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Práxis Educativa

versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.14 no.1 Ponta Grossa jan.-abr 2019  Epub 17-Abr-2019

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.14n1.017 

Artigos

A regulação da conduta dos pesquisadores na ciência brasileira: um problema de pesquisa ou um problema para a pesquisa em Educação?*

The regulation of behavior of researchers in Brazilian science: a research problem or a problem for research in Education?

La regulación de la conducta de los investigadores en la ciencia brasileña: un problema de investigación o un problema para la investigación en Educación?

**Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Escola de Humanidades (PUCRS). ORCID ID: 0000-0002-2660-4043. E-mail: <monica.fare@pucrs.br>.

***Bolsista PNPD/Capes e Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Escola de Humanidades (PUC/RS). ORCID ID: 0000-0001-8781- 5277. E-mail: <pedro.savi@pucrs.br>.


Resumo:

Trata-se de um artigo que tem como objetivo central apresentar os resultados de uma pesquisa exploratória realizada por meio do envio de questionário web, que teve como finalidade o levantamento de opiniões de pesquisadores - líderes e vice-líderes de grupos de pesquisa - da área da Educação nas cinco Regiões do Brasil sobre o processo de regulação das condutas em pesquisa no campo educacional como parte das Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas (CHSSA), atualmente representado pela Resolução do Conselho Nacional da Saúde Nº 510/2016. A estrutura do questionário pôde ser agrupada em três partes: a primeira com questões fechadas de caracterização do pesquisador e do respectivo Grupo de Pesquisa; a segunda com questões fechadas adentrando mais propriamente o problema de pesquisa; e a terceira com questões abertas, buscando coletar maior quantidade e qualidade de dados para a análise. Este artigo segue a ordem do questionário e procura oferecer um panorama da percepção dos pesquisadores do campo educacional sobre a referida normativa que regulamenta, hoje, a conduta em pesquisa. Como resultados principais com relação ao problema de pesquisa, é possível apontar uma insatisfação dos pesquisadores do campo educacional com a atual regulação procedida pela referida Resolução que segue uma tradição de normas com influência da área das Ciências da Saúde.

Palavras-chave: Ética e educação; Formação e regulação; Resolução CNS Nº 510/2016

Abstract:

This is a paper whose main objective is to present the results of an exploratory research carried out through the sending of a web questionnaire, whose purpose was to survey the opinions of researchers - leaders and vice leaders of research groups - in the area of ​​Education in the five Regions of Brazil on the process of regulating conduct in research in the educational field as part of the Human, Social and Applied Social Sciences (known as CHSSA), currently represented by the Resolution of the National Health Council no. 510/2016. The structure of the questionnaire could be grouped in three parts: the first one with closed questions of characterization of the researcher and the respective Research Group; the second with closed questions entering more precisely the research problem; and the third with open questions, seeking to collect higher quantity and quality of data for analysis. This paper follows the order of the questionnaire, seeking to provide an overview of the researchers' perception of the educational field about the aforementioned normative that currently regulates behavior in research. As main results regarding the research problem it is possible to point out a dissatisfaction amongst the researchers of the educational field with the current regulation proceeded by the previously mentioned Resolution that follows a tradition of norms with influence of the area of ​​the Health Sciences.

Keywords: Ethics and education; Education and regulation; Resolution CNS no; 510/2016

Resumen:

Se trata de un artículo que tiene como objetivo central presentar los resultados de una investigación exploratoria realizada por medio del envío de un cuestionario web, que tuvo como finalidad el levantamiento de opiniones de investigadores - líderes y vice-líderes de grupos de investigación - del área Educación en las cinco regiones de Brasil sobre el proceso de regulación de las conductas en investigación en el campo educacional como parte de las Ciencias Humanas, Sociales y Sociales Aplicadas (CHSSA), actualmente regido por la Resolución del Consejo Nacional de Salud n. 510/2016. La estructura del cuestionario puede ser agrupada en tres partes: la primera, con preguntas cerradas de caracterización del investigador y del respectivo Grupo de Investigación; la segunda, con preguntas cerradas entrando más propiamente en el problema de investigación; y la tercera con preguntas abiertas, buscando recolectar la mayor cantidad y calidad de datos para el análisis. Este artículo sigue el orden del cuestionario, buscando ofrecer un panorama de la percepción de los investigadores del campo educacional sobre la referida normativa, que actualmente reglamenta la conducta en la de investigación. Como principales resultados, en relación al problema de investigación, es posible señalar una insatisfacción de los investigadores del campo educativo con la actual regulación procedente de la referida Resolución, que sigue una tradición de normas con influencias del área de las Ciencias de la Salud.

Palabras clave: Ética y educación; Formación y regulación; Resolución CNS Nº 510/2016

Introdução

Este artigo integra um trabalho crítico-interpretativo coletivo1 para o desvelamento das motivações e das repercussões do processo de regulação da conduta em pesquisa no campo educacional, como parte das Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas (CHSSA).

O referido trabalho de pesquisa serviu de mote para a criação, em 2013, de um Grupo de Pesquisa, atualmente denominado como Grupo de Estudos em Formação, Ética e Pesquisa em Educação (GEFEP), registrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)2. Inicialmente, esse espaço foi constituído para analisar a situação do campo da pesquisa educacional frente ao polêmico processo de regulação das condutas dos pesquisadores, imposto pela via legal por meio da Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) Nº 196/1996, que criou um sistema de controle integrado pelos Comitês de Ética na Pesquisa e a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde (sistema CEP/CONEP), posteriormente modificado pela Resolução CNS Nº 466/2012. Como assinalamos em um artigo anterior, esse sistema constitui-se como um dispositivo nacional suprarregulador da conduta dos pesquisadores de todas as áreas a partir de um controle inicialmente concebido pelos representantes do campo biomédico para pesquisas em saúde de caráter clínico e experimental, a partir de normativas do CNS (DE LA FARE; CARVALHO; PEREIRA, 2017).

