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Práxis Educativa

versión On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.14 no.1 Ponta Grossa ene.-abr 2019  Epub 17-Abr-2019

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.14n1.006 

Artigos

As especificidades da prisão e sua aproximação com a educação no Paraná: breves apontamentos a partir da revisão de literatura*

Specificities of prison and its approximation with education in Paraná: brief notes from the literature review

Las especificidades de la prisión y su aproximación con la educación en Paraná: breves apuntes a partir de la revisión de literatura

Vanessa Elisabete Raue Rodrigues** 

Sheila Fabiana de Quadros*** 

Rita de Cássia da Silva Oliveira**** 

**Doutoranda do PPGE da Universidade Estadual de Ponta Grossa. E-mail: <vanessarauerodrigues@gmail.com>.

***Doutoranda do PPGE da Universidade Estadual de Ponta Grossa. E-mail: <sheilafquadros@gmail.com>.

****Professora da Universidade Estadual de Ponta Grossa. E-mail: <soliveira13@uol.com.br>.


Resumo:

Este trabalho tem como objetivo apresentar estudos que tratam da prática educacional frente à especificidade do espaço prisional. Observam-se suas possibilidades e seus limites e identificam-se aproximações do contexto das prisões paranaenses. Para tanto, optou-se pela revisão de literatura, sendo possível apontar e selecionar as produções referentes às investigações sobre a educação nas prisões, de forma a delinear as condições e os documentos que a respaldam. A busca dos documentos tratou das publicações em duas fases: de 1996 a 2006 e de 2007 a 2017. A seleção e a classificação dos documentos foram definidas a partir das seguintes categorias de análise: Educação Prisional, Legislação Educacional, Legislação e Políticas Públicas Prisionais. Desse modo, das onze publicações selecionadas, foi observada a educação com uma função de justificativa de permanência e de manutenção da pena de prisão com vistas ao aspecto progressivo e redutor dos danos causados pelas condições carcerárias atuais.

Palavras-chave: Prisão; Educação; Paraná

Abstract:

This work has the objective of presenting studies that deal with the educational practice facing the specificity of the prison space. Its possibilities and limits are observed and approximations of the context of prisons in Paraná are identified. For this, the literature review was chosen, and it was possible to point out and select the productions related to the investigations on education in prisons, outlining its conditions and supporting documents. The search of the documents dealt with the publications in two phases: from 1996 to 2006 and 2007 to 2017. The selection and classification of the documents were defined from the following categories of analysis: Prison Education, Educational Legislation, Legislation and Prison Public Policies. Thus, of the eleven publications selected, education was observed with a function of justification of permanence and maintenance of the prison sentence with a view to the progressive and reducing aspect of the damages caused by the current prison conditions.

Keywords: Prison; Education; Paraná

Resumen:

El presente trabajo tiene como objetivo presentar estudios que tratan de la práctica educativa frente a la especificidad del espacio prisional. Se observan sus posibilidades y sus límites y se identifican aproximaciones del contexto de las prisiones paranaenses. Para ello, se optó por la revisión de literatura, siendo posible identificar y seleccionar las producciones referentes a las investigaciones sobre la educación en las prisiones, para delinear las condiciones y los documentos que la respaldan. La búsqueda de los documentos trató de las publicaciones en dos fases: de 1996 a 2006 y de 2007 a 2017. La selección y la clasificación de los documentos fueron definidas a partir de las siguientes categorías de análisis: Educación Prisional, Legislación Educacional, Legislación y Políticas Públicas Prisionales. De este modo, de las once publicaciones seleccionadas, se observó la educación con una función de justificación de permanencia y de mantenimiento de la pena de prisión con vistas al aspecto progresivo y reductor de los daños causados ​​por las condiciones carcelarias actuales.

Palabras claves: Prisión; Educación; Paraná

Introdução

A função da pena da prisão e a necessidade de que, durante a tutela, os direitos sociais sejam garantidos, sendo um deles a educação, representam o ponto de partida para a discussão deste estudo. Dessa forma, o objetivo desta investigação é apresentar estudos que tratam da educação no contexto prisional. Procurou-se observar as especificidades do espaço, os limites e as possibilidades da prática, aproximando-os do contexto das prisões paranaenses.

A proposta, portanto, é de uma revisão de literatura constituída por descritores relacionados à Educação Prisional, à Legislação Educacional, à Legislação e às Políticas Públicas Prisionais. Quanto às áreas de conhecimento, o critério foi redimensionado, observando a característica multidisciplinar no atendimento e considerando que a necessidade das demandas sociais encarceradas explicita o espaço das prisões em um terreno fértil para a investigação científica. Das áreas do conhecimento encontradas, foi possível selecionar pesquisas de educação prisional com abordagens específicas da Educação de Jovens e Adultos até questões que envolvem o vínculo da educação formal com atividades de trabalho ou terapêuticas.

A busca foi direcionada para documentos com investigações concluídas publicadas nos endereços eletrônicos do Portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), da Scientific Electronic Library Online (SciELO), do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, do Banco de Teses da Capes, do Google Acadêmico, dos Anais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), do sites dos Programas de Pós-Graduação de Educação e das bibliotecas digitais em instituições de Ensino Superior. Os documentos levantados foram organizados em dois períodos: de 1996 a 2006 e de 2007 a 2017, sendo selecionadas onze publicações como mais significativas, considerando a aproximação com os objetivos e as categorias desta investigação.

Para uma melhor compreensão, este texto foi organizado em três momentos, dispostos em seções. O primeiro tratou dos procedimentos metodológicos relacionados ao levantamento dos estudos, buscando localizar as obras que abordavam os limites e as possibilidades da educação dentro da prisão, além de localizar as aproximações dessas relações no estado do Paraná. No segundo momento, buscou-se verificar, dentre as especificidades da prisão, possibilidades e limites da educação, a partir do levantamento das obras selecionadas. A terceira e última seção encontrou nos estudos selecionados uma aproximação com o estado do Paraná com abordagem que tratava da relação entre a prisão e a prática da educação. O estudo das pesquisas realizadas permitiu a verificação no cenário prisional, a educação com uma função de justificativa de permanência e manutenção da pena de prisão com vistas ao aspecto progressivo e redutor dos danos causados pelas condições carcerárias atuais.

