1 INTRODUÇÃO
O movimento maker é um fenômeno de origem norte-americana que aglutinou um conjunto de atores e práticas de diferentes grupos, envolvendo amadores, cientistas, educadores, empreendedores, entre outros, a fazer/criar algo com propósitos diversificados (Samagaia; Delizoicov, 2015). Nas últimas décadas, o movimento passou a se disseminar pelo mundo impactando diversos setores (Bevan, 2017; Mannrich, 2019). Muitas iniciativas se materializam na criação de espaços físicos recheados de recursos que envolvem desde equipamentos e dispositivos típicos de oficinas de marcenaria, eletrônica vinculados a equipamentos de fabricação digital, computação física e de prototipagem. De forma genérica, estes espaços ficaram conhecidos como Makerspaces (ou Espaços Maker) (Haverson; Sheridan, 2014).
No contexto do mesmo movimento, a prefeitura catarinense de São Bento do Sul (SBS) estruturou o projeto EducaMaker, com objetivo de criar espaços maker destinados a atender um público de estudantes no período do contraturno escolar. Com a instalação do um espaço na Escola Educação Básica Municipal Adélia Lutz, a perspectiva era atender, inicialmente, cerca de 640 crianças dos anos finais do Ensino Fundamental e em situação de vulnerabilidade social. O público envolve 70% de estudantes contemplados pelo programa Bolsa Família, indicadas pelo Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) e do Centro de Apoio e Formação Infanto Juvenil (CAFI) e outros 30% das 22 escolas da rede municipal de ensino, frequentando oficinas semanais com 4 horas de duração. O programa buscou, inicialmente, desenvolver quatro professores de referência efetivos da escola e dedicados 40 horas semanais ao programa, além de um coordenador e outros professores interessados (São Bento do Sul, 2021).
Um dos desafios para viabilizar com êxito o projeto envolve a formação das equipes de educadores que se apropriem de questões pedagógicas, curriculares e tecnológicas associadas ao projeto. Além da apropriação da cultura maker e de sua transposição para um contexto marcado pela cultura escolar, a realização do projeto demanda que os educadores desenvolvam condições de acolher os estudantes por meio de formas engajadoras de ensinar e aprender apropriadas ao contexto da comunidade e dos espaços criados.
A perspectiva ético-crítica é demandada nesse contexto quando o projeto EducaMaker se justifica pelo papel que pode desempenhar em relação à transformação da realidade dos estudantes em situações de vulnerabilidade, reconhecendo nestes o protagonismo do seu processo de desenvolvimento e de transformação de suas realidades. Conforme Dussel (2000), nos referimos a uma ética material que exige uma tomada de posição em relação à negatividade das vítimas geradas pelo sistema de totalidade vigente, ao mesmo tempo que reconhece nas comunidades de vítimas o protagonismo em relação à construção de superação das situações de sofrimento em que estão imersos.
Nesse ínterim, o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação e Tecnologia Ético-Crítica da Universidade Federal de Santa Catarina - Prosa UFSC - conduziu um processo coformativo com professores da escola convidados pela Secretaria da Educação a participar como educadores do projeto EducaMaker. O principal objetivo do grupo foi promover reflexões ético-críticas que produzissem suporte teórico-prático à apropriação de elementos do movimento maker na educação pelas equipes docentes da rede.
O presente trabalho tem como objetivo descrever e tecer reflexões a respeito do processo formativo realizado. Esperamos que o texto seja um material de apoio reflexivo a propostas formativas vinculadas a pensar o movimento maker na educação. A questão que subsidia as análises realizadas envolve entender a natureza das compreensões e reflexões desenvolvidas pelos professores a respeito de desafios no processo de apropriação do projeto em questão, bem como discutir a própria estrutura da formação realizada.
2 UM BREVE OLHAR SOBRE O MOVIMENTO MAKER
A partir do início deste século notamos um número crescente de iniciativas e adeptos, de forma mais explícita e estruturada, ao que ficou mundialmente conhecido como “movimento maker”, uma extensão da cultura “Faça Você Mesmo” (Do It Yourself - DIY) ou “Faça com Outros” (Do It With Others - DiWO). A palavra de origem inglesa “maker” está associada à ideia de produzir, construir, fazer, remete àquele que faz algo, que coloca a “mão na massa”. Características transversais ao movimento remetem à prática de criar coisas de caráter físico e/ou digital, resultante do desejo individual ou de objetivos partilhados por coletivos, bem como a prática de compartilhar projetos e colaborar no desenvolvimento destes (Anderson, 2012; Dougherty, 2013; Hatch, 2014).
O texto “O Manifesto do Movimento Maker: Regras para Inovação no Novo Mundo dos Artesãos, Hackers e Reformadores” 1 escrito por Mark Hatch (Hatch, 2014) encontramos nove princípios que influenciaram diversas apropriações maker: faça (make); compartilhe (share); presenteie (give); aprender (learn); equipe-se (tool up); divertir-se (play); participe (participate); apoio (support); mude (change). O movimento maker materializado nos princípios citados vai muito além da ideia simplificada de fazer que o termo maker pode incitar. Os princípios, tomados como inspiração e não como determinantes, refletem uma filosofia que suscita o fazer, mas também implica em redes colaborativas para fazer, ensinar e aprender. O movimento pode ser compreendido como um ecossistema que possui o fazer como um pilar central, que envolve pessoas, ferramentas (físicas e/ou digitais) e diversas infraestruturas de colaboração em comunidade (espaços físicos e digitais).
Na visão de Dougherty (2013), os makers compartilham um sentimento de oposição à sociedade do consumo em que o indivíduo seria definido pelo que possui/compra. Há uma sensação de que eles podem fazer ou podem aprender a fazer, ou seja, uma relação de empoderamento para com o mundo. Para o autor, essa é uma poderosa ideia com potencial de influenciar processos educacionais, entre elas, “tornar [os indivíduos] agentes de mudança em suas vidas pessoais e em sua comunidade” (p. 3). Nesse ínterim, Martin (2013) destaca quatro aspectos associados ao “maker mindset” que afetam a educação. O primeiro envolve a brincadeira, a diversão e o interesse, uma vez que esses comportamentos aumentam o engajamento dos indivíduos com aquilo que estão fazendo. O segundo se relaciona com incentivos positivos ao desenvolvimento do indivíduo, de modo a estimular que todos possam aprender e fazer aquilo que desejam. O terceiro está associado a encarar o erro (ou falha) como algo positivo, que faz parte do processo de explorar uma nova ideia. O quarto está vinculado a processos colaborativos, implicando, essencialmente, estímulo ao compartilhamento de projetos e ideias de modo que uns podem ajudar outros.
