1 INTRODUÇÃO
A Internacionalização na Educação Básica1, para uma parte de estudiosos, gestores e elaboradores de políticas públicas e, mesmo, da população em geral, não está no horizonte do pensado ou possível. Talvez, nem utopia seja! Quais as razões para tal cenário ante as possibilidades de internacionalização na educação básica?
Entre os possíveis arrazoados, talvez o mais forte refere-se à questão dos fins da educação básica. É neste nível de ensino que uma nação constrói, transmite e cultiva os seus valores. É na educação de crianças, adolescentes e adultos em formação na educação infantil, fundamental e média, respectivamente, que se constrói a educação plena do estudante e a sua preparação para a qualificação no trabalho. Esses princípios são tão importantes que, geralmente, estão definidos nas legislações reguladoras do país, como as Constituições e as Leis Educacionais Nacionais.
Com fundamentos nas afirmações anteriores, o Brasil, como um dos estados-nação no concerto mundial, defende, arduamente, a sua soberania e tem na educação um dos seus pilares. A política, o governo e o território estão alinhados com a sociedade e com uma identidade nacional. É neste entender que, defendendo a soberania do estado-nação, a defendem como totalmente nacional, buscando protegê-la de outros valores e preceito da não contaminação, que têm sido fervorosamente almejados (Derani, 2002).
Outro possível arrazoado que desafia o pensar da Internacionalização na Educação Básica são as narrativas sobre: O que é Internacionalização da Educação? Tanto em grupos científicos quanto nos marcados pelo senso comum, internacionalizar implica mover-se fisicamente de um país para outro: a mobilidade presencial. Neste imaginário, fomentado pela carência de informações, o deslocamento de estudantes, professores e profissionais da educação para outros países, algumas vezes longínquos, é extremamente custoso. Hoje, entretanto, com o desenvolvimento das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), as fronteiras entre os países parecem dissipar-se, pois com um simples click é possível “entrar” em outro território, muitas vezes sem, de fato, saber ou entender o que lá acontece.
Isso ocorre por diferentes razões: uma delas é a cultura peculiar de cada país, e outra é a forma com a qual a comunicação acontece. A comunicação entre países está muito além da língua, mas, por óbvio, ela é fundamental. Falar a mesma língua pode ampliar e melhor estabelecer o diálogo, mas entender a cultura do outro permite ao indivíduo colocar-se no seu lugar e viver a sua cultura, a sua língua. Quando isso acontece a interculturalidade se faz presente, entrelaçando países, línguas, culturas e pessoas, permitindo transitar no mundo que já não respira por si só, que não aceita o não estar em espaços um do outro, embora, na maioria das vezes, de forma virtual. Isso representa viver a interculturalidade; significa romper as fronteiras e dar sentido aos interesses dos países, Estados, municípios e pessoas, demandando um diálogo entre os envolvidos.
Esse transitar, quer seja virtual ou não, caminha naturalmente e faz a internacionalização acontecer de forma silenciosa nos mais diferentes espaços da sociedade, entre eles, no das escolas. Estas, por sua natureza plural, trazem no seu âmago uma diversidade de origens, crenças, costumes, culturas e, por certo, outras línguas, além do português. Diversidades que estão ali, latentes e, muitas vezes, trabalhadas para atender às exigências atinentes a um componente curricular, mas sem serem vistas como possibilidades maiores de desenvolvimento de novas competências e habilidades, por exemplo, a Internacionalização na Educação Básica. Esta não tende a ser uma imposição ou nova normativa, mas, sim, como já se apontou, ela ali estava, implicitamente, e está, pouco a pouco, fazendo-se explícita; está acompanhando a fluidez da vida que faz parte de um mundo global, de um mundo internacionalizado.
Diante desses dois cenários - a identidade nacional e a internacionalização - questiona-se até que ponto essa identidade e o território são postos de lado em tempos de globalização. Trata-se de projetos nacionais social e historicamente produzidos dentro de contextos e interesses bem-definidos, ganhando, assim, novos conteúdos e novas roupagens. Isso remete-nos à tese sobre o “fim dos Estados” e o “fim das fronteiras” (Moraes, 2005). Aqui não está se propondo o fim da soberania do estado-nação com uma homogeneização entre todos e com a predominância de um determinado modelo. Propõe-se, sim, a internacionalização como ator-meio para a adoção de um paradigma intercultural entre os diferentes Estados, pela qual a cultura local não é aniquilada, mas cresce em força para pensar numa cidadania global quando em enriquecimento com as outras diferentes culturas.
Além das tradicionais inter-relações com países do global norte, como os da América do Norte e da União Europeia, a escola abre-se para interações com os países de língua oficial portuguesa, presentes em diferentes regiões do mundo e, mais recentemente, com o agrupamento de países nominado Brics, que congrega Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
A despeito de todas as manifestações da internacionalização, a preservação da identidade nacional deve estar assegurada e alinhada com os pressupostos da Educação para a Cidadania Global (ECG), que “representa uma mudança conceitual, pois reconhece a relevância da educação para a compreensão e a resolução de questões globais em suas dimensões sociais, políticas, culturais, econômicas e ambientais” (Unesco, 2015). O desenvolvimento das habilidades cognitivas e do conhecimento deve ser ampliado, passando a construir valores, habilidades socioemocionais (soft skills) e atitudes entre alunos que possam facilitar a cooperação internacional e promover a transformação social (Unesco, 2015).
