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Práxis Educativa

versión On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.14 no.1 Ponta Grossa ene.-abr 2019  Epub 17-Abr-2019

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.14n1.014 

Artigos

Relações de poder na idealização de livros didáticos de Matemática

Power relations in the idealization of Mathematics textbooks

Relaciones de poder en la idealización de libros de Matemáticas

José Wilson dos Santos* 

Marcio Antonio da Silva** 

*Professor da Universidade Federal da Grande Dourados. E-mail: <josewsantos@ufgd.edu.br>.

**Professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul-UFMS. E-mail: <marcio.ufms@gmail.com>.


Resumo:

Neste artigo, objetiva-se analisar o modo como relações de poder (re)configuram um suposto "ideal" de livro didático de Matemática na atualidade, a partir da perspectiva dos personagens que atuam nessa produção, cujas ações impulsionam a (re)configuração do material. Fundamentado nas teorizações foucaultianas sobre a análise do discurso e as relações saber-poder, toma-se como material empírico entrevistas semiestruturadas realizadas com autores de livros didáticos de Matemática, editores, colaboradores, designers e equipes do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Os dados apontam que, após um período de ajustes e melhorias, pós-avaliação do PNLD, ocorre uma adequação dos livros didáticos de Matemática à ordem do discurso vigente, uma vez que propostas mais desafiadoras são punidas. À medida que o livro de Matemática se torna um produto comercial lucrativo, obras potencialmente mais vendáveis são construídas por saberes oficiais e marginais, forjados na multiplicidade das relações de poder e na leitura dos discursos que estão na ordem do tempo presente.

Palavras-chave: Livro didático de Matemática; Análise do discurso; Relações de poder

Abstract:

In this paper, the aim is to analyze how power relations currently (re)configure a supposed "ideal" Mathematics textbook, from the perspective of different characters who act in this production, whose actions impel the (re)configuration of this material. Based on Foucauldian theorizations on discourse analysis and knowledge-power relations, semi-structured interviews with authors of Mathematics textbooks, editors, collaborators, designers and teams of the National Textbook Program (known as PNLD) are taken as empirical material. The data show that, after a period of adjustments and improvements, post-evaluation of the PNLD, there is an adaptation of the Mathematics textbooks based on the current discourse, since more challenging proposals are penalized. As the Mathematics textbook becomes a commercially profitable product, potentially more salable works are built by official and marginal knowledge, forged in the multiplicity of power relations and in the reading of discourses that are in the order of the present time.

Keywords: Mathematics textbook; Discourse analysis; Power relations

Resumen:

En este artículo, se objetiva analizar el modo como relaciones de poder (re)configuran un supuesto "ideal" de libro didáctico de Matemáticas en la actualidad, a partir de la perspectiva de los personajes que actúan en esa producción, cuyas acciones impulsan la (re)configuración del material. Fundamentado en las teorías foucaultianas sobre el análisis del discurso y las relaciones saber-poder, se toma como material empírico entrevistas semiestructuradas realizadas con autores de libros didácticos de Matemáticas, editores, colaboradores, diseñadores y equipos del Programa Nacional del Libro Didáctico (PNLD). Los datos apuntan que, después de un período de ajustes y mejoras, post-evaluación del PNLD, se produce una adecuación de los libros didácticos de Matemáticas, en un discurso vigente, una vez que las propuestas más desafiantes son sancionadas. A medida en que el libro de Matemáticas se convierte en un producto comercial lucrativo, obras potencialmente más vendibles son construidas por saberes oficiales y marginales, forjados en la multiplicidad de las relaciones de poder y en la lectura de los discursos que están en el orden del tiempo presente.

Palabras clave: Libro didáctico de Matemáticas; Análisis del discurso; Relaciones de poder

Considerações iniciais

Atualmente, temos visto grandes movimentações no mercado editorial de livros didáticos no Brasil. Editoras em polvorosa diante de reformas educacionais propostas pelo Ministério da Educação (MEC), como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a Reforma do Ensino Médio, tentam compreender para onde redirecionar a bússola de modo a manter/ampliar seu espaço no mercado de oferta de livros didáticos ao MEC, um dos maiores compradores mundiais desse material, perdendo somente para a China e os Estados Unidos (EARP; KORNIS, 2005). Tal fato promove uma reconfiguração do parque editorial brasileiro, principalmente com a chegada de grupos editoriais estrangeiros, motivados pelos milhões de reais negociados anualmente com o MEC, via Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).

No Quadro 1 a seguir, consideremos os valores investidos pelo MEC, por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) na aquisição de livros didáticos1 nos últimos anos.

Quadro 1 Investimentos do PNLD 

PNLD Níveis/Modalidades atendidos Valores investidos
2015 Ensino Fundamental e Médio regular e Educação do Campo R$ 1.175.967.978,38
2016 Ensino Fundamental e Médio regular, Educação de Jovens e Adultos e Programa Brasil Alfabetizado R$ 1.070.680.044,28
2017 Ensino Fundamental e Médio regular e Educação do Campo R$ 1.295.910.769,73

Fonte: Elaborado pelos autores a partir de dados disponibilizados pelo FNDE.

Essas cifras são uma amostra de como o PNLD tornou o mercado de didáticos brasileiro um grande negócio, e o livro didático, um produto comercial lucrativo, estreitando as fronteiras entre o público e o privado, e criando uma linha tênue entre o educacional e o econômico, dando espaço ao que Ball (2014) denomina "empresas de edubusiness", grandes conglomerados internacionais que investem na venda de produtos e de serviços educacionais.

Criam-se, assim, as condições para emergência e expansão de grupos editoriais que mantêm o oligopólio das vendas de livros didáticos no Brasil, em um movimento que não é disjunto daquele que promoveu o fechamento e/ou incorporação de algumas editoras por grupos maiores. Não falamos apenas de pequenas editoras familiares, mas também de empresas já consolidadas no mercado, incorporadas principalmente por grupos de capital estrangeiro, dando origem aos três grandes grupos editoriais dominantes no mercado editorial brasileiro na atualidade: Somos Educação, Santilhana e FTD, que juntos detêm 78% das vendas ao MEC no período de 2005-2017 conforme indica o Quadro 2.

Quadro 2 Representatividade de vendas ao MEC no período de 2005 a 2017 

Representatividade de vendas ao MEC no período de 2005 a 2017
Grupo Editoras que compõem o grupo Percentual
Somos Educação Ática, Scipione, Saraiva, Atual e Abril Educação 40%
Santilhana Moderna e Richimond 20%
FTD FTD e Quinteto 18%
Positivo Editora Positivo e Gráfica Posigraf 4%
Edições SM SM, Escriba 3%
Editora do Brasil Editora do Brasil 3%
IBEP Editora IBEP, Companhia Editora Nacional e Conrad Editora 3%
Escala Editora Escala, Lafonte, Oceano Indústria Gráfica, Comercial Cajamar e Dibra 2%
Outras Demais 34 editoras 7%

Fonte: Elaborado pelos autores a partir de dados disponibilizados pelo FNDE.

Cabe destacar que o tecido onde se alinhavam as relações no campo editorial alterna coesões e fragilidades. Como exemplo, citamos as lutas conjuntas encampadas pela Associação Brasileira de Autores de Livros Educativos (Abrale) e a Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (Abrelivos), contra alguns critérios do PNLD, e em defesa da oferta de livros recicláveis a toda a Educação Básica e da alteração do período de avaliação do livro didático de três para seis anos, o que certamente resultaria em mais lucros às editoras.

Todavia, essas associações diluem-se dando espaço a insurreições e toda forma de divisão e embates quando a disputa em questão visa conseguir uma fatia maior do mercado de didáticos. Conforme assegura Pedro, um dos editores que entrevistamos em nossa pesquisa, nesse campo, "[...] o mais forte canibaliza o mais fraco, [...] você vai lá e compra outra editora simplesmente pelo fato de você eliminar um concorrente e potencializar uma obra do seu catálogo, não necessariamente porque você precisa de dinheiro para produzir".

O modo como algumas empresas têm ocupado lugar privilegiado na produção de livros didáticos, enquanto outras insistem em "sobreviver" e/ou alcançar seu "lugar ao Sol", impulsiona nossa busca por compreender esse terreno de luta, onde discurso, saber e poder, intrinsicamente ligados, regem diferentes melodias e compõem elementos, sujeitos e modos de produção, levando-nos à seguinte questão: De que modo as relações de poder (re)configuram um suposto "ideal" de livro didático de Matemática na atualidade? Nosso objetivo é analisar e descrever o modo como compreensões e práticas emergem nas/das relações de poder, constituindo um livro didático de Matemática ajustado ao nosso tempo.

