalmente, artigos em cujas referências bibliográficas estivesse elencada ao menos uma obra relacionada diretamente ao ensino de filosofia.

O elenco dos periódicos selecionados e dos respectivos artigos analisados com seus autores e ano de publicação estão organizados no Quadro 1, o qual guarda profunda ligação com o Quadro 2 e a Tabela 1 seguintes, havendo, para leitura e interpretação dos próximos, a necessidade de remissão ao anterior.

Quadro 1 Artigos em periódicos analisados na pesquisa 

N. Título do artigo Autor/a (es) A.
1 O ensino de filosofia como potencializador da experiência interdisciplinar na educação básica: interfaces entre Hannah Arendt e Matthew Lipman FÁVERO, Altair Alberto; KAPCZYNSKI, Ana Lúcia; CENTENARO, Júnior Bufon 2019
Revista Educação e Filosofia - ISSN 1982-596X
2 Ensino da filosofia: uma leitura crítica da filosofia subjacente às orientações curriculares do MEC BARREIRA, Marcelo Martins 2010
3 O ensino de filosofia no Brasil: um breve olhar sobre algumas das principais tendências no debate entre os anos 1934 a 2008 GELAMO, Rodrigo Pelloso 2010
4 O ensino da filosofia como uma tecnologia da governamentalidade OLIVEIRA, Liliana Souza de 2016
A Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação (RESAFE) - ISSN: 1679-8775
5 Ensino da filosofia: pergunta filosófica, proposta metodológica e compromisso político CISNEROS, Leandro 2010
6 Sobre ensino, aprendizagem e resistência na aula de filosofia do ensino médio TOMAZETTI, Elisete M. 2010
7 A emergência da obrigatoriedade do ensino de filosofia nos jogos casuais de dominação SILVA, Ivonei Freitas; TOMAZETTI, Elisete Medianeira 2011
8 Considerações sobre filosofia e ensino: uma confrontação dialética SILVA, Alex Sander da. 2011
9 O ensino médio e a filosofia: entre a reflexão e a tradição PEREIRA, Geraldo Adriano Emery 2011
10 A história da filosofia no ensino de filosofia: considerações a partir de Gramsci SILVEIRA, Renê José Trentin 2012
11 Corpo e escola: cuidado de si e ensino de filosofia: problematizações em torno do filosofar e do ensinar a filosofar na educação básica RIBEIRO, Saulo Eduardo 2013
12 O ensino de filosofia no contexto biopolítico MARÇAL, Katiuska Izaguirry 2013
13 A identidade da disciplina filosofia e do docente no currículo do ensino médio PEREIRA, Geraldo Adriano Emery et al. 2014
14 Ensino de filosofia: questões didáticas na prática docente do ensino médio SILVA, Wanderley da 2015
15 Exercício analítico de discursos: Fórum Sul de Coordenadores de Cursos de Filosofia e Simpósio Sul Brasileiro sobre Ensino da Filosofia TOMAZZETTI, Elisete Medianeira; BENETTI, Claudia Cisiane 2015
16 Reflexões e contribuições para a metodologia do ensino de filosofia na perspectiva da Pedagogia da Autonomia freiriana MATOS, Junot Cornélio; MEDEIROS, Adamo Micael 2015
17 A formação humana por meio da formação filosófica no ensino médio PONCE, Branca Jurema; WOGEL, Lívio dos Santos 2016
18 O ensino de filosofia e as habilidades e competências preconizadas pelos PCNs: uma percepção dos professores de filosofia ALVES, Marcos Alexandre. 2017
19 O ensino da filosofia: desafios e perspectivas DALBERIO, Osvaldo 2017
Revista digital de ensino de filosofia (REFILO) - ISSN 2448-0657
20 Identidade e ensino da filosofia: correspondências e problematizações VELASCO, Patrícia Del Nero et al. 2015
21 O ensino de filosofia nos meandros do ensino médio estadual VEIVERBERG, Fernanda de Oliveira 2015
22 O sentido e o lugar do texto filosófico nas aulas de filosofia do ensino médio VIEIRA, Wilson José; HORN, Geraldo Balduíno 2015
23 Experiência de pesquisa no ensino médio: a filosofia da práxis e a escola MAZOTI, Patrícia Aurora Corrêa 2016
24 Reflexões sobre ensino, aprendizagem e avaliação em filosofia: um olhar sobre a avaliação na perspectiva emancipatória CORRÊA, Tábata Valesca 201
25 Experiências metodológicas de ensino no Pibid Filosofia da Universidade Federal do Ceará COSTESKI, Evanildo; ALMEIDA, José Carlos Silva de 2016
26 O ensino de filosofia em tempos hipermodernos: desafio do amanhã ALVES, Mauricio Silva 2017
27 Ensinar filosofia ou filosofar? XARÃO, José Francisco 2017
28 É proibido filosofar no ensino médio FRAU, Erica Cristina 2018
29 Um olhar para o ensino de filosofia na rede pública paulista de ensino regular SILVA, Jefferson Luis Brentini da; BADIA, Denis Domeneghetti 2018
30 Uma breve história do ensino de filosofia: Brasil e Alagoas em revista CUNHA JUNIOR, Williams Nunes da 2019
31 O papel da afetividade no ensino de filosofia: um estudo a partir de Martin Heidegger a Michel Henry MACIEL, Diego 2019
32 O desafio do ensino de filosofia com os jovens do ensino médio VIZZOTTO, Rozilene 2019
33 Ensino de filosofia: desafios e possibilidades da docência no Ensino médio na contemporaneidade SANTOS, Fabio Ronaldo Meneghini dos 2019
34 Caminhos literários do ensino de filosofia MAIOTTI, Álvaro de Souza 2019
SABERES Revista interdisciplinar de Filosofia e Educação - ISSN 1984-3879
35 O “lugar” da filosofia no ensino médio SÁ JÚNIOR, Lucrécio Araújo de 2011
36 O papel da história da filosofia no ensino médio: uma interrogação a partir de Deleuze AZEREDO, Jéferson Luis de 2011
37 De como deve ser tratada a questão do ensino de filosofia CARRIJO, Alessandra da Silva 2011
38 Notas sobre o ensino de filosofia em nível médio: a partir de Nietzsche, através dos parâmetros curriculares nacionais MARQUES, Bárbara Romeika Rodrigues 2011
39 Filosofia no ensino médio: proposta versus problematização DE SÁ, Laís Franco Amorim Vieira 2014
40 Algumas táticas para a estratégia do filosofar no ensino médio SOUZA, Helder Félix Pereira de; PIEDADE, Valquiria Vasconcelos da 2014
41 O ensino da filosofia na educação básica como experiência do pensar FERREIRA JÚNIOR, Wanderley José 2015
42 Os documentos oficiais sobre a disciplina de filosofia no ensino médio: uma análise teórica SANTOS, Yvisson Gomes dos 2015
43 Os desafios da filosofia no ensino médio ROZIN, Eliane Maria 2017
44 O conceito de filosofia como problema filosófico no ensino médio FREITAS, Flávio Luiz Castro; MAQUINE, Luciano Santiago 2018
45 Do ensino de filosofia ao filosofar: reflexões sobre o Conceito de ação em Hannah Arendt GUERRA, Edvan Tito Carneiro 2018