O cenário está posto. A presença de uma internacionalização silenciosa nas escolas de Educação Básica vem se configurando. Da mesma forma, percebe-se a ausência de registros que identifiquem e caracterizem essas manifestações de internacionalização, e que as categorizem de forma científica para ampliar a compreensão sobre esse fenômeno e sistematizar tais experiências.
Ancorado nas relações entre interculturalidade e internacionalização (Morosini; Dalla Corte, 2021), este artigo remete a uma análise reflexiva, propondo marcos conceituais a respeito dos conceitos que indicam a presença da Internacionalização na Educação Básica no Brasil. Para tanto, alguns documentos nacionais norteiam este estudo, tais como a Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017), as Diretrizes Curriculares Nacionais para a oferta de Educação Plurilíngue (Brasil, 2020), os Parâmetros Nacionais para a Internacionalização na Educação Básica2 (Brasil, 2022a) e o livro Internacionalização na Educação Básica: práticas no contexto brasileiro (Brasil, 2022b).
2 METODOLOGIA
Este artigo, de abordagem qualitativa e de caráter documental, procura reunir uma gama de informações que possuem registro textual ou não textual de natureza diversa, como relatórios, legislações, reportagens, gravações, entre outros, que foram produzidas por outros autores e ainda não receberam tratamento analítico (Sá-Silva; Almeida; Guindani, 2009). Esse tipo de pesquisa busca identificar informações e intencionalidades em documentos, com o objetivo de extrair informações neles contidas desde o próprio objeto de estudo do pesquisador (Flick, 2009; Sá-Silva, Almeida, Guindani, 2009; Lima Junior et al., 2021; Lüdke; André, 2013).
A partir do corpus da pesquisa, composto pelos documentos analisados, o pesquisador busca por elementos que ainda não receberam tratamento analítico, ou procura desvelar novas interpretações a respeito do problema de pesquisa (Lima Junior et al., 2021). Com base na análise documental, é possível “produzir ou reelaborar conhecimentos e criar novas formas de compreender os fenômenos” (Sá-Silva; Almeida; Guindani, 2009, p. 10).
Constituem o corpus de análise desta pesquisa o recente marco normativo da Educação Básica, composto pela Base Nacional Comum Curricular, e aqueles voltados ao estabelecimento de diretrizes e parâmetros para a instituição de um contexto intercultural e internacional nos espaços escolares, como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a oferta de Educação Plurilíngue, os Parâmetros Nacionais para a Internacionalização na Educação Básica e o documento Internacionalização na Educação Básica: práticas no contexto brasileiro, como apresentado no Quadro 1.
Quadro 1 Relação de documentos analisados, ano de publicação, órgão responsável e status
Documento | Ano de publicação | Órgão responsável | Status |
---|---|---|---|
Base Nacional Comum Curricular | 2017 | Ministério da Educação | Publicado |
Diretrizes Curriculares Nacionais para a oferta de Educação Plurilíngue | 2021 | Conselho Nacional de Educação | Aguardando homologação do Ministério da Educação |
Parâmetros Nacionais para a Internacionalização da Educação Básica | 2022 | Ministério da Educação | Em análise no Conselho Nacional de Educação |
Internacionalização na Educação Básica: práticas no contexto brasileiro | 2022 | Ministério da Educação | Em análise no Conselho Nacional de Educação |
Fonte: Elaborado pelas autoras (2023).
Esse conjunto de recursos textuais foi analisado a partir da análise de conteúdo (Bardin, 2011), pela qual buscou-se conhecer e consolidar o marco teórico da Internacionalização na Educação Básica a partir de suas diferentes manifestações nos espaços escolares brasileiros. Após a exploração do material, foram construídas três categorias de análise, sendo a primeira dedicada a apresentar a inter-relação entre a Internacionalização na Educação Básica e a educação para a cidadania global; a segunda contempla reflexões sobre multiculturalidade, interculturalidade e preservação da identidade nacional a partir da educação; e na terceira, aborda-se como a Internacionalização na Educação Básica está presente em marcos educacionais nacionais. As categorias analisadas serão apresentadas nas próximas seções deste artigo.
3 A INTER-RELAÇÃO ENTRE A INTERNACIONALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO BÁSICA E A EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA GLOBAL
A racionalidade da Internacionalização da Educação Superior está presente nos movimentos que avançam para a internacionalização nos territórios da Educação Básica. Este cenário apresenta uma relação complexa nos caminhos que buscam a formação dos estudantes para o exercício da cidadania global, a qualificação profissional e a vida em sociedade. Na Educação Básica a ênfase formativa e pedagógica da Internacionalização é latente e está focada em estabelecer processos formativos que privilegiem a interculturalidade, o respeito aos direitos humanos, as diversidades e a justiça social, estabelecendo novas oportunidades para que o estudante se relacione em um mundo cada vez mais globalizado e plural.