Levantamento da literatura e procedimentos metodológicos

A discussão sobre a pena de prisão e a garantia dos direitos sociais problematizam a função que a educação tem nesse contexto. Além disso, desvela condições históricas das estruturas físicas prisionais e do atendimento educacional de pessoas presas, descontruindo muitas concepções sobre a pena de prisão e sua função social.

Partindo dessa questão e da proposta de revisão de literatura, esta seção apresenta os procedimentos metodológicos aplicados na tentativa de localizar obras que pudessem subsidiar lacunas teóricas frente aos limites e às possibilidades da educação dentro da prisão e suas aproximações no estado do Paraná. Assim sendo, foram investigados documentos publicados e alocados, como já apontado, nos endereços eletrônicos do Portal da Capes, SciELO, Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, Banco de Teses da Capes, Google Acadêmico, Anais da ANPEd, sites dos Programas de Pós-Graduação de Educação e bibliotecas digitais em instituições de Ensino Superior. Dentre os estudos investigados foram selecionados onze como mais significativos para leitura na íntegra e apresentados no Quadro 1 mais adiante.

Quadro 1 Estudos selecionados 

Título Autores Periódico Síntese/Proposta de investigação
Até quando faremos relicários? A função social do Espaço Penitenciário Suzann Cordeiro (2010) Livro/ Universidade Federal de Alagoas O livro destaca o espaço prisional de segregação social, onde os ditos "indesejáveis" são discursivamente dispostos para a espera ao retorno à convivência à sociedade.
O Espaço da Prisão e suas práticas educativas: enfoques e perspectivas Arlindo Lourenco e Elenice Maria Cammarosano Onofre (2011) Livro/ Universidade Federal de São Carlos Trata-se de uma organização de artigos de pesquisadores da educação no contexto prisional, ressaltando os efeitos do encarceramento e o enfrentamento do discurso jurídico diante das práticas educativas nesses espaços.
Direito e marxismo: : materialismo histórico, trabalho e educação Enzo Bello, Martonio Mont'Alverne Barreto Lima e Sérgio Augutin (Orgs.) (2014) Livro/Universidade Caxias do Sul O livro é uma organização das produções desenvolvidas no II Congresso Internacional Direito e Marxismo - Novas tendências da América Latina, realizado em 2013, em Caxias do Sul, em uma parceria entre a Universidade de Caxias do Sul (UCS), Universidade de Fortaleza (Unifor), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidad Nacional Autónoma de México (Unam). Instiga os debates relacionando Direito e Marxismo e ressalta a importância de retomar e fortalecer os estudos de Marx e sua crítica ao direito.
Educação nas prisões do Paraná Maria Helena Pupo Silveira (2004) Artigo/III Congresso Brasileiro de História da Educação Trata-se da inserção da escola no espaço prisional e o discurso educativo da pena de prisão nos espaços prisões paranaenses.
La educación em contextos de encierro Gladys Susana Blazich (2007) Artigo/Revista Iberoamericana de Educación Analisa as implicações institucionais caracterizadas pelo ambiente prisional e a relação histórica com a questão educacional, observando as abordagens teóricas focadas nos direitos humanos.
O processo de normalização do comportamento social em Curitiba: educação e trabalho na Penitenciária do Ahú, primeira metade do século XX Maria Helena Pupo Silveira (2009) Tese Evidencia a implementação da educação e do trabalho no sistema penitenciário paranaense, especificamente na primeira Penitenciária no Estado do Paraná, em 1908, traçando uma discussão sobre as funções da pena de prisão como meio punitivo da modernidade.
A ressocialização através do estudo e do trabalho no sistema penitenciário brasileiro Elionaldo Fernandes Julião (2009) Tese Aborda as políticas públicas de ressocialização pautadas nos aspectos educacionais e de trabalho e sua relação com a efetividade na reinserção social do apenado.
Penitenciárias no Paraná: Contribuição aos estudos sobre sociologia da punição e políticas públicas de segurança. Silvio José Bondezan (2011) Dissertação Investiga as fases de construção da Unidades Penais do Paraná e como as políticas públicas nesses espaços se estabelecem a partir das condições de criminalidade postas extramuros.
Direito e desafios: a educação no ambiente prisional Karina Camargo Boaretto Lopes (2013) Dissertação Em um estudo na Penitenciária no Município de Joinville - SC, a autora analisa as políticas públicas educacionais atreladas ao discurso de ressocialização, observadas pela prática dos profissionais da escola. Observa ainda a educação e a função declarada e não declarada da pena de prisão.
Políticas públicas para educação prisional no Estado do Paraná pós 1990 Daiane Letícia Boiago e Amélia Kimiko Noma (2013) Artigo/Seminário de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Educação O artigo faz um recorte das Políticas Públicas internacionais e nacionais para a educação nos estabelecimentos penais, delimitando o Estado do Paraná como objeto de estudo. Compreendendo o período de 1990 como ponto de partida, segue com momentos históricos que referenciam a implantação da educação no Estado.
Escola da ou na Prisão? Elionaldo Fernandes Julião (2016) Artigo/Cadernos do Centro de Estudos Educação e Sociedade O artigo discute as políticas públicas da educação e o papel da escola no espaço carcerário, problematizando-as frente às perspectivas de garantia de direitos para a pessoa presa.

Fonte: Elaboração nossa com base no levantamento da pesquisa.

A distribuição dos documentos encontrados foi disposta na Tabela 1 que segue, divididos pelas áreas de conhecimento e tipos de produção. O levantamento dos documentos indica os estudos desenvolvidos em duas fases que envolvem os lapsos temporais de marcos importantes da educação brasileira: a primeira de 1996 a 2006, pelos efeitos da transição democrática do país e, como decorrência, da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação de Jovens e Adultos. A segunda é especificada entre 2007 até 2017, cuja mudança revela-se pela elaboração e pela promulgação das Diretrizes Curriculares especificamente para Jovens e Adultos privados de liberdade. Destaca-se, todavia, que esses marcos históricos não serão investigados nesta revisão, apesar de estarem implícitos em algumas das publicações analisadas.