Essas normativas utilizam a expressão regulação da ética na pesquisa, que preferimos substituir por regulação das condutas dos pesquisadores, pela confusão que produz entre duas dimensões diferentes da vida social e do âmbito acadêmico: a referida à ética e a que alude a um sistema de controle legal, com escasso reconhecimento de sua legitimidade por parte dos pesquisadores das CHSSA, mesmo após um conflituoso processo de aprovação de uma normativa específica para essas áreas (Resolução CNS Nº 510/2016)3.

A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) participou ativamente desse processo. Como descreve Mainardes (2017), foram promovidas, por esse âmbito, em 2007, as primeiras atividades para defender a necessidade de uma regulamentação própria para as pesquisas em Educação, por meio de uma Comissão de Ética na Pesquisa. Contudo, as atividades da referida Comissão foram descontinuadas por falta de apoio. Em Assembleia Geral da ANPEd, realizada em 2012, foi aprovada uma moção à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) solicitando a elaboração de uma normativa complementar para as Ciências Humanas e Sociais, tal qual estava expressamente previsto na Resolução CNS Nº 466/2012.

A ANPEd passou a integrar, em 2013, junto a 28 associações profissionais das CHSSA, um Grupo de Trabalho (GT) no âmbito da CONEP, que teve como objetivo elaborar o projeto de complementação dessa normativa (MAINARDES, 2017). Não obstante o empenho e a comprometida atuação de referido GT, existe consenso na área das CHSSA no sentido de que a Resolução CNS Nº 510/2016 ficou bastante limitada com relação às expectativas de uma normatização mais adequada à área, conforme externalizado em diversos documentos e nos relatos dos pesquisadores coletados por meio da pesquisa que a seguir será apresentada. Além disso, e, talvez, ainda mais grave, o GT das CHSSA foi dissolvido após a publicação da Resolução CNS Nº 510/2016. Depois da referida dissolução, a representação da área vem sendo sistematicamente impedida de participar das atividades necessárias de regulamentação de dispositivos normativos que deveriam, em alguma medida, contemplar as suas especificidades.

Para corroborar a referida supressão da participação das CHSSA do movimento de regulamentação, menciona-se o abaixo-assinado organizado pelo Fórum das Ciência Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas (FCHSSA), exigindo a participação paritária da área nas atividades de regulamentação da normativa, com prioridade na elaboração de uma resolução estabelecendo os riscos envolvidos nas pesquisas nessas áreas do conhecimento, previstos de forma genérica na Resolução CNS Nº 510/2016 e a adequação da Plataforma Brasil.

A partir desse contexto e nesses cinco anos de existência, o grupo de pesquisa mencionado produziu desdobramentos da questão inicial de discussão das imposições e dos efeitos provocados pelo sistema CEP/CONEP no trabalho dos pesquisadores4. Uma delas foi compreender que os atravessamentos entre ética e pesquisa nas instituições de Educação Superior exigem problematizar essa questão como um entrave de formação (DE LA FARE; CARVALHO, 2017). Nesse sentido, entendemos que o controle regulatório pela via legal e os mecanismos institucionais implantados para esse fim produzem efeitos que banalizam a reflexão ética, absolutamente necessária tanto para a atividade de pesquisa como para a vida social.

No âmbito desse projeto maior, o presente texto apresenta os resultados de uma pesquisa exploratória realizada por meio de questionários web5, que teve como finalidade o levantamento de opiniões de pesquisadores líderes e vice-líderes de grupos de pesquisa da área da Educação de todas as regiões do Brasil sobre o tema. Mesmo cientes das limitações da metodologia escolhida, os resultados obtidos fornecem importantes dados para análise, especialmente quando interpretados em conjunto com as demais produções que possuem em seu caráter coletivo um maior potencial hermenêutico. A seguir, apresentaremos esse trabalho dividido em duas partes: a primeira, dedicada a explicitar os procedimentos utilizados e a introduzir um panorama geral dos resultados; a segunda, contará com um estudo mais detalhado das opiniões dos pesquisadores respondentes.

Caracterização da pesquisa

Apresentação da pesquisa e da caracterização do processo de coleta de dados

Conforme referido, embora se reconheçam as limitações da metodologia de pesquisa escolhida, representadas pelo baixo índice de respostas obtidas na presente investigação, ainda assim considera-se que os resultados deste estudo exploratório fornecem dados relevantes para melhor compreender o tema em questão, especialmente quando considerados em conjunto com as demais produções na mesma temática.

A pesquisa, intitulada A regulação da ética na pesquisa em Educação: as vozes de agentes do campo na Região Sul, foi realizada a partir de uma busca na plataforma Lattes, mais especificamente no Diretório de Grupos de Pesquisa (DGP) do CNPq, de acesso público6. O processo de coleta de dados foi iniciado nos últimos meses do ano de 2016 e teve como foco inicial a Região Sul (DE LA FARE; CARVALHO; PEREIRA, 2017), em função de ser a região de atuação dos pesquisadores envolvidos (o que rendeu uma taxa de resposta superior à das demais Regiões). Na primeira fase, foram enviados 472 questionários para líderes de pesquisa da Região Sul e 263 para os vice-líderes. Ao enviar os questionários, 45 retornaram porque os endereços eletrônicos não estavam atualizados. Feitas as correções, o número total de questionários enviados alcançou o número de 734 destinatários. Desse total, 53 pesquisadores responderam (7,2% do total).

