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Práxis Educativa

versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.14 no.1 Ponta Grossa jan.-abr 2019  Epub 17-Abr-2019

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.14n1.016 

Artigos

Primeiras aproximações ao ser do reflexo: a vida cotidiana como terreno fundante do processo de conhecimento

First approaches to the being of reflection: daily life as the basis of the process of knowledge

Primeras aproximaciones al ser del reflejo: la vida cotidiana como terreno fundador del proceso de conocimiento

Patricia Laura Torriglia* 

*Professora do Departamento de Estudos Especializados em Educação (EED) e do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) do Centro de Ciências da Educação (CED) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: <patrilaura@gmail.com>.


Resumo:

Neste texto, apresentamos algumas discussões preliminares em relação à gênese do conhecimento e aos diferentes reflexos que nos permitem conhecer a realidade objetiva, tendo como foco o ser da vida cotidiana. As referências principais estão ancoradas nas obras do pensador húngaro György Lukács, em especial na Estética: a peculiaridade do estético, de 1966. Defendemos que a heterogeneidade e a universalidade da vida cotidiana podem ampliar e estender seus limites, na medida em que consideremos a necessária superação dos conhecimentos limitados a mera reprodução do mesmo, embora existam repetições que constituem a reprodução do existir e, por isso, são necessárias. Na atual sociabilidade, essa forma de reproduzir a vida, na maioria das vezes, fica atrelada "às necessidades do estômago", cerceando as possibilidades - para a maioria das pessoas - de acesso às objetivações e às atividades genéricas orientadas "às necessidades da fantasia", reduzindo o agir humano à passividade perante os acontecimentos e os fenômenos do mundo. Ao pensarmos esse contexto, apresentamos alguns aspectos da constituição da vida humana a partir da trajetória da vida cotidiana, já que, nela, está implícita a complexificação do processo histórico, sendo o início e o final de toda a atividade humana. Destarte, a vida cotidiana é uma importante dimensão de análise que favorece a compreensão do movimento dos diferentes conhecimentos que nela se expressam, os quais podem vir a aperfeiçoar o cotidiano dos sujeitos históricos e concretos. A partir dessa compreensão, debatemos os diferentes reflexos de uma mesma realidade - cotidiano, científico e estético - que permitem a apropriação do real, cada um com sua especificidade e em um movimento de unicidade ontológica.

Palavras-chave: Vida cotidiana; Teoria do reflexo; Processo de conhecimento

Abstract:

In this text, we present some preliminary discussions regarding the genesis of knowledge and the different representations that enable us to grasp the objective reality with the focus on the daily being. The main references are publications of the Hungarian author György Lukács, particularly, Estética: a peculiaridade do estético, from 1966. We assert that the heterogeneity and universality of daily life can widen and extend its limits as long as we consider the necessary overcoming of limited knowledge to merely reproduction of "the same", although there are repetitions that constitute the reproduction of existence and are therefore necessary. In the current sociability, this way of reproducing life, most often is conditioned to the "stomach needs", constraining the possibilities - for most people - of access to objectifications and generic activities oriented "to the needs of fantasy", reducing human action to passivity before the world's events and phenomena. Considering this context, we present some aspects of the constitution of human life from the trajectory of daily life since the complexity of the historic process is implicit in it, being the beginning and the end of every human activity. Thus, everyday life is an important dimension of analysis that favors the understanding of the movement of the different knowledge expressed in it, which can improve the daily life of historical and factual subjects. From this understanding, we discuss the different reflections of the same reality - daily, scientific and aesthetic - that allow the appropriation of the real, each with its own specificity and in a movement of ontological oneness.

Keywords: Daily life; Reflection theory; Process of knowledge

Resumen:

En este texto, se presentan algunas discusiones preliminares en relación con la génesis del conocimiento y los diferentes reflejos que nos permiten conocer la realidad objetiva, teniendo como foco el ser de la vida cotidiana. Las referencias principales son las obras del pensador húngaro György Lukács, en especial, Estética: la peculiaridad de lo estético (1966). Defendemos que la heterogeneidad y la universalidad de la vida cotidiana pueden ampliar y extender sus límites en la medida en que consideremos la necesaria superación de los conocimientos limitados a la mera reproducción de lo mismo, aunque existan repeticiones que constituyen la reproducción de existir y, por eso, son necesarias. En la actual sociabilidad, esta forma de reproducir la vida, casi siempre, está relacionada a las "necesidades del estómago", limitando las posibilidades - para la mayoría de las personas - del acceso a las objetivaciones y a las actividades genéricas orientadas a las "necesidades de la fantasía", reduciendo la acción humana a diferentes grados de pasividad frente a los acontecimientos y fenómenos del mundo. Al pensar en este contexto, presentamos algunos aspectos de la constitución de la vida humana a partir de la trayectoria de la vida cotidiana, ya que en ella está implícita la complejización del proceso histórico, y es el inicio y el final de toda actividad humana. De este modo, la vida cotidiana es una importante dimensión de análisis que favorece la comprensión del movimiento de los diferentes conocimientos que en ella se expresan, los cuales pueden perfeccionar el cotidiano de los sujetos históricos y concretos. A partir de esa comprensión, debatimos los diferentes reflejos de una misma realidad - cotidiano, científico y estético - que permiten la apropiación de lo real, cada uno con su especificidad y en un movimiento de unidad ontológica.

Palavras clave: Vida cotidiana; Teoría del reflejo; Proceso de conocimiento

Introdução

Se a essência do homem se identifica com a totalidade das relações sociais, então a realização e a libertação do gênero humano estão indissociavelmente ligadas à transformação do mundo. (TERTULIAN, 2004, p. 7, grifos do autor).

O presente artigo é uma versão revisada e ampliada do texto Ontologia crítica, trabalho, reprodução e práxis cotidiana, realizado no estágio de pós-doutorado (2015-2016) 1 e das reflexões a que nos entregamos por ocasião do projeto de pesquisa de natureza teórico-conceitual intitulado Ontologia crítica, vida cotidiana e as dimensões do conhecimento: primeiros apontamentos para discutir o ser da didática2, inserido no programa de pesquisa denominado Formação Humana, Ontologia crítica e Educação, que engloba diferentes projetos e está articulado ao Grupo de Estudos e Pesquisa em Ontologia Crítica (Gepoc), do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGE/UFSC).

No contexto desses estudos, consideramos de suma relevância para a pesquisa em educação fazer um esforço deliberado de presentificar o pensamento lucaksiano, sobretudo no que tange à defesa da existência de uma ontologia materialista e crítica. Consideramos que recuperar a obra de Lukács3 nos permite retomar a obra de Marx naquilo que ela tem de mais notável: sua persistente capacidade de explicar o presente, sendo um instrumento indispensável para entendê-lo e transformá-lo. Como nos assegura Lukács (1966, p. 17): "A verdade profunda do marxismo, que nem os ataques nem o silêncio podem aquebrantar, consiste entre outras coisas, que com sua ajuda podem manifestar-se os fatos básicos, antes ocultos da realidade da vida humana, e fazer-se conteúdo da consciência dos homens" (LUKÁCS, 1966, p. 17).

O movimento do capital e sua lógica de constante valorização do valor demanda do complexo educacional - como um dos complexos parciais da totalidade - os conhecimentos de que os sujeitos trabalhadores têm de se apropriar para reproduzir a força de trabalho. Não é novidade que essa reprodução está limitada a sua mera singularidade, cerceando seu vir a ser individualidade, como explica Martins (2016) ao se referir ao que significa ser jovem trabalhador:

Um ser jovem vivendo num mundo de inquietação, com motivos escusos, emaranhados por uma configuração social, baseada na relação da exploração da força de trabalho para alcançar seus lucros. Uma geração que vive na busca de constituir uma harmonia entre o ser e o ter. Que rouba o tempo livre de compartilhar momentos de inquietações e limitações, para não deixar processar aquele germe que gera a felicidade e esperanças de dias melhores. (MARTINS, 2016, p. 24).

Embora a autora esteja se referindo aos jovens, objeto de seu estudo, esta é, em geral, a situação de todos os trabalhadores, do conjunto da classe trabalhadora, na qual a intensificação da exploração do trabalho, imbuída na subsunção do trabalho ao capital, entre outros aspectos explicativos, marca cada vez mais a tendência posta pelo capital, orientada à desumanização e à retirada dos aspectos mais genéricos do ser. No avesso desse direcionamento, defendemos uma formação humana que contrarie a mera reprodução posta nos liames dessa sociabilidade do capital, reiterando que é fundamental aprofundar o movimento da vida cotidiana.

Assim, no estudo de pós-doutorado denominado Ontologia crítica, trabalho, reprodução e práxis cotidiana, interessou-nos explicitar e recuperar a gênese da vida cotidiana e, com ela, as mediações, com o intuito de justificar, de maneira mais proeminente, a necessidade de questionar a ideia comum de uma práxis cotidiana que permanece restrita a ela mesma ou o entendimento de que a vida cotidiana tem de ser "superada", o que leva ao preconceito de que haveria "outra" vida para se viver. Moraes e Torriglia (2000, p. 54) apontaram para o fato de que cuidar "[...] do movimento cotidiano, de suas múltiplas epidermes implica estarmos atentos à sua gênese, seus conflitos e contradições". Nesse sentido, analisamos a possibilidade de reconhecer os ininterruptos, inelimináveis e constantes processos de suspensão, retorno e superação, movimentos estes de reprodução da práxis social em toda sua amplitude.