Tabela 1 Distribuição de estudos 

Ano de publicação ESTUDOS INVESTIGADOS
1996-2006 2007-2016
Área do conhecimento Artigo Periódico Artigo Evento Dissertação Tese Livros - Capítulo de livro Artigo Periódico Artigo Evento Dissertação Tese Livro Capítulo de livro
Educação 4 3 22 5 1 27 5 40 9 16
Ciências Sociais 1         4   1 4  
Memória Social               1 1  
Arquitetura 1     1            
Ciência do Ambiente               1    
Ciência Jurídica/Direito     1     3 1 1 1 1
Política Social 1         1   1   1
Sistema Constitucional de Garantia de Direitos               1    
Tecnologia     1              
Letras               2    
Psicologia     1         1    
Sociologia               2   1
Teologia               1    
Ciências Humanas, Sociais e da Natureza         1     1   1
Ensino das Ciências e da Matemática               1   1
Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Regional               1    
Engenharia de Produção     1              
SUBTOTAL 7 3 26 6 2 35 6 55 15 21
Artigos Dissertações Teses Livros/Capítulo de livros
51 81 21 23
TOTAL 176

Fonte: Elaboração nossa com base no levantamento da pesquisa.

Foram identificados, a partir da leitura dos resumos das publicações, 174 documentos, entre eles 42 artigos publicados em periódicos, nove artigos completos e com pesquisas concluídas publicadas em eventos, 81 dissertações, 21 teses, 23 livros e capítulos de livros que trataram do tema Educação no Sistema Prisional. Foram consideradas também pesquisas as quais, embora tratassem de outros temas centrais, trouxessem discussões referentes aos aspectos da educação no espaço prisional, considerando as relações com a estrutura física, propostas de rede de atendimento, perspectiva de reinserção social, entre outras questões pertinentes à abordagem educacional.

A Tabela 1 caracteriza as investigações científicas na prisão cujo laço inicial encontra-se na multiplicidade de áreas de investigação, identificando a diversidade de interesses neste espaço tão restrito e limitado como a prisão, mas amplo nas lacunas de pesquisa. Demonstra, ainda, a preocupação de diferentes profissionais com a educação diante de suas possibilidades ou divergências no atendimento da pessoa privada de liberdade.

Para escolha das pesquisas, foram observadas as investigações históricas vinculadas ao contexto paranaense, os estudos que analisam a estrutura física prisional e a educação como garantia de um direito social fundamental. O Quadro 1 a seguir apresenta uma prévia dos documentos que foram selecionados a partir do critério de maior aproximação com os objetivos e as categorias desta investigação.

A análise que segue apresenta algumas aproximações e divergências sobre a educação nas prisões. Observam-se suas possibilidades e seus limites e pontuam-se aspectos importantes que sinalizam para a necessidade de investigações que aprofundem essa abordagem no estado do Paraná.

As especificidades da prisão e a possibilidade da educação: apresentação das obras selecionadas

Os muros das prisões não implicam somente na contenção das pessoas que, por algum crime cometido, foram impostas e expostas nesses ambientes. O que há nessas estruturas, como estão dispostas portas e ambientes coletivos, as entradas de luz, o cheiro e as cores das paredes, tudo tem um significado, seja ele intencional ou não, por vontade de quem mantém a tutela ou pela sua omissão. Nesse sentido, objetiva-se, nesta seção, verificar, dentre as especificidades da prisão, possibilidades e limites da educação, a partir do levantamento das obras selecionadas.

A identificação do real propósito da pena começa pela verificação do espaço físico do ambiente de condenação. Além disso, o território também define a ênfase dada às atividades oferecidas nesses locais, de modo a explicar as limitações concretas das recomendações das leis e dos programas de atendimento.

Com o objetivo de problematizar o espaço físico das instituições prisionais e a função a qual são designadas, a arquiteta Suzann Cordeiro apresenta o livro Até quando faremos relicários? A função social do espaço penitenciário. Essa obra discute a questão da segregação por meio da prisão e a relação do preso com a estrutura física a qual é exposto, observando a configuração dos espaços e suas delimitações.

A autora apresenta uma análise das plantas do Banco de Projetos do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça com relação aos programas de necessidade e da setorização disponíveis. Além disso, ela discorre sobre o planejamento arquitetônico de penitenciárias do Espírito Santo, São Paulo, Rio Grande do Sul e mapeia as Unidades Penais Federais. Ao conceituar as diretrizes legais que regem a construção de penitenciárias, Cordeiro (2010) enfatiza as políticas públicas que definem a pena de prisão no país, articulando com a proposta de cada instituição penal pesquisada.

Sua abordagem traz à tona questões importantes sobre as políticas de segurança pública tratando, especificamente, do espaço penitenciário e sua relação com as políticas sociais no país. Aponta, nas fronteiras destas, um grande conflito entre suas reais funções no atendimento da população. Nesse sentido, a autora afirma que:

As políticas sociais básicas podem ter efeitos preventivos em relação à criminalidade e à reincidência, mas se referem a ações nas áreas de educação, saúde e habitação, enquanto que a política de segurança pública reúne ações que interferem mais diretamente na criminalidade, como controle de porte de armas, policiamento ostensivo, medidas preventivas quanto à criminalidade, etc. e visa garantir a segurança da população livre, mas que não se detém ao tratamento de quem cometeu o crime, no sentido de recuperá-lo. (CORDEIRO, 2010, p. 29).

Além disso, nenhuma das duas se integram para a ação na Política Criminal. O objetivo de reintegração da pessoa, que transgrediu as normas ensinadas ou impostas, pelas políticas públicas anteriores, não representa um processo que se articula.