Revisão da literatura

Já faz tempo que o livro didático de Matemática ultrapassou as notas de aula compartilhadas por professores com seus pares. Também não se trata de um instrumento de auxílio ao professor no encaminhamento de seus pupilos rumo aos melhores conhecimentos matemáticos que a humanidade produziu. Segundo Carvalho (2018), atualmente, o livro didático ganhou status de fonte de pesquisas, principalmente após a expansão do PNLD em 1996, quando os departamentos de Educação Matemática, Matemática e as Escolas de Educação começaram a dedicar-se também aos estudos sobre o livro didático de Matemática. São exemplos os estudos de Logen (2015) e Dante (1996), autores de livros de Matemática que apresentam um olhar peculiar sobre as tensões que envolvem o campo editorial.

Considerando elementos que visam o governo do indivíduo/da sociedade em livros de Matemática, pesquisas de inspiração foucaultiana desenvolvidas no âmbito do Grupo de Pesquisa Currículo e Educação Matemática (GPCEM) também têm chamado atenção para o livro de Matemática, sobretudo para o seu caráter político e sua utilização como instrumento de (trans)formação e condução das condutas do sujeito e da sociedade.

Sob esses parâmetros, verdades são postas em suspensão, dando lugar a problematizações que questionam práticas curriculares universalizantes e a veiculação de uma matemática eurocêntrica, masculina, heterossexual e branca (SILVA, 2012), uma história da Matemática construída sob metanarrativas, em um processo que omite desvios e/ou rupturas (OCAMPOS, 2016), uma Matemática financeira que, sob a pretensa bandeira de educar para o exercício da cidadania, impõe ao indivíduo uma liberdade governada (MANOEL, 2017), a constituição do sujeito moderno por meio do discurso da interdisciplinaridade entre a Matemática e outras áreas do conhecimento (BERTO, 2017).

É a partir desse ambiente de pesquisa que nos propomos a analisar as relações de poder que atravessam o livro didático de Matemática determinando sua constituição.

Perspectiva teórico-metodológica

Em sua analítica, Foucault (2016) propõe pistas para uma abordagem das relações de poder: não abordar o poder pelo seu centro, mas pela periferia; não analisá-lo de dentro, mas de fora; não iniciar a investigação pelo poder geral, mas pelo local; não iniciar pelas normas e pelas regulamentações, mas pelos efeitos reais do poder; não tomá-lo como atributo de dominação que se possa possuir, mas como fluído, circulante, sem alvo fixo e sem intermediários; não tomá-lo como algo global, mas como micro relações, com tecnologias próprias, e ver como estas são cultivadas e inseridas nos fenômenos mais gerais.

Para Foucault (1988, p. 88-89), "[...] a análise em termos de poder não deve postular, como dados iniciais, a soberania do Estado, a forma da lei ou a unidade de uma dominação: estas são apenas, e antes de tudo, suas formas terminais", o que nos afasta da compreensão ou análise em termos de um poder centralizado, por exemplo, no MEC ou no PNLD. Essa análise deve considerar ainda que

[...] em uma sociedade como a nossa, mas no fundo em qualquer sociedade, existem relações de poder múltiplas que atravessam, caracterizam e constituem o corpo social e que estas relações de poder não podem se dissociar, se estabelecer nem funcionar sem uma produção, uma acumulação, uma circulação e um funcionamento do discurso. Não há possibilidade de exercício do poder sem uma certa economia dos discursos de verdade que funcione dentro e a partir desta dupla exigência. Somos submetidos pelo poder à produção da verdade e só podemos exercê-lo através da produção da verdade. (FOUCAULT, 2008, p. 179-180).

Assim, entendemos o livro didático de Matemática não somente como resultado de regulações oficiais, mas também de uma multiplicidade de correlações e discursos que compõem verdades e alteram constantemente as linhas de força no campo onde este se constitui - uma rede onde cada nó não é um ponto isolado, mas parte da estrutura que a mantém, cada sujeito não é um centro, mas um canal de transmissão do poder. Nessa rede, cada prática, gesto, grito, sussurro ou silêncio caracteriza-se como mecanismo e/ou efeito desse poder.

Nossa compreensão dessas relações de poder é ampliada à medida que a associamos à análise do discurso de Foucault, uma vez que não existem relações de poder sem que um regime de verdades esteja estabelecido, sem que enunciados tenham sido criados e colocados em movimento por meio do discurso da verdade; afinal, "[...] somos julgados, condenados, classificados, obrigados a desempenhar tarefas e destinados a um certo modo de viver ou morrer em função dos discursos verdadeiros que trazem consigo efeitos específicos de poder" (FOUCAULT, 2008, p. 180).

Considerando intrínsecas as relações entre discurso, saber e poder, optamos por praticar uma cartografia, como um caminhar sobre um espaço em construção (PASSOS; KASTRUP, 2013), sujeito a linhas de força, resistências e toda forma de fenômenos e intempéries. Diferentemente de um mapa cujos caminhos são fixos e determinados, em uma cartografia não há lugares definidos, o caminho faz-se ao caminhar, sendo o cartógrafo parte integrante do terreno a ser cartografado. Não aplicamos uma cartografia, uma vez que esta não se baseia em técnicas ou regras gerais, não há um protocolo a seguir, "[...] a cartografia não é uma competência, antes disso, é uma performance, que tem seu princípio inteiramente voltado para uma experimentação ancorada no real" (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 21).

Nesse processo, forçamos nossas compreensões arraigadas em métodos tradicionais de pesquisas, questionamos os limites de nossa compreensão e aceitamos o desafio de "[...] realizar uma reversão do sentido tradicional de método - não mais um caminhar para alcançar metas prefixadas (metá-hódos), mas o primado do caminhar que traça, no percurso, suas metas" (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2014, p. 17).

Dessa forma, embora tivéssemos previsto alguns passos iniciais, como entrevistar autores com mais tempo no mercado de didáticos ou com um número considerável de aprovações no PNLD, a dinâmica do caminho nos impulsionava a outros lugares: uma entrevista nos levava a outra, uma temática despertava novo interesse, dando origem a uma pesquisa que se construiu no processo. Nesse percurso, alguns critérios foram construídos, como a busca por selecionar apenas colaboradores que atuaram/atuam em um dos três grandes grupos editoriais citados anteriormente (FTD, Santilhana, Somos Educação). O critério para a escolha dos avaliadores levou em conta a importância do cargo e/ou tempo que exerciam a função.

Outro deslocamento no percurso deu-se no nível de abrangência do estudo. Buscávamos inicialmente investigar e descrever a constituição do livro didático de Matemática do Ensino Médio. Todavia, nossos rumos foram alterados assim que iniciamos as entrevistas, visto que os participantes não narravam diferenças significativas sobre os processos de construção do livro didático para diferentes etapas da escolaridade. Isso fez com que a análise fosse ampliada do Ensino Médio para o Ensino Fundamental e Ensino Médio.

Em consonância com Passos e Kastrup (2013), optamos por uma colheita de dados, visto que estes foram cultivados/construídos no próprio movimento da pesquisa, evidenciando experiências que se fazem vivas na entrevista. "A pesquisa colhe dados porque não só descreve, mas sobretudo acompanha, processos de produção da realidade investigada" (PASSOS; KASTRUP, 2013, p. 395).

A colheita do material empírico deu-se por meio de treze entrevistas semiestruturadas e oito questionários aplicados com quatro autores com destaque no mercado de livros didáticos de Matemática, sete editores, um coordenador técnico, um coordenador de área e uma coordenadora adjunta do PNLD, um avaliador do PNLD, uma coordenadora do departamento de designer de um grande grupo editorial, três freelances, três professoras de Matemática que atuam/atuaram em escolas públicas e particulares.

Somados, os tempos de entrevistas em áudio e/ou vídeo totalizam 20 horas, 2 minutos e 39 segundos, tendo a mais curta delas 49 minutos e 32 segundos de duração, a mais longa 4 horas, 19 minutos e 27 segundos, perfazendo uma média de 1 hora, 10 minutos e 73 segundos por entrevista. Transcritas as entrevistas, obtivemos 378 páginas de texto que, acrescidos aos questionários, totalizaram 421 páginas de material para análise.

Embora cada diálogo tenha, de alguma maneira, influenciado nossa compreensão sobre a constituição do livro didático, apresentamos, no Quadro 3, os dados dos participantes citados neste artigo. Dentre os entrevistados, apenas autores e avaliadores terão seus nomes relevados, já que concordaram com a divulgação, atestada pela assinatura de um termo de cessão; os demais terão preservada sua identidade pelo uso de um pseudônimo.