No âmbito educacional, pesquisas têm buscado superar visões reducionistas no sentido de problematizar o simples fazer como sinônimo de aprender (Valente; Blikstein, 2019; Blikstein; Valente; Moura, 2020), bem como entender e situar o movimento maker na educação em uma perspectiva crítica (Blikstein, 2013; Barbosa e Silva, 2017; Soster, 2018; Moura, 2019). Assim como o Construcionismo de Seymour Papert, a visão freireana de educação tem sido vinculada como um dos pilares do que podemos chamar de educação maker (Blikstein, 2013; Soster, 2018), haja vista que para alguns autores o resultado dessa perspectiva educacional seria a emancipação dos indivíduos. Portanto, pensarmos em processos éticos e críticos no contexto de formações docentes torna-se um importante elemento a ser considerado na implantação de práticas educacionais progressistas e contemporâneas (Soster; Almeida; Silva, 2020). Nesse sentido, elementos que estruturaram a formação desenvolvida estão vinculados a problematizar a ideia de que o movimento maker se resumiria à inserção de tecnologias físicas e digitais na educação com foco no fazer e com um fim em si mesmo. Ainda, buscamos fazer emergir discussões que permitissem aos professores explicitar e discutir coletivamente sobre as finalidades educacionais das atividades a serem desenvolvidas com os estudantes, no sentido de aproximar o projeto EducaMaker ao contexto de necessidades dos estudantes em suas realidades, principalmente aqueles em situações de vulnerabilidades sociais, apoiando-se na abordagem e laboratórios maker como ferramenta para o protagonismo de uma racionalidade ética-crítica: da denúncia de situações de sofrimento vivenciadas ao anúncio comunitário de suas superações.
3 PRESSUPOSTOS DE UM PROCESSO DE FORMAÇÃO ÉTICO-CRÍTICO
No âmbito educacional, nos referimos à “educação ético-crítica”, tal como Silva (2004), Brick (2017) e Pinheiro e Brick (2023), como sinônimo de “educação libertadora, ou “pedagogia do oprimido”, conforme esta é desenvolvida por Paulo Freire (2019). Entretanto, considerando as múltiplas interpretações feitas do pensamento de Paulo Freire, adjetivo “ético-crítico” têm a função de reforçar a ênfase na compreensão de que o sistema de totalidade vigente que produz vítimas (Dussel, 2000) se reinventa, assim como as comunidades de vítimas, protagonistas do processo de libertação. Se trata de não essencializar os sistemas de opressão na busca pelas explicações sobre quais seriam as formas últimas de opressões estruturantes, como uma forma de “domesticar a realidade” (Freire, 2019). Daí que falar em educação ético-crítica permite enfatizar também a necessidade permanente de "realização" de leituras das realidades locais em relação à totalidade vigente. Ou seja, uma educação ético-crítica diz respeito ao processo de totalização da realidade, é um processo dialógico-problematizador, de formação permanente, que se dá por meio da escuta (Silva, 2004).
É importante refletir que um processo educativo dialógico vai além do simples diálogo uma vez que para Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2018, p. 149) “A dialogicidade do processo diz respeito à apreensão mútua dos distintos conhecimentos e práticas que os sujeitos do ato educativo - alunos e professores - têm sobre situações significativas”. A sugestão dos autores é a de identificar, na fala de estudantes, as situações que vivenciam para que, depois de problematizadas, possam ser selecionadas temáticas que tenham centralidade no processo educativo. A partir destas temáticas é que o corpo docente multidisciplinar elege os conhecimentos científicos a serem aprofundados, pensando no maior entendimento estudantil acerca de suas próprias vivências. Como forma de organizar os momentos de uma interação dialógico-problematizadora, os autores desenvolvem, de forma teórico-prática, os três momentos pedagógicos, são eles: 1) “Estudo da realidade”, referente à codificação (Freire, 2019), ou seja, à identificação de como a comunidade (nesse caso, estudantes) compreendem e comunicam as situações que enfrentam; 2) “Estudo científico”, correspondente à problematização das ideias de senso comum que surgem do diálogo docentes-discentes; 3) “Aplicação do conhecimento”, que permite a ampliação dos conhecimentos construídos para outros fenômenos das vivências da comunidade, momento que Silva (2004) têm caracterizado como “plano de ação”, tendo em vista a ênfase de que não se trata de aplicações mecânicas do conhecimento, mas da sua mobilização coletiva, praxiológica, em relação à superação das situações de sofrimento, de opressão, que geram vítimas, presentes no tema gerador abordado.
Assim como Freire (2019) fala do protagonismo dos oprimidos, Dussel (2000) reitera a importância do reconhecimento dos indivíduos enquanto parte da “comunidade de vítimas”, vítimas produzidas pelo sistema de totalidade vigente. Enquanto comunidade de vítimas do sistema-mundo que vivenciamos, se coloca diante de nós, como imperativo ético, o desafio de transformar a realidade injusta da qual somos vítimas, mas da qual também fazemos parte. Para isso, é fundamental tomar como pauta, como objeto de conhecimento em situações educativas (Brick, 2017), as situações de opressão existentes, bem como mobilizar os conhecimentos técnico-científicos e populares pertinentes à sua superação e assim para a construção de uma outra realidade. Em termos planetários, poderíamos falar em “uma outra globalização” (Santos, 2008), para além de uma fábula, vendida e comprada como ideia hegemônica, e da globalização enquanto perversidade, sentida pela comunidade de vítimas muitas vezes invisibilizada.
Reconhecer a existência da realidade injusta e com isso o imperativo ético de realizar sua transformação, pode ser compreendido como uma das características principais de um processo de formação na perspectiva ético-crítica. A educação maker se insere na discussão, posto que não basta “fazermos nós mesmos”, construindo materiais e conhecimentos que servem à reprodução do sistema de totalidade vigente, seja ativamente estimulando valores como consumo, o individualismo ou passivamente como uma nova forma de entreter e desenvolver cognitivamente os sujeitos. É necessário que utilizemos a potencialidade das práticas maker como forma de conhecer e romper com a reprodução das situações de sofrimento humano, para que os produtos, materiais e conhecimentos construídos no âmbito dos espaços makers façam parte da edificação de uma sociedade diferente.