A partir dessa compreensão, consideramos importante aprofundar o movimento da vida cotidiana como constituição desse processo de "fermentação". Destarte, defendemos que a heterogeneidade e a universalidade da vida cotidiana podem ampliar e estender seus limites, na medida em que consideremos a necessária superação dos conhecimentos limitados a mera reprodução do mesmo, embora existam repetições que constituem a reprodução do existir e, por isso, são necessárias. Na sociabilidade em questão, essa forma de reproduzir a vida, na maioria das vezes, fica atrelada "às necessidades do estômago", cerceando as possibilidades - para a maioria das pessoas - de acesso às objetivações e às atividades genéricas orientadas "às necessidades da fantasia", reduzindo o agir humano à passividade perante os acontecimentos e os fenômenos do mundo.

Para compreender esse fenômeno e contrapor fortemente essa tendência, tornou-se e torna-se necessário apreender a constituição da vida humana a partir da trajetória da vida cotidiana, já que, nela, está implícita a complexificação do processo histórico e, nas palavras de Lukács (1966), o início e o final de toda a atividade humana. Destarte, a vida cotidiana é uma importante dimensão de análise, que favorece a compreensão do movimento dos diferentes conhecimentos que nela se expressam, os quais podem vir a aperfeiçoar o cotidiano dos sujeitos históricos e concretos.

O reflexo, o pensamento cotidiano, o movimento que se realiza a partir da vida cotidiana e sua "mistura", nesse patamar, juntamente aos reflexos artísticos e científicos, permitem-nos esboçar algumas aproximações com aquilo que Lukács julgou ser importante e que tomamos como guia, a saber: o processo de retorno das objetivações mais elaboradas à vida cotidiana e como esse retorno, apesar da limitada conformação, facilita ampliações e registros de compreensões cada vez mais refinados. O entendimento disso e a configuração dos sujeitos singulares em seu vir a ser indivíduo, subjetividades objetivadas, são apoio fundamental para, juntamente a uma concepção de teoria do desenvolvimento sob base marxista, apontar elementos para a formação e os processos de ensino e aprendizagem. Também nesse escopo de ideias, a fim de apresentar uma proposição factível, consideramos que a didática e o método de ensino podem - dialeticamente - interferir de maneira sistemática para que os conhecimentos científicos e artísticos, isto é, as objetivações mais elaboradas, surgidas neste terreno cotidiano, retornem à vida cotidiana, permitindo-lhes causar impacto não somente ao ampliar o "pequeno mundo" da cotidianidade mas, sobretudo, ao favorecer as modificações necessárias aos registros e às dimensões do pensamento cotidiano.

Assim sendo, interessou-nos compreender e refinar alguns dos conceitos nucleares, para fortalecer e fundamentar uma concepção de formação humana que possibilite conhecer e transformar a realidade, articulada a uma ideia de vida cotidiana que coincide com o início dos processos de apropriação do conhecimento sobre o mundo objetivo e o reflexo da realidade, considerando que os reflexos da realidade permitem a apropriação do mundo objetivo; e as possibilidades de intervenção, a transformação da realidade a partir de uma agir consciente.

Neste artigo, como já explicitamos, realizamos um recorte, com algumas revisões, do texto elaborado no processo de pós-doutorado, apresentando algumas discussões preliminares em relação à gênese do conhecimento e aos diferentes reflexos que nos permitem conhecer a realidade objetiva, tendo como foco o ser da vida cotidiana. As referências principais do presente texto estão ancoradas nas obras do pensador húngaro György Lukács, em especial na Estética: a peculiaridade do estético, de 1966.

Vida cotidiana como terreno fundante do processo de conhecimento

El señor Trianon se instaló en un taburete, de espaldas al público, alzó una especie de varita con una lucecita roja intermitente en un extremo, se hizo el silencio y empezó el recital.

Cada vez que ocurre, es como un milagro. Toda la gente, todas las preocupaciones, todos los odios y todos los deseos, todas las angustias, todo el año del colegio con sus vulgaridades, sus acontecimientos menores y mayores, sus profes, sus alumnos abigarrados, toda esa vida en que nos arrastramos, hecha de gritos y de lágrimas, de risas, de luchas, de rupturas, de esperanzas frustradas y de suertes inesperadas: todo desaparece de pronto cuando el coro comienza a cantar. El curso de la vida se ahoga en el canto, de golpe hay una impresión de fraternidad, de solidaridad profunda, de amor incluso, que diluye la fealdad cotidiana en una comunión perfecta. Hasta los rostros de los cantantes se transfiguran: ya no veo a Achile Grand Fernet (que tiene una bellísima voz de tenor), ni a Deborah Lemeur ni a Ségolène Rachet, ni a Charles Saint Sauveur. Veo seres humanos que se entregan en el canto.

[...] Dejo de ser yo misma, paso a ser parte de un todo sublime al cual pertenecen también los demás, y en esos momentos me pregunto siempre por qué nos es la norma de la vida cotidiana en lugar de ser un momento excepcional.

[...]

A fin de cuentas me pregunto si el verdadero movimiento del mundo no es el canto.

(BARBERY, 2014, p. 204).

Também nos perguntamos, tal como a personagem da obra citada, mesmo sabendo - com muitas contradições - algumas respostas possíveis a partir de um modo de produção desumanizador, como lutar ainda mais para que o canto seja o movimento da vida, embora estejamos cientes de que esse canto, ao elevar-se a outros patamares, terá dimensões de repetição, de conservação necessária. No entanto, qual seria a diferença, então, em uma vida cotidiana diferente? Em outra sociabilidade que não seja regida pelo Capital, as suspensões na vida cotidiana seriam mais férteis e contínuas? Sua ampliação permitiria um mundo mais fraterno? O ponto de partida são essas instigações, uma aposta na formação, no conhecimento e em seus processos, com o intuito de fortalecer a dimensão ontológica na compreensão dos fenômenos, como base necessária e imprescindível para realizar uma crítica ontológica às diferentes concepções sobre a vida cotidiana e aos movimentos de objetivação que dela se desprendem.

Entendemos que uma abordagem ontológica significa compreender a realidade a partir da dimensão do ser e assume uma prioridade inevitável se se quer e se deseja refinar as ferramentas teórico-práticas necessárias para o enfrentamento dos momentos atuais em que estamos vivendo. De maneira geral, a perspectiva ontológica/crítica defendida por Lukács assenta-se sobre o existente; o que lhe interessa é o realmente existente, é compreender a complicada relação dos fenômenos, inicialmente em aparência, até chegar à essência. Desse modo, para o pensador Húngaro, é de vital importância a compreensão do ser. O método de Lukács, nomeado por Tertulian (2009) de "genético-ontológico", que,

[...] procura mostrar a estratificação progressiva das atividades do sujeito (por exemplo: atividade utilitária, atividade hedonista e atividade estética), indicando as transições e mediações, até circunscrever a especificidade de cada uma em função do papel que desempenham na sua fenomenologia da vida social. (TERTULIAN, 2009, p. 2).

Diante dessa realidade, ontologia e história não são passíveis de serem percebidas separadamente. Diríamos, hoje, que falar de ontologia e história (gênese) significa estudar o ser das coisas em movimento.

Importante reconhecer que nos processos de conhecer e apreender estarão sempre envolvidas relações e movimentos internos singulares (desenvolvimento da psique) que se configuram a partir da relação com o mundo externo, no qual os seres humanos se objetivam, valorizam e apropriam-se dos instrumentos da cultura em um determinado momento histórico, procurando, não sem contradições, reproduzir4 e produzir sua existência. Essa relação é, portanto, uma atividade realizada por um sujeito objetivado e subjetivado (e vice-versa), ocorrendo, dessa forma, dois movimentos dinâmicos, constantes e interdependentes (TORRIGLIA; CISNE, 2017).

As dimensões do conhecimento têm sua gênese e explicação a partir da compreensão da importância do papel da consciência - e do reflexo da realidade - na relação ininterrupta com a práxis, com a materialidade objetiva do mundo exterior e com a subjetividade objetiva e objetivada pelo movimento de captura do pensamento. Se pensarmos que a realidade é muito mais do que aquilo que se apresenta e as regularidades empíricas são insuficientes para dar conta da complexidade dos fenômenos sociais e educacionais, como entender as perspectivas que consideram que a ciência e a teoria do conhecimento (produção de conhecimento) se limitam a capturar o que se apresenta no imediato, quando sabemos que nessa atividade apreendemos simplesmente as regularidades, as relações estáveis? Esse "simplesmente" não significa uma negação da atividade necessária a essa captura, porque são essas regularidades e relações estáveis que constituem o solo da imediatez e da aparente estabilidade do cotidiano da existência humana. Tal estabilidade conserva as bases necessárias para todo o potencial que pode vir a ser. Só que nem sempre o vir a ser se expressa e desdobra todas as potencialidades possíveis, já que depende de múltiplas condições sociais que oportunizem as possibilidades. A esse respeito, acreditamos que os processos de formação têm muito a dizer.

Em outro texto (TORRIGLIA; CISNE, 2015), já indicamos que a dimensão ontológica outorga o suporte e orientação à gnosiologia; o ser social, enquanto ser, não pode prescindir de sua intentio recta, isto é, a orientação ao conhecimento do mundo em que o sujeito vive. Assim, no processo do conhecimento da realidade, os sujeitos cognoscíveis e a relação entre o papel subjetivo e a captura do mundo objetivo por meio dos reflexos têm sua gênese no trabalho, em especial se entendermos que até no mais primitivo ser homem há de se produzir "[...] uma captação da realidade que seja pelo menos grosseiramente aproximada e consciente, se não fosse assim, aqueles seres vivos não haveriam podido nem afirmar sua existência nem menos desenvolver-se em direção a estágios superiores" (LUKÁCS, 1966, p. 12).