Quadro 3 Relação de entrevistados na pesquisa 

  Nome/Pseudônimo Alguns aspectos da carreira profissional
Autores(as) Gelson Iezzi (Iezzi) Engenheiro de formação, iniciou na docência em cursinhos pré-vestibular em 1962. A organização de apostilas foi o primeiro passo para tornar-se autor de livros didáticos ainda na década de 1960. Foi proprietário da editora Atual, e, atualmente, publica livros de Ensino Fundamental e Médio pela editora Saraiva (grupo Somos Educação).
Marcio Imenes (Imenes) Engenheiro/licenciado e mestre em Educação Matemática, é autor desde os anos de 1970. Iniciou na docência em cursinhos pré-vestibular em 1965. Outrora sucesso de crítica e de venda para o PNLD, atualmente publica livros de Matemática para o Ensino Fundamental de redes privadas pela editora Moderna (grupo Santilhana).
Kátia Stocco Smole (Smole) Coordenadora do grupo Mathema de educação e pesquisa, mestre e doutora em Educação, iniciou como leitora crítica de livros didáticos, passando a autora por volta dos anos 2000. Atualmente, publica livros de Matemática de Ensino Fundamental e Médio pelas editoras FTD (grupo FTD) e Saraiva (grupo Somos Educação).
Editores(as) Maria Carol (Carol) Licenciada em Matemática, distanciou-se das salas de aula de Educação Infantil ao ingressar em uma editora de pequeno porte. Ao longo de 10 anos de profissão, passou de estagiária a auxiliar editorial, depois assistente editorial e, por fim, editora de livros de Matemática de Ensino Fundamental e Médio.
Pedro Junior (Pedro) Licenciado em Matemática e mestre em Educação Matemática, iniciou como freelance antes mesmo de concluir a Graduação. Como editor, possui 9 anos de experiência, atuando em diferentes editoras como auxiliar editorial e editor de Matemática, Química e Física nos níveis de Ensino Fundamental e Médio.
Fabiana Rodrigues (Fabiana) Licenciada em Matemática, especialista, mestre e doutoranda em Educação Matemática. Iniciou como freelance quando já atuava como docente no Ensino Superior. Trabalhou em diferentes editoras e, atualmente, é editora em uma grande empresa e presta serviços como freelance para outras editoras.
Avaliadores(as) do PNLD Paulo Figueiredo Lima (Figueiredo) Engenheiro, mestre e PhD em Matemática, atuou como docente na Universidade Federal de Pernambuco de 1966 a 2011. Participou da equipe de elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Matemática para o Ensino Fundamental II e foi coordenador pedagógico de todas as edições do PNLD no período de 2002 até 2015.
João B. Pitombeira (Pitombeira) Engenheiro, mestre e doutor em Matemática e professor Emérito pela PUC-Rio. Atuou como assessor, coordenador e responsável pela comissão técnica do PNLD, estando à frente da avaliação do programa desde o seu início até o PNLD 2018.
Marilena Bittar (Bittar) Licenciada e mestre em Matemática e doutora em Didática da Matemática. Atua como docente do Instituto de Matemática da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e participou como avaliadora e coordenadora adjunta do PNLD no período de 2002 a 2018.
José Luiz Magalhães (Magalhães) Graduado e mestre em Matemática, com doutorado em Didática da Matemática. Atua como docente do Instituto de Matemática da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e participou como avaliador do PNLD em diferentes períodos, sendo o primeiro deles em 1996.
Designer Paula Juliana (Juliana) Possui 40 anos de experiência na área de designer gráfico. Atualmente coordena o departamento de designer de um grande grupo editorial e responde pela criação de projetos e gestão de funcionários do setor, incluindo freelance. Seu nível de atuação engloba os livros didáticos de Ensino Fundamental, Médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Freelancer Ana Mirian (Mirian) Licenciada em Pedagogia e Matemática, mestre e doutoranda em Educação Matemática, iniciou como freelance em editora de médio porte. Posteriormente, passou a atuar também em grandes e diferentes editoras, trabalhando com leitura crítica, seleção de textos e atividades para o livro e organização do manual do professor.

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

Concluída a colheita dos dados, realizamos a análise das transcrições, procurando nos afastar de compreensões prévias ou aligeiradas, bem como da noção ingênua de que os discursos se apresentavam a nós de forma legível e transparente. Assim, não corremos atrás de sentidos ocultos, verdades escondidas ou identidades primeiras, uma vez que entendemos que aquilo "[...] que se encontra no começo histórico das coisas não é a identidade preservada da origem - é a discórdia entre as coisas, é o disparate" (FOUCAULT, 2008, p. 18).

Diante da variedade de formações e experiências profissionais vivenciadas pelos entrevistados, os relatos constituem-se em um rico e amplo material de análise, do qual emergem diferentes possibilidades para a abordagem das relações de poder na constituição do livro didático de Matemática, dentre outras, sua idealização, questão central deste artigo, cujas análises apresentamos a seguir.

Análises

Entendemos com Foucault que não é sensato buscar uma racionalidade geral do poder em uma sociedade ou cultura, "[...] mas analisá-la como um processo em vários campos, cada um dos quais com uma referência a uma experiência fundamental [...]" (FOUCAULT, 1995, p. 23). Dessa forma, propomo-nos a uma análise das relações de poder em um lugar específico: o universo da produção de livros didáticos de Matemática.

Ao analisarmos o modo como as relações de poder constituem o livro didático de Matemática, pousamos nossa atenção sobre as experiências dos sujeitos, cujas linhas de força interagem e configuram um livro suposto ideal. Ora, "[...] quando o rei, para conhecer seus direitos, interroga os escrivães e os jurisconsultos, qual resposta poderá obter senão um saber estabelecido do ponto de vista do juiz e do procurador, que ele, o próprio rei, criou [...]?" (FOUCAULT, 2016, p. 109-110). Sob essa perspectiva, não fundamentamos nossas compreensões em textos oficiais presentes em guias, editais e/ou resoluções; em vez disso, buscamos descrever as relações de poder e os discursos que fazem circular os próprios agentes do processo de produção do livro didático, aquilo que não está oficializado, que ficou nas entrelinhas ou que se quis/permitiu deixar esquecido, apagado, as circunstâncias miúdas, os saberes marginais que incorporados a outros fazem do livro didático o que ele é.

O livro didático de Matemática como produto comercial

Entendemos que os valores negociados entre o MEC e as editoras em cada PNLD oferecem uma razoável compreensão de sua importância como ativo econômico. Todavia, não buscamos apenas evidenciar o modo como o livro didático passou a ocupar tal status, mas descrever como os personagens que atuam nesse campo compreendem as relações entre o didático e o financeiro, bem como o modo como essas compreensões se evidenciam em práticas discursivas e toda sorte de tecnologias mobilizadas em um processo que coloca o livro didático de Matemática em uma fronteira (sem limites definidos) entre o campo educacional e econômico. Para compreender essa dinâmica e complexa relação mais de perto, consideramos, no Quadro 4, o posicionamento de alguns personagens que compõem essa produção:

Quadro 4 O livro didático como produto econômico 

O livro de Matemática como ativo econômico
  Posicionamentos
Autores(as) Imenes: [Apontando para uma xícara em cima da mesa o autor afirma]: Quem fabricou essa xícara foi uma indústria! O dono desta indústria não quer trabalhar xícaras bonitas, feias ou duradouras, ele quer fabricar xícaras que vendam; se o comprador quer xícaras bonitas, ele faz o gosto do comprador. O capitalismo é assim, e o capitalismo que produz o livro não é diferente. Editora é uma empresa, ela pensa na educação dos brasileiros? Não vou dizer que não pense, mas, em primeiro lugar, está outra coisa [...] o lucro. E não é porque o empresário é um safado, é porque se ele não age assim a empresa dele fecha [...]. E quem espera ao contrário disso ou acredita em Papai Noel ou é bobo. Não tem como.
Iezzi: Existe uma pressão terrível sobre os autores mais em evidência. [...] se o seu livro foi aprovado e adotado [pelo PNLD], a editora te pressiona a você aperfeiçoar o livro para que, na próxima [avaliação], mantenha a adoção. Se o livro foi recusado, aí você tem, como tivemos, né, um conflito com a editora porque ela quer que você corrija os erros que tinha para uma nova competição [...], então é um inferno para o autor de Matemática ter que refazer o livro a cada três anos.
Smole : Por exemplo, a Austrália quando foi fazer o currículo dela, ela sentou com os empresários. A Finlândia está fazendo a mesma coisa [eles perguntam] "o que vocês precisam?". Claro, porque a escola está preparando gente para o mundo.
Avaliadores Figueiredo: [...] o livro didático é, para o capitalismo internacional, um bem material como outros - medicamentos, instrumentos eletrônicos, automóveis, etc. - e sua produção e sua circulação são regidas, fundamentalmente, pelo objetivo de acumulação do capital e não com o objetivo de garantir, a todos, os direitos humanos consagrados pela evolução da consciência contemporânea.
Pitombeira: As editoras certamente só pensam nisso [no lucro]. [...]. Então, precisa de uma coleção que dê lucro! Eles não têm interesse em investir na coleção e dar tempo ao tempo.
Editores(as) Fabiana: O livro tem que vender! É como qualquer outro produto, tem que vender. Tem editora até que eu já ouvi falar, que a última prova nem passa para o editor, sai com erro porque quer que saia o livro logo, não importa, faz e vende, porque a pessoa já sabe que vão comprar aquele livro.
Carol: [...] sabemos qual é a editora que tem a maior fatia do mercado e tentamos produzir materiais que diminuam essa fatia e aumentem a nossa.
Pedro: [...] um livro que vende bem não necessariamente é um livro magnífico em termos de educação Matemática. Pelo contrário! Pelo contrário! Tem atividades com computador? Legal! Que escolas que têm computador? Função, talvez seja tão natural explicar no sétimo ano [...], mas, assim, se eu coloco [no livro], um absurdo de colocar função no sétimo ano, oitavo ano, não vende! Vai ficar na prateleira, nem aparece com um negócio desse.