O documento Educação para a Cidadania Global: preparando alunos para os desafios do século XXI, publicado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, 2015), pressupõe o desenvolvimento de competências que possam preparar os estudantes para atuar num mundo dinâmico e interdependente do século XXI. Mesmo considerando os diversos contextos, perfis regionais e diferenças nas comunidades, a ECG converge em vários elementos importantes que visam a estimular, nos alunos,
[...] uma atitude apoiada por um entendimento de múltiplos níveis de identidade e o potencial para uma identidade coletiva que transcenda diferenças individuais culturais, religiosas, étnicas ou outras; um conhecimento profundo de questões globais e valores universais como justiça, igualdade, dignidade e respeito; habilidades cognitivas para pensar de forma crítica, sistêmica e criativa, incluindo a adoção de uma abordagem de multiperspectivas que reconheça as diferentes dimensões, perspectivas e ângulos das questões; habilidades não cognitivas, incluindo habilidades sociais, como empatia e resolução de conflitos, habilidades de comunicação e aptidões de construção de redes (networking) e de interação com pessoas com diferentes experiências, origens, culturas e perspectivas; e capacidades comportamentais para agir de forma colaborativa e responsável a fim de encontrar soluções globais para desafios globais, bem como para lutar pelo bem coletivo (Unesco, 2015, p. 9).
A tendência formativa da Internacionalização na Educação Básica requer, portanto, a consolidação da Internacionalização em Casa (IeC) e da Internacionalização do Currículo (IoC) nas instituições escolares brasileiras muito mais do que a necessidade do deslocamento físico para o desenvolvimento de uma experiência internacional e intercultural. Ressalta-se o conceito de Internacionalização em Casa ou Internationalization at Home (IaH), que foi definida como “a integração proposital de dimensões internacionais e interculturais no currículo formal e informal para todos os alunos em ambientes domésticos de aprendizagem” (Beelen; Jones, 2015, p. 69). A definição mais citada de Leask (2009) de processo de Internacionalização do Currículo, concentra-se no currículo formal e avaliável: “A incorporação de uma dimensão internacional e intercultural na preparação, entrega e resultados de um programa de estudos” (p. 209), evidenciando-se, dessa forma, a relevância nos resultados de aprendizagem.
Identifica-se que há uma ênfase pedagógica entre esses dois modelos de Internacionalização (Beelen; Jones, 2015; Leask, 2015). Deste modo, a Internacionalização em Casa e do Currículo promovem, para todos os estudantes da instituição escolar, uma formação internacional e intercultural. Por isso, argumenta-se que, independentemente das oportunidades de participação em experiências em intercâmbio acadêmico ou em programas de mobilidade acadêmica presencial, para que o conjunto de estudantes de uma instituição escolar seja alcançado na sua totalidade faz-se necessário que os currículos formais contemplem as perspectivas subjacentes à IaH e IoC.
O modelo de mobilidade acadêmica vigente, já estruturado no Ensino Superior, mesmo que seja considerado o campo mais fértil da internacionalização e o mais conhecido, ainda restringe-se a um limitado grupo de acadêmicos com condições financeiras para suportar as despesas com a vivência no exterior, com domínio de línguas adequado para cursar disciplinas em outra Instituição de Ensino Superior (IES), ou também, com um background familiar que estimule o desejo por viver em outro país desde o ingresso na vida acadêmica. Trata-se, portanto, de um movimento de elite e que não se aplica à Internacionalização na Educação Básica.
A mobilidade para fins de aprendizagem é, sem dúvidas, uma oportunidade para os estudantes desenvolverem competências valiosas e expandirem os seus horizontes, indo estudar ou receber formação em outros países. Uma experiência de estudos no exterior auxilia no desenvolvimento de competências profissionais, sociais e interculturais bem como aumenta a empregabilidade. As pesquisas realizadas pela European Comission comprovam que os estudantes do Ensino Superior que realizam um período de mobilidade no Exterior têm maior probabilidade de encontrar emprego um ano após a Graduação, estimulando, dessa forma, o interesse pela formação internacional (European Comission, 2023).
Os conceitos de mobilidade acadêmica internacional sofreram alterações e adaptações no decorrer dos anos, especialmente a partir dos anos 1990. Uma definição relevante sobre o tema é a da Unesco (1998), que divide a mobilidade em Vertical Mobility e Horizontal Mobility. A diferença principal entre as duas nomenclaturas está relacionada à situação econômica dos países envolvidos (Stallivieri, 2017).
De acordo com o documento “Educação Superior: reforma, mudança e internacionalização” (Unesco, 2003), a mobilidade vertical pressupõe o deslocamento de estudantes oriundos de países menos favorecidos economicamente em direção aos países economicamente mais fortes, com o objetivo de ter acesso a programas de maior qualidade de educação superior e, posteriormente, melhores colocações no mercado de trabalho nos seus países de origem. Certamente pode-se apreender, com esta informação, que a mobilidade vertical é a que registra maior ocorrência de opção pelos estudantes (Unesco, 2003). Esse modelo reforça os movimentos da internacionalização para o Norte Global em detrimento das opções do Sul Global, e valida a necessidade do estabelecimento de reflexões críticas para uma nova proposta de Internacionalização na Educação Básica que seja efetivamente para todos.