Após a primeira etapa realizada na Região Sul, as fases seguintes, cada uma relativa a uma das demais Regiões brasileiras, estenderam-se até o fim do ano de 2017, de modo a contemplar grupos de pesquisa em Educação em todo o território nacional. Nesse levantamento, foram localizados 847 grupos de pesquisa em Educação na Região Sudeste7 (dados coletados em 19 de agosto de 2017); Centro-Oeste, 344 grupos (4 de julho de 2017); Norte, 310 grupos (26 de outubro de 2017); Nordeste, 753 grupos (26 de setembro 2017). Para a amostra, foram considerados apenas grupos certificados, atualizados e com, ao menos, um(a) doutor(a). Ao todo, foram enviados questionários para 2.988 grupos de pesquisa em Educação de todas as Regiões do Brasil, tendo sido obtidas 157 respostas (índice de 5%). É importante esclarecer que nem todos os pesquisadores responderam a todas as questões e que os percentuais a seguir apresentados foram elaborados a partir do universo de respostas de cada uma das questões consideradas individualmente.

Com relação ao instrumento de coleta, tratou-se de um questionário online enviado para o endereço eletrônico dos líderes e/ou vice-líderes dos grupos de pesquisa na área da Educação de todas as Regiões, com quinze perguntas, das quais onze eram fechadas e quatro abertas. Com base nas questões fechadas, foram questionados os seguintes pontos: (1) idade do pesquisador (tendo como possíveis respostas 30-40, 41-50, 51-60 ou mais de 60 anos); (2) maior nível de formação (Mestrado, Doutorado, Pós-doutorado no país ou Pós-doutorado no exterior8); (3) tempo dedicado à pesquisa na Educação Superior (0-5, 6-10, 11-15, 16-20 ou mais de 20 anos); (4) tempo de duração do Grupo de Pesquisa (menos de um ano, 1-4, 5-9, 10-14, mais de 14 anos); (5) unidade da federação do Grupo (dentro de cada uma das Regiões); (6) nível de atuação do pesquisador (Graduação, Pós-Graduação ou ambos); (7) área de atuação dentro do campo educacional (Formação de Professores, Currículo e Didática, Política Educacional, Fundamentos da Educação ou outras); (8) sobre a disponibilização de espaço para discussão sobre a regulação da conduta em pesquisa no âmbito da Instituição de atuação como pesquisador/docente (sim - Graduação e/ou Pós-Graduação, ou não); (9) sobre a disponibilização de espaço para discussão sobre a regulação da conduta em pesquisa no Grupo de Pesquisa (sim ou não); (10) sobre a submissão de projetos em Comitês de Ética em Pesquisa (sim - uma ou mais vezes - ou não, nunca). Da questão (10), decorreram duas outras questões que deveriam ser respondidas apenas em caso de resposta afirmativa: (10.1) sobre a causa da submissão (convicção, determinação institucional ou de agência de fomento ou, ainda, outros) e (10.2) sobre a percepção com relação ao preenchimento dos dados na Plataforma Brasil (como rápido e de interface simples, demorado e de interface complicada, rápido e de interface complicada ou demorado e de interface simples); e, por fim, a ser respondida não mais como decorrência da questão (10), a (11) a respeito da opinião do pesquisador sobre a ética em pesquisa tratar-se de uma questão relativa à formação, à regulação, relacionado com ambas as esferas ou, ainda, outra resposta (essa questão foi apresentada como fechada na primeira etapa da pesquisa, mas foi aberta nas quatro etapas seguintes, o que forneceu interessantes dados para análise).

As quatro questões abertas tiveram como intuito que o participante manifestasse sua opinião sobre: (12) a Resolução CNS Nº 510/2016 contemplar ou não as especificidades das pesquisas nas Ciências Humanas e Sociais (CHS) e qual a razão para tal entendimento; (13) a classificação das pesquisas, conforme os tipos de risco que ela eventualmente envolve, na forma como foi regulamentada pela Resolução CNS Nº 510/2016; (14) o entendimento do pesquisador sobre a pesquisa nas CHS acarretar algum tipo de risco para os seus participantes e, em caso de entendimento positivo, qual(is); e, por derradeiro, (15) sobre o eventual enfrentamento de dilemas éticos na prática em pesquisa, citando exemplos, caso ocorridos.

Os dados referidos à caracterização geral permitiram identificar que os respondentes, líderes e vice-líderes de Grupos de Pesquisa em Educação, encontram-se majoritariamente na faixa etária dos 41-50 anos (68 ou 43%) e com título de doutorado (102 ou 65%). Com relação ao tempo envolvido na atividade de pesquisa em Educação Superior, há uma distribuição relativamente homogênea, a saber: 20 participantes disseram desenvolver tais atividades de 0 a 5 anos (12%); 42, de 6 a 10 anos (26%); 33, entre 11 e 15 anos (21%); 29, de 16 a 20 anos de trabalho (18%); e os 33 restantes (21%), com mais de 20 anos dedicados a atividades de pesquisa. No tocante à longevidade dos grupos, pouco mais de um terço possuíam, à data da resposta, entre um e quatro anos de formação. A principal área de atuação dos grupos liderados pelos respondentes do questionário foi a de Formação de Professores, sendo 123 grupos (78%) voltados aos níveis de Graduação e Pós-Graduação e apenas 34 deles, exclusivamente, à Graduação (21%). Outros campos temáticos que tiveram um maior índice de respostas foram: Política Educacional, Fundamentos da Educação e Currículo e Didática, com 20 (12%), 22 (14%) e 12 (7%) das respostas, respectivamente.