Legenda: N, número; A, ano.

Obs.: Os títulos dos periódicos são hiperlinks para suas respectivas páginas web.

Fonte: Elaboração própria, dados da pesquisa.

Fonte: Elaboração própria.

Figura 1 Print do quadro de análise de dados 

Com esse recorte elaborado, passamos ao processo de leitura dos artigos. Para esse momento da pesquisa - dados a difusão e o volume dos dados -, construímos um quadro analítico (imagem ao lado) que colaborou no processo de filtragem das informações, necessário para atingirmos os aspectos diretamente relacionados ao objeto de nossa pesquisa.

Por meio desse quadro, sintetizamos dos artigos os seguintes elementos: 1) os significados de ensino de filosofia, que consistiu em apreender do texto formulações com as quais os autores identificavam tanto a filosofia como área do conhecimento quanto, principalmente, em que consistia seu ensino no nível médio, como componente curricular; 2) as apresentações de propostas didático-filosóficas, didático-pedagógicas ou metodológicas, com as quais os pesquisadores indicavam realizar o ensino antes definido; e 3) os problemas enfrentados pelos docentes e discentes na vivência de um ensino de filosofia como pensado pelos autores (como no item 1).

Também reservamos no quadro um espaço flexível para sinalizar alguns aspectos específicos de cada artigo, como: de qual ramo da filosofia mais se aproximava, a influência de pensadores da tradição filosófica e dos autores do ensino de filosofia e o processo e a forma que o engendraram (recorte de uma pesquisa da pós-graduação, pesquisa bibliográfica, documental, experiência de aula ou de estágio, entre outros).

Por fim, passamos a analisar essa compilação dos dados disposta no quadro. Essa ação nos permitiu categorizar as informações por um processo de similaridade a que chegamos pelas compreensões teórico-metodológicas de Ball (apudMainardes; Marcondes, 2009), que entende que o texto, ainda que analisado apenas em seu “contexto de produção de texto”, demonstra em alguma medida as relações com outros “contextos”, como o “de influência”.

Ampliando a perspectiva de Stephen Ball com o suporte discursivo (Teoria do Discurso) dessa pesquisa, apreendemos da leitura dos artigos os aspectos comuns que os ligavam de acordo com os interesses investigativos de nosso trabalho. Dessa forma, construímos um sistema categórico (precário), baseado em três aspectos, como apresentados supra: 1) os significados; 2) as propostas; e 3) os problemas.

Dada a diversidade de vertentes teóricas, metodológicas e a pluralidade dos problemas apresentados pelos pesquisadores em seus trabalhos, a categorização permitiu acomodar os dados e interpretá-los na consideração mais ampla de seus significados. Por essa razão, entendemos ser proveitosa a exposição das minúcias desse processo que nos fez chegar aos resultados da pesquisa e que, adiante, propiciou-nos uma discussão mais completa deles.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Pluralidade dos dados e categorização dos resultados

Ainda considerando o esforço metodológico da pesquisa para a construção de um corpus, ao máximo, ligado aos “sentidos do ensino de filosofia no currículo do ensino médio”, não chegamos, quando da categorização, a um resultado uníssono. Esse talvez seja um dos sinais de corroboração da exposição teórica feita anteriormente. A realidade, porque discursiva, é plural. Dentro dos momentos, ainda que hegemônicos, a pluralidade dos elementos não está anulada - apenas apaziguada, “equivalente” - em detrimento de um objetivo comum.

Logo, não podemos afirmar, de partida, um sentido (no singular) do ensino de filosofia, porque a realidade foi construída em articulações frágeis, muito mais antagônicas que hegemônicas, que são características de uma acomodação ainda incipiente dos elementos em torno de pontos nodais diversos.

Assim, para chegarmos aos sentidos, passamos por um caminho de interpretação dos significados, das propostas (didático-filosóficas, didático-pedagógicas e/ou metodológicas) e dos problemas com os quais os pesquisadores concluíram ser formados aspectos da realidade curricular do ensino de filosofia no nível médio brasileiro entre os anos de 2009 e 2019, cujas revisão e compilação, entre outros movimentos na pesquisa, possibilitaram-nos afirmar - no todo - sentidos para o currículo de filosofia no período.