Nessa captação inicial da realidade, no nosso entender, podemos localizar a gênese do conhecimento, a intentio recta, a orientação à realidade, o impulso a conhecer o mundo circundante. Tertulian (2009) lembra-nos de que, sem dúvida,

[...] pensadores como Nicolai Hartmann ou Roman Ingarden precederam Lukács no destaque concedido à intentio recta (orientação à realidade em sua autonomia ontológica) em comparação com a intentio obliqua (atenção dirigida à reflexividade da consciência), mas Lukács foi o primeiro a estabelecer uma genealogia das múltiplas atividades da consciência e de suas objetivações (a economia, o direito, a política e suas instituições, a arte ou a filosofia) a partir da tensão dialética entre subjetividade e objetividade. (TERTULIAN, 2009, p. 376).

Lukács (2012, p. 134) esclarece que Hartmann parte de uma postura mais simples e cotidiana: "[...] 'Ninguém presume que as coisas que vê só vem a existir porque são vistas'. É desse ponto que parte o caminho para o conhecimento no sentido próprio", acrescentado que o problema do ser "[...] por sua essência, é imanente, enraizado em um plano anterior. Ele está preso a fenômenos, não a hipóteses". O autor assinala ainda que o cognoscente também se encontra na mesma situação do perceptivo: "Só há conhecimento daquilo que já 'é' - mais exatamente, que 'é' independentemente de ser conhecido ou não". Essas apreciações sobre a ontologia realizadas por Lukács no capítulo dedicado a Nicolai Hartmann, ainda que breves, são vitais para uma construção e elaboração de maior alcance e sustentação sobre a vida cotidiana "[...] como fundamental, uma tendência efetiva já na vida cotidiana" em que, a partir dela, podemos compreender a tendência do conhecimento: "Ciência e ontologia nada mais são que prolongamentos dessa direção, como diz Hartmann, uma intentio recta" (LUKÁCS, 2012, p. 134, grifo do autor). Essa compreensão significa uma

[...] postura natural em relação a um objeto [...], o estar direcionado para aquilo que vem ao encontro do sujeito, para aquilo que ocorre, que se oferece, em suma, o estar voltado para o mundo em que o sujeito vive e do qual é parte - esta postura fundamental é a que nos é mais corriqueira na vida e o será por toda ela. É por meio dela que nos arranjamos no mundo, é em virtude dela que com nosso conhecimento estamos adaptados à demanda do cotidiano. (LUKÁCS, 2012, p. 134).

Lukács (2012) vai retomar essas questões, mas, antes, ele elucida que é importante deixar expresso que Hartmann capturou essa relação entre conhecimento cotidiano e ciência, enxergando claramente

[...] que a ciência compartilha o realismo natural da consciência ingênua do mundo, buscando na ontologia nada mais que uma continuação crítica, um prosseguimento crítico, uma conscientização daquilo que ininterruptamente se concretiza de modo espontâneo na práxis da vida e da ciência. (LUKÁCS, 2012, p. 136).

Lukács explica que o autor, além de apontar e desvelar a direção espontânea da vida e da ciência, também vai assinalar os aspectos emocionais, a vida volitiva e prática do cotidiano, nessa sequência, o mérito de Hartmann, sublinha Lukács (2012, p. 136), consiste na maneira com que ele visualiza "[...] o caráter fundamental também dos aspectos emocionais do cotidiano na confrontação de todo ser humano com uma realidade existente em si mesma, totalmente independente da subjetividade humana".

A partir dessa compreensão, Lukács (2013, p. 97, grifo do autor) explica como, na intentio recta, tanto da vida cotidiana como da ciência e da filosofia, "[...] pode acontecer que o desenvolvimento social crie situações e direções que torcem e desviam esta intentio recta da compreensão do ser real" e, por isso, continua o autor, a crítica ontológica "[...] que nasce dessa exigência deve ser absolutamente concreta, fundada na respectiva totalidade social e orientada para a totalidade social".

Para o autor, seria falso supor que a ciência pode corrigir, em termos ontológicos e críticos corretos, "[...] o pensamento da vida cotidiana e a filosofia, as ciências, ou, de modo inverso, que a vida cotidiana possa desempenhar, nos confrontos com a ciência e com a filosofia, o papel da cozinheira de Molière"5 (LUKÁCS, 2013, p. 98). O que queremos salientar com isso, ainda que de modo aproximativo, é que ambos os pensamentos constituem uma unicidade no processo com que os sujeitos se deparam não somente ao entender sua vida mas também para poder se manter e se reproduzir. Essa reprodução é ainda mais social e mais complexa neste momento da história, sobretudo pelo caráter desigual e dinâmico da realidade, tornando-se necessária uma crítica ontológica que permita o tratamento desse complexo problema. Por isso, a crítica ontológica "[...] deve orientar-se pelo conjunto diferenciado da sociedade - diferenciado concretamente em termos de classes - e pelas inter-relações dos tipos de comportamentos que daí derivam [...]" (LUKÁCS, 2013, p. 98).

Desse modo, acentuar a função da práxis como critério da teoria é decisivo, pois, segundo Lukács (1984, p. 8), para qualquer desenvolvimento espiritual e para qualquer práxis social, é necessário compreender que

[...] toda práxis se orienta imediatamente no sentido de alcançar um objetivo concreto determinado. Para tanto deve ser conhecida a verdadeira constituição dos objetos que servem de meio para tal posição de finalidade, pertencendo igualmente àquela constituição as relações, as prováveis consequências, etc. Por isso a práxis está inseparavelmente ligada ao conhecimento [...]. (LUKÁCS, 1984, p. 8).

Para Lukács (2012, 2013), as formas da divisão do trabalho se entrecruzam, em sua explicitação social, com sua forma historicamente mais importante: a diferenciação produz mais do que o necessário para reproduzir-se. Essa tendência - de produzir mais do que o necessário - está também na intentio recta, que denota o impulso de conhecer a realidade e leva os seres humanos a procurar e ampliar o mundo circundante, e, disso, resultam as generalizações6 e as fixações do trabalho. Isso significa que, no processo das contínuas objetivações sempre articulado às elaborações do pensamento, as objetivações efetivadas (os pores teleológicos postos) vão se fixando na história a partir das atividades realizadas.

Se aceitarmos a ideia de que a produção de conhecimento se dá no movimento entre a vida cotidiana e sua suspensão, "superação", "saídas", torna-se necessário recuperar e avançar na compreensão do movimento da vida cotidiana, já que é imprescindível para compreender o retorno do conhecimento mais elaborado - ciência, arte, filosofia - à própria vida cotidiana.

Segundo Lukács (HELLER, 1991), por ser uma especificidade ontológica, o trabalho é, ao mesmo tempo, uma ocupação cotidiana e uma atividade imediatamente genérica que supera esse cotidiano. Nesse processo, a vida cotidiana - o fermento da história é fundamental, porque as objetivações genéricas em-si nascem e se desenvolvem nela, constituindo a base do que Lukács denomina de processo histórico universal (HELLER, 1991, p. 96).

Vejamos, na seguinte citação, como Lukács entende a função social da vida cotidiana e como ela possui uma universalidade extensiva,

[...] la esencia y las funciones histórico-sociales de la vida cotidiana no suscitarían interés si esta fuese considerada una esfera homogénea. Pero precisamente por esto, precisamente como consecuencia de su inmediato fundamentarse en los modos espontáneos-particulares de reaccionar por parte de los hombres, a las tareas de la vida que la existencia social les plantea (so pena la ruina), la vida cotidiana posee una universalidad extensiva. La sociedad solo puede ser comprendida en su totalidad, en su dinámica evolutiva, cuando se está en condiciones de entender la vida cotidiana en su heterogeneidad universal. (LUKÁCS apudHELLER, 1991, p. 11, grifos nossos).

Ressaltamos, novamente, parte da citação anterior: "[...] a sociedade só pode ser compreendida em sua totalidade, em sua dinâmica evolutiva, quando se está em condições de entender a vida cotidiana em sua heterogeneidade universal" (LUKÁCS apudHELLER, 1991, p. 11). Lukács, ao utilizar, nessa citação, o conceito de heterogeneidade universal para a compreensão da vida cotidiana, objetiva uma superação interessante da análise realizada apenas pela via da pura homogeneização da vida cotidiana. Essa limitação, circunscrita apenas ao enfoque da homogeneização, reforça e reforçou uma dimensão negativa da vida cotidiana.

Lukács coloca, nesse movimento, em nosso entender, realmente o "fermento secreto da história", parafraseando Heller. Nessa linha de pensamento, as apropriações dos usos e dos costumes e do sistema de expectativas se desenvolvem em um determinado momento histórico e em uma classe social específica; dessa maneira, nem toda apropriação ou aprendizagem são a mesma coisa7. Assim, para Heller (1991), a reprodução do homem particular é sempre uma reprodução histórica, a reprodução de um particular em um mundo concreto. Dessa maneira, e não poderia mesmo ser diferente, a vida cotidiana tem uma história, ela muda ou se transforma com a dinâmica social. É nesse sentido que Heller explica que a vida cotidiana é "um espelho" e "um fermento secreto da história".