4 CARACTERÍSTICAS DO PROJETO EDUCAMAKER
O envolvimento do Prosa com o projeto Criar: Educamaker visou, com base nas demandas da Prefeitura de São Bento do Sul, contribuir com os desafios pedagógicos da instauração de laboratórios maker na rede de ensino do município, também intencionando fortalecer os laços com projetos externos ao círculo acadêmico universitário. Esse movimento foi realizado a partir do projeto EducaMaker, cujos objetivos envolvem a implantação de novas tecnologias que permitam o desenvolvimento de práticas criativas e inventivas na elaboração de soluções significativas aos contextos de vida dos estudantes. O projeto cita ainda, entre outros elementos, as competências gerais 2 e 5 da Base Nacional Comum Curricular - BNCC (Brasil, 2017), associados a desenvolver processos típicos do fazer científico, bem como da apropriação de tecnologias nesses percursos, e tem como objetivo geral:
Contribuir com a melhoria da qualidade de vida de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, promover e defender seus direitos e com o desenvolvimento de competências fundamentais para nossos tempos, oferecendo ao estudante a oportunidade de vivenciar na prática conceitos interdisciplinares, desenvolvendo o raciocínio lógico, analítico e crítico e estimulando noções de criatividade, trabalho colaborativo e habilidades e conhecimento científico, incentivando o desenvolvimento integral do estudante por meio de projetos que abrangem diferentes áreas do conhecimento, utilizando a tecnologia em propostas de soluções para questões de interesse de toda a sociedade (São Bento do Sul, p. 8).
A organização curricular intenciona que os laboratórios estejam articulados em quatro oficinas temáticas: Tecnologia e Robótica; Matemática e Programação; Ciências e Invenções; Comunicação e Mídias, de 4 horas semanais cada. As oficinas devem acontecer no contraturno, e os professores foram convidados a participar da co-formação para compreender melhor o movimento e se identificarem (ou não) como potenciais educadores do projeto.
Destacamos que o projeto EducaMaker, por ser realizado no contraturno e com caráter não obrigatório, pode ser alocado no contexto de educação não formal, o que implica uma disposição e flexibilidade curricular diferente das atividades regulares formais da escola formal (Gohn, 2006). Além disso, 70% do público a ser atendido, estudantes de 5º ao 9º ano do ensino fundamental, provém de um contexto de vulnerabilidade social. Portanto, um dos desafios colocados a esse processo de formação foi constituir um espaço para que os professores envolvidos pudessem refletir a respeito de como características da educação maker podem promover a inclusão e potencializar o desenvolvimento dos estudantes.
5 ESTRUTURA DA PROPOSTA DE CO-FORMAÇÃO DOCENTE
A formação ocorreu em contexto das restrições epidêmicas de Covid-19. O núcleo do Prosa está localizado no campus da UFSC na cidade de Florianópolis, localizada a 250 km da cidade de São Bento do Sul. Portanto, as ações formativas se deram 100% virtuais da seguinte maneira: nove encontros síncronos semanais de 4 horas que ocorreram aos sábados; um encontro assíncrono via ambiente do Moodle.
Os encontros síncronos foram realizados a partir de exposições de aspectos centrais de desafios e obstáculos vivenciados em espaços maker que visam suscitar o diálogo entre o(a)s participantes, em uma perspectiva ético-crítica, ou seja, partindo da busca por identificar de forma coletiva e participativa as necessidades formativas dos participantes do processo formativo. A estrutura programática do curso foi inspirada nos três momentos de Delizoicov (1991), com os seguintes tópicos: “Estudo da realidade”; “Estudo científico” (aqui denominado “sistematização do conhecimento”) e “Aplicação do conhecimento”, o qual chamamos de planejamento de ações, posto que os professores ainda não estavam atuando nos espaços maker. As atividades assíncronas apresentavam cunho preparatório para debates sobre desafios e obstáculos da gestão e uso de um laboratório maker. O Quadro 1 expõe a ideia central de cada encontro.
Quadro 1 Organização dos encontros de co-formação maker com o(a)s professore(a)s da rede municipal de ensino de São Bento do Sul
TÓPICO 1 - ESTUDO DA REALIDADE | |
02/10 | Mesa de Abertura Secretaria Municipal de São Bento do Sul Apresentação do Prosa + cronograma inicial Apresentações pessoais e expectativas |
09/10 |
Desafios vigentes das práticas ensino-aprendizagem Desafios da prática vigente Mini-oficina: Moodle Groups |
16/10 | Contexto de atuação - Projeto “Criar: EducaMaker” Identificar principais objetivos, desafios, dúvidas e aspectos para aprofundar (educação formal x não formal) |
23/10 | Construção de um plano de aprofundamento Problematizações + discussão e encaminhamento do plano de aprofundamento, Pesquisa e planejamento (Protagonismo - cultura maker/hacker) |
TÓPICO 2 - SISTEMATIZAÇÃO DO CONHECIMENTO | |
30/10 | Pensar x fazer (aprender, pesquisar, conteúdos) - Cultura Maker/Hacker |
06/11 |
Roda de conversa: Desafios da Gestão do espaço Maker Desafios relacionados às Oficinas Criar Tecnologia e Robótica; Criar Matemática e Programação; Criar Ciências e Invenções; Criar Comunicação e Mídias. |
13/11 | Atividade assíncrona na plataforma Moodle |
TÓPICO 3 - PLANEJAMENTO DE AÇÕES | |
20/11 | Pesquisa e planejamento de oficinas |
27/11 | Formação para os pares sobre o Lab |
04/12 | Avaliações/Pesquisa sobre a própria prática |
Fonte: Autores (2022).
Os quatro primeiros encontros, indicados no Quadro 1, fazem parte do Tópico denominado “estudo da realidade” e foram organizados com o objetivo de compreender o contexto com o qual se estava dialogando. O primeiro encontro se baseou, principalmente, nas apresentações do Prosa e do(a)s professores e outro(a)s funcionário(a)s da rede municipal de São Bento do Sul participantes da coformação.