Por essa razão, na interpretação dos dados, formulamos um sistema de análise composto, pela apreensão nos textos, de significados, propostas e problemas com um nível de proximidade e recorrência tal que nos permitiu traçar expressões (categóricas) que os contemplavam a ponto de, com essas expressões, desenvolvermos as categorias analíticas dessa parte da pesquisa, como demonstrado nos conjuntos categoriais no Quadro 2:

Quadro 2 Categorias de análise dos dados 

Categoria relativa a:
SIGNIFICADOS PROPOSTAS PROBLEMAS
- O artigo indica propostas nas seguintes amplitudes:
A - detalhada, com meios, recursos, etapas e conteúdos;
B - sem detalhes. Apontamento de aspectos indispensáveis.
O artigo aponta que os problemas para o ensino de filosofia são predominantemente:
C - gerais (da educação e do ensino);
D - específicos do ensino de filosofia.
O artigo aponta que os significados de filosofia e de seu ensino são:
1.1 formar cidadãos críticos e conscientes;
1.2 potencializar a reflexão e/ou a capacidade crítica;
1.3 desnaturalizar (reelaborar, alargar os horizontes) da realidade;
1.4 potencializar ou desenvolver habilidades;
1.5 relacionado ao campo interdisciplinar;
1.6 formar amplamen-te/integralmente (formação humanística);
Ø - não apresenta sentido.
O artigo assinala que as propostas precisam:
2.1 considerar a realidade dos estudantes;
2.2 não seguir modelos universalizantes;
2.3 indicar uma necessária relação/utilização com/do Texto filosófico (da tradição);
2.4 [o artigo] não apresenta uma proposta própria, e aponta para uma de um pensador (filósofo da tradição ou do ensino de filosofia no Brasil);
2.5 apresentar temas, problemas e a história da filosofia como indispensáveis;
2.6 ressaltar o aspecto da interdisciplinaridade na filosofia;
2.7 Outra;
Ø - não apresenta proposta.
O artigo distingue que os problemas são de ordem(ens):
3.1 materiais, estruturais e de carga horária (C);
3.2 formação inadequada dos professores/Falta de profissionais capacitados (licenciados em filosofia) nas escolas (F);
3.3 falta de uma metodologia ou emprego de uma inadequada (C);
3.4 incompreensão quanto ao que seja a filosofia e seu papel (F);
3.5 problemas relativos aos documentos oficiais (C);
3.6 falta de interesse/motivação e/ou falta de pré-requisitos para cursar a disciplina (C);
3.7 organização da disciplina que desconsidera a vida dos estudantes, a realidade concreta e afins (C/F);
Ø - não apresenta problema.

Fonte: Elaboração própria, dados da pesquisa.

Concluída a elaboração, passamos a categorizar os textos, considerando o critério de predominância, que encontra expressão na pergunta: qual/quais entre os aspectos indicados na categoria estavam mais latentes no artigo específico? A resposta à pergunta indicou a categoria (ou categorias, em alguns casos) na qual/nas quais o artigo foi classificado.

Vencido o processo de categorização dos quarenta e cinco artigos (Quadro 1), passamos a investigar quais, entre os significados, problemas e propostas, eram mais recorrentes na perspectiva dos mais de sessenta pesquisadores/autores do campo de ensino de filosofia. Para tanto, empregamos uma tabela do Microsoft Excel 2019, pela qual foi possível filtrar a recorrência das categorias (Quadro 2) em cada artigo.

Após essa etapa, procedemos à observação e análise desse estágio dos dados que nos permitiu construir “ocorrências genéricas”, entendidas como a totalização de recorrência da categoria (geral) nos artigos. Esse procedimento foi capaz de mesclar, totalizando, as oportunidades em que o artigo possuía mais de uma categoria, o que segmentava os resultados.

Esse foi um passo decisivo para chegarmos aos significados e suas relações com as propostas e problemas do currículo do ensino de filosofia. Com o intuito de promover a compreensão dessa fase, apresentamos uma transcrição da Tabela 1, que aponta os resultados de maneira pormenorizada. Vale ressaltar a ligação direta e necessária entre os Quadros 1 e 2 e a Tabela 1, pois a leitura e a interpretação desta última consideram as informações contidas nos primeiros.

Tabela 1 Recorrência dos sentidos, propostas e problemas do ensino de filosofia nos artigos 

SIGNIFICADOS PROPOSTAS PROBLEMAS
Descritores 1 Quant. Descritores 2 Quant. Descritores 3 Quant.
1.1 7 A 2 C 12
1.1 e 1.2 1 B 31 F 12
1.2 8 Ø 12 C/F 20
1.2 e 1.3 3 Total 45 Ø 1
1.2 e 1.4 1 2.1 5 Total 45
1.3 9 2.1 e 2.2 1 3.1 1
1.3 e 1.6 1 2.1 e 2.3 1 3.1 e 3.2 1
1.4 6 2.1 e 2.4 1 3.1 e 3.5 1
1.4 e 1.5 1 2.1 e 2.5 1 3.1, 3.2 e 3.4 1
1.5 1 2.1, 2.2 e 2.5 1 3.1, 3.2 e 3.5 2
1.6 4 2.1, 2.3 e 2.6 1 3.1, 3.3, 3.4, 3.6 e 3.7 1
Ø 3 2.2 5 3.2 5
Total 45 2.3 1 3.2 e 3.3 1
Ocorrências genéricas 2.3 e 2.4 1 3.2 e 3.4 3
2.4 6 3.2 e 3.6 1
1.1 8 2.4 e 2.7 1 3.2, 3.3 e 3.4 1
1.2 13 2.5 2 3.3 4
1.3 13 2.5 e 2.6 1 3.3 e 3.4 1
1.4 8 2.6 1 3.3, 3.4 e 3.5 1
1.5 2 2.7 3 3.4 4
1.6 5 Ø 12 3.4 e 3.5 6
Total* 49 Total 45 3.4 e 3.7 2
* Nesse caso, o total supera o quantitativo de artigos (45), porque a alguns artigos aplica-se mais de uma categoria, como demonstrado na primeira parte da coluna.