O fato é que a contenção ocorre pela mesma política que prende, e a proposta de atendimento do recluso é aquela que prevê o auxílio na reinserção, com distintos mecanismos na relação com o cidadão. Ambas, historicamente, não dialogam nas ações extramuros. Essa falta de articulação dentro dos muros da prisão também não acontece, mas parece ser um reflexo bem mais profundo.

Ao conceituar as diretrizes legais que regem a construção de penitenciárias, Cordeiro (2010) enfatiza as políticas públicas que definem a pena de prisão no país, articulando com a proposta de cada instituição penal pesquisada. Nesta apresentação, problematiza-se uma das maiores preocupações no funcionamento de ações sociais de um Estado: a concepção de sistema. Entendendo-o como uma organização, uma relação articulada no cumprimento da função de cada elemento que precisa estar e ser integrado, retomando o questionamento anterior sobre o diálogo nas políticas públicas, é possível definir o sistema penal como "[...] o grupo de instituições e políticas públicas que visam cumprir o que o Direito preconiza para a execução das penas de reclusão, detenção ou prisão simples" (CORDEIRO, 2010, p. 30).

Cada instituição prisional, embora possa ter características físicas e de cumprimento de pena distintas, é regida dentro de um sistema e, portanto, balizada pelos mesmos objetivos sociais. Esse fio condutor do objetivo social, da reintegração, encontra suas especificidades também pela estrutura física, o espaço arquitetônico. A prisão tem, de forma generalizada, como finalidade formal "[...] preparar o preso e abrigá-lo, isolando-o do convívio com a sociedade, até que ele possa ser devolvido [...]" (CORDEIRO, 2010, p. 30).

Assim, esse espaço arquitetônico tem uma ligação direta para a concretização das ações das políticas sociais dentro da prisão e, também, fora delas. O perfil do preso, quando investigado no país em qualquer tempo, apresenta uma população pobre e sem escolaridade. Trata-se "em qualquer tempo", pois, ao observar que a autora relata a constatação de 2010 e pelo percurso histórico, os dados trazidos pelo Levantamento de Informações Penitenciárias de 2014 (BRASIL, 2014) ainda não mudaram. "Isso não quer dizer que a criminalidade tenha realidade direta com a pobreza e a exclusão social, mas demonstra que a população pobre acaba povoando os espaços penitenciários excluídos da sua exclusão fora dos muros, para que não venham a se misturar na sociedade" (CORDEIRO, 2010, p. 26).

Desse modo, muitas são as variáveis que definirão os objetivos para a proposta de pena, mas sua função é percebida pela ocupação dos espaços. Entendendo que o crime e o castigo estão, diretamente, ligados e que o aspecto de sistema tem um significado diferente das outras políticas públicas. O sistema penitenciário tem como aspectos organizacionais "[...] um funcionamento, uma organização de diversos elementos físicos, humanos, políticos, econômicos, entre os quais se possa encontrar ou definir alguma relação" (CORDEIRO, 2010, p. 29).

As penitenciárias, os presídios, as cadeias e os centros de ressocialização são estabelecimentos que são utilizados para alojar as pessoas, condenadas ou provisórias. Assim, o espaço abriga, isola e, espera-se, que prepare para a reinserção social.

Esse espaço tem, desse modo, uma finalidade de readaptação social. Contudo, se para o Judiciário o tempo de contenção é a maior preocupação no momento de definir a pena, para as políticas sociais o seu cumprimento e a ênfase no planejamento do espaço tempo representam a questão principal. Além disso, a operacionalização das ações mostra a necessidade de se cumprir os princípios históricos de reparação e de recuperação, cujos aspectos esperam alcançar os anseios presentes nas políticas sociais.

A função social da estrutura física da prisão e como ela vem sendo alterada nos últimos anos resultam na constatação da existência de vias de dualidade entre o discurso de ressocialização e o espaço físico existente. Os espaços de atividades coletivas e os espaços de vivência conferem a cada um eles uma característica da ocupação. Esse aspecto permite uma análise mais apurada sobre como a instituição escolar se estabelece nos ambientes e de que forma o espaço físico sobrepõe a identidade da pessoa presa.

As distorções do espaço pela falta de planejamento e pelo aumento gradativo do número de aprisionados no país têm agravado a exclusão social. A segregação pelo espaço e o tempo de permanência da pessoa privada de liberdade estabelecem relações que crescem com objetividades, muitas vezes distintas das esperadas pelas políticas prisionais, com a chamada ressocialização.

Na prisão, o público e o privado misturam-se, gerando uma coletividade prisional. Assim, as características individuais e pessoais ficam em segundo plano, pois, privado de sua liberdade, o preso não consegue manter suas características pessoais.

A coletividade prisional, compreendida como de cunho privado, é definida como o conjunto dos indivíduos, cujas individualidades distintas contribuem para a formação de um corpo coletivo, comum, identificado como um indivíduo anti-social. No caso do grupo de encarcerados, o coletivismo impera, na medida em que a propriedade da individualidade privada - caraterísticas psicológicas, familiares, biológicas e sociais - é substituída pela propriedade coletiva sob o controle do Estado. (CORDEIRO, 2010, p. 42).

Dado o espaço físico, todos se resumem a presos. Essa condição permite observar a identificação da função social da pena como um processo de homogeneização do comportamento, a partir da mobilização restrita, do comportamento disciplinado e da imposição do espaço físico.

Uma segunda obra selecionada, intitulada O espaço da prisão e suas práticas educativas: enfoques e perspectivas contemporâneas, organizada por Arlindo da Silva Lourenço e Elenice Maria Cammarosano Onofre, traz, em seus capítulos, análises referentes às práticas educativas nas prisões, promovendo um embate entre os efeitos da prisão e o discurso dos documentos jurídicos. Os autores alinham as Políticas Educacionais com a prática educacional nos espaços de privação de liberdade, observando a escola como local de resistência, intitulando-a, muitas vezes, como "celas de aula".