Esse fermento - relações, paixões, objetivações, ideologias intuitivas, impulsos químicos, emocionais, afetivos, etc. - é também o campo das mediações sociais, da continuidade e da ruptura da história. A generidade implica, entre outras questões, sociabilidade e historicidade, o ser-em-si da vida cotidiana é constituído pela experiência imediata, por saberes pragmáticos, pelas "economias" de pensamento, por limites rígidos, pensamentos intuitivos, entre outros aspectos, justamente para poder sobreviver nos confins de sua "cotidianidade". Nesse "pequeno mundo", os seres humanos podem se autoconservar, e, assim, o sujeito particular apropria-se dos objetos, dos usos e dos costumes do mundo social em que nasce e, nesse processo de objetivação, lhe é possível sobreviver e se afirmar na comunidade, em um estrato, em uma classe social.

No entanto, para Heller (1991), depois da aparição da divisão social do trabalho, os sujeitos particulares, uma vez que nasceram em seu "mundo", apropriam-se somente de alguns aspectos das capacidades genéricas desenvolvidas em uma época determinada. Nesse processo de complexificação, outros aspectos da generidade são estranhos, colocam-se como um mundo estranho, como um mundo de costumes, de aspirações, formas e modos de vida diversos, que se contrapõem ao mundo do sujeito particular (normas, costumes, formas de vida, aspirações) como algo absolutamente estranho a ele (HELLER, 1991, p. 29).

Também em meio a essa dinâmica, as objetivações genéricas para si - arte, a ciência, a filosofia - nos conduzem "[...] a uma realidade diferente de nosso cotidiano, pois nesta aparência cumpre a sua função de ocultar a essência. Diferentemente da experiência cotidiana, a arte nos fornece uma realidade autônoma mais alta e verídica" (FREDERICO, 2000, p. 301). Entendemos que a expressão do autor - "uma realidade autônoma mais alta e verídica" - não significa que existe uma hierarquia em que a arte ou as outras objetivações genéricas para si estejam em um "lugar" privilegiado, senão que constituem possibilidades de aproximação a patamares de compreensão cada vez mais refinados e complexos da realidade e, portanto, é plausível realizar uma apreensão mais adequada dos nexos que envolvem e determinam as estruturas e o movimento dos fenômenos. Embora o autor esteja se referindo especificamente à arte, consideramos que sua afirmação pode ser estendida à Filosofia e à Ciência.

Assim, segundo Frederico (2000, p. 302), para Lukács, "[...] a arte é uma atividade que parte da vida cotidiana para, em seguida, a ela retornar, produzindo nesse movimento reiterativo, uma elevação na consciência sensível dos homens [...]". Entendemos que a arte - assim como a Filosofia e a Ciência - é uma forma de conhecimento da realidade, uma expressão da atividade humana fundamental para a reprodução e a continuidade da vida. Por isso, segundo Frederico (2000, p. 302), Lukács estudava a arte "[...] sempre comparada e contrastada com a atividade científica, partindo da vida cotidiana, como um de seus momentos privilegiados, ao contrário de Hegel, para quem a arte surge sempre como manifestação sensível da ideia".

Partir da vida cotidiana significa, entre outras coisas, partir do pensamento que a permeia, constituído pelos processos de objetivação, que contém elementos substanciais de elaborações mais complexas, que sempre tem a práxis como critério de orientação. Já assinalamos que a relação entre o papel subjetivo e o reflexo do mundo objetivo tem sua gênese no trabalho, aspecto essencial para a reprodução. E esse fato, segundo Frederico (2000), contém tendências a uma objetividade mais autêntica, e o princípio subjetivo - presente na seleção e na distinção entre o essencial e o não tão essencial - baseia-se em interesses vitais e elementares dos homens. Igualmente, tais interesses vão se produzindo no processo de complexificação das experiências e de algumas fixações. Esse conhecimento da realidade objetiva dá-se por um reflexo da realidade, que não é simples, senão um processo de abstrações e generalizações que vão permitir cada vez mais uma "captura" mais adequada da realidade.

Assim, essa possibilidade de elaborar a realidade mediante a abstração e a generalização tem de ser compreendida realmente como um processo, já que o conhecimento, nas palavras de Rosental e Straks (1958, p. 2), é um processo complexo, que inicia na percepção, não passiva, que se realiza a partir da atividade prática. Podemos afirmar, assim, que a percepção e, também, a sensação e a intuição são premissas necessárias, mas não suficientes para a captura das relações e conexões mais complexas que constituem os fenômenos. Nesse sentido, apoiamos a tese que propugna que os diferentes graus de conhecimento também respondem ao movimento que é inerente à dinâmica do real. Esses graus compõem o conhecimento científico e estão em movimento, atentos ao momento histórico, e cada grau - intuição, percepção, memoria intuitiva, sensação, etc. - também se complexifica.

Por exemplo, não existe um grau de percepção "único" e "fixo". Dentro de seu registro, temos diferentes momentos que podem ampliar e refinar a percepção e - assim como todas as formas de conhecimento, ainda que iniciais - compõem e apoiam os conhecimentos mais elaborados, o conhecimento científico, filosófico, estético, entre outros. Todo o movimento que acontece no pensamento se expressa em categorias e conceitos que têm um conteúdo objetivo, pois refletem justamente o real, com seus nexos, relações e leis inerentes a ele. Aliás, Rosental e Straks (1958, p. 5) assinalam que "[...] o pensamento e a nomeação das coisas, objetos e suas propriedades surge[m] somente como reflexo e generalização dos esforços práticos dos homens". Podemos acrescentar que o pensar é um instrumento fundamental da atividade humana, ele retira das ações práticas as conexões necessárias para produzir algo novo, para entender algo efetivamente posto e para reproduzir e produzir ativamente a vida.

O conhecimento da vida cotidiana, em que prima um pensamento cotidiano, como veremos mais adiante, não é algo de menor "importância", não é um "conhecimento menor", em princípio, porque ele está configurado pelos retornos - sejam estes parciais ou mais completos - dos conhecimentos científicos, filosóficos e estéticos. Isso significa que, na vida cotidiana, a forma de entender o mundo, seja por generalizações apressadas ou por compreensões recortadas, existe porque há essa relação com os conhecimentos mais elaborados, de que os sujeitos se apropriam nos processos de objetivação e, assim, exercem e sustentam suas atividades e suas decisões no dia a dia.

Não podemos esquecer aqui que o conhecimento se dá na relação entre aparência e essência, causa e efeito, necessidade e acaso, conteúdo e forma - categorias da dialética materialista contidas no processo de conhecimento, já que são elaborações categoriais analíticas que permitem entender a dinâmica do real. Destarte, aqui vale a pena frisar que, se existem graus no processo do conhecimento, como assinalamos, também é importante destacar que as categorias são pontos de apoio do conhecimento e da prática. Elas surgem "[...] no trajeto do conhecimento e da transformação prática da natureza e servem de instrumento à atividade cognitiva das pessoas" (ROSENTAL; STRAKS, 1958, p. 1). A atividade cognitiva (consciência) permite a reprodução ideal de conexões concretas, e isso não significa que se perca a totalidade do ser social; ao contrário, é com "[...] base nela, que se sopesa a realidade e o significado de cada fenômeno singular, uma análise ontológico-filosófico da realidade em si que jamais vaga, mediante a autonomização de suas abastrações [...]" (LUKÁCS, 2012, p. 296).

Esse pensar categorial busca superar a realidade imediatamente dada, "as relações de fácil percepção", diria Lukács (2012). Por isso, falar de totalidade social significa encetar uma investigação sobre as próprias conexões, buscando "[...] apreendê-las em todas as suas imbricadas e múltiplas relações, no grau máximo de aproximações possíveis" (LUKÁCS, 2012, p. 296). Assim, a totalidade não é

[...] um fato formal do pensamento, mas constitui a reprodução ideal do realmente existente, as categorais não são elementos de uma arquitetura hierárquica e sistemática, mas, ao contrário, são na realidade "formas de ser, determinações da exsitência", elementos estruturais de complexos relativamente totais, reais, dinâmicos, cujas inter-relações dinâmicas dão lugar a complexos cada vez mais abrangentes, em sentido tanto extensivo quanto intensivo. (LUKÁCS, 2012, p. 297).

Nesse particular, Lukács assevera ser necessário compreender mais de perto a realidade, tal como se apresenta na vida cotidiana e, em seguida, desenvolve a relação existente entre as questões fisiológicas em um nível mais genérico, definindo as impressões sensíveis, isto é, as imagens dos objetos vistos na retina, com "[...] fotocópias da realidade visualmente fenomênica", para depois avançar naquilo que é fundamental: como se comporta, em respeito à realidade objetiva, a imagem produzida na consciência, sendo esta um resultado de um processo muito complicado (LUKÁCS, 1966, p. 85-86). Em relação à imagem, Rubinstein (1965, p. 11) explica que "[...] a atividade psíquica é uma atividade cerebral que constitui tanto um reflexo quanto um conhecimento do mundo". Cisne (2014, p. 136), por sua vez, elucida que "[...] os fenômenos psíquicos estão necessariamente vinculados à realidade objetiva e à atividade reflexa do cérebro". E, nas palavras de Rubinstein (1965, p. 15, grifo do autor): "O cérebro é somente o órgão da atividade psíquica". Nessa direção, Cisne (2014), apoiada em Rubinstein (1965, p. 15), afirma que o cérebro é

[...] um órgão altamente complexo -; o homem é o sujeito da atividade. É o homem que tem sentimentos, pensamentos que emergem por meio da atividade do cérebro, que entra em contato com conhecimento do mundo exterior e o modifica, é o homem, com sua ineliminável base inorgânica e orgânica, que por meio de "sentimentos e pensamentos expressa uma atitude emocional e cognoscitiva do homem frente ao mundo". (CISNE, 2014, p. 136).