A regulação da conduta como um problema de pesquisa ou como um problema para a pesquisa

Feita essa caracterização geral do campo de pesquisa em Educação, passamos a analisar os dados que se aproximam mais diretamente à questão central da presente investigação. Dentro de uma análise atenta do processo de pesquisa como um todo, as ausências também fornecem elementos para análise. Nesse sentido, parece importante destacar que apenas 5% responderam ao e-mail enviado com o questionário (n=157). Há de esclarecermos que esse instrumento foi encaminhado juntamente a uma mensagem eletrônica com a apresentação da pesquisa, explicitação de sua motivação, apresentação dos pesquisadores envolvidos etc. A falta de interesse e/ou tempo por parte dos pesquisadores, colegas de ofício, para responderem a um questionário simples e relativamente rápido (meia hora seria mais do que suficiente) é, por si só, um dado bastante significativo. O alto índice de não-respostas pode indicar, possivelmente, a falta de interesse pelo tema (mesmo que se alegue falta de tempo, busca-se tempo para atender aos interesses mais importantes). Há de considerarmos, também, a possibilidade de o questionário web ter sido classificado pelos sistemas informáticos como um spam e isso pode ter repercutido em seu alcance para coletar dados.

Para adentrar propriamente na análise das respostas dirigidas ao questionário, será seguida a ordem proposta no instrumento de coleta, começando com as questões fechadas (da 8 a 10). É possível realizar a análise em conjunto das questões 8 e 9, no tocante à disponibilização de espaço para a reflexão sobre ética e regulação da conduta da pesquisa nas instituições de atuação dos pesquisadores (8) e em seu respectivo Grupo de Pesquisa (9). Merece destaque a semelhança dos resultados das duas questões: enquanto as respostas dos pesquisadores apontam que 67% (106) das instituições ofertam espaço para a discussão sobre a questão ética e a regulação da conduta em pesquisa, apenas 1% a mais, ou seja, 68% (108) dos Grupos de Pesquisa ocupam-se, de alguma maneira, dessa temática.

Embora se trate de um percentual expressivo, há de considerarmos, por outro lado, que mais de 30% das instituições (51 ou 32%) e dos Grupos de Pesquisa (49 ou 31%), na percepção dos pesquisadores respondentes, não ofertam espaço para referida reflexão.9 No âmbito de um Grupo de Pesquisa, onde a atividade precípua é de pesquisa, é difícil conceber-se como é possível que não seja oportunizada a discussão sobre tal instância fundamental. No tocante ao oferecimento de espaço à temática em nível institucional, mesmo que a formação em nível superior não se trate de uma formação em pesquisa, a atividade de pesquisa é atividade constante na vida acadêmica, constituindo-se, inclusive, via de regra, requisito da formação na forma de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).

Para além do aspecto de regulação (como normatização heterônoma) da conduta, a pesquisa é âmbito privilegiado para o desenvolvimento da autonomia dos sujeitos, de modo a repercutir diretamente na formação e no fortalecimento da moralidade do indivíduo. A ausência de um espaço específico pedagogicamente concebido para o desenvolvimento da autonomia em pesquisa repercute diretamente no não-favorecimento do desenvolvimento da moralidade do sujeito pelas instituições de Ensino Superior, instância de importância acentuada nessa atividade, fato que tende a repercutir na não-valorização por parte dos estudantes/pesquisadores da instância moral como parcela fundamental da atividade de pesquisa.

É possível especularmos que os resultados das questões (8) e (9) mantenham relação explicativa, necessária, mas não suficiente, com os resultados obtidos na questão (10). Impressiona que 47 pesquisadores (29%) tenham respondido que nunca submeteram um projeto de pesquisa a um Comitê de Ética em Pesquisa, que 27 (17%) adotaram tal atitude apenas uma vez, enquanto que 75 (47%) tenham submetido mais de uma vez (questão com oito ou 7% de não respondentes). Chama atenção, ainda mais, que aqueles que submeteram tenham justificado majoritariamente essa atitude com base em orientação da instituição-sede da pesquisa, 54 pesquisadores (34%), contra 44 pesquisadores (28%) que o fizeram por convicção própria, acreditando que se tratava do caminho correto a seguir (merece registro que quatro pesquisadores justificaram o envio com base em exigência para publicação de artigos por revistas).

Tais resultados podem ser entendidos em conjunto às respostas das questões (8) e (9) na medida em que a ausência de espaços pedagogicamente concebidos para o desenvolvimento da autonomia em pesquisa tendem a repercutir como a não interiorização da observância dos procedimentos normativos como convicção do pesquisador, mas como mero cumprimento de determinação externa necessária para o prosseguimento da pesquisa. Mesmo que tal resultado possa ser relacionado à ausência de legitimidade da regulação, conforme referido na parte introdutória do presente trabalho, ainda assim, a aceitação automática da normatização reforça a norma.

Por outro lado, as respostas para a questão (10.2) (n=102)10, com relação à percepção dos pesquisadores sobre a interface e a facilidade para preenchimento da Plataforma Brasil, apontam que, ao menos em parte, a resistência para a submissão de projetos de pesquisa a Comitês de Ética pode estar relacionada, também, com o desgaste necessário para cumprimento do processo burocrático envolvido. Os dados apontam que a maioria dos respondentes, 50% (51), alega que o preenchimento da Plataforma Brasil é demorado e que a interface com o usuário não é amigável. Outros 22% (22) afirmam que a interface não é amigável, mas o seu preenchimento é rápido. Ainda, 15% (15) referem que, mesmo não enfrentando dificuldades com a interface, o preenchimento é demorado. Analisadas as três questões em conjunto, chegamos ao expressivo 86% (88) dos respondentes, que consideram a interface da plataforma ou não-amigável ou de preenchimento demorado ou, ainda, ambos. Isso quer dizer que apenas 14% (14) consideram o preenchimento rápido e fácil.