** Nesse caso, o total é inferior ao quantitativo de artigos (45) pela soma de dois fatores: 1) a alguns artigos aplica-se mais de uma categoria; 2) existe um alto número de artigos que não apresentam resultados nessa categoria (Ø), como demonstrado anteriormente.
Ocorrências genéricas 3.5 5
3.6 1
2.1 12 3.6 e 3.7 1
2.2 7 3.7 1
2.3 3 Ø 1
2.4 9 Total 45
2.5 5 Ocorrências genéricas
2.6 3
2.7 4 3.1 7
Total** 43 3.2 15
- 3.3 9
3.4 20
3.5 15
3.6 3
3.7 4
Total* 73

Fonte: Elaboração própria, dados da pesquisa (ferramenta: Microsoft Excel 2019).

Partindo dessa compilação dos resultados, fica visível a predominância de dois dos significados atribuídos à filosofia e seu ensino: 1.2, potencializar a reflexão e/ou a capacidade crítica (13 vezes), e 1.3, desnaturalizar (reelaborar, alargar [os horizontes]) a realidade (13 vezes). Chega-se à aferição de predominância quando se considera que a soma de recorrências das duas categorias (1.2 e 1.3) representa mais que a metade (26) das recorrências do total das ocorrências genéricas (49 vezes), elencadas na coluna de Significados da Tabela 1.

Seguindo o mesmo procedimento, temos os resultados das predominâncias das propostas e problemas. Quanto às propostas, constata-se que prepondera, entre os quarenta e cinco artigos, a indicação de aspectos indispensáveis (B, 31 recorrências) para a construção de uma proposta didático-filosófica, didático-pedagógica e/ou metodológica. Entre esses artigos, a maioria indica que tais propostas: 2.1 consideram a realidade dos estudantes (12 recorrências), 2.2 não seguem modelos universalizantes (7 recorrências) ou ainda 2.4 apontam para uma proposta elaborada por um pensador3 (9 recorrências).

Quanto aos problemas, verifica-se que são tanto de ordem específica ao ensino de filosofia (D, 12 recorrências) quanto de ordem geral aos problemas da educação e do ensino (C, 12 recorrências). Entre os específicos, destacam-se dois: 3.2 formação inadequada dos professores/falta de profissionais capacitados (licenciados em filosofia) nas escolas (15 recorrências), e 3.4 incompreensão quanto ao que seja a filosofia e seu papel (20 recorrências). Dos gerais prepondera o 3.5, problemas relativos aos documentos oficiais (15 recorrências).

Chegando a esse conjunto de resultados pelo processo exposto, podemos seguir a discussão desses dados, como anunciado antes, pela perspectiva da Teoria do Discurso em Laclau e Mouffe (2015). Dessa maneira, será possível visualizar os movimentos discursivos tomados para modificar as articulações e produzir os significados que, articulados, dão sentido às realidades curriculares.

3.2 Movimentos de articulação discursiva: significando o ensino de filosofia no currículo

Todo processo de busca, seleção, caracterização e categorização foi realizado porque, ao nos lançarmos em uma pesquisa que busca problematizar um aspecto da realidade, entendemos passar a construir um sentido que se quer verdadeiro e que a “[...] verdade, factual ou outra, sobre o ser dos objetos é construída dentro de um contexto histórico e discursivo e a ideia de uma verdade fora de todos os contextos é simplesmente disparatada” (Lopes; Mendonça, 2015, p. 44). Logo, afirmar os sentidos por meio das significações dadas à filosofia e seu ensino sem proceder ao levantamento e à apresentação dos dados poderia nos induzir a uma afirmação desprovida de um fundamento, ainda que o que ora nos sustenta seja precário e esteja suscetível (e inclinado) à mudança.

Entendemos que os pesquisadores constataram que tais “discursos” compunham o recorte da realidade a que eles se dedicaram porque os resultados a que chegamos constam de uma base de dados que se assenta em um conjunto de pesquisas/trabalhos acadêmicos aportados em variadas teorias e metodologias.

Com nossa perspectiva teórico-metodológica projetada sobre uma compilação de seus esforços - ou seja, com uma interpretação nossa de seus resultados -, pretendemos apresentar os nós e as aberturas (antagonizantes) em torno desses pontos e suas relações com a fixação dos significados que se têm construído para o ensino de filosofia no ensino médio.

Nesse caminho, percebemos que os significados encontrados estavam envolvidos pelas propostas e pelos relatos de problemas que a prática do ensino de filosofia enfrenta na realidade escolar. Por essa razão, dedicaremos os próximos momentos do texto ao desdobramento em que se fixam os significados, as propostas e os problemas curriculares do ensino de filosofia no ensino médio, apresentando o ensino filosófico como um momento que pende entre a hegemonia, em um campo menor, e o antagonismo, em relação a outros campos maiores.

3.2.1 Equivalências em torno de um ensino filosófico

Preponderaram entre os significados curriculares da filosofia e seu ensino a formação de 1) jovens críticos e reflexivos e o entendimento de que a filosofia serve ao processo de 2) desnaturalização da realidade, alcançando alguma relevância significativa a ideia de formação de cidadãos críticos e conscientes.

Em referência à primeira categoria, os pesquisadores concordam que existe uma expectativa de que a filosofia seja aquele componente curricular mais gravemente responsável - quando não o único - pelo desenvolvimento da capacidade crítica e reflexiva de que os estudantes carecem para se relacionarem na (e com a) realidade.