Dentre os doze capítulos organizados, um deles se destaca pela abordagem das políticas públicas educacionais. No texto Os processos educativos nas prisões: suas regularidades e singularidades, Lourenço (2011) explicita as características da educação nas prisões e a inferência das políticas públicas da execução penal. O autor cita-as a partir de suas experiências de pesquisa e como psicólogo nas penitenciárias de São Paulo.

A reflexão sobre as singularidades e as particularidades da prisão determinam a especificidade da educação formal para o cárcere e desconstroem a concepção estrutural que a escola tem fora dos muros. Lourenço (2011) afirma que:

Essa caracterização mais regular e mais singular estaria presente basicamente de duas formas: no próprio espaço arquitetônico disposto e disponibilizado para efetivar a política educacional pensada para as prisões - seus corredores, suas salas de aulas, o mobiliário à disposição e as instalações físicas; ou no trato interpessoal, mais ou menos flexível, que encontrávamos em funcionários, dirigentes, professores, coordenadores, entre todos aqueles responsáveis por fazer chegar essa assistência à população destinada: os presos. (LOURENÇO, 2011, p. 169).

As formas que a prisão implementa a educação, embora sejam legitimadas por uma legislação, diferem na apropriação do espaço e na operacionalização do cotidiano. As normas institucionalizadas nem sempre estão condizentes com as práticas da rotina da instituição.

A educação, embora tenha nos discursos de tratamento penal um lugar valoroso, no objetivo da pena de prisão, essa condição não é percebida com tanta ênfase. A relação de submissão de instituições destitui da escola a valorização outrora apresentada nas políticas criminais como parte do cumprimento de pena.

Em que pese a existência de normas e regras às vezes muito rígidas, entre tudo aquilo que é dito e aquilo que é previsto, as formas pelas quais as pessoas se apropriam dessas regras e as operacionalizam no cotidiano em que se encontram são distintas. Por mais que exista um enquadrinhamento das práticas, das normas e das sanções institucionais, existe ainda a possibilidade de burlá-las por meio das apropriações que são feitas pelas pessoas a elas submetidas. (LOURENÇO, 2011, p. 169).

A condição de preso retira a condição de educando na escola prisional. Assim sendo, ao diferenciar o sujeito pelas suas limitações quanto à mobilidade, também se cria uma naturalidade na destituição de sua autonomia nos espaços escolares prisionais. O fato de optar por participar de atividades educacionais já se refere a um grande dilema nesses ambientes. O direito de frequentar as aulas nem sempre é uma condição garantida. Muitas vezes, o próprio ambiente não é favorável para que essa ação aconteça. Celas e salas adaptadas, com pouca ventilação e luminosidade são comuns nos relatos do autor.

A estruturação dos espaços limitados para as práticas educativas é uma delas e esses espaços podem ter relação direta com o tipo de atividade que se faz. Assim, imaginamos fazer muita diferença, por exemplo, frequentar uma escola em espaços característicos, típicas salas de aula, onde as portas, embora se encontrem fechadas a fim de evitar interrupções que possam interferir no andamento das atividades, estão destrancadas e são de madeira, em contraposição a frequentar aulas em verdadeiras celas, as celas de aula. (LEME, 2002 apudLOURENÇO, 2011, p. 171).

Pensados muito mais pelo controle do que pela readaptação social, os espaços prisionais não garantem a efetiva participação em atividades como de educação. As modalidades arquitetônicas demonstram que a cultura prisional sobrepõe a cultura escolar, embora as normas e o currículo sejam os mesmos para implantação das práticas escolares.

A ausência de uma qualificação, seja dos profissionais da educação, seja dos da prisão, é uma preocupação que justifica as limitações na execução das atividades educacionais nesses ambientes. Compreender que as atividades educacionais fazem parte não somente do projeto da escola como também da reinserção social, objetivo da pena de prisão é uma das obrigações de todos os operacionalizadores da pena.

Uma política educacional voltada para a qualificação do conjunto de funcionários envolvidos com a escola, para a possibilidade de internalização do papel fundamental de cada um dos envolvidos, na trama dos processos educativos, nas perspectivas de evitar estereótipos e preconceitos, aceitando os educandos como indivíduos ativos no processo educacional e como portadores de uma história e de uma verdade que há de ser considerada [...]. (LOURENÇO, 2011, p. 174).

Assim, para consolidação do trabalho educacional nas prisões, é essencial que todos reconheçam, dentro de sua singularidade funcional, a regularidade na efetivação do direito à educação.

O direito à educação é o foco do livro Direito e Marxismo: materialismo histórico, trabalho e educação, organizado por Enzo Bello, Martonio Mont'Alverne Barreto Lima e Sérgio Augustin. Trata-se de uma organização de produções pautadas em investigações científicas comunicadas no II Congresso Internacional Direito e Marxismo, realizado em 2013.

Nessa obra, especificamente no capítulo A garantia constitucional do direito à educação, de Odir Belatto (2014), são problematizadas as condições para que os direitos sociais sejam garantidos. Todavia, não são as condições do direito que se observam como destaque, mas os discursos de seus impedimentos. Dentre estes, é preciso desmitificar a concepção de cidadania, aspecto, muitas vezes, entendido como negação da pessoa privada de liberdade. O entendimento de senso comum é de que, se o preso não vota, não exerce sua cidadania.

A cidadania como fundamento do Estado Democrático de Direito não tem apenas um sentido técnico-jurídico. Isso significa que ela não é uma simples atribuição de direitos políticos ativos e passivos aos indivíduos que atendam aos requisitos legais. [...]. Portanto, a concepção de cidadania expressa na Constituição não está restrita ao cidadão eleitor, mas deve estar projetada em vários instrumentos jurídico-políticos imprescindíveis para viabilizá-la. (BELATTO, 2014, p. 351).

O autor afirma que, dentre os direitos preservados na prisão, está o direito à educação. A partir dela, existe a preocupação de desenvolvimento da pessoa privada de liberdade com vistas ao exercício da cidadania e qualificação para o mundo do trabalho. Essa condição permitiria o estabelecimento da dignidade humana e criaria perspectivas para a colaboração na sociedade. No entanto, como refletir sobre uma condição em que se está privado? Como criar projetos de vida de uma pessoa livre, estando preso?