A análise dos dados da questão (10.2) remete a uma dificultação (pela burocratização) no ofício do pesquisador, o qual não pode ser desvinculado do atual momento de sobrecarga de trabalhos dos pesquisadores no tocante ao excesso de aulas, orientações, números de produção, dentre outras atividades.

Ética: uma questão de formação e/ou de regulação, na percepção dos pesquisadores em Educação?

Analisadas as questões fechadas de caráter geral (de 1 a 7), as perguntas fechadas de caráter mais diretamente ligadas ao tema do presente artigo (de 8 a 10), resta realizar uma investigação sobre os resultados das questões abertas (de 11 a 15). Nesse último grupo de questões, reside o problema central que movimenta o GEFEP, bem como o presente trabalho investigativo, a saber: a conduta ética em pesquisa é resultado da regulação das atividades de pesquisa ou da formação dos pesquisadores. Contudo, a complexidade de tal questionamento motivou a produção de diversos artigos por parte de nosso Grupo, com abordagens metodológicas distintas visando a uma análise mais completa de referido problema de pesquisa. Nesse sentido, o presente artigo tem como principal finalidade apresentar os resultados da pesquisa exploratória da maneira mais crua possível (assumida nossa postura crítica com relação à normatização vigente), reservando para outras produções do Grupo (uma delas atualmente em processo de avaliação em periódico) a análise de cunho mais teórico-especulativo da questão.

De todas as perguntas constantes do instrumento de coleta, aquela que mais diretamente enfrenta o problema central da pesquisa é a de número (11), que perquire acerca da percepção dos pesquisadores sobre a conduta ética em pesquisa tratar-se de uma questão de regulação, de formação ou de ambas. Conforme referido na parte introdutória do presente artigo, tal pergunta foi articulada de maneira fechada na primeira etapa da pesquisa, relativa à Região Sul (tendo como alternativas de resposta com a regulação, com a formação, com ambas e outras respostas, sendo este último um campo aberto). A partir das interessantes respostas apresentadas no campo aberto, a questão (11) foi apresentada de maneira aberta para as etapas subsequentes, fornecendo importantes dados para análise.

A análise da questão (11), mesmo em seu formato de pergunta aberta, permite agrupar os respondentes nos mesmos grupos já presentes em sua versão fechada. Nesse sentido, com relação às respostas objetivamente consideradas, expressivos 71% dos pesquisadores afirmaram que a conduta ética em pesquisa está relacionada à formação e à regulação; 17% disseram que se trata de uma questão de regulação; enquanto apenas 10% expressaram que se trata de uma questão de formação (ainda, quase 2% apresentaram outras formas de resposta, merecendo destaque que um dos pesquisadores respondeu não ter clareza sobre "a diferença entre regulação e formação").

Dada à riqueza dos dados constantes nas respostas abertas, importante colacionar algumas informações encontradas. O primeiro dado a ser destacado guarda relação com o posicionamento externalizado por 11 pesquisadores no sentido de que a conduta ética está ligada fundamentalmente à formação dos pesquisadores; entretanto, pela forma que foi conduzido o processo de normatização da conduta em pesquisa no Brasil, a partir de uma regulamentação externa, fundada em princípios aplicáveis às ciências biomédicas, acabou se apresentando para os pesquisadores das CHSSA como uma questão meramente de regulamentação, na medida em que não representa a realidade das pesquisas do campo educacional. Um dos pesquisadores afirma que a conduta ética em pesquisa "[e]stá ligada principalmente à regulação das pesquisas, baseando-se em um paradigma técnico-científico inspirado no positivismo e nas abordagens experimentais prevalentes no campo das ciências da saúde" (Pesquisador 6, Região Sudeste, 2017). Pela riqueza dos dados e como forma de ligação com a questão (12), colaciona-se a seguinte resposta:

Na [sigla da Universidade], existem comitês de ética apenas na área de biomédicas (medicina, enfermagem, farmácia, ISC e mais recentemente o de psicologia), embora o comitê do ISC (Instituto de Saúde Coletiva) se entenda de forma mais ampla, o único ao qual nós das humanas/artes poderíamos submeter algo. Mesmo assim, entre os pouquíssimos de música, já teve um caso do próprio comitê devolver um processo à minha área [área de atuação do pesquisador] por considerar que não teria como avaliar. Por isso, criamos um comitê interno para atender à necessidade de ter o parecer de um comitê, já que a universidade parceira do referido projeto [sigla da Universidade parceria] o exigia. Acompanho a questão das resoluções e comitês há vários anos, desde que fui convidada pela Associação de minha área [sigla da Associação] a realizar um GT anual sobre a questão ética na pesquisa em música (o que fiz por 4 anos). Assim acompanhei a discussão entre biomédicas e humanas e troquei muitas informações com colegas envolvidas nas comissões de discussões e decisão. Considero que a questão em torno da Plataforma Brasil tem se tornado apenas uma discussão de âmbito burocrático e técnico, não conseguindo levar em conta as questões próprias de procedimentos de áreas distintas. A questão da ética em pesquisa é, a meu ver, em primeiro lugar uma questão de formação humana e cidadã, em geral, não apenas universitária ou científica. A sua guinada para o lado da mera regulação, via plataforma Brasil, obrigatória para todos, transformou uma reflexão filosófica de conduta humana, necessária e fundamental, em questão técnica que não consegue dar conta da complexidade do tema. Com uma diferenciação em níveis de risco, tornando a submissão a uma instância regulatória obrigatória apenas necessária para os casos de alto risco, a situação tornaria se [sic] mais flexível e exequível. (Pesquisador 34, Região Nordeste, 2017).