Por crítica e reflexão, os autores entendem a postura de observação e análise dos acontecimentos e desdobramentos da vida, um exercício de paciência (Arendt, 2000) que evita a precipitação. Em algum nível, podemos afirmar que há, nessa posição, uma ambiência de suspeita ante “verdades”, fatos, dados e opiniões, os quais o próprio jovem, pelas ferramentas apreendidas na aula de filosofia, poderia colocar em análise, explicando, a partir de sua perspectiva, e ponderando sobre as motivações e os desdobramentos daquilo que lhe é apresentado ou com o que ele se depara na vida.

Esse processo de significação levaria a uma “filosofia menor” (Deleuze apudGelamo, 2009) na qual os estudantes poderiam experimentar os próprios problemas, conceituando suas problemáticas, realizando em suas vidas a atualização da filosofia que não repete a tradição (“filosofia maior”) pura e simplesmente, mas com relação a esses elementos da história, dos problemas, dos sistemas e dos autores da filosofia, traduzam esse conhecimento contextualizado a suas realidades.

Nessa ocasião, encontramos o indício de um ponto nodal enlaçado entre o primeiro significado e duas das propostas mais recorrentes que apontam para consideração da realidade dos estudantes e o não emprego de modelos universalizantes como formas mais adequadas de promover um ensino de filosofia filosófico, portanto ligado ao sentido próprio da área, porquanto o componente curricular filosofia de fato dê passagem à filosofia.

Ora, um e outro indicativo estão intimamente conectados, pois a promoção de um programa didático (filosófico/pedagógico) consonante com as diversas realidades dos estudantes supõe uma metodologia contrária a entendimentos ‘universais’, ou seja, metodologias particulares (a cada realidade). Considerando a prática docente, como caracterizar esse movimento de observação e análise da realidade dos estudantes, se não em um, no qual se presume esse exercício de paciência? A que possíveis resultados se chegaria caso uma proposta elaborada dessa forma fosse traduzida e ressignificada pelos próprios estudantes, se não naqueles em que a filosofia significasse o exercício reflexivo e crítico da própria realidade?

Certamente respostas empíricas a essas questões levantadas ultrapassam os limites a que nos colocamos, ainda que consideremos serem passíveis de outro momento de investigação. Contudo, os dados analisados sinalizam que a atribuição do significado à filosofia, como “promotora da reflexão e da crítica”, indica uma ligação muito íntima com propostas didáticas que, em sua construção, observam os pressupostos de seu significado. Portanto, uma filosofia que significa formação para a reflexão e para a crítica não prescinde do emprego de metodologias e aportes teóricos que se utilizam desses atributos (reflexão e crítica) para pensar a aula de filosofia.

Enquanto isso, a segunda categoria pela qual se entende o significado de filosofia e seu ensino como de “desnaturalização da realidade”, considera que esse processo também coloca em suspeita a apresentação das realidades justificada sobre o termo “natural”, entendido quase sempre como aquilo que já é desde sempre ou cuja mudança não seja possível, porque nessa perspectiva a identidade do “natural” é imutável.

Os pesquisadores, aqui influenciados por teóricos como Nietzsche, Foucault, Deleuze, Derrida e estudiosos do ensino de filosofia como Alejandro Cerletti e Silvio Gallo, compreendem que compete à filosofia inserida no currículo do ensino médio a tarefa de problematizar essa concepção fundamentalista (naturalizante) da realidade, a partir de uma reelaboração dessa mesma realidade pelos instrumentos fornecidos pela filosofia, quais sejam, os problemas enfrentados pelos filósofos na tradição.

Pode-se compreender que tais dilemas não são outra coisa senão os próprios problemas dos pensadores em seus contextos, os quais lhes serviram de matéria-prima para a filosofia que desenvolveram e, como ela fez sentido para diferentes pessoas do mesmo e de outros momentos, foram reconhecidos e seu pensamento legado a seus contemporâneos e aos pósteros, entre os quais os jovens de nosso tempo.

Os estudantes do ensino médio, os quais podemos notar serem apresentados como filósofos latentes, na experimentação dos próprios problemas, apoiados no conhecimento adquirido das experiências dos filósofos pretéritos, poderiam, por caminho semelhante ao deles, filosofar com a matéria da qual dispõem, sua realidade, experiência, problemas.

Nesse ponto, também encontramos equivalência entre essa categoria e a última, entre aquelas das propostas para o ensino de filosofia, especificamente a que remetia o processo metodológico a uma proposta elaborada por um pensador (da tradição filosófica). Entre os nove artigos levantados predomina a indicação da proposta didática de Gallo (2012), assentada em Deleuze e Guattari (1992), às vezes em diálogo com aspectos do pensamento foucaultiano.

Nota-se que se destacam indicativos ligados ao campo pós-estrutural. Como antes apresentamos, essa perspectiva não pensa a realidade em fundamentos identitários herméticos, mas precários. A provisoriedade vai de encontro justamente à ideia de naturalidade, entendida como uma forma de ser essencializada, desafeita a mudanças, ainda mais sem sua (suposta) essência.

Cabe frisar que nos artigos que compõem essa categoria (proposta elaborada por um pensador) não se alude a que tais propostas estejam prontas para serem replicadas na prática, o que nos levaria a um modelo universalizante. Os pesquisadores, bem como o autor mais citado, Gallo (2012), entendem a apresentação que fazem como indícios para a criação e recriação de um programa (didático-filosófico-pedagógico) autoral, que cada docente precisará traduzir à sua realidade particular.