Ao ampliar para todos os estudantes a oportunidade de uma formação que privilegie perspectivas internacionais e interculturais nos currículos da Educação Básica, a internacionalização pode servir como um meio de promover valores comuns e uma compreensão mais próxima entre diferentes povos e culturas e contribuir para o desenvolvimento mundial sustentável, marcado pela convivência democrática, pelo respeito, pela solidariedade e pela cooperação para uma cidadania socialmente responsável (Stallivieri, 2017).
A Base Nacional Comum Curricular - BNCC (Brasil, 2017) - alinha-se com as proposições da Educação para a Cidadania Global (ECG) e da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), ao definir para a Educação Básica as dez competências gerais que consubstanciam, no âmbito pedagógico, os direitos de aprendizagem e desenvolvimento. A BNCC reconhece que “a educação deve firmar valores e estimular ações que contribuam para a transformação da sociedade, tornando-a mais humana, socialmente justa e, também, voltada para a preservação da natureza” (Brasil, 2013, p. 50).
Conforme dados do Relatório Anual da Secretaria de Educação Básica (SEB), do Ministério da Educação (MEC) do Brasil (Brasil, 2022c), no ano de 2021 estavam matriculados na Educação Básica 46.668.401 estudantes, posto que, aproximadamente, 83% frequentavam escolas públicas, as quais representam 77% do total de escolas do país. Esta realidade é acompanhada por mais de 2 milhões de professores, e, destes, 78% atuam nas escolas públicas. Estes números representam o desafio de conceber um conceito para a Internacionalização na Educação Básica no Brasil que contemple essa realidade bem como a diversidade dos seus diferentes níveis e modalidades de ensino.
Considerando-se o contexto da Educação Básica brasileira, no qual as oportunidades de participação de estudantes e professores em ações de Internacionalização ainda são muito limitadas, posto que no ano de 2019, por exemplo, o percentual de intercambistas até 18 anos era de 18% (Intercâmbio & Viagem, 2020), a premissa de uma internacionalização mais equitativa e democrática, ancorada nos modelos da IaH e da IoC, corrobora a iniciativa de promover a internacionalização neste nível de ensino, tendo em vista as características deste sistema educacional.
Para tanto, enfatiza-se a pertinência e a adequação do conceito apresentado nos Parâmetros Nacionais para a Internacionalização na Educação Básica, que a define como
[...] um processo que internaliza a perspectiva de abertura para o mundo para todas as crianças e adolescentes, jovens e adultos da Educação Básica, promovendo transformações nos ambientes educativos para uma educação de qualidade, e preparando os estudantes e demais atores para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho no cenário local, regional, nacional e internacional (Brasil, 2022a, p. 10).
A responsabilidade na formação dos jovens que estão na Educação Básica, que serão os futuros profissionais deste novo século, é reforçada pela necessidade do desenvolvimento de competências que os auxiliem a transitar com naturalidade em ambientes multiculturais e plurilíngues, respeitando e acolhendo as diferenças culturais nas suas diversas manifestações. Desenvolver as competências apontadas pela BNCC e pela ECG significa institucionalizar a Internacionalização na Educação Básica e compreender e aplicar os conceitos da interculturalidade e do plurilinguismo na formação dos estudantes, sem colocar em risco a sua identidade nacional.
4 DA MULTICULTURALIDADE À INTERCULTURALIDADE - A PRESERVAÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL
A evolução da sociedade do conhecimento e da sociedade da informação, ancorada no uso das ferramentas digitais e no acirrado emprego das tecnologias, cada vez mais reduz as distâncias geográficas, expandindo os limites territoriais dos países, que conformam uma realidade altamente globalizada. Essa mesma realidade é também forjada por movimentos migratórios, compreendendo as migrações como passagem de um país para outro. Tal fato induz ao entendimento de que vivemos num mundo global, estruturado como uma totalidade, sem limites de fronteiras que diferenciem países, populações ou culturas (Weissmann, 2018). Nessa reflexão aponta-se a necessidade de compreender e diferenciar os conceitos que sustentam as análises sobre a globalização e a Internacionalização, e que justificam a sua presença em contextos multiculturais e plurilíngues. A Internacionalização, em especial, requer a evolução dos contextos multiculturais para a ênfase nos contextos interculturais e na preservação da identidade.
O termo multiculturalidade utiliza o prefixo multi, que, no dicionário, indica muito, numeroso. Trata-se de um termo que descreve a existência de muitas culturas numa região, cidade ou país A multiculturalidade reconhece a presença de muitas culturas no mesmo espaço, no entanto não as identifica pela interação entre os povos que ali habitam. Cada cultura mantém o seu posicionamento, as suas ideias, muitas vezes afastando-se do pensamento predominante (Weissmann, 2018).