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

Note que os recortes anteriores trazem posicionamentos muito semelhantes, ainda que sejam diferentes os personagens, sua formação e áreas de atuação. Bastaríamos trocar a palavra "livro" por "produto", "editora" por "empresa", e não teríamos a mínima ideia de que o diálogo envolve livros didáticos de Matemática. Assim, o livro transformou-se em um produto comercial, e sua comercialização visa, antes de tudo, o lucro, sendo os parâmetros voltados ao ensino e de aprendizagem da Matemática colocados em segundo plano, em detrimento do desenvolvimento de um produto mais adequado ao mercado.

Há de considerarmos ainda um posicionamento político no contexto da produção didática. Ao colocar em questão o papel do livro de Matemática na formação de um sujeito para atuação no mundo do trabalho, alinha-se a um discurso fortemente presente em documentos oficiais, ao mesmo tempo que se marca uma posição do livro didático e do currículo de Matemática em uma ordem mundial do discurso contemporâneo. Em outras palavras, em uma perspectiva econômica, o livro de Matemática deveria ser repensado e adequado a essa ordem discursiva, cujos interesses e demandas desse mercado norteiam a produção didática, orientando o tipo de profissional do qual esse mercado carece.

O que vemos nas falas dos entrevistados é a emergência dos efeitos de um poder que coloca cada sujeito como peça de uma maquinaria, em que somente um livro ajustado a padrões econômicos bem estabelecidos poderá consagrar-se como sucesso de venda. Trata-se, portanto, de uma economia que rege todo o processo e, ao considerar o livro como produto comercial, impõem-se a este as regras desse universo. Dessa forma, a questão primeira não é se o livro auxilia ou não a construção do conhecimento matemático dos alunos, mas se o processo é eficiente, ou seja, se ele é capaz de ler de maneira eficaz os discursos que ecoam nesse ambiente e reproduzi-los no livro didático, de modo a produzir um livro adequado, vendável, lucrativo. Compreender como se dá essa dinâmica, quais os mecanismos mobilizados pelas editoras nessa leitura e quais efeitos de poder se produz nesse movimento é o que buscamos descrever nas páginas que seguem.

O livro didático e os mecanismos de normatização

Conforme destaca Foucault (2011), o sistema disciplinar opera como um pequeno sistema penal, ou seja, produz os comportamentos desejados por meio de micro penalidades. Todavia, esse tipo de penalidade não implica o exercício de um poder que oprime e confisca, mas apresenta-se como um mecanismo sutil de gratificação-sanção que, nesse caso, conduz a conduta de autores, de editores e demais envolvidos na cadeia produtiva por meio de um mecanismo onde se premia os comportamentos desejáveis e se pune os indesejáveis ou desviantes (FOUCAULT, 2011).

Consideremos, a título de exemplo, a experiência narrada por Imenes: "[...] de 7 milhões de livros [vendidos] foi caindo, caindo, caindo... hoje nós estamos fora do PNLD. Já desde o programa do ano passado [2017], a gente não participa mais do PNLD, porque não vende". Cabe pontuar aqui que o fato de a obra do autor estar "fora do PNLD" é citado por demais autores, editores e avaliadores do ramo em grande parte das entrevistas. O que estamos tentando dizer é que tal episódio evidencia os mesmos objetivos do poder soberano no exercício do suplício, ou mesmo àquele pretendido ao abrir as portas do Panóptico a visitações, quais sejam, ser didático, coibir, desencorajar a repetição do delito, servir de exemplo para que os demais não cometam os mesmos erros, sob o risco de sofrer as mesmas sanções.

Em suma, a "queda" de Imenes ao propor um livro com uma proposta pedagógica diferenciada dos demais à época, com articulações entre diferentes conteúdos e contextos, proposta de currículo em espiral, dentre outras características elogiadas por editores e avaliadores em nossa entrevista, tem como fator preponderante sua ousadia. Imenes ousou produzir um livro que se distanciava do discurso do seu tempo, e, por isso, foi punido.

Ora, Foucault alerta-nos que "[...] não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa" (FOUCAULT, 1999, p. 9). Assim, Imenes infringiu uma das regras do discurso "maior", o econômico, que rege o mercado de produção de livros didáticos de Matemática; por essa razão, não somente foi punido com a "exclusão" do grupo de autores que obtiveram "sucesso" na vendagem de livros ao MEC, mas também serviu como exemplo para que outros não cometam o mesmo "erro", caso pretendam ter sua obra entre as mais vendidas. Conforme observa Iezzi, "[...] é um insucesso garantido [...] você não produzir os livros, relativamente, próximo daquilo que você vê que é mais consumido".

Há de destacarmos ainda o outro viés no mecanismo de normatização, a gratificação. Consideremos o caso de Juliana: "[...] fui promovida a designer sênior por minha atuação na criação e no desenvolvimento de uma coleção nova (à época) de Ensino Fundamental de 1º ao 5º ano, [...] e recebi um aumento salarial por mérito". No caso explicitado, Juliana é recompensada pelo desenvolvimento de todo o projeto gráfico, logotipos e capa de uma coleção que obteve bom desempenho na avaliação do PNLD e já está em sua quarta edição. Cabe destacar que a valorização do aspecto gráfico do livro didático deve-se, em grande parte, a sua inserção como critério de avaliação no PNLD, cuja importância é destacada não somente em documentos mais recentes, mas também no edital de convocação para inscrição de obras no PNLD 2018, que apresenta como critério geral de eliminação da obra: a não "[...] adequação da estrutura editorial e do projeto gráfico aos objetivos didático-pedagógicos da obra" (BRASIL, 2015, p. 33), mas também em instruções mais antigas, como indica o documento Definição de Critérios para Avaliação de Livros Didáticos, publicado em 1994, que possui um capítulo à parte, apenas para tratar do projeto visual do livro.

Essa valorização do aspecto visual reflete na prática das editoras, conforme argumenta Pedro ao explicitar que, com o advento do PNLD, o projeto visual do livro passa a compor as estratégias de convencimento do professor na adoção do livro. "[...] a visão de livro mudou, a visão de um livro mais belo, mais artístico, mais bem acabado [...], os professores batem o olho e se apaixonam, é a parte visual. Você vê, 'nossa que bonito!', mais as aberturas, essas ilustrações, ele se encanta" (Relato de Pedro).

Tal fato evidencia os efeitos do poder disciplinar que pune os comportamentos indesejáveis, mas também gratifica os desejáveis, aqueles que se deseja reforçar e fazer perpetuar, colocando o sujeito sob "[...] um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir. Estabelece sobre os indivíduos uma visibilidade através da qual eles são diferenciados e sancionados" (FOUCAULT, 2011, p. 177).

Entendemos que, juntamente a outros instrumentos, o mecanismo gratificação-sanção seleciona, ordena, impõe uma norma sobre o tipo de livro aceitável. Isso não significa que tal escolha seja livre das relações de poder, ou autônoma naquilo que se deseja produzir, mas, contrariamente, disciplina os modos de produção. Sobre esses ajustes, Magalhães argumenta, "[...] o livro do Imenes, do Dante, eles cederam, a gente percebe que eles poderiam fazer livros melhores, mas tiveram que ceder para ficar no mercado, quer dizer, o problema não é escrever bons livros, o problema é conseguir colocar eles no mercado".

Podemos observar no relato não somente uma compreensão de como os mecanismos de normatização realinham a conduta dos sujeitos, mas também o trânsito do avaliador por diferentes campos discursivos, uma vez que, ao admitir que Imenes e Dante poderiam produzir livros "melhores", Magalhães ocupa o lugar de educador matemático, formador de professores e avaliador do PNLD, marcando sua preferência pelo que ele denomina "livros mais elaborados", que propunham a articulação dos conteúdos, a investigação e a experimentação, dentre outras perspectivas da área. Por outro lado, ao admitir que livros com essa abordagem não têm espaço no mercado atual, Magalhães demonstra (re)conhecer e interagir com outros discursos nos jogos do poder; discurso este que coloca a constituição do livro de Matemática no jogo do verdadeiro e do falso, da alternância de discursos que regulam verdades aceitáveis e determinam o tipo de livro de Matemática com permissão para circular.