Nesse sentido, é razoável especular-se que o expressivo percentual de pesquisadores que aponta a conduta ética em pesquisa como uma questão de regulação (isolada ou em conjunto com a formação), no montante de 88%, pode estar condicionada à forma pela qual se deu a regulação no campo educacional, como parte das CHSSA. Essa especulação encontra respaldo nas respostas da questão (12). Com relação à parte mais facilmente tabulável da questão (12), sobre a contemplação ou não da Resolução CNS Nº 510/2016 às especificidades da pesquisa nas CHS, foi possível agrupar a maioria das respostas (144) em três grupos: (1) desconhece a Resolução ou não se sente preparado para opinar (31 ou 21,5%); (2) sim, entende que a Resolução atende às especificidades (31 ou 21,5%); e (3) não atende (82 ou 56,9%), maioria expressiva dos respondentes.

A principal razão que surge como justificativa para o entendimento de que a Resolução Nº 510/2016 não atende às especificidades do campo é a falta de consideração da natureza e das particularidades próprias das CHS e distintas das Ciências Biomédicas, que acabam redundando em dificuldades para o andamento da pesquisa e da observância dos prazos do ofício acadêmico, conforme resta evidenciado especialmente na seguinte resposta:

Não [sobre o atendimento das especificidades]. Acredito que há casos em que tal processo se torna exagerado. Por que eu tenho que pedir autorização para um aluno de química para perguntar, por exemplo, se ele sabe o que é o ácido sulfúrico, caso a pergunta seja feita fora do âmbito de sua avaliação? A lei me faz perder tempo. Muitas vezes a pesquisa está com seu tempo se esgotando (caso por exemplo dos mestrados) e não há manifestação do comitê. (Pesquisador 28, Região Sul, 2017).

Além de tal ordem de argumentação, mais de uma vez, foi apontado o problema de que o processo de aprovação dessa Resolução envolveu um tenso conflito entre os representantes das CHSSA e da área biomédica, conforme mencionado na parte inicial do presente artigo. Motivo pelo qual, aspectos particulares das CHSSA não foram levados em conta no preenchimento das regulamentações éticas de pesquisa. Além de respostas que apontam um "exagerado zelo por questões legalistas, burocratizando a essência do pesquisar" (Pesquisador 40, Região Sul, 2017), como aponta um pesquisador respondente. Outro dado bastante expressivo é de que 31 pesquisadores não conhecem ou não se sentem seguros para opinar sobre a referida normatização (dos quais, 20 referiram desconhecimento da existência ou jamais terem lido a Resolução), números que, casualmente ou não, são muito próximos aos de Grupos de Pesquisas que não disponibilizam espaço para a discussão da regulação da conduta e ética em pesquisa.

No tocante à classificação das pesquisas conforme os tipos de risco que ela envolve (questão 13), na forma da Resolução CNS N° 510/2016, houve as mais variadas respostas (totalizando 155 respondentes), as quais agrupamos em três blocos: (1) aqueles que consideram a classificação adequada (32 ou 21%); (2) aqueles que consideram inadequada (80 ou 52%); ou (3) não tem conhecimento sobre a Resolução ou não possuem conhecimento suficiente para opinarem sobre os riscos (43 ou 28%). Dentre aqueles que consideram a classificação inadequada, a resposta mais presente foi no sentido de que "a maioria dos riscos não se aplica às Ciências Humanas e Sociais", o que acaba redundando, como consequência, que "as legislações engessam o processo de pesquisa". Outro argumento bastante presente, dentre aqueles que consideram a classificação inadequada, foi o de que se trata de critérios subjetivos, limitados e/ou com falta de clareza. Novamente, e por decorrência lógica da questão anterior, é expressivo o número de pesquisadores sem condições de formular uma opinião ou mesmo sem conhecimento da Resolução.

Como forma de extrair mais dados decorrentes da questão (13), foi perguntado, na (14), se os pesquisadores acreditam que as pesquisas nas CHS acarretam algum tipo de risco aos participantes e, em caso positivo, quais seriam esses riscos. No tocante à parte tabulável da questão (14), temos que, dos entrevistados, 100 (63%) acreditam que a pesquisa nas CHS acarreta em algum tipo de risco aos participantes, enquanto que 48 pensam que não (30%), os restantes não opinaram. Dentre os pesquisadores que responderam afirmativamente sobre a existência de risco nas pesquisas das CHS, destacam-se as respostas que afirmam os riscos, mas ressalvam a sua especificidade com relação aos riscos próprios das Ciências Biomédicas, como, por exemplo, a seguinte resposta: "Acho que não causa risco na maior parte das vezes e temos que 'inventar' riscos para nos adaptarmos a critérios que são característicos de outras áreas" (Pesquisador 5, Região Sul, 2017). Além dessa, há outra resposta que condensa as principais preocupações presentes na maioria das demais:

Esta é uma resposta na qual minha vivência como membro do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição possui influência ainda mais forte. Toda pesquisa implica riscos. As pesquisas em Ciências Humanas e Sociais também. Em sua imensa maioria, o risco é muito pequeno (não vou usar os termos mínimo, pequeno etc., pois eles não são definidos claramente) e envolve, por exemplo, constrangimento diante da resposta a alguma pergunta em uma entrevista/questionário, incômodo com a presença do/a pesquisador/a no espaço habitual dos sujeitos (na sala de aula, por exemplo), que podem resultar na pessoa não se sentir à vontade ou até mesmo se sentir pressionada a dizer algo (porque está diante de um "pesquisador da universidade", de uma pessoa que está investida de autoridade) ou a ficar preocupada se pode ou não responder a alguma questão que envolva relações hierárquicas em sua instituição. Em níveis mais complexos, algumas pesquisas podem envolver mudança significativa na rotina dos sujeitos, tensionar relações de hierarquia e autoridade, trazer à tona situações emocionalmente difíceis de lidar etc. Ressalto, em repetição, que a maioria das pesquisas em nossa área são de risco muito pequeno, com danos facilmente ajustáveis no acordo estabelecido para o consentimento de realização da pesquisa. (Pesquisador 12, Região Sudeste, 2017).