Já o segundo encontro, foi destinado a conhecer a realidade escolar enfrentada pelo(a)s professore(a)s do município. A partir do desafio mais citado, mostramos algumas imagens, manchetes de notícias e vídeos curtos2, pensando na identificação do(a)s docentes com a temática que foi discutida em subgrupos. A continuação da atividade envolveu a apresentação de uma reflexão sobre a cultura maker como um dos caminhos para o possível enfrentamento do desafio aprofundado.
A fim de conhecer mais profundamente o projeto, no terceiro encontro convidamos os profissionais da Secretaria Municipal de São Bento do Sul (professore(a)s e gestores da rede municipal) envolvidos diretamente na sua elaboração, para apresentarem os principais objetivos e configuração das oficinas a serem desenvolvidas. Além disso, solicitamos que apresentassem a lista de recursos a serem disponíveis nos espaços e suas principais aplicações. Após a apresentação, seguimos discutindo em pequenos grupos a respeito da importância do projeto a partir de perguntas norteadoras: Por quê? O quê? Para quê? Como? A discussão foi finalizada com o compartilhamento das reflexões no grande grupo.
Para o quarto encontro, foram abordados mais aspectos de cada uma das oficinas do projeto EducaMaker: Tecnologia e Robótica; Matemática e Programação; Ciências e Invenções e Comunicação e Mídias, a partir da situação explicitada no Quadro 2.
Quadro 2 Discussão sobre as oficinas do projeto Criar: EducaMaker
As oficinas em CONTRATURNO contemplarão propostas e soluções para questões de interesse da sociedade local (micro) como da sociedade mundial (macro). A intencionalidade é de dar oportunidade e condições para que os estudantes construam através de ideias inovadoras, soluções para problemas do mundo real e a sustentabilidade, aliando o conhecimento escolar à prática. (São Bento do Sul, 2021, p. 11) A fim de gerar uma discussão entre os grupos, utilizamos uma tirinha da personagem Mafalda (do cartunista Joaquín Quino) em que há um diálogo questionador acerca da necessidade de aprender a escrever “papai fuma cachimbo” em um país em que o cachimbo não é popular. Como podemos pensar as oficinas desenvolvidas nos laboratórios maker das escolas para que sejam interdisciplinares, atendam às expectativas e façam sentido tendo em vista as vivências do(a)s estudantes? |
Fonte: Autores (2022).
Com base nos quatro primeiros encontros e na possibilidade de aproximação e reconhecimento do(a)s participantes, iniciou-se o segundo tópico da co-formação, intitulado “Sistematização do conhecimento”, voltado para o aprofundamento dos conhecimentos e práticas maker. Assim, o quinto encontro teve o objetivo de reflexão sobre as práticas maker, enaltecendo a fundamentalidade da criticidade durante as atividades que são desenvolvidas com base na cultura maker. Assim, em um primeiro momento do encontro, em pequenos grupos, o(a)s professore(a)s precisaram cumprir desafios, usando o programa Tinkercad3 sem muita instrução e intervenção dos formadores. Na sequência, comparou-se a realização da atividade com os princípios para uma educação hacker defendida por Pretto (2015).
O sexto encontro foi dividido em dois momentos. No primeiro, houve a avaliação coletiva de duas versões de planejamento de ensino sobre um problema vivenciado em uma comunidade periférica distante de São Bento do Sul, com a intenção de evidenciar as potencialidades e a relevância da realização coletiva e reflexiva dos planejamentos, bem como a possibilidade de abordagem de temáticas sociais a serem exploradas na escola. No segundo momento, houve a participação de duas professoras da rede municipal de Joinville (SC) que compartilharam experiências em laboratórios maker nas escolas onde trabalham, enaltecendo a potencialidade das práticas desenvolvidas para o(a)s estudantes e as possibilidades de projetos que podem ser desenvolvidos4.
Além do movimento proposto durante a co-formação de compartilhamento de materiais pelo Moodle - o qual não apresentou grande adesão, apenas dois professores interagiram no fórum, por exemplo -, constava desde o planejamento inicial a realização de uma atividade assíncrona para que houvesse um momento de troca de materiais e de reflexões. Assim, criamos um fórum no Moodle do curso para que esse diálogo fosse estabelecido, constituindo o sétimo encontro, de forma assíncrona, o qual iniciou a terceira etapa do curso: o “planejamento de ações”.
Por fim, após uma maior aproximação com experiências maker, no oitavo encontro, foi possível planejar o terceiro tópico da co-formação referente ao “planejamento de ações”. Inicialmente, no entanto, foi necessário finalizar as duas discussões abertas no encontro síncrono anterior (sexto encontro), posto que foram enunciadas muitas questões relevantes para o aprofundamento. Deste modo, foram retomados recortes das falas das professoras convidadas, consideradas importantes, ou até controversas quanto às ideias que os grupo já haviam discutido em momentos anteriores. Com relação à atividade de avaliação coletiva de duas propostas sobre o problema de uma comunidade5, retomamos temas que surgiram nas falas dos professores, mas que não chegaram a ser aprofundadas na ocasião, como: elementos de um planejamento que podem ser apresentados aos colegas para realização de uma avaliação coletiva; conflitos/constrangimentos ao avaliar o planejamento de colegas; insegurança para abordagens de questões éticas na escola; dificuldade para identificação de conceitos que sejam coerentes para serem trabalhados de acordo com a faixa etária do(a)s estudantes; em que medida é possível alterar o planejamento docente no sentido de desenvolver novas abordagens e ao mesmo tempo atender o currículo.
No nono encontro, utilizando os planejamentos a partir de problemas da comunidade desenvolvidos nos encontros anteriores como exemplo, identificamos situações significativas e recorrentes no contexto de São Bento do Sul. Os professores, separados em dois pequenos grupos, elaboraram e apresentaram uma proposta inicial de planejamento destinado a ser implementado nas oficinas maker e voltado para contemplar cada um dos temas eleitos por ele(a)s. Um dos grupos abordou a poluição sonora, e o outro a infrequência escolar decorrente da vontade/necessidade do(a)s estudantes de se inserirem no mundo do trabalho.