Na obra estudada, especificamente no capítulo A aplicação do método marxista para o entendimento da categoria de imperialismo dos direitos humanos, de João Adolfo Ribeiro Bandeira, Enoque Feitosa Sobreira Filho e Raisa de Oliveira Lustosa, são discutidos os aspectos de liberdade a partir da concepção de direito humano e cidadania. A liberdade, considerada um grande valor nas sociedades modernas, é entendida como uma forma de participação na sociedade. Alicerça-se nas questões políticas e econômicas e limita-se pelos interesses individuais.

O conceito de liberdade designado pelo aspecto emancipatório político perde força dentro da prisão. É na concepção de emancipação humana que a liberdade perdida se reveste de direitos muitas vezes não garantidos. A não garantia destes demonstra como o discurso estatal, na maioria das vezes manipulado, é disfarçado com o termo de democracia.

[...] os direitos humanos, na forma em que são compreendidos e estabelecidos, configuram meios de liberdade e emancipação, porém, dentro da ordem institucional que privatiza as liberdades reais e fundantes de dignidade humana (fetiche de dignidade). A instrumentalização destes direitos, como discurso de imposição imperialista, universal e não democráticos, constituem um paradoxo ainda não definido, em disputa pelas estruturas que compõem a luta de classes. (BANDEIRA; SOBREIRA FILHO; LUSTOSA, 2014, p. 127).

A educação, com vistas à garantia do sujeito, precisa romper com esse mecanismo, objetivando um trabalho emancipatório. Uma ação que não termine na individualidade, mas instrumentalize uma abrangência maior, um propósito que construa uma resistência contra as condições de alienação impostas.

Nesse sentido, a obra traz, no capítulo O trabalho socioeducativo à luz da teoria social crítica, de Luciane Frison Fortuna, dimensões emancipatórias. A autora aponta ser preciso não uma educação individualizada, mas

[...] sim para um sujeito social, ou para grupos sociais. Dessa forma, o trabalho socioeducativo, [...] possui uma abrangência maior, à medida que a intervenção com o sujeito, considerado enquanto histórico e social, traz impactos sobre a sociedade. Isso ocorre, sobretudo, na perspectiva emancipatória [...]. (FORTUNA, 2014, p. 233).

Assim, a educação pode auxiliar o educando na resistência para a superação das contradições existentes entre os discursos da lei e as condições nas prisões brasileiras. Essa educação emancipatória tem como objetivo, dessa forma, a intervenção do sujeito e a transformação da sociedade.

Quanto aos discursos da lei, as autoras Daiane Letícia Boiago e Amélia Kimikio Noma discutem, no artigo Políticas Públicas no Estado do Paraná pós 1990, as propostas de educação direcionadas às pessoas privadas de liberdade, especificamente no regime fechado, a partir do ano citado. Nessa investigação, é apresentada a construção da política pública para Educação de Jovens e Adultos e explicitado como o direito à educação está posto nas prisões, a partir dos aspectos normativos nacionais e internacionais. O objetivo central do estudo está no destaque do papel das agências internacionais do sistema da Organização das Nações Unidas (ONU) na elaboração das políticas públicas de implantação de educação nas prisões em uma visão do macrocosmo, referindo-se a todos os países membros, e do microcosmo, especificamente, o Brasil.

O direito à educação do sujeito, mesmo estando preso, é uma característica de todos os países membros da ONU, fazendo parte de consensos globais, dispostos em forma de eventos, documentados por atas e pareceres coletivos, acordados em uma agenda organizada para "[...] adequação das políticas de educação às necessidades emergentes do capital" (BOIAGO; NOMA, 2013, p. 2). O propósito de expansão desses países justifica a ação de integrar a educação como políticas públicas sociais que independem da condição de privação de liberdade, fazendo parte da estratégia de conduzir o consenso nos princípios doutrinários básicos impostos.

Dessa forma, utilizando como fundamento a Declaração Mundial de Educação, acordada na Conferência Internacional de Educação para Todos, em 1990, fica definido, por consenso, que a educação prisional acontecerá nos seguintes critérios: "[...] na modalidade de educação de jovens e adultos, garantia do direito à educação básica e profissionalizante para todas as pessoas que se encontram em situação de desvantagem educacional" (BOIAGO; NOMA, 2013, p. 3).

É certo que a educação na prisão com vistas ao dito "progresso" social está muito mais vinculada ao fator de desenvolvimento econômico e, assim, com a finalidade de reinserção no mercado de trabalho dos egressos. Desse modo, surge o questionamento: Qual a função social da educação na prisão?

Um dos documentos considerado significativo para esta discussão é a dissertação de Karina Camargo Boaretto Lopes, cujo título é Direito e desafios: a educação no ambiente prisional. A pesquisa foi desenvolvida em uma penitenciária do município de Joinville, no estado de Santa Catarina, com vistas a identificar os reflexos da educação desenvolvida para os presos. Com a aplicação de questionários aos educandos e entrevista com gestores, a autora relata os resultados de sua investigação pelo discurso dos envolvidos. Ela identifica o perfil dos sujeitos pela evasão da escola quando na infância e adolescência e os motivos do retorno dentro da prisão.

Pela estrutura da penitenciária pesquisada, a pesquisadora aponta possibilidades em que o preso estuda e trabalha, conciliando seu tempo com as duas atividades. Uma característica singular, já que muitos citam o motivo da evasão escolar: enquanto não estavam presos, não conseguiam conciliar seu tempo de trabalho aos estudos.

Segundo Lopes (2013), a caraterística do atendimento é de uma escola extramuros vinculada à instituição prisional. As práticas de ensino correspondem à modalidade a distância e estão atreladas à aplicação de exames.

A metodologia de aula prevista para os educandos que estudam na unidade prisional é a Tele aula, contudo as professoras costumam lecionar aulas expositivas na modalidade presencial por entenderem que esta forma permite um melhor acompanhamento e um processo de avaliação mais eficaz dos educandos, além de proporcionar a socialização dos educandos que podem, em determinados momentos, realizar atividades em grupo. (LOPES, 2013, p. 148).