Desenvolvendo essas questões sobre a captura da realidade por meio do reflexo, Lukács (1966) vai explicar como, mediante a atividade vital, se suspende

[...] a determinação imediata da posição dos fins e da ação [do trabalho]. No trabalho encontra-se a superação dessa imediatez. O trabalho pode satisfazer cada vez mais [melhor] as finalidades dos homens no domínio do mundo circundante precisamente porque vai além da subjetividade espontânea - que contém, sem dúvida, elementos também espontâneos da objetividade -, porque [no trabalho] empreende-se um rodeio para a realização dos fins e se suspende a imediaticidade destes para investigar diretamente a realidade objetiva em si mesma. Por isso no trabalho a distinção entre o essencial e não essencial tem já que aparecer objetivamente, refletindo na consciência humana [a realidade objetiva] como objetivamente é. (LUKÁCS, 1966, p. 14, grifos nossos).

Dessa forma, vemos como o "[...] reflexo científico - objetivo, desantropomorfizador - da realidade nasce necessariamente do trabalho" (LUKÁCS, 1966, p. 14)8. Nas próprias palavras do autor,

[...] o reflexo científico da realidade tenta se liberar de todas as determinações antropológicas, tanto as derivadas da sensibilidade como as de natureza intelectual, ou seja, esse reflexo se esforça por configurar os objetos e suas relações tal como são em si, independentes da consciência. Diferentemente, o reflexo estético parte do mundo humano e se orienta em direção a ele. Isto não significa um subjetivismo puro e simples. Ao contrário, a objetividade dos objetos fica preservada, mas de tal modo que contenha todas suas referências típicas da vida humana: de tal modo, pois, que a objetividade apareça correspondendo ao estágio da evolução humana, externa e interna, que é cada desenvolvimento social. Isto significa que toda conformação estética inclui em si e se insere no hic et nunc histórico de sua gênese, como momento essencial de sua objetividade decisiva. Como é natural, cada reflexo está determinado materialmente, tematicamente pelo lugar de sua consumação. Nem sequer no desenvolvimento de verdades matemáticas ou cientificas - naturais, puras - é casual o momento temporal [...]. (LUKÁCS, 1966, p. 25, grifos nossos).

Casagrande (2016, p. 77), a partir de Engels (1976), explica como as ciências surgiram das necessidades dos seres humanos, confirmando a última frase da citação anterior, na qual se esclarece que o reflexo está determinado no movimento histórico das relações (não há a priori). E, no caso da matemática, explica que:

A aparente demonstração das grandezas matemáticas não prova tampouco sua origem apriorística, mas apenas sua concatenação relacional. Para se poder chegar à idéia da forma de um cilindro, pela rotação de um retângulo em tôrno [sic passim] a um de seus lados, foi necessário investigar, na realidade, apesar de ser forma bastante rudimentar, tôda uma série de retângulos e cilindros. As matemáticas, assim como tôdas as outras ciências, surgiram das necessidades dos homens, da necessidade de medir terras e volumes, do cálculo do tempo e da mecânica. Mas, como acontece em todos os campos do pensamento humano, ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento, as leis abstraídas do mundo real se vêm separadas dêsse [sic] mundo real do qual nasceram, consideradas como se fôssem [sic passim] alguma coisa aparte, como se fôssem leis vindas de fora e às quais o mundo se deveria ajustar.9 (ENGELS, 1976, p. 34-35, grifos nossos).

Isso é fundamental para compreendermos, em especial, a importancia de ir à gênese, a fim de entender que as leis abstraídas do processo de desenvolvimento da história são produto da atividade humana, com multiplas mediações, bem como que o fato de se apresentarem como generalizações não significa que estão separadas do mundo real onde nasceram.

Lukács (2012, p. 295) assinala que, no ser social, a relação entre essência e fenômeno e sua inevitável ligação com a práxis revelam sempre traços novos e, parte importante disso, "[...] em todo processo - relativamente - acabado, o resultado faz desaparecer, de imediato, o processo de sua própria gênese". Por isso, muitas vezes, a superação da imediatez se dá quando superamos esse caráter acabado imediato e percorremos o caminho do processo, o trajeto em que se torna "[...] visível sua processualidade - não percpetível imediatamente no nível fenomenico".

Por isso é fácil compreender, historicamente, que na história da humanidade o pensamento tenha figurado tão longa e obstinadamente como uma potência independente do ser, inderivável dele, e porque suas conquistas, tão importantes para o desenvolvimento humano, como as categorias reconhecidas e conscientizadas, parecessem pretender uma independência do ser. Para o pensamento abstrato-imediato posto sobre si mesmo não é fácil entender que o produto de sua atividade pode ser apenas a tendência de reconhecer corretamente as categorias, que essas categorias - só existentes, não reconhecidas - possuem em si uma objetividade muito determinada, concreta, que, pois, a correção das determinações categoriais consiste na reprodução mais aproximada possível do seu ser-em-si. (LUKÁCS, 2010, p. 314, grifos nossos).

Talvez aqui, neste ponto, esteja a gênese da reificação e da manipulação. A história do presentismo e do pragmatismo (uma das formas de morte anunciada da história) não mostra nem se interessa por essa questão. Nessa linha de compreensão, lembramos que Lukács (2012) procura explicar a manipulação no positivismo, ao indicar que partir dos fatos não significa, necessariamente, deter-se nos seus limites, demonstrando, com isso, que o velho empirismo tinha um caráter ontológico com frequência ingênuo, já que ele assumia como ponto de partida o ser dos fatos, mas de forma ingênua, porque se limitava à datidade imediata destes. Assim, o autor assevera que somente no empirismo que nasce sobre uma base positivista ou "[...] mesmo neopositivista é que essa ontologia ingênua, acrítica, desaparece para dar lugar a categorias manipulatórias" (LUKÁCS, 2012, p. 292).

Sabemos que, sem uma análise aprofundada do campo das mediações que revela o surgimento de determinada disciplina, fenômeno ou categoria analítica, o abismo entre a base material (práxis) real e concreta, onde nascem as leis e o conhecimento do mundo, se torna cada vez maior, fixando os fenômenos em sua aparência - a qual é fundamental no sentido que outorga à possibilidade de conhecer, mas que não mostra o verdadeiro em si das coisas. À essência, incumbe-lhe essa tarefa; e aos sujeitos pensantes, desvendá-la, trazer ao cenário da vida concreta as verdadeiras formas com que se constituem os fenômenos. Daí deriva a necessidade do aprofundamento e do mergulho no campo das mediações e das contradições.

Com relação ao tema, a modo de exemplo, o autor explica que a consciência que "reflete" essa realidade adquire um caráter de possibilidade e, nesse sentido, foi entendida por Aristóteles como dynamis, como potência. Compreendamos melhor isso recorrendo às palavras do próprio Lukács (2013):

[...] nossa formulação respondeu a esse problema ontológico dizendo que o espelhamento, precisamente em termos ontológicos, em si não é ser, mas também não é uma "existência espectral", simplesmente porque não é ser. E, no entanto, ele é a condição decisiva para a colocação de cadeias causais, e isso em sentido ontológico e não gnosiológico. (LUKÁCS, 2013, p. 69).

Esse caráter de possibilidade é importante porque rompe, de certo modo, com a ideia de "determinismo", muitas vezes inadequadamente imputada a essa perspectiva de concepção da realidade. Mais ainda, é fundamental destacar que, no centro desse processo, está a relação entre a teleologia e a causalidade, que, para Lukács (2013), é um aspecto ontológico decisivo. Isso porque constitui um "[...] ato pioneiro no desenvolvimento do pensamento humano e da imagem humana do mundo equacionar o problema pondo o trabalho no centro desta disputa" (LUKÁCS, 2013, p. 89). Nessa base, "[...] evidencia[-se] a única relação filosoficamente correta entre teleologia e causalidade [...]", porque o trabalho - práxis social - é entendido como "[...] o único complexo do ser no qual o pôr teleológico tem um papel autenticamente real e transformador da realidade [...]" (LUKÁCS, 2013, p. 89).

Recordemos que, para as leis que regem a natureza, não existem fins; somente os seres humanos singulares põem finalidades em uma realidade que tem sua própria legalidade, a fim de que se torne possível mudá-la ou transformá-la. A intenção e o conhecimento articulam-se impulsionados pela atividade psíquica, que, por sua vez, procura articular a relação entre teoria e práxis para a concretização de uma meta (TORRIGLIA, 1999).

Agora, bem poderíamos nos perguntar: o que acontece na esfera da vida cotidiana com os conhecimentos mais elaborados que ingressam nela e cuja gênese parte dela? Como acontecem as relações recíprocas entre ambos os conhecimentos que possibilitam elevar os limites da vida cotidiana a um novo patamar? Se os conhecimentos espontâneos são "gerados" na cotidianidade, como ingressam na vida cotidiana os conhecimentos mais elaborados que sobre ela impactam? A esse respeito, Lukács (1966) escreveu que a investigação do pensamento cotidiano é uma das áreas menos pesquisadas até o presente. Desse modo, salienta o autor, embora existam muitos estudos sobre a história da ciência, da filosofia e religião, são raros os estudos que aprofundam suas relações recíprocas.