Saberes em movimento produzindo o livro didático de Matemática

Ao relacionar verdade e poder, Foucault assevera (2016, p. 45): "Ou a verdade fornece a força, ou a verdade desequilibra, acentua as dissimetrias e finalmente faz a vitória pender mais para um lado do que para o outro: a verdade é um mais de força, assim como ela só se manifesta a partir de uma relação de força". Dessa forma, em uma dinâmica em que verdades são construídas discursivamente, vemos pender a balança para um determinado tipo de livro de Matemática em um processo de retroalimentação discurso-saber-poder que movimenta essa maquinaria e marca, lentamente, os corpos e as mentes dos sujeitos, (re)construindo formas de perceber-se e relacionar-se no processo de produção do livro didático. Trata-se, portanto, de leituras realizadas pelos entrevistados, que os colocam no interior de um ou outro discurso, mas nunca fora dele.

Após buscarmos ampliar os elementos que apresentam o modo como os entrevistados são atravessados por diferentes discursos, ao mesmo tempo que ocupam diferentes campos discursivos, apresentamos, no Quadro 5, compreensões sobre o livro de Matemática real e o desejável. Ressaltamos que os excertos não derivam de pergunta direta aos entrevistados sobre esse ou aquele tipo de livro, mas da análise que fazemos a partir das experiências narradas nas entrevistas.

Quadro 5 O livro didático entre o real e o desejável 

  Livro desejável Livro real
Avaliador(a) do PNLD Bittar: [...] seria aquele que conseguisse atender a diferentes públicos (...); enfim, é difícil dizer isso, eu não conseguiria dizer. Eu diria assim, o que não é desejável. Essas coisas de indução a erro, de muita coisa do tipo observe e repita, que o aluno treina, etc. [gostaria de um livro] que pudesse auxiliar na própria formação [do professor].

Magalhães: [...] que explorasse os níveis taxonômicos de Bloom, os níveis taxonômicos mais elevados, aquele de deduzir, raciocinar conjecturar, fazer articulações; enfim, abstrações e análise, síntese, [esse nível o livro] não alcançou.

Pitombeira: Uma coisa que faz falta nos livros à medida que você progride é o livro ponto de referência. Digamos que o menino tá lá na nona série e não lembra mais da definição de MDC, como é que ele encontra isso no livro? Não encontra!
Bittar: [...] o livro hoje está mais colorido, ou mais cheio de histórias e contextos, de coisas que a gente percebe claramente que foi feito para atender a uma demanda que eles compreendem ser do PNLD. [...]. Agora, de modo geral, o livro melhorou muito [...].

Magalhães: [...] não são aqueles desejáveis, mas também não são mais aqueles livros muito ruins. [Mas] em relação aos conhecimentos úteis, os conhecimentos mais elaborados, necessários para serem cidadãos [...], isso a escola não está preparando, os livros didáticos não dão conta disso não.

Pitombeira: Tem outra coisa preocupante, é que a maior parte dessas coleções novas [...] eles não mexem mais [depois de aprovadas]. [...] "não vamos mexer para não dar zebra".
Editor(a) Pedro: [...] o bom aí é relativo, por quê? O avaliador quer aquela obra ideal, platônica, o acadêmico [quer] aquela que traga jogos etc. O professor quer aquela obra que funcione na aula dele, [...] que ele consiga trabalhar e não tenha de "pensar muito, [...] que deixa os alunos deles trabalhando para eles ficarem quietos [...].

Carol: [...] livro muito grosso é um problema para o professor. [Outra coisa é] a seleção do conteúdo, professor de Matemática geralmente gosta de bastante atividade [...]. Quanto mais o autor é preocupado, quanto mais o autor vai a campo saber o que o professor quer, que tenta colocar no livro o que o professor está precisando, mais sucesso tem.
Pedro: Os livros de hoje são muito melhores do que os livros de ontem. O que pode ter ocorrido é que muito texto pode estar mais pasteurizado, porque você tem a fórmula. Qual é a fórmula de aprovação? Você tem que ter isso, isso e isso! É isso que o MEC quer. É isso que o Brasil quer para os seus brasileirinhos, então tem uma fórmula lá [no edital do PNLD], querendo ou não, tem lá!

Diana: [O livro] tradicional fica meio que mascarado né! [...] para esse tradicional passar no PNLD, porque o que a gente sabe é que não se gosta muito de livro muito tradicional, então a gente dá meio que uma maquiada, fazendo essas seções, colocando [outras] coisas.
Autor(a) Iezzi: [...] dado que a principal utilidade do livro é servir de fonte de exercício, então o livro tem que ter uma série de exercícios bem construídos, numericamente suficientes e em ordem de dificuldade também bem pensada [...].

Smole: [...] nós acreditamos que um livro precisa ter um programa de matemática, [questionamos] o que é essencial que um jovem aprenda de matemática [...] para poder seguir os seus estudos, levar adiante os seus projetos de vida [...].

Imenes: Você tem que dialogar com dois públicos; aluno e professor [...].
Iezzi: [Para os professores] o livro é uma coletânea de exercícios.

Smole: Se ele [o professor] achar mesmo que o aluno aprende matemática fazendo um montão de exercícios, ele vai procurar no livro um montão de exercícios [...].

Imenes: Um grande problema que a gente encontra na hora de produzir material didático é que a gente teima em reproduzir livro do aluno pensando no aluno, sabendo que aquele treco para ser vendido vai passar pela mão do professor, que, na maior parte das vezes, pega um livro e diz "que trabalho Isso aqui vai me dar?". Ou, "que identificação eu tenho com isso?"

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

Optamos em apresentar esses excertos não para discorrer sobre cada um deles individualmente, mas para pensarmos as regularidades que os interliga de modo significativo. Essas regularidades apontam para um livro constituído de saberes produzidos pela avaliação do PNLD, tomada por autores e editores como parâmetro para aprovação da obra. Outrossim, abarca os desejos dos professores, principalmente no que tange à praticidade das propostas do livro para o trabalho em sala de aula, resultando em obras que se distanciam de grandes análises, reflexões e conexões entre conteúdos, em prol de um livro organizado linearmente, um "livro-lista de exercícios", "maquiado" para contornar as exigências oficiais; todavia, com foco em agradar o professor. Constata-se ainda nos relatos um livro de Matemática atravessado pela demanda da formação continuada do professor, pela necessidade de aprendizagem e de contenção dos alunos, de assegurar maior lucro às empresas do ramo, cujo sucesso depende da capacidade de equacionar todos esses discursos.

Tomamos como ponto de discussão outra regularidade observada nos discursos, a "pasteurização do livro didático de Matemática" citada por Pedro, mas presente em diferentes momentos nas falas de todos os demais entrevistados, as quais apontam para o modo como, gradativamente, são incorporados nos livros de Matemática os mesmos elementos, conteúdos, organização do sumário, propostas metodológicas, uso de tecnologias e sessões de contextualização, apenas para citar alguns, cristalizando conteúdos e formas já validadas em outros programas de avaliação. Haveria então linhas de força atuando no processo, de modo a padronizar os livros didáticos?

Consideramos, no caso dos avaliadores, a ausência de um posicionamento uniforme, alternando posições em um terreno discursivo em que, de um lado, se alinham a um discurso oficial de satisfação com os livros atuais, visto alguns avanços obtidos em relação aos livros anteriores ao PNLD; enquanto, por outro, ressaltam as dificuldades para superar a estagnação das obras após sua aprovação.

Conforme destacado, autores e editores seguem uma tensa e complexa "cartilha" discursiva, os quais buscam, por meio da interpretação de diferentes discursos, atender às demandas dos editais do PNLD (para obter aprovação) e dos professores (para ter seu livro escolhido), sem, contudo, violentar os discursos que advêm de cada lugar. Assim, busca-se um livro que tenha apelo visual, que, embora "enxuto", tenha um número significativo de exercícios, que seja lógico e linearmente organizado, que apresente jogos e desafios; todavia, sem descuidar-se dos erros conceituais, da veiculação de preconceitos, da articulação entre a proposta metodológica presente no corpo do livro e aquela defendida no manual do professor, além de propor atividades que envolvam a contextualização e a interdisciplinaridade, etc. Magalhães sintetiza esse processo ao afirmar: "[...] é assim, um olho no peixe o outro no gato. É um olho nos avaliadores e o outro na massa de professores que vão ter que trabalhar com aquele livro [...]".