No décimo e último encontro foi organizado um momento de avaliação coletiva dos encontros e atividades que realizamos no projeto de coformação, após a apresentação de uma retrospectiva de todos os encontros. Terminadas as avaliações, compartilhamos um exemplo de prática maker no contexto do contraturno educacional preocupada com a realidade do(a)s estudantes, descrito por Mannrich, Cordova e Moterle (2019).
Assim, durante os dez encontros estivemos atentos às interações ocorridas e às ideias reverberadas, em um processo de auto-observação. Gutiérrez e Delgado (1998) descrevem a auto-observação como uma investigação social, a partir da observação de nós mesmos e das nossas relações, estabelecidas a partir das linguagens, com nossos pares próximos:
[...] a auto-observação é prescrita como um modo de observação endógeno adequado se assumirmos um princípio de relatividade universal das observações, um princípio de incerteza (ao investigar estamos atuando e transformando), a inclusão do observador nas descrições e a existência de uma pluralidade de pessoas que utilizam uma linguagem comum (Gutiérrez; Delgado, 1998, p. 156, tradução nossa).
Uma vez que a nossa participação no projeto se deu de forma colaborativa (foi uma coformação, em que todos os participantes se envolveram e contribuíram de alguma forma), nos caracterizamos também como professores da coformação, a qual só ocorreu devido à colaboração de todos, por isso estamos interessados nesta auto-observação.
6 REFLEXÕES SOBRE A COFORMAÇÃO DOCENTE
Todos os encontros, com exceção do último, foram gravados com o devido consentimento dos participantes, na plataforma do Google Meet. Além disso, no primeiro encontro os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) devidamente registrado ao responderem um questionário inicial. Além das gravações, durante as reuniões de planejamento e da execução das próprias formações, os autores realizaram anotações a fim de sintetizar falas dos participantes. Todo esse material serviu como base para a construção das reflexões aqui apresentadas.
No questionário disponibilizado no primeiro encontro, obtivemos dez respostas, o que nos permitiu ter uma percepção inicial do perfil dos participantes interessados na formação, como podemos ver no Quadro 3:
Quadro 3 Perfil dos participantes da formação
Idade | Anos de experiência com educação | ||
---|---|---|---|
20 e 29 anos | 20% | 1 e 9 | 20% |
30 e 39 anos | 30% | 10 e 15 | 40% |
Acima de 39 anos | 40% | Acima de 15 | 30% |
Fonte: Autores (2022).
A maior parte dos professores tinha mais de nove anos de experiência em educação e se mostrava interessada em compreender novas formas de ensino-aprendizagem ao participar da formação. Um dos professores, por exemplo, compartilhou que, apesar de faltarem poucos anos para sua aposentadoria, estava interessado em conhecer novas formas de ensinar. O convite para participar da formação se deu para toda a rede e houve pouca adesão, com cerca de uma dezena de participantes efetivos ao longo dos encontros. Com relação à formação inicial, o grupo se mostrou bastante variado: cinco (5) com formação em matemática; um (1), em linguagens português/inglês; um (1), em biologia; um (1), em pedagogia; um (1), em informática (sistemas de informação e um (1) em história e em engenharia mecânica.
6.1 Desafios à prática docente
A partir do questionário aplicado no início da formação, pudemos identificar alguns desafios a serem superados. As respostas acerca da familiaridade com o movimento maker podem ser visualizadas no Gráfico 1, construído com as respostas dos dez participantes:
Notamos que a maior parte dos professores (70%), apesar de possuir algum conhecimento dos termos, o reconheciam como incipiente. Assim, buscamos identificar a familiaridade com tecnologias comumente associadas ao movimento maker (Figura 1), algumas previstas no conjunto de equipamentos do projeto da prefeitura de SBS.

Fonte: autores (2022).
Figura 1 Familiaridade dos professores com tecnologias comumente vinculadas à educação maker
Os resultados corroboram a percepção dos professores, de modo que cerca de 80% dos participantes não conheciam as tecnologias indicadas ou ouviram falar, mas nunca interagiram. Ou seja, o cenário de implantação do programa EducaMaker mostra-se desafiador também pela novidade que representava o movimento maker e as tecnologias correlatas para os participantes. Destacamos que a formação proposta teve como foco criar um espaço seguro de reflexão e cooperação entre os professores, que em parte não se conheciam, a partir da identificação e aprofundamento em desafios que eles vivenciavam e vislumbravam em relação ao projeto EducaMaker. O foco consistia menos em vivenciar o próprio espaço maker, que estava naquele período em construção, e mais em contribuir com a geração de condições para troca permanente entre esses professores que protagonizariam junto com seus estudantes as atividades do projeto EducaMaker.
Acerca dos desafios associados a situações de ensino-aprendizagem enfrentados pelos professores, as respostas dos questionários e as interações em encontros nos permitiram identificar que 60% do(a)s professores apontam o desinteresse do(a)s estudantes como o maior desafio para a prática docente no município; 40% citaram dificuldades atreladas a ensinar o conteúdo; 20% considerar a realidade do(a)s estudantes. Além destes, ao longo dos encontros outros desafios foram citados: indisciplina dos estudantes; diversidade de estudantes; superar o repasse mecânico de conteúdos; falta de infraestrutura/investimento; formação de professores; desvalorização docente. Ao mesmo tempo, os professores, quando questionados a respeito do potencial do projeto, citaram aumentar o interesse dos estudantes pelos estudos, além de outros aspectos como promover a autonomia, relação teoria-prática com as disciplinas, desenvolvimento do raciocínio lógico, analítico e crítico, desenvolver senso de maior envolvimento com a comunidade, vivenciar na prática conceitos interdisciplinares, estimular a criatividade, o trabalho colaborativo e o conhecimento científico.
Baseados na formação desenvolvida, agrupamos desafios docentes no contexto do projeto em quatro dimensões: (1) Tecnológica - inserção de ferramentas e tecnologias que ainda não estão acostumados a utilizar em situações de ensino ou em suas vidas; (2) Motivacional - tanto do ponto de vista docente quanto estudantil; (3) Inovações metodológicas - buscar e implementar ideias/ferramentas para inovar as práticas; (4) Identidade docente - adequar-se a processos pedagógicos mais flexíveis em que nem toda a dinâmica e conhecimento sobre o que se irá trabalhar está centrado e dominado no/pelo professor(a).