Já o termo interculturalidade inicia com o prefixo inter, que, no dicionário, é identificado como posição intermediária, reciprocidade, interação, interpondo uma maneira de estabelecer uma ponte, uma intermediação, um encontro, para formar uma rede na interculturalidade. Ao tratar-se da interculturalidade pode-se considerar a coexistência de muitas culturas, com a possibilidade de inter-relações que se estabelecem entre elas, seja na forma de diálogo ou na de conflito, mas o importante é que exista o reconhecimento do diferente. Weissmann (2018, p. 27-28) afirma que “a interculturalidade também permite ampliar horizontes, dando lugar às diferenças e apontando ao enriquecimento e mudança contínua”.
Para o processo de Internacionalização na Educação, seja ela Superior ou Básica, o desenvolvimento da interculturalidade é central, pois, a partir daí, desenvolvem-se o respeito e o acolhimento pela cultura do outro, e, ainda, a compreensão de que não existe uma cultura melhor do que a outra, mas a identificação de que elas são diferentes e, portanto, devem ser reconhecidas e respeitadas (Stallivieri, 2017).
A realidade da formação do povo brasileiro, a larga extensão territorial e a amplitude de fronteiras, fazem com que o país seja naturalmente multicultural e multilíngue, pois, de acordo com a Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988), a faixa de até 150 km de largura, ao longo das fronteiras terrestres brasileiras, é designada como faixa de fronteira. As fronteiras brasileiras abrangem, aproximadamente, 27% do território nacional, em 11 Estados e 588 municípios, e contam com 33 localidades classificadas como cidades gêmeas (Brasil, 2009).
Outra questão relevante para esta análise são os dados do Censo Demográfico de 2010, cujos resultados mostram que, a partir do critério de autodeclaração, no Brasil há um total de 274 línguas faladas por indígenas de 305 etnias diferentes (IBGE, 2010). A este contexto acrescenta-se as outras línguas historicamente situadas e faladas no país, como as línguas de imigração, língua brasileira de sinais, de comunidades afro-brasileiras e línguas crioulas (Iphan, 2016). Tais informações colocam em tela a diversidade, não somente de línguas faladas no contexto brasileiro, mas de costumes, crenças e culturas próprias de cada região, Estado ou localidades brasileiras.
O contexto multilíngue do Brasil também pode ser reconhecido pela existência de 22 línguas cooficiais em 51 municípios brasileiros. Em dez municípios3, localizados nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, estão regulamentadas 13 línguas indígenas e 9 línguas de imigração, que estão regulamentadas em 41 municípios4, localizados nas Regiões Sul e Sudeste (Ipol, 2022). Embora o Brasil possua uma diversidade linguística relevante, “apresentamos déficits de plurilinguismo, uma vez que a maioria dos brasileiros é monolíngue e ainda pensa que o Brasil é um país de uma única língua” (Iphan, 2016, p. 22).
Na Educação Básica a diversidade linguística pode ser identificada pela presença da Língua Brasileira de Sinais, línguas indígenas, línguas afro-brasileiras e línguas de imigração. Os processos migratórios nos últimos anos, denominados de migração de crise (Moreira; Borba, 2021), têm contribuído para o deslocamento de crianças e adolescentes estrangeiros, que, ao chegarem no país de destino, são inseridos no sistema escolar. No caso brasileiro, em geral o português é a língua oficial de instrução para todos os alunos, “sendo raros, ou inexistentes, os momentos em que esse idioma lhes é ensinado como adicional” (Diniz; Neves, 2018).
O contexto das línguas estrangeiras atravessa as instituições escolares a partir de vários modelos educativos, nominados como escolas bilíngues, escolas internacionais, escolas brasileiras com currículo internacionalizado, escola com carga horária estendida em língua adicional, escolas interculturais de fronteira, escolas de línguas de sinais Libras e as escolas que adotam o currículo oficial, mantendo a carga horária de um ou dois períodos/aula por semana às aulas de língua estrangeira, como preconizado na Lei de Diretrizes e Bases (Brasil, 1996), que determina o ensino de, ao menos, uma língua estrangeira no Ensino Fundamental nos Anos Finais e no Ensino Médio.
A relevância de pontuar este tema nas investigações sobre a Educação Básica repousa no argumento de que,
Se no passado trilhamos percursos sombreados pelo silenciamento de línguas e culturas, buscando a exclusividade da língua portuguesa, já é tempo de rumarmos na direção de políticas educacionais de valorização, respeito e congraçamento da diversidade cultural e linguística do Brasil - que contempla centenas de línguas indígenas, pelo menos 30 de comunidades descendentes de imigrantes e as práticas linguísticas tradicionais das comunidades afro-brasileiras, em especial as quilombolas (Brasil, 2020, p. 20).
A esse respeito, postula-se que no país as iniciativas de educação bi/multilíngue ainda estão “em uma jornada rumo a modelos de enriquecimento que valorizem o multilinguismo, que abandonem a perspectiva de que a pluralidade de línguas e a presença de sujeitos com repertórios plurais na escola se configura como um ‘problema’” (Ribeiro Berger, 2021, p. 131). Esta compreensão amplia a perspectiva de Estado-nação sustentada na premissa de “‘um Estado, uma Nação, uma língua’ −, [que] apagam a heterogeneidade dos diferentes sujeitos discentes, significando-os a partir de categorias totalizadoras construídas a priori, que estabelecem uma relação unívoca entre a nacionalidade de um aluno e a língua que ele fala” (Diniz; Neves, 2018, p. 90).