Ainda sobre a pasteurização dos livros de Matemática, Imenes afirma ser, em grande parte, de responsabilidade da avaliação do PNLD: "Hoje você pega os livros de Matemática faz assim [folheia], tapa o nome da editora, tira a capa, pega só o miolo do livro, digamos, no sexto, no sétimo ano, é muito parecido..., é muito parecido. Na aparência física, na diagramação, projeto gráfico, ilustrações, nos títulos [...]". Segundo o autor, visando objetividade e homogeneidade de critérios, o "modelo" de avaliação proposta pelo MEC funciona como uma receita de bolo ou um check list, e, por esse motivo, "[...] a avaliação torna equivalentes obras que, se fossem analisadas criteriosamente com o cuidado que a avaliação não permite, o tempo não permite, as condições não permitem, a gente veria que elas não são, não são equivalentes" (Relato de Imenes).

Contrariamente à ideia da avaliação como check list, Bittar destaca aspectos que considera pontos positivos e negativos na pasteurização do livro, como o fato de ter excluído dos livros "[...] coisas que não eram boas, ter entrado atividades, questões, temas, formas de tratar, e os estudos têm mostrado que são importantes. Mas, fica às vezes, não sei, talvez pudesse ter livros que atendessem a tudo isso, mas que fossem um pouco diferentes". Bittar acrescenta ainda: "[...] na minha concepção é assim, a partir do momento que o livro atingiu certo patamar que é aprovado, a impressão que a gente tem, no interior do grupo mesmo [de avaliadores] inclusive, é que aí não muda mais".

Essa é outra afirmação constante na fala dos entrevistados: a estagnação das propostas de livros didáticos de Matemática. Sob diferentes versões, autores, avaliadores, editores e professores confirmam esse entendimento do que parece um lema das editoras, "[...] em time que está ganhando não se mexe" (Relato de Fabiana).

Ao ampliarmos o debate sobre o poder exercido pelo PNLD para a pasteurização dos livros didáticos de Matemática, avaliadores apresentam seus argumentos:

[...] aparece lá [no Guia], alguns livros bem elogiados e outros não [...]. O Imenes tinha uma coleção que era muito diferente [...], ele conseguia fazer uma articulação de fato entre os temas, geometria, álgebra, aritmética [...], então, permitir [diferenças, o PNLD] permite. (Relato de Bittar).

Eu acho que não é isso, [o PNLD] que fez os livros ficarem iguais, os livros ficaram iguais [porque] eles [os editores] veem o mercado lá, e vê como é que estão. Por que os livros estão saindo, não estão agradando assim os avaliadores do PNLD. [...] eles fazem os livros para não serem excluídos, mas não tentando atender [aos avaliadores]... se eles fossem atender fariam a contextualização, essa abordagem em espiral, eles fariam tudo, e eles não fazem essas coisas. O que ocorre é que eles [os editores] já sabem o que os professores valorizam, exercícios práticos, com respostas ali perto, que não vai dar trabalho, o professor não vai ter que ficar estudando. (Relato de Magalhães).

Isso não se deve ao PNLD! Isso se deve ao seguinte, é a mesma razão que faz com que os best-sellers americanos sejam todos iguais, por exemplo, quando o Bigode estourou, todo mundo começou a seguir o modelo. Os autores seguem o modelo! E as editoras dizem "olha, esse livro aqui é bem-sucedido etc., etc.". Há uma pressão grande dentro das editoras sobre os autores, para apresentarem livros que tenham certeza que vão ser bem-sucedidos, porque dá lucro. (Relato de Pitombeira).

Entendemos que os argumentos apontam que tal pasteurização não se deve aos discursos movimentados em um lugar único, mas à existência de uma composição de diferentes discursos atuando na constituição do livro de Matemática, saberes marginais, periféricos, obtidos nas ruas, nos corredores de escolas/editoras, muitas vezes pelos divulgadores dos livros, conforme afirma Imenes ao discorrer sobre o livro desejado pelos professores: "[...] nós aprendemos isso antes do MEC, porque aprendemos com os divulgadores, eles nos contavam, quando eles chegavam na escola com um livro do PNLD e ouviram dos professores: 'Não me traz livro com estrelas, não me traz livros bem recomendados'". Tal afirmação evidencia novamente que os saberes sobre a constituição do livro didático de Matemática envolvem a leitura de um mercado de didáticos de Matemática, conforme assegura Magalhães ao afirmar que os grupos editoriais já sabem o que os professores buscam, o que é reforçado por Pitombeira, ao apontar que as editoras identificam e replicam os modelos de livros bem-sucedidos.

Contudo, não pretendemos buscar resposta a mais uma questão, mas apenas ampliar elementos para descrever o modo como as relações de poder constituem o livro didático de Matemática, o que nos chama atenção para uma espreita das produções concorrentes, conforme explicitado por autores e editores: "[...] há sempre um estudo por trás disso, a gente lê os concorrentes e o que eles trabalham, como estava a nossa obra, [...] para saber como é que nós vamos trabalhar o conteúdo, [...] a gente tem um especialista na área para poder cuidar dessa parte, de toda essa estrutura da obra" (Relato de Diana).

Nesse mesmo contexto, citamos o relato de Juliana, coordenadora do setor de designer e diagramação de uma grande editora, que relata como uma de suas atribuições "[...] pesquisar como estão os livros da concorrência, para comparar com o que se está fazendo e fazer melhor. Pesquisar livros semelhantes em outros países, para ter como referência. Buscar as tendências, preferências do mercado interno (Brasil) e externo (outros países)".

Veja que o poder disciplinar será mais eficiente à medida que o sujeito toma para si as responsabilidades que os outros demandam a ele, contexto no qual tanto Fabiana quanto Juliana assumem como sua a responsabilidade de uma função que implica um olhar sobre o outro. Vigilantes perpetuamente vigiados, esses sujeitos são credenciados, dentro das relações de poder, a realizar a leitura e enunciar as verdades sobre o livro didático de Matemática.

Em outras palavras, compreender, vigiar, analisar, examinar cada passo do concorrente torna-se imperativo às empresas do ramo editorial que buscam sucesso de vendas. Segundo os entrevistados, para além da análise da obra dos concorrentes, outras estratégias que ampliam essa vigilância decorrem da própria mobilidade dos funcionários de uma empresa para outra, levando com elas informações do que e de como se está produzindo: "[...] esse é um ramo que é uma 'dança de cadeiras' total. [...] então sempre sabemos parcialmente o que está acontecendo nas outras editoras. Claro que ninguém conta [...] informações sigilosas, mas sempre tem indícios do que a concorrência está produzindo" (Relato de Carol).

Tal afirmação coaduna à linguagem e à prática de constituição do sujeito neoliberal, eticamente ajustável: "[...] mais maleável do que comprometido, mais flexível do que preso a princípios [...]" (BALL, 2014, p. 77). Dessa forma, discurso-poder e saber atuam em um processo de retroalimentação que induz/conduz cada indivíduo a comportar-se como "[...] uma máquina cujo efeito será elevado ao máximo pela articulação combinada das peças elementares de que ela se compõe" (FOUCAULT, 2011, p. 158).

Uma das engrenagens que movimentam essa máquina são os colaboradores/freelances, cujas produções também dão forma a esse contexto:

Vou te dar um exemplo, eu faço trabalho para outras editoras além da que eu trabalho. Eu já fiz parte de elaboração, já fiz parte de edição para outras editoras, então assim, tem um pouquinho de mim na FTD, tem um pouquinho de mim na Editora do Brasil, tem um pouquinho de mim na IBEP, entendeu. Mas eu faço assim, de acordo com o programa que eles mandam, mas você sempre vai deixar a sua marca, porque o seu jeito de escrever é um só [...]. (Relato de Fabiana).

Eu acho que o que faz os livros ficarem iguais é porque são as mesmas pessoas que trabalham para todas as editoras [...], é o que eu vivi passando por outras editoras. Quando eu comecei com a Escala eu falei: "Olha, essa mesma coisa que vocês estão me pedindo eu estou fazendo para a Moderna, tudo bem?". E eles disseram: "Não, tudo bem!". E aí você fala, de onde é que eu vou tirar tanta criatividade para montar o mesmo tema, o mesmo conteúdo, para o mesmo ano? Aí o que você faz? [...] em vez de colocar João e Maria, você põe Pedrinho e Patrícia. Aí no livro é a mesma coisa, eu vou pensar nas mesmas ideias e vou mudar o contexto então, poxa, eu estou trabalhando agora com um monte de Editoras, haja criatividade para pensar em coisas tão diferentes, eu sou a mesma pessoa, eu carrego esses conhecimentos que estão aqui. (Relato de Mirian).