No prólogo da Estética, Lukács (1966) utiliza-se de seguinte metáfora para imaginar a cotidianidade:

Si nos representamos la cotidianeidad como un gran río, puede decirse que de él se desprenden en formas superiores de recepción y reproducción de la realidad, la ciencia y el arte, se diferencian, se constituyen de acuerdo con sus finalidades específicas, alcanzan su forma pura en esa especificidad - que nace de las necesidades de la vida social - para luego, a consecuencia de sus efectos, de su influencia en la vida de los hombres, desembocar de nuevo en la corriente de la vida cotidiana. Ésta se enriquece pues constantemente con los plenos resultados del espíritu humano, los asimila a sus cotidianas necesidades prácticas y así da luego lugar, como cuestiones y como exigencias, a nuevas ramificaciones de las formas superiores de objetivación. (LUKÁCS, 1966, p. 11-12).

A compreensão da cotidianidade que subjaz a essa metáfora é central para nossos estudos, porque a imagem do rio é que ele não deixa de ser um rio, é inerente à sua existência, e nesse fluir é onde a vida acontece, a vida dos sujeitos subjetivados e objetivados em constante reprodução de suas vidas.

Entendemos que os conhecimentos surgem do solo da vida cotidiana, sendo o pensamento (conformado já por processos de incorporação de outros conhecimentos) responsável pelos contínuos processos de complexificação (objetivações), que permitem um movimento ascendente, questionando o que está posto, conhecido, ou pelo menos colocando esse conhecimento em outro patamar. Assim, também compreendemos que essa complexidade se dá pelo contínuo retorno à vida cotidiana10. Nesse sentido, Lukács (2013) escreve:

[...] até mesmo o mais renomado dos pensadores, políticos e artistas, vive pessoalmente uma vida cotidiana, cujos problemas jorram incessantemente sobre ele através dos acontecimentos diários do seu dia a dia, através da cozinha, do quarto das crianças, do mercado etc., tornando-se atuais para ele e provocando decisões, inclusive do tipo espiritual, da parte dele. (LUKÁCS, 2013, p. 439).

Quanto mais rico e profundo é seu desprendimento, a ampliação de seus limites, mais enriquecida pode ser a vida cotidiana. Aqui se configura um dos aspectos que fundamentam a indissociabilidade entre a práxis, a cotidianidade e o processo de complexificação das objetivações genéricas. Lukács (1966) explica que

[...] o fato de que a origem de nossas representações ontológicas está na cotidianidade não significa que podem e devem ser aceitas a-criticamente[sic]. Ao contrário. Tais representações são repletas não apenas de preconceitos ingênuos, mas com frequência de ideias manifestamente falsas que, se às vezes provêm da ciência, nela penetram, sobretudo a partir das religiões, etc. (LUKÁCS, 1966, p. 4).

Contudo, o autor também aponta que a necessidade de crítica não autoriza descuidar do fundamento cotidiano, visto que "[...] o prosaico e terreno intelecto do cotidiano, alimentado pela práxis diária, pode de quando em quando constituir um saudável contrapeso aos modos de ver estranhados da realidade das esferas 'superiores'" (LUKÁCS, 1966, p. 4). Esse entendimento, a partir de uma ontologia do ser social, torna-se importante para compreensão da ininterrupta interação entre as teorias mais complexas e a práxis cotidiana. Podemos dizer que toda existência humana possui uma cotidianidade - nos termos expostos -, estabelecendo uma base relevante para recuperar, no campo das ciências sociais, no campo educacional e, consequentemente, na didática, a relação necessária entre os conhecimentos cotidianos e os científicos, filosóficos e estéticos, nos quais, na maioria dos casos, por não se compreender essa relação de unicidade inalienável, se dicotomiza no plano epistemológico o que ontologicamente está unido e, portanto, pensa-se que ambos os conhecimentos têm uma gênese e processos separados. Na educação, o problema é maior ainda, quando, em algumas atividades de ensino, se trabalham apenas os conhecimentos cotidianos acreditando que assim se estaria "respeitando" os conhecimentos prévios e os sujeitos que aprendem. Reafirmamos que partir dos conhecimentos cotidianos não implica limitar-se a eles, já que estaríamos "determinando" uma formação para os sujeitos meramente limitada a compreensões restritas sobre o real, e, pior ainda, essa limitação está articulada aos estranhamentos necessários aos processos de manipulação tão marcados e frequentes na sociabilidade subsumida aos dissídios do movimento do capital.

Via de regra, a atividade humana surge da práxis, e, nos processos cotidianos da vida, pode vir a surgir a necessidade de aprimorar o conhecimento da realidade, incorporando-se a eles outras dimensões e outros patamares a partir de processos de apreensão diferenciados. A compreensão da realidade cotidiana, como a cotidiana realidade de existir, expressa-se no imediatamente dado, no qual se configura e se constitui o ser-assim do sujeito.

Desse modo, consideramos que o conhecimento está atravessado e organizado por múltiplas dimensões e mediações a partir do reflexo da realidade ou modos de reflexo. Assim, explica Jung (2007),

[...] la inmediatez de la vida cotidiana cobra consciencia de sí y se encuentra mediada - de un modo diferente - por las formas de reflejo, el arte y la ciencia; y esto ocurre; según el caso, de acuerdo con una tendencia antropomorfizadora o desantropomorfizadora. El arte y la ciencia, originados en la cotidianeidad, actúan retrospectivamente sobre ella y perfeccionan, conjuntamente, el nivel de su apropiación. (JUNG, 2007, p. 95).

Lukács (2012) assinala que, saibamos ou não deste fato, a ciência brota da vida e na vida mesma, logo estamos obrigados a nos comportar espontaneamente de modo ontológico. Assim, a transição para a cientificidade pode tornar mais ou menos consciente e crítica essa inevitável tendência da vida, mas também pode atenuá-la11. A ciência e a estética não perdem o vínculo com a cotidianidade ou com a atitude ontologicamente espontânea da vida cotidiana, parafraseando Lukács, elas ajudam a depurá-la de forma crítica e a desenvolvê-la, "[...] elaborando conscientemente as determinações ontológicas que estão necessariamente na base de qualquer ciência" (LUKÁCS, 2012, p. 293). Por sua vez, Oldrini (2013, p. 22), citando a Lukács, explica que: "O reflexo artístico da realidade encontra seu ponto de partida nas mesmas contradições de onde parte qualquer outro reflexo da realidade. Sua especificidade consiste em que, para resolvê-las, busca um caminho diferente daquele do reflexo científico". Na mesma linha de pensamento, Lukács explica o papel da desantropomorfização, típico da ciência,

[...] cómo la captación científica de tipo conceptual presupone una desantropomorfización, significando ésta que nos liberamos en la medida de lo posible de las barreras que nos imponen nuestras percepciones sensoriales y nuestro pensamiento normal. En la medida en que hemos llegado a conocer, por ejemplo, los rayos infrarrojos y ultravioletas, que podemos comprobar los ultrasonidos, etc., hemos trascendido ya los límites antropomórficos de nuestra existencia. (LUKÁCS apudHOLTZ; KOFLER; ABENDROTH, 1969, p. 13, grifos nossos).

Cabe destacar também que a realidade é uma só, embora o autor fale em plural dos reflexos da realidade. Nesse sentido, a realidade, seu reflexo e reprodução mental são "[...] uma unidade dialética de continuidade e descontinuidade, de tradição e de revolução, de transições paulatinas e saltos" (LUKÁCS, 1966, p. 17). Destarte, a ideia basilar de Lukács é que as formas de reflexo da vida cotidiana, da ciência e da arte reproduzem uma mesma realidade objetiva. A filosofia materialista

[...] não considera que as formas da objetividade, as categorias correspondentes aos objetos e suas relações sejam produtos de uma consciência criadora, como faz o idealismo, senão que vê nela uma realidade objetiva existente com independência da consciência, todas as divergências e até contraposições que se apresentam nos diversos modos de reflexo têm que se desenvolver no contexto dessa realidade material e formalmente unitária. (LUKÁCS, 1966, p. 21, grifos nossos).

O autor afirma a necessidade de romper com essa ideia de um reflexo mecânico, fotográfico, porquanto seja fundamental para que possamos conceitualizar a "[...] complicada dialética dessa unidade da unidade da diversidade" (LUKÁCS, 1966, p. 21).

Essa concepção de reflexo em movimento e, de maneira geral, o reflexo científico e estético da realidade objetiva são formas que se foram constituindo e diferenciando de modo cada vez mais refinado no curso da evolução histórica, e ambos têm seu fundamento na vida real. O ponto médio desses dois reflexos, segundo Lukács, é o reflexo da realidade próprio da vida cotidiana. Ou seja, os dois reflexos - científico e estético - nascem das necessidades da vida cotidiana e na mistura de muitos resultados desses reflexos, que ingressam na vida cotidiana, ampliando-a, enriquecendo-a e levando-a a níveis superiores de desenvolvimento (LUKÁCS, 1966, p. 35).

Nessa mesma linha de pensamento, assinalamos anteriormente que a "saída", a "suspensão" da cotidianidade é um processo constante, e cada vez que ele se efetiva os sujeitos singulares se enriquecem. E se eles se enriquecem - crescem em extensão e em qualidades cada vez mais complexas de compreensão -, também a vida cotidiana se amplia e cresce. Em outras palavras, os limites da vida cotidiana ampliam-se, os conhecimentos "explodem" as regras mínimas e peculiares que sustentavam momentos anteriores. Esses conhecimentos, juntamente ao pensamento intuitivo, a forma pragmática de enfrentar os acontecimentos, as generalizações, entre outros aspectos, surgem da articulação e da relação com as objetivações superiores (TORRIGLIA; CHAGAS, 2008).