Neste sentido, é preciso avançar na compreensão de que “a língua esgote o sentimento de identificação com a pátria [...] na verdade, os Estados, mais do que os Países, representam ou aglutinam os Povos” (Patrício, 2009, p. 96). Para a autora, assumir que a relação entre multiculturalidade e interculturalidade amplia a identidade de uma nação implica reconhecer que as instituições escolares, embora estejam enraizadas no solo nacional e contribuam para a construção da identidade nacional, podem também auxiliar para “uma identidade que não será então uma melodia, mas uma harmonia a cantar em coro” (Patrício, 2009, p. 122).
5 MANIFESTAÇÕES DA INTERNACIONALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO BÁSICA BRASILEIRA
A Internacionalização na Educação Básica brasileira pode ser percebida em duas perspectivas. A primeira corresponde às escolas que, em alguma medida, têm a intencionalidade de internacionalização explícita na sua dinâmica escolar, como é o caso das escolas internacionais, daquelas com currículo internacionalizado, as escolas bilíngues e as escolas com carga horária estendida em língua adicional. Essas escolas, em sua maioria, correspondem a escolas privadas. A segunda perspectiva acontece silenciosamente, isto é, ocorre em escolas que contemplam ações de internacionalização implícitas em atividades educativas e práticas docentes direcionadas ao desenvolvimento de objetos de aprendizagem atinentes à formação do estudante, bem como atendam às necessidades culturais locais ou regionais que perfazem o território escolar. Essas escolas, em sua maior parte, são públicas.
Entender as concepções que caracterizam cada universo de escola permite clarificar quais ações ou práticas representam a intencionalidade ou não de internacionalização, transitando em cada universo, quer seja ele público ou privado.
Escolas internacionais são aquelas que estão vinculadas a outros países e têm, em suas diretrizes curriculares, parcerias com instituições educacionais nacionais, seguindo as normas e legislações brasileiras para a expedição de dupla diplomação (Brasil, 2020). Essas escolas oferecem ao estudante a possibilidade de receber o International Baccalaureate (IB), certificado este aceito por centenas de países no mundo. Essas escolas são ou foram fundadas por comunidades de imigrantes e estão pautadas em acordos bilaterais nos seus estatutos de fundação.
A metodologia das aulas em uma escola internacional tem o inglês ou outro idioma a que se destina a escola como língua ministrada nas aulas, na sua totalidade ou na maior parte delas. Assim, disciplinas como matemática, ciências, geografia e história, entre outras, são ministradas no idioma foco da escola, constituindo-se em aulas em outro idioma e não aula de uma língua estrangeira. Muitas vezes essas aulas são ministradas por profissionais nativos da língua. Atualmente são 325 escolas internacionais no contexto brasileiro.
Escolas com currículo internacionalizado são aquelas que, com o estabelecimento de parcerias, adotam propostas curriculares de outros países, respeitando a carga horária mínima estabelecida na legislação brasileira para as disciplinas obrigatoriamente ministradas em língua portuguesa, bem como outros aspectos normativos da legislação. Essas escolas “devem garantir que o currículo internacional não prejudique o desenvolvimento e avaliação do estudante no currículo brasileiro” (Brasil, 2020, p. 26).
As escolas bilíngues promovem “currículo único, integrado e ministrado em duas línguas de instrução, visando ao desenvolvimento de competências e habilidades linguísticas e acadêmicas dos estudantes nessas línguas” (Brasil, 2020, p. 24). Para que uma escola possa ser considerada bilíngue ela precisa ter projeto pedagógico bilíngue que contemple todas as etapas da educação básica, podendo ser a introdução gradativa e oferecida a todos os alunos (Brasil, 2020). A carga horária para a língua adicional deve seguir, na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, o tempo de instrução na língua adicional, que deve abranger, no mínimo, 30% e, no máximo, 50% das atividades curriculares. No Ensino Médio este tempo deve ser, no mínimo, 20% da carga horária na grade curricular oficial, e a escola pode incluir nos itinerários formativos a língua adicional.
As escolas bilíngues devem ter a organização curricular pautada na BNCC, com as disciplinas da base comum ministradas exclusivamente na segunda língua de instrução e as disciplinas da base diversificada ministradas na segunda língua de instrução. As metodologias utilizadas nessas escolas devem possibilitar que o ensino e a aprendizagem de conteúdos sejam contemplados na segunda língua de instrução, em sintonia com os pressupostos teóricos que fundamentam a modalidade de educação em tela e que permitam o desenvolvimento de competências e habilidades previstas na BNCC (Brasil, 2017).
As escolas com carga horária estendida de língua adicional
se caracterizam por promover o currículo escolar em língua portuguesa em articulação com o aprendizado de competências e habilidades linguísticas em línguas adicionais, sem que o desenvolvimento linguístico ocorra integrada e simultaneamente ao desenvolvimento dos conteúdos curriculares (Brasil, 2020, p. 24).