Ora, não dá para negar que contratar os serviços de sujeitos que trabalham com a produção de conteúdos para diferentes editoras seria também uma forma de trazer para si os saberes lá produzidos. Nesse sentido, perguntamos: e quanto aos riscos de homogeneização dos livros didáticos? Isso parece não ser um problema para os grandes grupos editoriais, conforme se observa no relato de Mirian, bem como nos argumentos de Fabiana, que, mesmo ocupando o cargo de editora em um dos três maiores grupos editoriais do país, atua como freelance para as concorrentes: "Quando fui chamada lá na [nome da editora] eu falei para a chefe, ela sabia que eu fazia "freela" [serviços como freelance] para lá e trabalhava na [nome da editora onde trabalhava], então ela me contratou sabendo que se eu for para lá eu vou fazer freela lá para algum lugar" (Relato de Fabiana).

Essa atitude de aceitação por parte da Editora assemelha-se às estratégias de governança em rede em algumas áreas do Estado abordada por Ball (2014). Para o autor, o exercício do governo implica perda de poder em alguns setores; todavia, implica, também, ganhos em outros, de modo que, se os ganhos forem maiores que as perdas, é possível se ter mais poderes que antes. Assim, inferimos que os ganhos das empresas com a não exclusividade de freelances, mesmo quando estes são seus funcionários contratados, parecem ser maiores que os prejuízos, uma vez que amplia o olhar sobre as outras produções, o que garante que o seu livro/produto mantenha no mínimo o mesmo padrão que as atividades dos seus concorrentes diretos, agregando novos saberes e ampliando o poder ao grupo.

Trata-se, portanto, de um jogo que equaciona a disciplina, não mais como "[...] simplesmente uma arte de repartir os corpos, de extrair e acumular o tempo deles, mas de compor forças para obter um aparelho eficiente" (FOUCAULT, 2011, p. 158), ao mesmo tempo que é entendida como "[...] um princípio de controle da produção do discurso. Ela lhe fixa os limites pelo jogo de identidade que tem a forma de uma reatualização permanente das regras" (FOUCAULT, 1999, p. 36).

No contexto de nossa pesquisa, a eficiência da produção didática visa abarcar, compreender e repercutir/materializar os discursos do nosso tempo e produzir, a partir daí, o livro que atenda aos desejos do professor, como evidencia Carol: "[...] a gente tenta ajustar essas coisas por aqui, para que o professor, na hora que olhar o nosso livro, se encante". Nesse contexto, diferentes fatores são levados em consideração:

[...] todo mundo fala em conteúdo em espiral... é muito difícil de entrar na sala de aula. [...] quando ele [o conteúdo] é linear, é mais fácil, porque o professor fica na sua zona de conforto. Também não é atribuir ao professor esse fardo... diante das condições dele, tem de dar 40, 50, 60 aulas [semanais]; enfim, é o que ele pode fazer, ter um livro mais linear, para que ele possa administrar melhor o seu plano de aula. Ele sabe que depois disso vem isso... depois disso vem isso... não dá tempo de ele ficar indo e voltando e fazendo grandes relações. (Relato de Pedro).

[Editoras pensam assim]: "olha, nós não podemos fazer um livro muito, muito avançado, muito inovador, que faz tanto o professor quanto o aluno pensar muito [...]; enfim, que obriga tanto alunos quanto professores a estudarem muito, [...] não adianta fazer muito desse livro, porque ele não vai vender". E agradar bem aos avaliadores? É aquela história, ia ser sucesso de crítica e de avaliação, mas fracasso de venda! [...] porque, de maneira geral, os professores têm uma formação que está muito aquém do que esses livros estão propondo, as condições de trabalho também não permitem que eles estudem muito [...] e também não tem assessoria, não tem onde tirar dúvidas; então, [...] eles preferem pegar um livro mais básico, não tem problemas, "que já vem tudo respondidinho, e que não vai me dar esse trabalho, não vai me dar essa insegurança" [...]. (Relato de Magalhães).

Dessa forma, entendemos que a produção de livros de Matemática insere/envolve o sujeito em um continuum disciplinar, em que diferentes sujeitos alternam lugares discursivos também diferentes, sugerindo um campo onde há um discurso sobre o livro real, e, em outro, o discurso do livro desejável, embora não exista fronteira fixa ou definida entre ambos. Nos recortes anteriores, editor e avaliador demostram compor esses diferentes campos discursivos, não conseguindo avançar muito adentro de um deles, sem que seja imediatamente tensionado pelo outro. Um livro que propunha o currículo em espiral, ou que fosse inovador, contrasta com as condições de trabalho e de formação do professor, trazendo-os de volta ao discurso sobre as necessidades reais do professor. Assim os sujeitos atuam presos a uma rede de poder, atores encenando diferentes papéis. Entretanto, não há liberdade de atuação, à medida que são limitados pelo figurino, ambiente ou enredo, além dos demais acessórios e personagens que compõem/atuam com eles nesse cenário onde a disciplina controla os discursos. Não existe um fora absoluto, mas, sim, um trânsito.

Tomemos como exemplo a fala de Imenes que, ao justificar os motivos pelos quais alguns autores deixam de publicar no PNLD, explica ser essa a regra do jogo: "[...] não vendeu, param de publicar [...] e por que que não vende tão bem? É porque se opõe [...] àquela concepção arcaica de abordagem da matemática, 'a matemática fechada em si mesma', [...] que exclui as justificativas que, portanto, deixa de ser matemática" (Relato de Imenes). Ainda nesse contexto, o autor afirma: "[...] o empresário investe no produto. Isso daqui [o livro] é o resultado de uma parceria de quem tem dinheiro e quem, supostamente, tem ideias [...], se não vender, o investidor perdeu dinheiro e nós perdemos tempo, correto?".

Novamente os argumentos mobilizam diferentes campos discursivos, evidenciando o sujeito como lugar vazio, podendo este ser ocupado por aquele que preencher certas condições para falar. Imenes apresenta-se como sujeito autorizado a ocupar, a cada momento, diferentes lugares, deslocar-se na rede discursiva e assumir diferentes papéis como sujeito do discurso, uma vez que este não é uma manifestação singular do sujeito pensante,"[...] que conhece, e que o diz: é ao contrário, um conjunto em que podem ser determinadas a dispersão do sujeito e sua descontinuidade em relação a si mesmo. Um espaço de exterioridade em que se desenvolve uma rede de lugares distintos" (FOUCAULT, 1986, p. 61-62).

Essa descontinuidade é percebida à medida que, ao mesmo tempo que Imenes critica à fixação em uma Matemática técnica praticada nos livros atuais, colocando-se como sujeito de um discurso próprio da Educação Matemática, observa-se uma filiação ao discurso econômico, com regras bem definidas, em que livro/autor que não vende é punido com a exclusão do processo. Não estamos com isso afirmando que autores e editores "vendem a alma ao diabo" para terem seus livros no mercado, mas apenas descrevendo os modos como se tornam sujeitos discursivos ocupando diferentes lugares nessa relação. Nessa mesma vertente, consideremos os seguintes relatos:

[...] a gente assina contrato de que a gente não pode fazer isso [trabalhar como freelance], mas por conta de a gente precisar de dinheiro, [...] então eu tenho que aceitar tudo que me propõem. E aí eu pego mesmo, eu faço um monte de coisas [...], eu tenho vários contatos, se a pessoa me chama eu vou lá e faço. (Relato de Fabiana).

Para vender como outros autores vendem, nós temos que abrir mão de muita coisa que nós acreditamos, a Marines e eu. E a gente resolveu não abrir mão. [...] dizer assim que é a editora que decide? Ah não! "Nós queremos que vocês façam um livro perto do livro X". Não! Então, quando o autor tem assim, um certo reconhecimento por aquilo que ele é, as editoras respeitam muito isso. (Relato de Smole).

Há editoras que chegam a ficar reféns de alguns autores. Esses autores são chamados de carro-chefe da editora. [...] isso já foi muito comum em Matemática, em Língua Portuguesa. O autor que hoje tiver quarenta por cento [das vendas], o dono da empresa beija os pés dele! O que ele pedir, o cara faz! Tudo o que o empresário não quer é que ele se encha e vá para outra [editora], depois que o contrato vencer. (Relato de Imenes).

Fica explícito nas narrativas os diferentes modos como o poder atravessa cada sujeito, ao mesmo tempo que os dados sugerem certa hierarquia, própria das relações disciplinares. É inegável que alguns se movem na rede de poder com mais facilidade do que outros, sendo essa mobilidade ditada pela relação de dependência entre o sujeito e a cadeia produtiva. Nesse contexto, Fabiana vê-se obrigada ao acúmulo de trabalhos e de submissão às regras do jogo produtivo. No mesmo jogo, Smole admite negociações, mas não em uma relação de subserviência às determinações da empresa, enquanto Imenes assegura que, em alguns casos, o autor parece concentrar mais poder sobre a editora que o contrário.