(1) Tecnológica: em diversos momentos ficou evidente que a apropriação das ferramentas tecnológicas vinculadas ao projeto EducaMaker mostraram-se um grande desafio. Além das respostas ao questionário, em outros momentos os professores indicaram a necessidade de formação para aprenderem como utilizá-las em sala de aula de modo a remodelar suas práticas. Também esteve muito vinculada à necessidade de pensar o contexto dos quatro temas propostos à estrutura das oficinas previstas no projeto para serem ofertadas aos estudantes. Esse elemento foi reforçado na avaliação final da formação, e apontado como um ponto a ser avançado em outras formações. Para o grupo, era fundamental a discussão acerca da potencialidade das práticas maker no sentido da transformação social, sobretudo pensando que estudantes público-alvo do projeto seriam estudantes em vulnerabilidade. Além disso, não foi possível aprofundar a discussão sobre a utilização das ferramentas e tecnologias não conhecidas pelos docentes devido à indisponibilidade de materiais em processo de aquisição pela prefeitura e o caráter virtual das formações realizadas no contexto da pandemia. Nesse sentido, mesmo com todas essas limitações logísticas, vivenciar coletivamente o desafio de fazer funcionar uma lâmpada e um buzzer 6 em um simulador virtual de placa de arduino, evidenciou a potência das dificuldades que temos em imergir em uma cultura maker em contraste com a lógica de formação predominante na qual temos uma pessoa que sabe dizendo como fazer a quem “supostamente não sabe”.
(2) Motivacional: a dimensão aparece com enfoques distintos, docente e estudantil. Como exemplo, os professores citaram a baixa adesão de seus colegas na formação proposta, mas também vinculado à oferta de formações que atendam as expectativas docentes, bem como valorização profissional e outros fatores intrínsecos e extrínsecos à docência como dedicação e carga horária extras. O enfoque estudantil recebeu mais atenção do grupo, em que atribuiu a desmotivação a problemas sociais e econômicos, mas também a dificuldades dos professores e da própria escola em mostrar-se atrativa de modo que os conhecimentos ali tratados sejam explicitamente significativos aos estudantes. Um ponto de destaque envolve a grande atratividade dos jovens às oportunidades de emprego regionais sem exigência de formação, sendo, segundo os professores, um fator bastante relevante na manutenção ou não dos estudantes na escola, em especial no ensino médio. Nesse sentido, vemos a importância de que esses espaços maker sejam utilizados visando à problematização dessa realidade, e trazendo práticas que busquem responder aos problemas da comunidade.
(3) Inovações metodológicas: os professores citaram desafios associados à escassez de tempo e mecanismos que permitam compartilhar práticas entre os pares com qualidade; insegurança com o resultado que as mudanças nos planejamentos podem produzir; preocupações em relacionar os conteúdos disciplinares às novas abordagens, ainda que o projeto se trate de uma proposta em contraturno; insegurança quanto aos limites éticos, políticos e curriculares atribuídos à atuação docente; elaborar estratégias diferenciadas de avaliação; questões atreladas à segurança no uso de determinados materiais e equipamentos; tempo para continuar estudando/pesquisando/aprendendo; dificuldades em planejar práticas a partir de temas emergentes/significativos do contexto dos estudantes. A construção de práticas humanizadoras em uma perspectiva ético-crítica necessita de um trabalho profundo com as comunidades e com os pares de professores. Não é um processo trivial, sobretudo quando a formação docente e as próprias expectativas sobre suas práticas profissionais estão estreitamente relacionadas com a prática de transmissão de conteúdos, de reprodução de exercícios, com base em ideias de uma construção científica linear e neutra (Delizoicov; Angotti; Pernanbuco, 2018). Com base nisso, reiteramos a crucialidade de tornarmos esse diálogo cada vez mais comum nos cursos de formação continuada com docentes.
(4) Identidade docente: os professores citam que nem sempre as novas abordagens são compreendidas e aceitas de imediato pela comunidade escolar, havendo resistência inclusive por parte de seus pares; que professores precisam repensar sua posição de poder de detentores do conhecimento, o que pode ser potencializado pelos espaços maker, e o que caracteriza uma pedagogia ético-crítica desde o seu ponto inicial, visto que nessa perspectiva “o diálogo já começa pela busca do conteúdo programático” (Freire, 2019) de forma participativa com estudantes e comunidade, a fim de identificar as possíveis contradições locais e identificar os conhecimentos e tecnologias demandados pertinentes à busca da compreensão e superação da situação.
Muitos dos desafios apresentados transcendem os limites do projeto EducaMaker, mas o afetam diretamente, uma vez que são todos elementos que condicionam relações de ensino-aprendizagem e o desenvolvimento de conhecimentos e estratégias docentes abarcadas pelo contexto de atuação no projeto. Por outro lado, a proposta das oficinas maker são citadas como alternativas para aproximar os jovens das escolas, de seus contextos locais, e promover o desenvolvimento de habilidades com capacidade de transformá-los. Fica evidente, no entanto, o papel central dos professores no processo de repensarem a si mesmos como educadores e permitirem-se explorarem novas formas de ensinar (e aprender). Ao mesmo tempo, o projeto se consolidará com o devido apoio do poder público na sensibilização, formação e sustentação docente, sob pena do potencial inovador do projeto se perder pela falta de investimento nos professores protagonistas da proposta, tanto na forma de tempo dentro da carga horária para planejamento e autoformação, quanto na valorização simbólica e mesmo salarial, gerando condições para imersão e dedicação condizente com um processo de mudança cultural que começa neles e se capilariza para os seus estudantes.
Quanto ao desafio de pensar em abordagens que considerem o contexto da comunidade escolar e potencialmente sensíveis aos estudantes, os professores escolheram trabalhar com dois temas, a partir do levantamento feito em função dos temas relevantes à comunidade: (a) poluição sonora produzida pelos integrantes da comunidade e (b) infrequência escolar atrelada à necessidade/interesse dos estudantes a ingressarem no mercado de trabalho. Divididos em dois grupos, os professores tiveram que pensar em estratégias para abordar os temas no contexto de práticas maker, também considerando a organização nos três momentos pedagógicos (Delizoicov, 1991). As ideias de cada grupo estão organizadas no Quadro 4.