Nessas escolas o tempo para a língua adicional deve ser de, no mínimo, três horas semanais, uma vez que a carga horária obrigatória por lei já é de 50%. As atividades oferecidas adicionalmente devem ser a todos os alunos da escola (Brasil, 2020).
Em relação à organização curricular, essas escolas deverão incluir tanto as disciplinas previstas na Base Comum quanto as diversificadas; as primeiras ministradas “exclusivamente na segunda língua de instrução e as segundas ministradas na segunda língua de instrução”, sendo responsabilidade da escola cumprir o disposto na BNCC (Brasil, 2020, p. 26). A abordagem metodológica adotada objetiva um “aprendizado intenso da língua adicional, desenvolvendo fluência e proficiência sem conexões com os conteúdos acadêmicos” (Brasil, 2020, p. 27).
A avaliação nas escolas bilíngues e nas escolas com carga horária estendida está a critério das instituições. Para a avaliação da proficiência é esperado que 80% dos estudantes que concluam o 6º e o 9º anos do Ensino Fundamental atinjam a proficiência de nível mínimo B1, e o mesmo percentual de estudantes ao final do 3º ano do Ensino Médio devem ter atingido a proficiência de nível mínimo B2, no Common European Framework for Languages (CEFR) (Brasil, 2020).
Diante das características que envolvem as escolas internacionais, as escolas com currículo internacionalizado, as bilíngues e aquelas com carga horária estendida em língua adicional, é possível perceber uma intencionalidade no que se refere aos aspectos de internacionalização, tais como as dimensões internacionais e interculturais inseridas no currículo formal. Isso permite uma avaliação, precedida pela preparação, pela entrega e pelos resultados que um programa de estudos possibilita, como bem postulado por Beelen e Jones (2015) e Leask (2009), e que mostram explicitamente a internacionalização ali acontecendo.
Por outro lado, existem escolas cuja internacionalização acontece sem uma intencionalidade, sem o objetivo de internacionalizar, mas com propósitos implícitos a ela que se fazem presentes nas necessidades que se apresentam na realidade de cada escola, de cada contexto, os quais não estão estanques do movimento de globalização. Como exemplo é possível citar ações desenvolvidas em escolas públicas de modo a atender às necessidades de uma educação intercultural, como as escolas contempladas no Projeto Escola Intercultural Bilíngue de Fronteira (PEIBF). Este projeto foi criado em 2005 por meio de um acordo bilateral entre Brasil e Argentina, que objetivou promover o intercâmbio entre professores dos países do Mercosul, e prospectava:
[...] desenvolvimento de um modelo de ensino comum em escolas de zona de fronteira, a partir de desenvolvimento do programa para a educação intercultural, com ênfase no ensino do português e do espanhol, uma vez cumpridos os dispositivos legais para sua implantação (Ministerio de Educación, Ciencia y Tecnología, Ministério da Educação, 2005).
A metodologia usada estava pautada no Ensino por Projetos de Aprendizagem (PA). O professor da escola do país vizinho ministrava na escola brasileira aula em espanhol e o professor brasileiro lecionava em português no país vizinho. As aulas eram ministradas uma vez por semana, e eram planejadas conjuntamente entre os professores. A partir da Portaria MEC nº 798, de 19 de junho de 2012, o PEIBF passou a ser o Programa Escolas Interculturais de Fronteira (PEIF). Foram oferecidas formações continuadas, em parceria com universidades federais, aos professores participantes do Programa, de modo a facilitar o trabalho realizado pelos docentes e consolidar o intercâmbio entre eles, a educação intercultural e a aprendizagem de outra língua.
Outros exemplos de ações que objetivaram, em sua essência, o desenvolvimento de competências e habilidades concernentes a cada etapa e ano escolar e em sintonia com as necessidades do território educativo, permitem identificar a internacionalização ali acontecendo de modo implícito e natural, ocorrendo silenciosamente. Como modelo cita-se, também, os projetos desenvolvidos na Região Norte do país, que objetivam valorizar a história, a geografia, a política, a economia, a cultura, as tradições, as danças, a culinária e a diversidade linguística dos estudantes. O teatro foi uma ação desenvolvida que permitiu o diálogo entre os atores; cada um com sua língua mãe, trazendo o português, o espanhol, o crioulo, o francês e o inglês interconectados na peça, contribuindo para com a interação, integração e valorização de culturas e costumes, que se apresentam no território educativo formado por haitianos, venezuelanos e brasileiros (Brasil, 2022b).
A contação de histórias, prática dos anos iniciais, realizada em outro idioma e por contadores estrangeiros em projetos nas escolas públicas, também mostram a internacionalização acontecendo silenciosamente, à medida que as crianças experienciam outro idioma e, agregado a ele, outras culturas.
Práticas de laboratório desenvolvidas no Clube de Ciências “Cientistas do Jardim, além de desenvolverem projetos de ciências em parceria com estudantes das redes municipal e estadual, proporcionam a internacionalização sem a pensarem ou mencionarem. A internacionalização ocorre silenciosamente na construção e reconstrução de conhecimentos em espaços como o Clube de Ciências, à medida que os estudantes, membros do grupo, têm participações em feiras internacionais, quer sejam elas presenciais ou remotas, apresentadas em inglês ou espanhol, representando o país em espaços científicos e conquistando prêmios (Brasil, 2022b).