Isso não implica que aqueles que estão abaixo na hierarquia sejam agentes passivos sob os quais se exerce o poder, visto que este nunca é fixo a um ponto, nem flui em via de mão única. "[...] jamais está entre as mãos de alguns, jamais é apossado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona. O poder se exerce em rede, e nessa rede, não só os indivíduos circulam, mas estão sempre em posição de ser submetidos a esse poder e também de exercê-lo" (FOUCAULT, 2016, p. 26). É o que vemos em Fabiana, que não é somente alvo, mas também centro de transmissão do poder, à medida que tensiona as linhas de força e resiste às tentativas de controle, pois, mesmo tendo assinado contrato de exclusividade, continua atuando como freelance para outras editoras. Os casos em destaque reafirmam, portanto, o dito por Foucault, de que o sujeito não é um agente passivo nas relações de poder, mas seu intermediário parte das relações que o contêm. Dessa forma, o modo como as relações de poder atuam na constituição do livro didático de Matemática não apontam para um poder opressivo de um sujeito/instituição sobre outros. Não é um poder da ordem da soberania, mas da disciplina e do governo. Sugere certo nível de sedução, todavia, com possibilidades de escapes, resistências, contraconduta. Articula aliciamentos e filiações, mas não é imune às insubmissões e às insurreições.

Desse modo, ao realizarem a leitura da concorrência, ao considerarem qual o "modelo" de livro mais vendido para reproduzi-lo, ao pesarem e medirem cada nova inferência no livro, a partir dos editais do PNLD e do eco das salas de aula, aliando saberes oficiais e marginais que circulam no ambiente da produção didática, o que se faz efetivamente é jogar no âmbito do poder, a partir da leitura do discurso contemporâneo. Uma vez que "[...] as coisas murmuram, de antemão, um sentido que nossa linguagem precisa fazer manifestar-se [...]" (FOUCAULT, 1999, p. 48), buscamos, neste texto, praticar uma escuta e descrever quais murmúrios do nosso tempo se fazem presentes no livro didático de Matemática, quais práticas discursivas, minúcias e complexidades materializam no livro o verdadeiro de nossa época.

Considerações finais

Os diálogos estabelecidos com os entrevistados e as experiências vivenciadas no processo destacam o livro didático como uma joia para o edubusinnes. Esse ramo altamente lucrativo tem mobilizado toda sorte de estratégias de governo, de disciplina, de vigilância, de sanção, de gratificação e de normatização, no intuito de ampliar seu espaço na cadeia produtiva dos livros didáticos de Matemática.

Aliás, o modo como autores e editores compreendem a ação do PNLD, principalmente devido à avaliação, é muito característico. Embora todas as narrativas conduzam a uma compreensão de que o PNLD promoveu melhoria na qualidade dos livros didáticos no Brasil, autores e editores responsabilizam o programa pela pasteurização dos livros didáticos de Matemática.

Ao discordarem ser o PNLD o responsável por tal pasteurização, avaliadores do programa e freelances propõem outras compreensões. Para os freelances, trata-se do resumido número de pessoas (no caso os próprios freelances), desempenhando os mesmos trabalhos para diferentes editoras, o que resulta em textos, atividades e organizações muito próximas. Para os avaliadores, os fatores de destaque para tal semelhança decorrem da vigilância desenvolvida pelos grupos editoriais sobre seus concorrentes (como a "cópia do modelo" de livros sucesso de vendagem ao MEC), além do olhar que se estende ao próprio campo, à medida que as editoras buscam, por meio de pesquisas oficiais ou informais, captar os desejos do professor e imprimi-los nos livros didáticos.

Para além das visões que atribuem ao PNLD o poder de ditar modelos de livro didático de Matemática, o que constatamos no decurso da pesquisa é um mercado editorial atento às mais sensíveis variações, governado por relações que reúnem discursos, saberes e poderes com capacidade metamórfica, sempre pronto a ajustar-se, cooptar novos sujeitos e estabelecer novos modos de produção.

Uma vez que o poder não é algo que se possa possuir, existindo somente em trânsito, e considerando que não existem relações de poder sem um conjunto de discursos de verdade que lhe deem suporte, inferimos que o livro didático constituído na atualidade não se deve a esse ou àquele sujeito/àquela instituição detentora de um poder soberano, mas da leitura dos discursos que propagam a verdade da época sobre o tipo de livro mais aceitável, melhor ajustado ao contexto. Ao lerem essas verdades, colocá-las em movimento e imprimi-las no livro didático de Matemática, constitui-se um livro adaptado/adaptável a cada nova realidade. Em suma, o livro didático de Matemática não está pasteurizado por um ou outro motivo específico, mas por uma multiplicidade de discursos materializados nos livros de Matemática pelos grupos editoriais, ao compreenderem que, para entrar no jogo de aprovação e vendagem do livro, precisam estar na ordem do discurso contemporâneo. O livro não pode ser um monstro que espalha sua verdade, que diz qualquer coisa a qualquer hora/tempo. Antes disso, deve ser um suporte às vontades de verdade, a uma verdade construída socialmente nas relações de poder, tecida fio a fio, e colocadas a funcionar na cadeia produtiva.

Diante dos argumentos, inferimos que o livro didático de Matemática se constitui como o lugar de concentração/intersecção de diferentes tipos de discursos. Consideremos inicialmente um discurso salvacionista e globalizante que, sob a bandeira da má formação docente, apresenta o livro didático como recurso urgente e imprescindível à melhoria da educação, abrindo espaço, no Brasil, aos grandes grupos editoriais, de modo significativo às empresas de capital estrangeiro. Aliam-se a este discursos científicos e institucionais que remetem à exatidão dos conceitos apresentados, à organização do livro, à necessidade de articulação entre os conteúdos mediada pela interdisciplinaridade e pela contextualização, à mobilização de metodologias de investigação e de resolução de problemas, etc. Acrescenta-se a estes os discursos marginais advindos da escola/sala de aula. Direcionados à aceitação do livro, esse discurso induz olhares atentos à valorização da estética e praticidade do livro, sua organização linear e número considerável de exercícios, em detrimento de frequentes recomendações de atividades em grupo, propostas de pesquisas, uso de tecnologias e de abordagem do currículo em espiral. Em suma, aponta para um livro tradicional. Há ainda o discurso econômico, direcionado à produção e à vendagem do livro, cuja habilidade centra-se em equacionar os discursos citados anteriormente e traduzi-los em práticas de (re)organização e distribuição de discursos e sujeitos, de modo a constituir um livro de Matemática sob medida, visando ao mesmo tempo a aprovação no PNLD e a aceitação por parte dos professores, assegurando assim o lucro às empresas do ramo livreiro.

A potência desses discursos faz emergir posições sempre instáveis, como evidenciado pelos entrevistados que, mesmo possuindo diferentes formações, repercutem discursos muito próximos ao ocuparem o mesmo lugar discursivo, por exemplo, ao se referirem ao livro didático como ativo econômico. Parece não haver dúvidas de que as fronteiras entre economia e educação foram diluídas, tornando o livro didático a "galinha dos ovos de ouro" para o edubusinnes. Dessa forma, notamos um dentro-fora do discurso, sem que, portanto, essa posição seja absoluta. Editores, autores e avaliadores alternam os lugares de onde se posicionam, mostrando-se mais próximos aos discursos da Educação Matemática ao discorrer sobre o livro de Matemática desejável, enquanto aproximam-se do discurso oficial/mercadológico ao considerar o livro real.

Todavia, isso não implica uma singularidade, pelo contrário. Embora se perceba uma hierarquia (ainda que sem níveis estáveis ou homogêneos) imposta pela própria disciplina que rege o processo, diferentes sujeitos são atravessados de diferentes modos por essas relações, contexto que faz emergir, por exemplo, diferentes classes de autores, em que os que obtêm maiores índices de vendagem de livros possuem um nível mais elevado nessa hierarquia de produção disciplinada. De fato, as relações estabelecidas entre os autores "renomados" e as editoras chamam atenção para a capacidade de inversão na ordem do poder.

Ressaltamos, portanto, que, embora os dados apontem para uma constituição mediada por mecanismos disciplinares, criando, peça por peça, um livro didático de Matemática ajustado ao nosso tempo, tal fato não implica um determinismo. Não há estabilidade nesse campo, há, antes, flexibilidade, mobilidade, fluidez e atravessamentos, sob diferentes variações e intensidades de forças. Se há possibilidades de escape? Foucault deixa claro que sim, ao afirmar que, se "[...] há uma relação de poder, há uma possibilidade de resistência. Nunca somos pegos na armadilha pelo poder: sempre podemos modificar-lhe o domínio, em determinadas condições e segundo uma estratégia precisa" (FOUCAULT, 2001, p. 267).

1Há de considerar-se que o MEC possui outros programas que geram também uma demanda às editoras, como o programa PNLD Dicionários, o PNLD Obras Complementares e o Programa Nacional Biblioteca na Escola.

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Recebido: 07 de Junho de 2018; Revisado: 30 de Outubro de 2018; Aceito: 03 de Novembro de 2018

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