Contudo, dentre as várias funções da escola apresentadas pela autora, a que mais se destaca é a definição dada pela escola pública, em que a função social se reporta como articuladora das políticas sociais do Estado, em um movimento contraditório em que se reivindica a autonomia do sujeito na extensão dos processos burocráticos vinculados aos conteúdos e às diferentes gestões. Assim, a função social da pena confunde-se com a função social da educação, observando que "[...] o Estado através de seu poder-dever de punir atribuído através da função jurisdicional, também tem o poder-dever quanto à função de reintegração social do apenado" (LOPES, 2013, p. 81).

A escola, nesse sentido, assume a tentativa da função emancipatória. Lopes (2013) destaca que a estrutura prisional impede, muitas vezes, a lógica de construção do conhecimento. A aproximação física do professor é impedida e o material didático não pode ser levado às celas. Para tanto, a escola precisa criar estratégias que permitam desenvolver a criticidade do educando e possibilitem perspectivas de uma autonomia educacional.

Nessa direção quanto à função social, em uma reflexão mais apurada frente ao destaque dado pela função de cada instituição, o artigo de Gladys Susana Blazich, intitulado La educación em contextos de encierro, indica a complexidade de analisar-se a escola dentro da prisão, não pelos educandos que são atendidos, mas por serem dois contextos institucionais distintos com linhas teóricas e origens bem diferentes. A autora destaca que:

La escuela en contextos de encierro funciona a modo de uma institución dentro de outra y supone conjugar prácticas y marcos normativos entre el sistema penitenciario y el sistema educativo com lógicas de funcionamento diferentes: em el primero la del castigo y el diciplinamiento, fundante del derecho penal y la prisiones; y en el segundo la lógica del desarollo integral de los sujetos, fundante de la educación. (BLAZICH, 2007, p. 54).

A instituição escolar, desse modo, possui objetivos diferentes da instituição prisão com marcos históricos construídos em contextos distintos dos designados na constituição das carceragens. As pessoas que trabalham no sistema prisional não têm o mesmo enfoque profissional que os profissionais da educação. Esses enfrentamentos demonstram como acontece a educação no sistema prisional.

Los distintos actores que participan de estas propuestas - agentes penitenciários, docente, internos, funcionarios, familiares, etc. -, tienen diversos enfoques y valoraciones acerca de la función de la educación em este ámbito. Así, están dirigidas a los mismos sujetos pero cumplen distintos objetivos: ocupación del tempo libre, re-socialización, disminución de la agresividad, proyección a la reinserción laboral, entre otras. Es decir, que acerca de la función de los establecimientos penitenciários y de la educación dentro de ellos. (BLAZICH, 2007, p. 55).

Desse modo, os educandos que frequentam as escolas prisionais são sujeitos de muitas exclusões, dentre elas a que compartilham na coletividade, a privação da liberdade. É preciso, nesse sentido, recuperar o que perdeu ao longo de sua história, em um espaço não tão fértil. A prisão promove uma ocupação de passagem e com certa preocupação sobre a sensação de pertencimento do educando na escola. Essa característica conduz a uma expressão citada e problematizada em grande parte das investigações selecionadas: educandos presos ou presos educandos.

O posicionamento que a escola assume na prisão e como entende o perfil de quem é atendido é uma indagação importante e, também, presente na próxima obra selecionada, a do autor Elionaldo Fernandes Julião, intitulada Escola da ou na Prisão?. Nesse artigo, o autor investiga como as perspectivas políticas e pedagógicas se articulam à complexidade institucional da prisão. O autor investe no debate da função da pena e no papel do sistema penitenciário na atual sociedade, trazendo à tona a polêmica da educação para além do cárcere e não para o cárcere.

Julião (2016) aponta a necessidade de mais objetividade na proposta pedagógica das escolas que atuam nas prisões. Essa constatação surge de estudos aprofundados sobre a educação prisional, principalmente a partir da tese A ressocialização através do estudo e do trabalho no sistema penitenciário brasileiro, documento selecionado para a revisão de literatura pela sua importância no quadro de pesquisas da área.

A publicação foi precursora à legislação que instituiu a remição pelos estudos em 2011. Ela apresenta o impacto da educação e do trabalho nos programas de ressocialização, problematizando os desafios pelo entendimento dos diferentes operadores da execução penal, fornecendo sugestões possíveis de implementação.

As experiências observadas a partir das duas pesquisas do autor indicam a necessidade de se atender à realidade do sistema penitenciário brasileiro, contextualizando à realidade de cada unidade prisional, cuja ressalva se dá pela especificidade do espaço e da proposta de cumprimento de pena. O estudo da realidade, compreendendo as dificuldades e as possibilidades de cada instituição, permite o avanço para uma proposta pedagógica com aspectos conceituais de atendimento prisional melhor elaborados e um ajustamento às demandas discentes.

Essa breve reflexão sobre a educação no contexto prisional teve como intencionalidade aproximar os estudos à abordagem educacional no estado do Paraná. As considerações que seguem referem-se à relação histórica e sociológica da educação formal nas prisões paranaenses.

Estudos sobre a educação nas prisões do Paraná

A investigação buscou uma aproximação com o estado do Paraná com vistas a identificar estudos que abordassem as possibilidades e os limites da educação, diante das especificidades prisionais. Desse modo, foram encontrados dois documentos de Maria Helena Pupo Silveira: o artigo Educação nas prisões do Paraná; e a tese de Doutorado O processo de normalização do comportamento social em Curitiba: Educação e Trabalho na Penitenciária do Ahú (1908). Ambos apontam para questões estruturais e de atendimento que auxiliaram neste levantamento do estado.