Isso posto, podemos sintetizar essa exposição afirmando que existe, entre os elementos categorizados, uma disposição para equivalência, pois os significados de crítica e reflexão e desnaturalização da realidade equivalem às propostas de consideração da realidade dos estudantes, que implica o não emprego de métodos universalizantes, cujos indícios estariam em autores do campo de ensino de filosofia e, por meios deles, na tradição filosófica.

Uma disposição para equivalência constitui o necessário para que elementos distintos apaziguem suas diferenças em detrimento de um objetivo maior e comum entre si. Esse apaziguamento (equivalência) em torno de um objetivo gera um ponto nodal, com o qual se marca uma posição na realidade para significar algum de seus aspectos.

Considerando o caminho até aqui, concluímos dos resultados que esse objetivo capaz de enlaçar um ponto nodal seja a realização de um ensino de filosofia filosófico, expressão empregada por muitos dentre os pesquisadores e fixada no âmbito do campo do ensino pelo estudioso Cerletti (2009). Entende-se por esse ensino aquele em que a filosofia encontra as condições de realização dentro do componente curricular de filosofia no ensino médio, o que, como fica manifesto adiante, é uma tarefa mais difícil do que se possa supor de partida.

3.2.2 Deiscências no projeto curricular do ensino filosófico

As dificuldades para se alcançar um ensino de filosofia que conforme o significado da área ao componente curricular - tomando por base os artigos em análise - configuram-se por problemas de dois níveis: os específicos, relativos ao ensino de filosofia, e aqueles gerais do campo do ensino e da educação. Entre os específicos, preponderam a inadequada formação dos professores, a falta de licenciados para docência escolar e a incompreensão do que sejam a filosofia e seu papel. Em referência aos gerais, predominam os problemas relativos aos documentos oficiais.

Os argumentos dos autores em torno das categorias do âmbito específico desdobram-se. Inicialmente, afirmam que, desde a graduação, a formação do futuro professor de filosofia sofre de segmentações variadas que dificultam o próprio processo formativo e o futuro exercício docente. Os estudiosos entendem que as licenciaturas possuem um estilo “bacharelesco”, porquanto estão dispostas a formar pesquisadores de uma filosofia muito ligada aos grandes pensadores e problemas e desligados de problemas de segunda ordem, como parece ser entendido o ensino da filosofia.

Une os pesquisadores essa compreensão de que os “pesquisadores-filósofos” não entendem o ensino como um problema do campo filosófico. Em alguns artigos, apontam-se dados como os raríssimos programas de pós-graduação em filosofia que abrem alguma possibilidade para pesquisas de ensino de filosofia. Soma-se a isso o fato de a Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (Anpof), fundada em 1983, somente organizar um grupo de trabalho (GT) ligado ao tema, decorridos vinte e três anos de sua existência (em 2006).

Ainda em referência ao aspecto de segmentação, os artigos levantam como evidência a organização das licenciaturas nas universidades, divididas entre as faculdades de filosofia, que são responsáveis pela “filosofia dura”, tais como metafísica, ética, política, gnosiologia/epistemologia, antropologia filosófica, filosofia da linguagem, da existência ou ainda clássica, medieval, moderna e contemporânea, como também de autores destacados dessas subáreas; e as faculdades de educação, responsáveis por disciplinas como: currículo, didática, fundamentos da educação, estágios, entre outras.

Há convergência no entendimento de que um processo segmentado de formação produza um professor muito versado em aspectos específicos da tradição filosófica e inseguro do processo de ressignificação dessa tradição para linguagem e ambiência do ensino médio.

A seguir, outro desdobramento entre os problemas específicos refere-se a uma prática observada pelos pesquisadores de que o componente curricular filosofia, na escola do nível médio, é atribuído a docentes com variadas formações, o que o transforma em um acessório de complemento da carga horária, acionado para preencher lacunas laborais de professores com formações, as mais diversas. Indicam que essa situação ocorre porque os licenciados em filosofia não chegam a ocupar a vaga na carreira docente, e entre os motivos está o fato de os formados nessa área serem em número insuficiente se comparado à necessidade, bem como em razão de uma parcela, em virtude da formação com foco na pesquisa, não aspirar à educação básica4.

Tanto o primeiro quanto o segundo desdobramento dessas dificuldades são sintomas do mais recorrente (20 vezes) entre os problemas apresentados, existindo uma incompreensão acerca do que sejam a filosofia e seu papel.

Ora, se o licenciado em filosofia se forma por meio de um sistema curricular segmentado que não o ajuda a pensar a prática da aula no ensino médio e, ainda assim, se na escola não existem professores graduados em filosofia em número suficiente para a demanda - dado o preenchimento das lacunas por docentes de outras áreas -, como pode a filosofia ser compreendida dentro desses limites que a constroem como um elemento específico entre outros componentes curriculares? Em outras palavras, não se construindo as condições mínimas - uma licenciatura para a aula de filosofia no ensino médio e o preenchimento da vaga escolar desse componente por um graduado na área -, como pode resultar um ensino de filosofia filosófico?

Agravam o quadro de problemas de ordem geral dificuldades ligadas ao todo da educação. Entre as categorias destaca-se aquela relativa aos documentos oficiais. Os pesquisadores detectaram que estes, ao proporem a filosofia no ensino médio, desconsideram os aspectos próprios da área do saber, de tal modo que o componente curricular filosofia nesses textos curriculares parece não se coadunar com a área de saber a que se pretende ensinar.

Nesse ponto, cabe o paralelo entre esse problema geral e um específico. Existe uma preocupação, por grande parte dos trabalhos, de que a filosofia, porque pensada dentro da esfera curricular, tenha seus sentidos atribuídos no intento de alcançar objetivos que descaracterizem aspectos mais amplos da filosofia, como aqueles indicados em nossas categorias (reflexão, crítica e desnaturalização).