Ações como essas mostram os esforços empenhados no território educativo de modo a atender às necessidades nele presentes no que compete a uma formação educacional capaz de responder em sinergia às exigências de um mundo globalizado, sem esquecer suas raízes. Por certo que as ações exemplificadas se limitam a três contextos de categoria de análise e que não refletem o todo experienciado na realidade brasileira que, certamente, se publicizado, mostraria um leque extremamente diversificado de ações devido à riqueza de realidades no contexto brasileiro.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo buscou realizar uma análise reflexiva para propor marcos conceituais da Internacionalização na Educação Básica no Brasil. O contexto mundial aponta o desvelamento das fronteiras e expõe a multiculturalidade e os diferentes movimentos sociais, econômicos, de resistências e aceitações dos princípios e estratégias da globalização.
Movimentos facilitados pelas tecnologias colocam a educação em um patamar cada vez mais dinâmico, interligado e interligando saberes, culturas e vidas, mostrando a internacionalização acontecendo em todos os níveis educacionais - na Educação Superior, mais explicitamente, e na Educação Básica, paulatina e silenciosamente.
Sendo assim, especificamente no que diz respeito às competências e habilidades, a demanda está por profissionais que respondam aos desafios globais e que reconheçam e respeitem as inúmeras diferenças culturais entre os povos (Unesco, 2015; Brasil, 2017). Para atender a essas demandas algumas escolas de Educação Básica iniciaram movimentos no sentido de pensar a formação para a cidadania global.
Identificam-se, neste cenário, movimentos para a Internacionalização na Educação Básica, impulsionados pelas demandas de uma sociedade interconectada, que responde às exigências do território educativo, sendo a globalização inerente a este contexto. As manifestações de Internacionalização na Educação Básica, concebidas neste artigo como marcos conceituais, estão presentes nas escolas internacionais, escolas com currículo internacionalizado, escolas bilíngues, escolas interculturais de fronteira, entre outras que não estão no rol supracitado, em especial as que ocorrem nas escolas públicas, evidenciando uma internacionalização silenciosa.
Constata-se uma inter-relação entre o conceito de Internacionalização na Educação Básica com a presença de domínio de outro idioma, que pode ser uma língua estrangeira, como o caso do inglês, ou a aquisição do português como segunda língua. Essa interligação entre a internacionalização e o aprendizado de uma língua estrangeira estende-se, hoje, à rede pública. Isso porque as atuais políticas públicas para a Educação Básica propõem o aprofundamento das reflexões “entre língua, identidade e cultura e o desenvolvimento da competência intercultural” (Brasil, 2017, p. 247).
Por muito tempo a internacionalização foi vista como sinônimo de mobilidade e de intercâmbio acadêmico. O atual paradigma da Internacionalização da Educação, contudo, tem se baseado em concepções mais abrangentes e equitativas que promovem oportunidades de aprendizagem diferenciadas por meio de percursos formativos que incorporem perspectivas interculturais e internacionais e preparem os estudantes para o exercício da cidadania em uma sociedade global.
Observa-se, pela pesquisa, que em muitas escolas públicas a internacionalização acontece silenciosamente, evidenciando o objetivo de formar o estudante para o exercício da cidadania global e a qualificação para o trabalho no cenário local e internacional (Brasil, 2022a). Tal realidade conduz a desvelar a Internacionalização na Educação Básica desde a educação infantil e estendê-la ao longo da vida.
Neste entendimento, a Internacionalização Silenciosa na Educação Básica é um movimento que ocorre no território escolar com potencialidade de promover um processo formativo crítico e holístico, que busca a preservação de valores universais por meio do diálogo, do respeito e da valorização da interculturalidade e do plurilinguismo. A Internacionalização Silenciosa na Educação Básica está implícita em práticas docentes e ações educativas que objetivam assegurar aos estudantes o desenvolvimento de competências e habilidades exigidas em marcos educacionais legais, que não a internacionalização propriamente dita. Trata-se de uma Internacionalização Silenciosa por carecer de visibilidade como parte de um processo de Internacionalização da Educação Básica.
Romper com essa invisibilidade requer o estabelecimento de marcos conceituais e normativos que definam um conjunto de princípios norteadores que sistematizem, organizem e disseminem as ações que caracterizam a internacionalização, respeitando as crenças e valores da comunidade escolar.
Descortina-se um cenário que exige a definição de políticas públicas e o direcionamento de investimentos voltados ao estabelecimento de diretrizes para a Internacionalização na Educação Básica, para que todas as instituições escolares possam, por meio da internacionalização, atender às demandas impostas e que se apresentam com tanta evidência no século XXI. Para tanto, torna-se necessária a formação e a valorização dos professores e demais profissionais da educação; o alinhamento dos currículos à formação da cidadania global; o estabelecimento de parcerias com atores locais, regionais e internacionais; e a definição de estratégias para gestão, avaliação e monitoramento do processo de internacionalização.