No primeiro documento, a autora aborda a construção da ideia de prisão desenvolvida na Europa e na América do Norte e suas técnicas disciplinares, com vista à manutenção da ordem carcerária. Ela discorre sobre a aceitação do conceito no Brasil desde o século XIX, juntamente à criminalização dos menos favorecidos economicamente. A pesquisadora trata, ainda, do perfil dos presos paranaenses, relatando as questões de idade, grau de escolaridade e situação criminal e algumas rotinas praticadas nas prisões. A tese analisa o modelo disciplinar posto na abordagem penal até a década de 1940 e traça o histórico da implantação da escola e das oficinas de trabalho na primeira penitenciária do Estado, observando as técnicas de atendimento penitenciário. Silveira (2009) descreve também como a cidade de Curitiba se organizou a partir da marginalização de pessoas e como conquistou sua condição de cidade "Sorriso", utilizando a fundamentação sociológica, jurídica, médica e educacional.

Ambos os documentos se revelam como estudos muito importantes para a pesquisa proposta. Trazem questões históricas da origem da instrução educacional nas penitenciárias e da implantação das primeiras instituições escolares na capital do Paraná.

A autora destaca algumas concepções históricas que levaram à implementação de escolas nos espaços prisionais brasileiros, definindo as necessidades que foram se instaurando no cumprimento de pena.

A indagação sobre a necessidade de uma escola nas prisões recebeu, ao longo do século XX, diferentes respostas: a ignorância gera delinquente e o delito é o produto do meio social desfavorecido intelectualmente; a educação corrobora para a socialização e a reinserção do marginal na sociedade; a educação capacita o preso e beneficia laboralmente o detento a ajustar-se à organização e afazeres da vida comum. Outra justificativa, de ordem mais prática, é que as atividades educativas poderiam contribuir para que os internos não ficassem ociosos. As correntes mais céticas do papel da escola como fator de mudança na vida do detento [...], no final do século XIX, não tiveram eco no meio penitenciário. (SILVEIRA, 2009, p. 169).

Dessa maneira, a escola assumiu seu espaço no contexto prisional com ações as quais definiam a qualificação do sujeito pelo aparato jurídico. A visão das atividades educativas, chamada pela autora de "messiânica", são gradativamente integradas à proposta de cumprimento de pena. As concepções de conversão da prisão em espaço educacional, onde a mudança do criminoso em pessoa "adaptável" à sociedade é possível, caracteriza-se por um discurso muito atual.

Seguindo a análise da educação prisional paranaense, utilizou-se a dissertação de Silvio José Bondezan, intitulada Penitenciárias no Paraná: Contribuição aos estudos sobre sociologia da punição e políticas públicas de segurança, com o objetivo de definir o perfil do preso. Essa pesquisa aborda o processo de construção de vagas nas penitenciárias paranaenses, discutindo as políticas públicas de encarceramento da pobreza, adotadas no Paraná. Para tanto, analisa-se a fase de construção de prisões no período de 2002, articulando o encarceramento com as reflexões de criminalidade e violência.

O autor discute o motivo que levou ao fomento de construções das penitenciárias paranaenses, em uma tentativa de resolver o problema de encarceramento no Estado. Nesse contexto, ao promover o levantamento do perfil dos presos que fazem parte desse dito "problema" carcerário, o autor salienta a baixa escolaridade como uma característica importante. Diante dessa constatação, a ação reparadora da escola na recuperação do tempo perdido do preso é uma das justificativas na necessidade de sua implantação.

O Estado do Paraná, embora tenha uma peculiaridade histórica na construção de penitenciárias, ainda assim tem problemas como falta de vagas e impasses nos espaços carcerários, para que exista um atendimento humanizado. A escola, parte desse projeto de humanização, não consegue reconhecer-se nesse ambiente e passa a procurar meios em que o processo educativo se adapte ao prisional. Fato que poderia, pelos consensos das políticas públicas, ser muito diferente, em que o cumprimento de pena deveria se adequar ao processo educativo, já que a pena possui, no seu âmago jurídico, um fundamento pedagógico.

O fato é que o percurso histórico paranaense, assim como o brasileiro, seguiu um caminho paradoxal, forjado por mudanças rasas. Estas tencionam ações que, na maioria das vezes, não aliviam o real problema do encarceramento, dando à educação uma característica reparadora dos danos causados pelo próprio encarceramento.

Considerações finais

A sistematização das produções de conhecimentos e os resultados de pesquisas sobre a educação no contexto prisional, cujo objetivo foi apresentar estudos que tratam das especificidades do espaço e os limites e as possibilidades da prática educacional, aproximando ao contexto das prisões paranaenses, propiciaram discussões as quais revelam enlaces conceituais das políticas públicas prisionais com as educacionais muito próximos.

Contudo, as práticas educacionais deparam-se com obstáculos apresentados pelas condições do espaço prisional e a real intencionalidade da pena de prisão. Apesar do lapso temporal das pesquisas encontradas, as constatações são as mesmas: a educação é consenso no atendimento das pessoas privadas de liberdade, mas a pena de prisão não garante esse atendimento.

O estudo das pesquisas permitiu, dessa forma, a verificação do cenário da educação escolar no espaço prisional e, quando observado o estado do Paraná, observou-se que a problemática é a mesma. Os impasses carcerários impendem a prática educacional, fazendo-a não se reconhecer nesse ambiente como processo humanizado.

Assim, embora as pesquisas demonstrem um avanço na proposta pedagógica pelas legislações, os aspectos conceituais ainda não se ajustaram às suas demandas, observando-se, em relação à prisão, um conceito a ser alinhado. Nesse sentido, a educação mantém-se como uma justificativa de permanência e de manutenção da pena de prisão, em uma tentativa de reduzir os danos causados pelas próprias condições carcerárias atuais.

*Este trabalho foi parcialmente apresentado no XIII Congresso Nacional de Educação, IV Seminário Internacional de Representações Sociais, Subjetividade e Educação - SIRSSE, VI Seminário Internacional sobre Profissionalização Docente - SIPD/CÁTEDRA UNESCO - EDUCERE, o qual aconteceu de 28 a 31 de agosto de 2017.

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Recebido: 16 de Abril de 2018; Aceito: 28 de Agosto de 2018; Aceito: 03 de Setembro de 2018

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