Entendemos que essa preocupação se justifica, uma vez que constatamos pelos dados que um dos significados mais atribuídos à filosofia é aquele que pensa em sua associação a uma formação de cidadãos críticos e conscientes (categoria 1.1, Tabela 1). Essa significação se assenta na primeira versão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996, em cujo texto se encontra a expectativa de que os aprendizados em filosofia sejam “necessários ao exercício da cidadania” (Brasil, 1996, p. 9). A interpretação desse dispositivo no documento dos PCN (parte IV, Humanas) é a de que “a legislação tratou igualmente de indicar como se deve corretamente dimensioná-la no Ensino Médio: a rigor, portanto, o texto refere-se aos conhecimentos da filosofia necessários para o fim proposto (Brasil, 1999, p. 45).

Encontra-se aqui explícito o que pode, na ressignificação da prática curricular da filosofia em sala de aula, limitar os sentidos do campo filosófico a uma formação que, em outros tempos, chamou-se educação moral e cívica5. Esta não foi senão uma oportunidade pretérita em que havia a necessidade de “dimensionar corretamente” a filosofia “para o fim proposto”.

Ainda causaram preocupação aos pesquisadores os sinais (a partir de 2016) de que a filosofia poderia deixar novamente o ensino médio. A compreensão é a de que, reconhecidos os limites e problemas discorridos, seria ainda mais dramático pensar a filosofia fora de um componente curricular específico. Fato é que os indícios se transformaram na Lei 13.415/2017 (Brasil, 2017), por um processo (até ali) pouco usual. Reformou-se o ensino médio brasileiro pelo instrumento da Medida Provisória 746/2016 (Brasil, 2016), arrematando-se o processo, quando da fixação da Base Nacional Comum Curricular - BNCC (Brasil, 2018), em que a filosofia, não mais um componente curricular obrigatório, foi silenciada (Chaves; Campos; Eugênio, 2022).

Retornando as considerações latentes à categoria geral, vale destacar que muitos pesquisadores (categorias 3.1 e 3.6, Tabela 1) lembraram a existência de outros problemas, como a dificuldade dos estudantes quanto aos processos de leitura, interpretação e produção textual; questões infraestruturais das escolas, como falta de materiais/equipamentos; superlotação de classes; e as questões organizacionais, como a carga horária insuficiente e as inadequações na formulação de quadros horários distributivos de aulas.

Considerados todos esses aspectos apresentados e lançado um olhar discursivo, não podemos compreender essa realidade senão como uma articulação para o caos, ou seja, esses elementos (problemas) são articulados em torno do grande ponto nodal antagônico, aquele anteriormente apresentado, do ensino filosófico. Dessa forma, não há como esse ensino suturar-se, pois o nó dos problemas funciona como uma deiscência (abertura) persistente a antagonizar com esse propósito.

3.2.3 O ensino filosófico entre nós e desenlaces

Tendo em vista as três categorias elaboradas, significados, propostas e problemas, percebemos que elas nos ajudam a compreender as dificuldades do campo curricular e de ensino de filosofia para estabelecerem, hegemonicamente, um componente curricular no ensino médio, no qual se realize um ensino filosófico.

Anima perceber que, ao menos entre os pesquisadores de ensino de filosofia - representativamente aqueles que compõem o recorte deste trabalho -, os significados que preponderam são de uma filosofia que, bem resolvida com sua história, temas e sistemas, não deixa de ser atual, porquanto aberta à reconfiguração com os problemas do contexto no qual busca se estabelecer.

Constatamos que, naquilo que depender das articulações dos pesquisadores, um currículo para o ensino de filosofia se forja para um ensino crítico, reflexivo e desnaturalizante de uma realidade plural, como a própria concepção de filosofia afirmada.

Dessa forma, entendendo o currículo como um texto, parte do discurso que totaliza a realidade, temos por certo que no campo do ensino de filosofia está formado um ponto nodal que tenciona a articulação de forças para hegemonização de um ensino filosófico, ou seja, ligado à realidade dos estudantes, que considere seus problemas e seu contexto não de fora - numa observação distante -, mas integrados e agregadores dos jovens ao processo de pensamento que vai construindo o componente curricular.

Pelos resultados obtidos, também é possível caracterizar o que está entre esse objetivo da comunidade de ensino de filosofia e a hegemonização de seu projeto. Os problemas da educação e do ensino em geral, componentes mais amplos dessa realidade discursiva, como também os problemas específicos do campo filosófico, concorrem na formação de outro ponto nodal, que objetiva manter a filosofia na situação atual, desarticulada com os demais momentos da realidade discursiva - isolada, portanto.

Recordando a situação da filosofia nos últimos anos (2009-2019), temos dois grandes momentos: até a reforma do ensino médio (Brasil, 2016; 2017), consistia em um componente curricular obrigatório que, dado o contexto antes aludido, não permitia um ensino filosófico como regra. Após a reforma, afigura-se uma situação de completa indefinição, que retira um elemento importantíssimo do ponto nodal da comunidade de ensino de filosofia: não há mais um espaçotemporal específico para a filosofia no currículo do ensino médio.

Por conseguinte, constata-se que o pouco tempo no qual a filosofia compôs o currículo do ensino médio, a partir da Lei 11.684/2008 (Brasil, 2008), foi potente para uma articulação da comunidade de ensino de filosofia. Ao mesmo tempo, os outros momentos da realidade, em que essa mesma comunidade está inserida, foram modificados em articulações para as quais o ensino filosófico não seria interessante. Diríamos, no presente do contexto histórico, que a filosofia assim significada seria extremamente perigosa.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como afirmamos ao longo deste texto, a realidade na qual estamos inseridos é extremamente complexa. Existe uma imensidão de aspectos daquilo que entendemos por real, forjamos variáveis na busca de construir um sentido para cada elemento que, existindo e sendo conhecido, recebe a marca significativa com a qual se relaciona com os demais elementos e passa a modificar os outros, ao tempo em que é modificado em sua identidade.