Por fim, resta a análise dos resultados da questão (15). Seguindo o mesmo procedimento de análise aplicado anteriormente, inicia-se pela parte tabulável da questão, a qual fornece dados interessantes para interpretação. Quando questionados sobre se, em algum momento, os pesquisadores já haviam enfrentado algum dilema ético: 116 pesquisadores relataram que não (73%) e 35 apontaram que sim (22%); enquanto que os restantes não opinaram (6 ou 5%). Destacamos, entre as respostas, questões relativas a plágio e autoplágio e aspectos relacionados a financiamento de pesquisas como dilemas éticos. É importante mencionar que mais de um entrevistado fez referência ao pesquisar a própria instituição como grande desconforto, seja para si ou para o ambiente acadêmico, o corpo docente, devido a uma relação de poder.

Devido à diversidade dos casos narrados nas respostas da questão (15), optamos por colacionar alguns exemplos, afirmativos e negativos no tocante ao enfrentamento de dilemas, provenientes de diferentes Regiões, que nos pareceram mais expressivos e, de alguma forma, mesmo que tímida, apresentem dados presentes em outras respostas (optamos por manter em caixa-alta respostas apresentadas dessa forma).

Não, pois, visto que trabalho com a história da educação, as pesquisas que tenho desenvolvido na atualidade estão situadas em períodos históricos distintos e abrangem discussões mais teóricas. (Pesquisador 6, Região Norte, 2017).

Não. Todavia, já fui "pressionado" a mudar os rumos de uma pesquisa em função do relacionamento com os sujeitos participantes. (Pesquisador 12, Região Nordeste, 2017).

Não, como disse, não faço pesquisas que envolvem riscos às pessoas; aliás, acho difícil enquadrar pesquisas em Ciências Humanas que acarretem em problemas éticos. (Pesquisador 24, Região Nordeste, 2017).

Sim. No caso de sujeitos que solicitam o uso de seu próprio nome como forma de demarcar determinado campo de militância/político é, ao mesmo tempo, fonte para comprometimento de sua integridade. (Pesquisador 9, Região Norte, 2017).

Sim. Por exemplo, informações obtidas que poderiam comprometer instituições de ensino, caso os resultados mostrassem que alunos não estejam apresentando rendimento conforme o esperado. (Pesquisador 4, Região Norte, 2017).

Sim. Já tive participantes que, após a coleta de dados, já com as análises em andamento, retiraram seu consentimento comprometendo fortemente a pesquisa. Fizemos reuniões, discutimos, pois o participante não havia sofrido qualquer prejuízo. A pessoa apenas "achou" que não se sentiria à vontade com os dados divulgados ainda que sua identidade não fosse revelada (dados de uma entrevista). Nossa atitude foi modificar aspectos da pesquisa, não utilizar as entrevistas realizadas com esse participante respeitando sua opinião. Foi um exercício interessante de respeito e reorganização dos objetivos de pesquisa, necessários frente à singularidade dos participantes - algo muito presente nas pesquisas no campo das CHS. (Pesquisador 4, Região Sudeste, 2017).

Sim... já... e muitos. Sempre em relação a quem financia a pesquisa, principalmente quando são setores privados ou governamentais.... já realizei pesquisa, densa, relevante, que até hoje está engavetada por força ideológica de quem detêm o poder. (Pesquisador 17, Região Nordeste, 2017).

Conforme se depreende dos dados constantes das respostas das questões abertas do questionário (de 11 a 15), a maioria dos pesquisadores respondentes tende a associar a questão da ética em pesquisa a uma preocupação normativa. Tal associação pode ser decorrente dos dados constantes das questões 12 a 14, apontando majoritariamente a inadequação da norma em vigor ao campo de atuação da área das CHSSA. Na falta de legitimidade da norma, o seu fundamento moral se perde e ela passa a ser mera regulação de conduta. Essa análise, que indica uma prevalência da normatização sobre a autonomia do sujeito, pode ajudar a compreender as respostas da questão (15), na medida em que o percentual de 73% de pesquisadores que nunca teriam enfrentado um dilema ético parece elevado quando pensado no difícil contexto de pesquisa das CHSSA. A falta de dilemas pode ser decorrente da diminuição das possibilidades operadas por uma normatização que engessa, pois "[a] formação tem como condições a autonomia e a liberdade" (ADORNO, 2010, p. 21).

Considerações finais

A pesquisa exploratória apresentada traz questões interessantes para alimentar as reflexões sobre um tema que inicialmente emergiu dos embates frente às intervenções e às dificuldades ocasionadas pelas ações do dispositivo regulador das condutas dos pesquisadores originado por meio da imposição do sistema CEP/CONEP. Os resultados demonstram a escassa legitimidade dessa instância, mesmo após a aprovação de uma normativa específica para as CHSSA, ainda inconclusa, e considerada pela maioria dos respondentes inadequada ao não contemplar as especificidades desses campos do conhecimento, resultando sua operacionalização em importantes dificuldades para as pesquisas.