Quadro 4 Organização dos encontros de coformação maker com o(a)s professore(a)s da rede municipal de ensino de São Bento do Sul
(a) POLUIÇÃO SONORA | (b) INFREQUÊNCIA ESCOLAR | |
Problematização inicial | ||
1. Por que as pessoas fazem "barulho"? Por que as pessoas precisam fazer "barulho"? Posicionamentos do grupo: ostentação; frustração quanto à impossibilidade de sucesso na carreira musical (como DJ, por exemplo); desocupação; falta de locais apropriados; aspectos culturais 2. O que motiva os meninos a fazerem “barulho” com carro, moto, som? 3. O que as meninas pensam sobre os meninos fazendo “barulho”? (Esta pergunta foi feita devido à concepção do grupo de que os meninos que fazem “barulho” o fazem para chamar a atenção das meninas) 4. Há espaços na comunidade voltados para o lazer do(a)s jovens? Qual a importância do lazer? 5. Existem “barulhos” mais atrativos (ou menos problemáticos) do que outros? 6. O que torna “barulhos” agradáveis ou desagradáveis? Há níveis diferentes de “barulho”? Quando o “barulho” pode ser “irritante”? Quando um som intenso “ajuda” e quando “atrapalha” (em relação ao trabalho por exemplo)? 7. O que é “cultura musical” (indústria cultural)? Qual a “cultura musical” prevalente no grupo/turma/comunidade? Por que o(a)s jovens apreciam determinados tipos específicos de música que às vezes não são atrativos para as outras pessoas? Existe uma “cultura musical” melhor, mais culta, do que a outra? |
1. O que gera a infrequência? Fábricas, desinteresse, uso de drogas, atividades pouco atrativas… 2. Por que o(a)s estudantes têm tanta vontade de trabalhar? Contexto social, poder aquisitivo, amizades…Valorização social? 3. O que é a cultura juvenil? Por que ele(a)s querem adquirir determinados produtos? Como a mídia influencia no consumo juvenil? (comprar vs. fazer/criar) 4. Qual o impacto do consumo dos produtos? Obsolescência programada, problemas ambientais… (lixo - para onde vai?) 5. Como o(a)s estudantes se programam financeiramente para iniciar a consumir? 6. Como acontece a organização do tempo de trabalho do(a)s jovens? Como ficam os estudos nessas situações? (Como é a organização do tempo de trabalho de modo geral na sociedade?) |
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Aprofundamento teórico | ||
(c) POLUIÇÃO SONORA | (d) INFREQUÊNCIA ESCOLAR | |
- Comparação entre o mecanismo de audição do ser humano e de alguns animais (por exemplo mostrando a sensibilidade auditiva dos cachorros); - Níveis de audição e problemas fisiológicos (perda auditiva); - Como medir o nível de “barulho”?; - Legislações. O que rege princípios de cidadania sobre “barulho”? (Temas como zoneamento…); - Estudar os ambientes de trabalhos dos pais e a questão da insalubridade vinculada ao “barulho”; - Noções básicas de teoria musical; - Interpretação de letras musicais; - Aspectos matemáticos da música (escalas...). |
- Educação financeira; - Sustentabilidade; - Capitalismo. - |
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Plano de ação | ||
(e) POLUIÇÃO SONORA | (f) INFREQUÊNCIA ESCOLAR | |
- Análise e construção de memes; - Como funciona e construção de um decibelímetro; - Qual seria um “protocolo” ideal para “fazer barulho”? Como a comunidade poderia criar um e se apropriar de um “protocolo ideal” para “fazer barulho”? - |
- Oficinas envolvendo a comunidade: consumo consciente, impactos ambientais, educação financeira (já há um projeto da secretaria envolvendo esse tema)... - Possibilidade de engajamento coletivo em um trabalho de criar algo, o qual renderia um “salário” fictício ao(à)s estudantes: como funcionam as empresas? De que forma os salários são “distribuídos”? Quem consome os produtos produzidos pelas empresas?... |
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(g) POLUIÇÃO SONORA | (h) INFREQUÊNCIA ESCOLAR | |
- Construir uma “música” ideal e “tocá-la” no arduino; - Criar um álbum musical e tocá-lo no arduino (playlist justificada - discussão dos critérios - habilidade de curadoria); - Criar um mini-documentário com entrevistas; - Por em prática/ resgatar a política da boa vizinhança; |
- Levantamento fictício de gastos financeiro e de receita (trabalho com tabelas, gráficos, planejamento familiar): o(a) estudante pode pensar como agiria enquanto protagonista de um processo semanal; - Reflexão final sobre os consumos do(a)s estudantes: sobrou dinheiro, os produtos foram consumidos, quais os impactos ambientais gerados, como organizamos o nosso tempo de trabalho? |
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(i) POLUIÇÃO SONORA | (j) INFREQUÊNCIA ESCOLAR | |
- Interpretar músicas famosas e recriar letras na linha que o grupo acredita que seria o ideal… | - No dia da família na escola, podemos desenvolver uma oficina liderada pelo(a) estudantes e trazendo resultados de uma pesquisa de formulários feita a campo para a educação financeira: como funciona um cartão de crédito?... |
Fonte: Autores (2022).
Com as atividades desenvolvidas, percebemos que apesar de os dois grupos trabalharem de maneiras diferentes, foi possível caminhar no sentido de pensar práticas que abordam situações significativas para a comunidade escolar. Esta atividade durou em torno de 2 horas entre a sensibilização para a atividade, o desenvolvimento pelos pequenos grupos, a apresentação e discussão, gerando a sensação coletiva de que com mais tempo seria possível aprimorar o planejamento, tornando-o mais profundo, complexo e coerente com as finalidades pedagógicas de cada um dos grupos. Acreditamos que esta tenha sido uma experiência importante para que os docentes pensassem em outras possíveis atividades maker relacionadas com o seu contexto de atuação, sobretudo valorizando os conhecimentos e as vivências de estudantes participantes do projeto.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os encontros co-formativos envolveram professore(a)s da rede municipal de São Bento do Sul que já tinham contato com alguns materiais e equipamentos vinculados a práticas maker, em particular kits robótica Lego, ainda que a maioria dele(a)s nunca havia tido nenhuma experiência prática com o assunto. Nesse sentido, nossas abordagens estiveram sempre voltadas ao incentivo da participação do coletivo em discussões reflexivas sobre a educação maker e o seu envolvimento com situações vigentes na escola e na comunidade, as quais foram enunciadas pelo(a)s próprio(a)s docentes.