Nesse campo curricular sobre o qual nos debruçamos, isso não é diferente. Compreendendo o currículo como parte da realidade discursiva que está manifesta em textos e em práticas (ambos discursivos), e que não está descolada das demais esferas e aspectos da realidade, estamos diante de um componente representativamente complexo de nosso tempo.

Por essa razão, ao investigarmos o currículo, olhamos para os textos dos pesquisadores de ensino de filosofia a fim de analisar o que esse grupo de estudiosos produziu teoricamente em tão conturbado período (2009-2019), e sob que nível de influência dos acontecimentos e dos filósofos e correntes da tradição. Chegamos a resultados que apresentam significados articulados que encaminham a filosofia para alcançar um sentido para seu ensino no nível médio que não afaste a área do componente curricular.

Finalizando esse conjunto de resultados, asseveramos o quão filosófico é o problema do ensino de filosofia. Como outros problemas filosóficos em processo de elaboração em nosso tempo, contrasta aos temas/problemas e pensadores hegemonizados no quadro da grande tradição filosófica que pesa sobre os ombros dos filósofos/pesquisadores.

Como em outros momentos em que os filósofos rejeitaram uma filosofia incipiente, experimentamos um lugar marginal no campo filosófico. Ainda assim, porque cada vez mais articulado, o ensino de filosofia se consolida e busca ser reconhecido. Para tanto, colocamo-nos ao lado dos muitos pesquisadores que percebem a necessidade de ressignificar o ensino para estabelecer a filosofia no currículo do nível médio.

Somos, portanto, uma voz antagônica que afirma a pluralidade das filosofias com as quais interpretamos a realidade. Se a filosofia reflete, critica e desnaturaliza a realidade, ela o faz pelo contexto dos estudantes, na elaboração de propostas didático-filosóficas/didático-pedagógicas que permitam um ensino filosófico.

Como antagônicos, por este instrumento - a pesquisa científica - enfrentamos as contra-articulações com a determinação de quem entende que um discurso hegemônico, como o da atualidade, que silencia a filosofia, só se mantém quando não encontra resistência. A ressignificação do currículo em outro no qual o ensino seja afirmado filosoficamente não é outra coisa senão esse movimento antagônico que resiste, persistindo até que o discurso de uma comunidade de pesquisa restrito alcance a amplitude necessária para seu reconhecimento dentro de sua comunidade (filosófica), que está além do presente arranjo articulatório.

REFERÊNCIAS

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Mendonça, Daniel De; Rodrigues, Léo Peixoto (orgs.). Pós-estruturalismo e teoria do discurso: em torno de Ernesto Laclau. 2. ed. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2014. [ Links ]

NOTAS:

1Multipaper é compreendido como um modelo de escrita acadêmica no qual se organizam os resultados das pesquisas, respeitando a estrutura de artigos científicos. A dissertação que originalmente comporta este artigo possui quatro capítulos que buscam preservar a unidade textual exigida em uma dissertação, sem, com isso, fugir à escrita das análises em artigos como este.

2 O número apresentado superestima o número real de periódicos pela sobreposição e repetição inevitável à aplicação dos termos de filtragem. Contudo, essa variável não influiu no alcance dos resultados pelo emprego das etapas de seleção seguintes.

3 Por meio dessa categoria, foram condensadas as diversas propostas que os autores dos artigos tomavam ou indicavam, partindo de filósofos da tradição ou de pesquisadores do ensino de filosofia no Brasil. Do primeiro grupo destacam-se os conceitos de Comunidade investigativa de Matthew Lipman (1), Filosofia do cotidiano em Agnes Heller (25), a revisão dos conceitos clássicos de Cuidado de si e conhecimento de si, realizados por Foucault (11) e a Pedagogia do conceito de Deleuze (28). Entre os pesquisadores do ensino, foram indicados Cerletti (20), com a compreensão do ensino de filosofia como problema filosófico, e a metodologia pensada em Silvio Gallo (25, 26, 39, 40,), sendo a última a mais recorrente entre todos os citados. Indicamos nesta nota, entre parênteses, os números dos artigos em remissão ao Quadro 1 (artigos em periódicos analisados na pesquisa) para consulta detalhada de referência nos próprios textos, dada a difusão dos escritos.

4 Frisa-se que parte dos artigos analisados consiste na apresentação de resultados de pesquisas do início da década de 2010, por isso se compreende que, naquela circunstância, a falta de licenciados ainda poderia ser uma questão de ordem. No entanto, no presente, é possível relativizar essa questão. Como exemplo, tomamos o Concurso público do Estado da Bahia (Bahia, 2017a) no qual houve a inscrição de 1.788 (Bahia, 2017b) candidatos (licenciados em Filosofia) para um total de 144 vagas. Isso demonstra, por um lado, um interesse dos graduados em filosofia pela docência na educação básica. Resultou, porém, que apenas 94 foram aprovados e nomeados (Bahia, 2019), o que indica, por outro lado, que as licenciaturas, também pelas problemáticas apontadas, podem estar formando licenciados que enfrentam dificuldades nos processos de seleção para as carreiras estatais, visto que, apenas na Bahia, 50 vagas seriam (foram) redistribuídas pelos procedimentos que explicitamos no texto, entre graduados em quaisquer outras áreas.

5 Uma entre as disciplinas que substituiu a filosofia e outras ciências humanas no currículo do período da ditadura militar no Brasil, a partir das reformas educacionais da Lei 5.692/1971 (Brasil, 1971).

Recebido: 27 de Abril de 2021; Aceito: 02 de Dezembro de 2022; Publicado: 30 de Novembro de 2023

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