A invasão do aspecto normativo heterônomo sobre a autonomia ética dos pesquisadores deu-se de maneira mais violenta em função das características do processo normativo que foi imposto de cima para baixo e a partir de área distinta e com particularidades próprias diferentes do campo de atuação dos pesquisadores. Embora do ponto de vista filosófico a moralidade esteja indissociavelmente ligada à formação do sujeito, apontando no sentido de que a ética é uma questão formativa, no atual contexto brasileiro tentou-se deslocar artificialmente a questão ética do campo formativo para o campo normativo, movimento fracassado a partir do qual é possível compreender o atual momento da regulação da pesquisa (e do próprio país).

Contudo, as respostas ao questionário mostram opiniões que resgatam a questão ética em pesquisa como um tema a ser aprofundado pelo campo da formação, mesmo sendo reconhecido que ainda não foi suficientemente trabalhado nos espaços institucionais dedicados à pesquisa/formação, às que consideramos indissociáveis. Também colocam aspectos interessantes para pensar e resgatar do sequestro burocrático o relevante e polêmico tema dos riscos das atividades de pesquisa, que divide as opiniões dos pesquisadores respondentes. Assunto inicialmente ligado às imposições da normativa biomédica, a maioria dos pesquisadores participantes deste estudo afirma reconhecer sua existência. No entanto, em geral, diferenciam os riscos da pesquisa em educação dos concebidos pelas Ciências Biomédicas. Nesse sentido, é interessante pensar que se trata de um tema que necessita ser aprofundado a partir das contribuições das teorias das Ciências Humanas e Sociais.

Os dilemas éticos na pesquisa em educação constituem um grande interrogante que pretendemos abordar em próximos estudos e que, neste trabalho, só mencionaremos. Chama atenção que a maioria dos pesquisadores não reconheça essa dimensão do ofício de pesquisar, porém o grupo minoritário que expressa outra posição traz um expressivo leque de questões referentes ao conjunto de relações com participantes das pesquisas, instituições, vínculos interinstitucionais, plágio e, também, com o financiamento e a divulgação de resultados, envolvendo, como eles mesmos afirmam, relações de poder.

Ainda, as respostas ao questionário revelaram informações importantes para além do que foi perguntado. Pesquisadores que, mesmo em um instrumento de coleta limitador das respostas, encontraram espaço para, por exemplo, expressar um simpático desejo de "[v]otos de sucesso em seu estudo" (Pesquisador 1, Região Nordeste, 2017). Nesse sentido, o objetivo do presente trabalho permanece vivo e condizente com o último trecho das respostas que colacionaremos: "almejo que esta pesquisa demonstre a expressão da luta de classes no interior do processo de produção do conhecimento científico" (Pesquisador 5, Região Nordeste, 2017).

*O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 - e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC).

1A equipe de pesquisa também esteve integrada por Bruno dos Santos Coelho, bolsista PIBIC (na época), que colaborou com o encaminhamento dos questionários e com a organização dos dados.

2Esse grupo foi registrado no CNPq, em 2013, com o nome Educação: ofício, artesanato e illusio. Pela centralidade que o tema em questão adquiriu nesse espaço, foi realizada a alteração da denominação.

3Para um panorama das condições por meio das quais foi aprovada essa normativa, ver Duarte (2015, 2017), Edler (2015), Sarti (2015), Santos e Jeolás (2015), Sobotkka (2015) e Zaluar (2015), referidos às CHSSA em geral; e, especificamente para a área Educação, ver Mainardes (2014, 2016, 2017). Para produções anteriores à aprovação dessa Resolução, ver Carvalho e Machado (2014), De la Fare, Machado e Carvalho (2014) e o livro organizado por Santos e Karnopp (2017). A ANPEd disponibiliza na página web institucional uma seção dedicada ao tema Ética na Pesquisa, na qual se apresenta uma ampla lista de produções sobre esse tema, algumas delas citadas neste artigo. Disponível em: <http://www.anped.org.br/etica-na-pesquisa/textos-e-videos>. Acesso em: 20 nov. 2018.

4Entre outros, destacam-se os dossiês Ética na pesquisa (2014), da Revista Práxis Educativa; A ética na pesquisa em Ciências Humanas e Sociais: continuando o debate (2017), da Revista Práxis Educativa; Regulação da Ética na Pesquisa (2017), da Revista Educação da PUCRS e Ética na pesquisa: caminhos e descaminhos teóricos e metodológicos, da Revista Brasileira de Sociologia (2015), os quais contaram com uma ampla divulgação, além de outros ensaios e resultados de pesquisas concluídas e em andamento.

5Para isso, foi usado o sistema de Formulários Google.

7Apesar de 847 grupos serem contemplados pelo questionário, o número total de grupos dessa Região, à época, era de 1.694. Em função da expressiva quantidade, optou-se por trabalhar com a metade.

8Embora cientes de que Pós-doutoramento não constitui uma titulação, mas, sim, um estágio, optamos por acrescentar essa alternativa dentro da questão relativa à formação do pesquisador.

9Nessa mesma direção, a pesquisa documental de Nunes (2017) demonstrou a escassa presença do tema nas ementas de disciplinas dos Programas de Pós-Graduação stricto sensu em Educação no Brasil.

10Como já foi informado, do total de 157 respostas ao questionário, 110 foram respostas afirmativas à questão (10) e, desse subtotal, 102 responderam à questão (10.2), oito pesquisadores não completaram essa resposta.

Referências

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Recebido: 16 de Setembro de 2018; Revisado: 23 de Novembro de 2018; Aceito: 24 de Novembro de 2018

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