O ser-em-si da vida cotidiana está constituído pela experiência imediata, pelos saberes pragmáticos, pelas "economias" de pensamento, limites rígidos, pensamentos intuitivos, entre outros aspectos, para poder justamente sobrevir aos confins de sua "cotidianidade". Nesse pequeno mundo, os seres humanos autoconservam-se, sobrevivem e afirmam-se em uma comunidade, estrato ou classe específica.

Entretanto, os seres humanos não necessariamente devem estar confinados, rigidamente limitados às fronteiras do pequeno mundo. A suspensão da vida cotidiana é possível pelo movimento que ela tem - ou pode vir a ter. Nesse movimento, está inscrita a própria possibilidade de ampliação, por meio do afastamento em busca de mundos que expandam a existência dos sujeitos e da própria cotidianidade. O sujeito forma seu mundo como seu ambiente imediato e, apesar de seu raio de ação ser limitado, é capaz de alcançar objetivações mais elevadas, superiores - capacidades fundamentais, afetos, modos de comportamento -, que lhe possibilitam transcender a própria ambiência mediante contínuos processos de objetivação. Nessa perspectiva, concordamos com Heller (1991), quando aponta que a objetivação dessas capacidades seria impossível se o ser humano não as houvesse adquirido e apreendido na vida cotidiana.

Lukács (1966, p. 35) vai explicar que os reflexos estético e científico, por um lado, diferenciam-se das "[...] complicadas formas mistas da cotidianidade", mas também observa como se "apagam" essas fronteiras, porque esses reflexos nascem da vida cotidiana, e eles têm

[...] que dar resposta a seus problemas e, ao misturar-se novamente, muitos dos resultados de ambos [reflexos] com as formas de manifestação da vida cotidiana, fazem esta mais ampla, mais diferenciada, mais rica, mais profunda, etc., levando-a constantemente a níveis superiores de desenvolvimento. (LUKÁCS, 1966, p. 35).

Esta relação é fundamental para o autor, a dupla interação com o pensamento da vida cotidiana e a peculiaridade e a diferenciação dos reflexos específicos. Lembrando sempre que a realidade é uma, por mais que existam formas diferenciadas de reflexos.

Na vida cotidiana, as atividades são heterogêneas e têm, de modo geral, um tempo de duração muito breve. Assim, a estrutura do pensamento cotidiano depende de cada época, da diversidade de atividades, da classe ou do estrato. Os conteúdos concretos do pensamento cotidiano são os saberes necessários, e tanto sua estrutura como seus conteúdos não têm uma vida separada. O saber-fazer, o saber pragmático, é uma das características da vida cotidiana.

Assim, entendemos que o saber-fazer, o saber pragmático característicos da vida cotidiana, é um saber necessário, como já salientamos, para sobreviver na vida. Esses saberes, especialmente baseados na experiência e em generalizações, permitem-nos reproduzir-nos como sujeitos. Contudo, se nossa existência se constitui e se reproduz da mesma forma dentro dessa esfera, se as expectativas ficam nesse nível de produção, a reprodução de nosso pensamento, de nossos afetos, de nossa compreensão e visão do mundo será dada também dentro e no contexto desse nível.

A doxa é própria do saber cotidiano, o saber doxa não se separa da ação prática; nessa esfera, encontra-se sua "verdade", mas não a práxis como totalidade. Ao contrário, a episteme é um conhecimento em relação, nunca se refere a uma coisa só. Nesse tipo de conhecimento, torna-se necessário conhecer os nexos que ligam um fenômeno a outro. Por isso, "[...] as verdades na arte, na ciência e em outras objetivações para-si, possuem um duplo sistema de referências. Por um lado, devem ser válidas na realidade (práxis), e por outro devem ser situadas dentro de um determinado sistema cognoscitivo (na ciência) ou (na arte) [...]" (HELLER, 1991, p. 344, grifos nossos).

Por isso, é fácil compreender que os pensamentos (e os comportamentos) cotidianos são pragmáticos: a apropriação dos significados acontece de um "modo econômico", prescindindo do porquê e da gênese dos fenômenos. Heller (1991, p. 24) explica que essa atitude pragmática constitui, como tendência, uma "[...] unidade imediata entre a teoria e a prática". Podemos ligar a luz sem conhecer nada das leis de eletricidade.12 Comumente, não existe um modo de proceder teórico diante dos objetos de uso, e essa tendência implica que, muitas vezes, diante do fracasso, a própria dimensão pragmática pode nos conduzir a buscar os porquês e a desenvolver comportamentos teoréticos.

Interessante assinalar que essa unicidade de pensamento e ação observada na vida cotidiana não significa que o pensamento seja "teoria", nem que atividade cotidiana seja prática. Na teoria e na prática, prevalecem conteúdos e finalidades que representam o humano-genérico e produzem novidades cada uma em sua especificidade. Então, como se incorpora essa dimensão do conhecimento que favorece a complexa relação da teoria e da prática?

Vejamos melhor esta questão. Lukács explica que "[...] a estrutura elementar destes nexos [entre a teoria e a prática] apresenta-se muito antes na prática, é aí aplicada muito antes de ser compreendida e formulada adequadamente pela teoria" (LUKÁCS, 1978, p. 111). A relação dialética entre teoria e prática não pode ser compreendida fora dessa especificação, mediante a

[...] conversão recíproca das determinações e dos membros intermediários que têm função mediadora, sem esta união dos próprios pólos[sic], tão rica de contradições, não pode existir uma autêntica e verdadeira aproximação adequada à compreensão da realidade, nenhuma ação guiada corretamente pela teoria. (LUKÁCS, 1978, p. 111, grifos nossos).

Do mesmo modo, Lukács (1978) salienta que o pensamento metafísico utilizado na vida cotidiana

[...] aplica, instintivamente, conexões categoriais, cuja formulação teórica, ele [o sujeito] rechaçaria, em teoria, como sendo uma "absurda confusão". Por exemplo: ele não admite que a quantidade se converta em qualidade, mas não lhe é indiferente comer frutas maduras ou verdes. (LUKÁCS, 1978, p. 111).

Já existe um saber proporcionado pelas percepções gustativas que se aprimora nessa prática, mas pode não se compreender a conceptualização, um processo de pensamento mais refinado e em relação, que explica esse processo de quantidade e qualidade, esclarecendo o processo de amadurecimento das frutas.

A imediatez necessária à prática resolve de forma contínua problemas cotidianos e está impregnada de elementos teóricos que definem o porquê das coisas, dos fenômenos, dos comportamentos, embora não raciocinemos sobre eles a cada momento que atuamos. Contudo, isso não implica que as atitudes práticas não possuam elementos teóricos que possam orientar e revisar os atos e os comportamentos. Desse modo, por exemplo, os conceitos de qualidade e de quantidade têm de ser estudados em outro espaço, para objetivar o conceito que determina a diferença entre a fruta verde e a madura, bem como o porquê disso ser assim. O saber-fazer não aprofunda essa questão.

O caráter imediato, pelas características do reflexo que envolve a vida cotidiana, faz com que as mediações se concentrem em aspectos gerais, ocultando-as. Transformando em "definições" as explicações, este primeiro aspecto permite compreender a rigidez e a economia do pensamento cotidiano.

Aqui, Lukács (1966) vai explicar por que prefere a dialética materialista partindo do método das determinações - finitude extensiva e infinita dos objetos -, e não das definições. Para o autor, a definição fixa sua própria parcialidade como coisa definitiva e, consequentemente, violenta o caráter fundamental dos fenômenos. A determinação, ao contrário, considera o fenômeno, desde o princípio, como coisa provisional, necessitada de complementação, como essencial, que necessariamente tem de continuar, se desenvolver, concretar. Nesse movimento, os objetos em relação à objetividade são iluminados por processos conceptuais que nos permitem identificá-los com maior cautela e clareza, aproximar-se ao objeto paulatinamente, passo a passo, contemplando-o em diversos contextos, em relações várias com objetos diversos, de modo tal que a determinação inicial possa ir se enriquecendo constantemente. Esse processo tem lugar em diversas dimensões da reprodução intelectual da realidade, por isso não pode ser considerado fechado.

De igual modo, há o desafio de articular nessa unicidade os processos de conhecer. Lukács (2010) ressalta, nos Prolegômenos, que:

[...] não estamos nunca em condições de agir conhecendo plenamente todos os componentes de nossas decisões e suas consequências, isto se confronta com o fato que também na vida cotidiana o ser real muitas vezes se apresenta em termos muito deformados. Em parte, são os modos fenomênicos imediatos que ocultam o que é realmente essencial com relação ao plano ontológico. (LUKÁCS, 2010, p. 2-3).

Segundo o autor, a aproximação ao fenômeno, às vezes, é analisada como sendo o "ser verdadeiro". Isso acontece porque nossa primeira aproximação nos desvela elementos que lhe são próprios, mas a cautela sobre a relação entre aparência e essência traz uma questão que Lukács (2010, p. 3) considera importante: "[...] é necessário tomar os movimentos da imediaticidade da vida cotidiana, mas ao mesmo tempo também ir mais longe para poder colher o ser como genuíno em-si". E, nessa direção, Lukács (1978, p. 111) também assinala que, na vida cotidiana, "[...] é compreensível que existam operações mentais ligadas largamente com a prática, que a preparam ou que dela tiram conclusões, nas quais o particular tem uma função de resultado conclusivo". No entanto, essas operações mentais não excluem "conversões dialéticas" para a compreensão do real, embora sejam pouco desenvolvidas no pensamento cotidiano. O sujeito particular, salienta o autor, "[...] se confunde, em sua determinação e delimitação, ora com o universal, ora com o singular" (LUKÁCS, 1978, p. 111).