Destacamos também a baixa adesão à formação, que esteve aberta para toda a rede municipal, possivelmente decorrente do desconhecimento dos profissionais sobre as possibilidades de expansão do projeto para outras escolas e da necessidade de definição de possibilidades de sua efetiva participação no projeto. Notamos também a evasão, justificada pelo acontecimento dos encontros aos sábados e por apresentar adesão voluntária dos participantes: tivemos apenas seis concluintes dos 15 profissionais que participaram do primeiro encontro. Segundo a Abraed (2006), dentre os motivos de evasão em formações a distância apontados frequentemente estão a ausência de tempo e de condições estruturais para os cursistas. No caso analisado, destaca-se que a participação nos encontros se deu de forma voluntária fora da carga horária trabalho, aos sábados. A naturalização da demanda e por formação sem o devido suporte financeiro e estrutural entre os envolvidos demonstra, por um lado, dificuldades operacionais em promover formações de qualidade aos docentes, por outro uma potencial precarização na formação de capital humano fundamental para o sucesso de propostas inovadoras.
Um dos principais desafios à prática docente identificado envolveu a desmotivação ou desinteresse dos estudantes pela escola e demais situações que se entrelaçam a ela, aspecto recorrente e de grande importância tendo em vista a sua relação com a universalização do direito à educação escolar (Garcia; Halmenschlager; Brick, 2021), cuja análise realizada pelos professores durante a co-formação foi além de uma interpretação comum na qual se atribui unicamente o desinteresse aos estudantes ou às práticas dos professores. Sobre as situações significativas para o contexto da comunidade escolar, dialogamos, sobretudo, acerca dos problemas de poluição sonora no entorno da escola e da infrequência escolar dos estudantes decorrente do seu ingresso no mercado de trabalho. Assim, discutimos a possibilidade de a educação maker possibilitar o trabalho a partir de situações como estas, oportunizando que os espaços sejam utilizados em prol das necessidades da comunidade.
Em todos os encontros, notou-se um consenso quanto à necessidade de promover o protagonismo estudantil nas oficinas maker. Assim, o(a)s professore(a)s lembraram da necessidade de assumirem um papel de promotores das condições de aprendizagem, precisando desconstruir a visão de que são o(a)s detentore(a)s privilegiados de um suposto “conhecimento estático” (Brasil, 2021), o que ainda está enraizado em muitas das nossas práticas.
A maior parte do(a)s professore(a)s, no momento de avaliação do processo de co-formação, demonstrou um descontentamento com as discussões de natureza mais pedagógica e indicou ter sentido falta de entender melhor sobre as ferramentas que terão disponíveis nos laboratórios maker das escolas, indicando uma quebra de ritmo entre reflexão e ação no processo vivenciado. Alguns citaram preferir momentos mais objetivos, que tivessem início, meio e fim no próprio encontro. Portanto, é recomendado repensar propostas formativas em que se possam intercalar elementos teóricos e práticos. Teóricos porque assim os professores têm oportunidade de aprofundar e reconfigurar suas concepções a partir de elementos estruturantes dos objetivos éticos, políticos e curriculares que almejam atingir (Soster; Almeida; Silva, 2020). Práticos porque é no seu exercício que as reflexões irão se materializar e efetivar nas relações de ensino-aprendizagem, (Blikstein; Valente; Moura, 2020; Valente; Blikstein, 2019). Assim, um processo de formação maker com orientação ético-crítica, precisaria superar a ausência de vivências e experiências com novas ferramentas e tecnologias que dificultam a idealização de novas estratégias de ensino-aprendizagem, assim como superar a perspectiva instrumental - pragmática para a qual o ensino-aprendizagem seriam um fim em si mesmo, e não um processo humano orientado em função da superação das situações de sofrimento e sua consequente humanização.
A ênfase demandada para o entendimento das questões práticas, e não necessariamente pedagógicas, explicita o caráter tecnicista que os espaços maker podem incorporar. Portanto, se os professores não desenvolvem suas ideias e ações por meio de bases epistemológicas e pedagógicas, muitas vezes o processo de aprofundamento das compreensões não encontra alicerces profícuos para reconfigurar a identidade docente. Segundo Dussel (2014, p. 3, tradução nossa), “quando a tecnologia é concebida como um fenômeno abstrato, universal, sem relação com a realidade, pode ser fetichizada, e então perde eficácia o investimento de um Estado ou um país no desenvolvimento da ciência e tecnologia”, ou seja, mais do que pensar na tecnologia em si, é fundamental buscar compreender o contexto e as possibilidades de que a tecnologia seja uma ferramenta para a autonomia e a emancipação do(a)s estudantes, como era a proposta da co-formação.
Ainda assim, o(a)s professore(a)s citaram ter apreciado a forma de condução das atividades, sobretudo ao passo que foram percebendo a intencionalidade do processo e a proposta de planejamentos coletivos e reflexivos. Foram citados como pontos positivos, principalmente, as discussões realizadas em pequenos grupos e a participação das professoras de Joinville. Apesar de não ter sido citado, é possível depreender desse processo que a própria abertura do(a)s professore(a)s para expressarem os limites e potencialidades da co-formação é resultado de um planejamento dialógico, que visou à valorização dos conhecimentos docentes e das vivências do(a)s professore(a)s participantes, ao mesmo tempo que proporcionou outras formas de pensar a incorporação da tecnologia nas práticas escolares.
Muitos dos desafios de mobilizar a cultura maker em relação às situações de vulnerabilidade social estão além da ação direta dos professores, das escolas ou mesmo das redes de ensino das Secretarias de Educação. Não obstante, esses atores desempenham um papel imprescindível ao envolver de forma participativa a comunidade no processo de pautar as situações de vulnerabilidade como objeto de estudo-transformação e da busca por conhecimentos necessários para sua compreensão e superação - precisam ser amparados por políticas públicas de natureza participativa que articule os distintos setores. Ou seja, políticas intersetoriais estruturantes, perenes que articulem distintas Secretarias e setores em função da complexidade das vulnerabilidades sociais que precisam ser enfrentadas. Desta forma, a inserção de programas de educação ancorada no movimento e em espaços maker terá seu potencial amplificado na construção de processos educativos mais engajadores e alinhados aos ideais de formação para o exercício da cidadania crítica.