Essa "confusão" assinalada pelo autor, a relação entre singular e universal, é um tema muito importante para a dialética marxista. Essas categorias são produto e elaboração dos sujeitos no seu processo de conhecimento, elas conjugam o conteúdo da história da humanidade. O conhecimento realizado por meio de generalizações e de abstrações categoriza o mundo objetivo. Ordena, em certa forma, as leis da própria dinâmica do real, de seu movimento. Os aspectos singulares expressam partes dessa totalidade, eles são e estão sujeitos (dentro) da totalidade, que se expressa em categorias universais, mais abrangentes, complexas, nas quais se subsumem detalhes que não são essenciais para o processo da história e para a efetividade do acontecer, do fluir.

Quando se generaliza na vida cotidiana, comummente se generalizam aspectos periféricos dos fatos, mas essa generalização, ao ser confrontada com outras explicações, abre brechas para as mediações, que mostram os aspectos escondidos na apreciação aligeirada que se realiza na imediatez da prática e da cotidianidade. Esse processo nos aproxima aos aspectos mais universais, que precisam de elaborações conceituais mais refinadas. Por isso, a formação das categorias (que são elaborações conceituais sobre a realidade ou aspectos da realidade a partir da generalização que o pensamento realiza), a partir da teoria marxista do conhecimento, da dialética materialista, coloca como ponto central "[...] a relação orgânica, a unicidade entre a atividade cognoscitiva e a atividade prática dos homens" (ROSENTAL; STRAKS, 1958, p. 5). Essa relação que, no fundo, são as objetivações genéricas em si e para si, nos ilumina, para um futuro desafio, aprofundar o comportamento individual e social dos homens e das mulheres na vida cotidiana tendo como horizonte desenvolver algo fundamental para Lukács que é a personalidade humana, entendendo-a como resultado do desenvolvimento da sociabilidade, como "[...] concretização do ser no exemplar singular do gênero nessa fase" (LUKÁCS, 2010, p. 225).

Considerações finais

Estas primeiras aproximações ao ser do reflexo e da vida cotidiana são base fundamental para pensar a educação, os processos de ensino e de aprendizagem, ancorados na abordagem marxista do conhecimento, pois favorecem a relação entre os sujeitos que conhecem ou desejam conhecer o mundo a fim de configurá-lo a partir de processos de desenvolvimento cognitivos e afetivos e a atividade prática do momento histórico ao qual pertencemos. Nesse sentido, os instrumentos da cultura elaborados historicamente se colocam à nossa disposição, para que façamos deles outras objetivações, outras apreciações, que não necessariamente têm de estar dirigidas a uma mera adaptação do existente. Ao contrário, um maior desenvolvimento da personalidade orientada à genericidade, uma tendência possível de ampliação do campo das possibilidades que permita maior elasticidade nas elaborações de "princípios para modos de reagir de acordo com o gênero humano" (LUKÁCS, 2010, p. 225).

A característica do pensamento cotidiano, do movimento que se realiza a partir da vida cotidiana, e sua 'mistura', nesse patamar, com os pensamentos e os reflexos artísticos e científicos permitiram-nos esboçar algumas aproximações àquilo que Lukács (1966) definiu como importante e que tomamos como guia: o retorno das objetivações mais elaboradas à vida cotidiana e como nela, apesar de sua limitada conformação, viabilizam-se ampliações e registros de compreensões cada vez mais refinados. A compreensão disso, bem como da configuração dos sujeitos singulares em seu vir a ser indivíduo, subjetividades objetivadas, são base fundamental para, juntamente à teoria do desenvolvimento de base marxista, apontar elementos para a formação, a produção de conhecimento e o processo de ensino e aprendizagem.

1Estágio de pós-doutorado realizado no Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Nova de Lisboa, sob supervisão da Prof.ª Dr.ª Raquel Varela (agosto de 2015 a janeiro de 2016) e, no Brasil, na Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), sob a supervisão do Prof. Dr. Ronaldo Reis, pelo período de cinco meses, de 1º de fevereiro a 30 de junho de 2016.

2Esse Projeto foi realizado em colaboração com a Prof.ª Dr.ª Margareth Feiten Cisne.

3G. Lukács: Nascido em 13 de abril de 1885, em Budapeste, Hungria, György Lukács é um dos mais influentes filósofos marxistas do século XX. Doutorou-se em Ciências Jurídicas e, depois, em Filosofia pela Universidade de Budapeste. No final de 1918, influenciado por Béla Kun, aderiu ao Partido Comunista e, no ano seguinte, foi designado Vice-Comissário do Povo para a Cultura e a Educação. Em 1930, mudou-se para Moscou, onde desenvolveu intensa atividade intelectual. O ano de 1945 foi marcado pelo retomo à Hungria, quando assumiu a cátedra de Estética e Filosofia da Cultura na Universidade de Budapeste. Estética, considerada sua obra mais completa, foi publicada em 1966 pela editora Luchterhand. Já seus estudos sobre a noção de ontologia em Marx, que resultariam oito anos depois na Ontologia do ser social, iniciaram-se em 1960. Faleceu em sua cidade natal, em 4 de junho de 1971. (Sínteses sobre Lukács retiradas do livro Prolegômenos para uma Ontologia do Ser social, da Editora Boitempo.)

4A reprodução entendida aqui no sentido ontológico não de forma mecânica, mas com base em processos de conservação e continuidade.

5Cabe destacar que a cozinheira de Molière, na obra O doente imaginário, é uma personagem que sabia "tudo" e tinha o controle de tudo.

6O tema das generalizações é um tema muito importante nos processos de conhecimento e será desenvolvido em outras circunstâncias, a partir de alguns apontamentos de Lukács e dos pensadores russos, assim como de alguns aportes fundamentais da Teoria Histórico-Cultural e de outros psicólogos russos. "[...] el pensamiento se halla necesariamente vinculado a la generalización, culmina en generalizaciones y lleva a otras cada más elevado. Como vimos, el propio paso de las pruebas de orden práctico al plano teórico, mental, en la solución de los problemas, tiene en la generalización su premisa necesaria" (RUBINSTEIN, 1966, p. 141). Isso está ligado ao pensar - aliás, é pensamento -, articula-se ao processo de como conhecer os fenômenos a partir de uma concepção de desenvolvimento dos processos cognitivos com base materialista e dialética.

7As categorias apropriação e aprendizagem serão trabalhadas com maior aprofundamento, para podermos melhor entender sua unicidade e suas diferenças, bem como porque, para a transmissão dos conhecimentos, é fundamental.

8As diferentes alternativas inerentes ao caráter teleológico do trabalho estão caracterizadas por atos de consciência e surgem do sistema de reflexo da realidade: por isso, elas são anteriores aos atos em si. A alternativa é uma categoria mediadora, por meio da qual o reflexo da realidade torna-se veículo do ato de "pôr algo" efetivamente na realidade.

9Consideramos que, no processo de abstração - a partir da complexificação -, reside, segundo nossa compreensão, um dos núcleos centrais do processo de conhecimento e também do método dialético e ontogenético, já que a escolha dessa forma de apreensão do real permite revelar o movimento daquilo que aparece como "fixo", como uma síntese estática, e define, a partir da história e gênese dos fenômenos, como os sujeitos cognoscentes genéricos são parte desse movimento e os responsáveis pela existência da humanidade e por seu desenvolvimento.

10"Hartmann tem toda razão em averiguar na vida cotidiana aqueles fenômenos em que se expressa a confrontação do ser humano com a realidade, e justamente como realidade. Ele também tem razão em vislumbrar na ciência, na filosofia de orientação ontológica, o caminho que leva à apreensão cognitiva da realidade em contraposição à intentio obliqua da teoria do conhecimento e da lógica. Desse modo, porém, simplifica-se o problema em demasia. O fato de esse ser o único caminho correto para a ontologia nem de longe significa que tomar esse rumo constitua alguma garantia de sua correção. É claro que Hartmann tampouco afirma isso diretamente, mas ele não explicita as tendências contrárias no cotidiano, que - embora seu conteúdo seja formado pela realidade em geral, embora estejam direcionadas para a realidade enquanto realidade - todavia desviam a atenção da fundamentação de uma ontologia correta, e isso não como 'erros' cometidos em casos isolados, mas como tendências necessariamente operantes na vida cotidiana, que, é certo, surgem e desaparecem histórico-socialmente, mas que, entretanto, em nada altera a influência sempre atual que exercem sobre o respectivo pensamento ontológico." (LUKÁCS, 2012, p. 106).

11Lukács está se referindo aqui à economia marxista, assinalando que ela "[...] está impregnada de um espírito científico que jamais renuncia a essa tomada de consciência e de visão crítica em sentido ontológico, acionando-as, muito antes, na verificação de todo fato, de toda conexão, como metro crítico permanentemente operante" (LUKÁCS, 2012, p. 293).

12Posso saber ligar a luz. Sei ascender a luz. Contudo, posso não conhecer o mecanismo que articula a conexão dos fios positivos e negativos que possibilitam a transmissão da eletricidade. Nesse sentido, o conhecer implica aprofundamento das mediações que permitem a efetividade da luz, e, desse modo, se ativam generalizações, conceitos e relações (entre outros aspectos) que, articulados, permitem ampliar o campo de conhecimento sobre a eletricidade e ter, portanto, maior domínio desse acontecimento.

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Recebido: 01 de Agosto de 2018; Revisado: 13 de Novembro de 2018; Aceito: 15 de Novembro de 2018

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