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Práxis Educativa

versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.14 no.2 Ponta Grossa maio/ago 2019  Epub 14-Jun-2019

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.14n2.003 

Artigos

Intelecto, educação e formação docente na Suma Teológica de Tomás de Aquino

Intellect, education and teacher education in the Summa Theologica by Thomas Aquinas

Intelecto, educación y formación docente en la Suma Teológica de Tomás de Aquino

Rafael Henrique Santin* 

Terezinha Oliveira** 

*Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Maringá. Professor de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) do Instituto Federal do Paraná-Campus Palmas. E-mail: <rafael.h.santin@gmail.com>.

**Doutora em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Pós-doutora em História e Filosofia da Educação pela Universidade de São Paulo. Professora Titular do Departamento de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. Bolsista de Produtividade em Pesquisa 1C do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. E-mail: <teleoliv@gmail.com>.


Resumo:

Este artigo trata da relação entre intelecto e educação na Suma Teológica de Tomás de Aquino. O objetivo principal é investigar de que modo o teólogo dominicano vincula a discussão acerca do intelecto e a formação de educadores, no contexto da Cristandade ocidental do século XIII. A fonte escolhida para análise é a Questão 79 da Primeira Parte da Suma Teológica, obra escrita entre as décadas de 1260 e 1274, época em que os intelectuais discutiam o problema do intelecto, particularmente os mestres averroístas e mendicante no contexto universitário. Verificou-se que esse debate estava ligado aos diferentes projetos de civilização que circulavam no mundo ocidental na segunda metade do século XIII. Uma análise prudente das obras tomasianas não desconsidera o ambiente social, cultural e político em que estão inseridas.

Palavras-chave: Filosofia da Educação; Idade Média; Formação de professores

Abstract:

This paper is about the relation between intellect and education in the Summa Theologica by Thomas Aquinas. The main objective is to analyze how the Dominican theologian links the discussion about the intellect and teacher education in the context of Western Christianity of the thirteenth century. The source chosen for this study is Question 79 of the First Part of Summa Theologica, written between 1260 and 1274, when intellectuals discussed the problem of intellect, especially the Averroists and Mendicants masters in the university context. It was found that this debate was linked to the different projects of civilization that circulated in the Western world in the second half of the thirteenth century. A careful analysis of the Thomasian works does not disregard the social, cultural and political environment in which they are inserted.

Keywords: Philosophy of Education; Middle Age; Teacher education

Resumen:

Este artículo trata de la relación entre intelecto y educación en la Suma Teológica de Tomás de Aquino. El objetivo principal es investigar de qué modo el teólogo dominico vincula la discusión acerca del intelecto y la formación de educadores, en el contexto de la Cristiandad occidental del siglo XIII. La fuente escogida para el análisis es la Cuestión 79 de la Primera Parte de la Suma Teológica, obra escrita entre las décadas de 1260 y 1274, época en que los intelectuales discutían el problema del intelecto, particularmente los maestros averroístas y mendicantes en el contexto universitario. Se verificó que ese debate estaba atado a los diferentes proyectos de civilización que circulaban en el mundo occidental en la segunda mitad del siglo XIII. Un análisis prudente de las obras tomasinas no desconsidera el ambiente social, cultural y político en que están insertadas.

Palabras clave: Filosofía de la Educación; Edad Media; Formación de Profesores

Introdução

Este artigo tem como tema a concepção tomasiana de intelecto e sua importância para o estudo da História da Educação Medieval, particularmente do ensino praticado na Universidade de Paris no século XIII. O objetivo principal é analisar o conceito de intelecto desenvolvido em uma das Questões da Suma Teológica, obra escrita por Tomás de Aquino entre as décadas de 1260 e 1270 para proporcionar aos alunos da Universidade um plano de estudos da ciência teológica.

O método que nos orienta no estudo dessa questão é a História Social, e os historiadores que nos fundamentam são Bloch (1965, 2001), Febvre (1985), Braudel (2014) e Mendes (2011) 1. Segundo eles, a História é uma ciência que se destina a estudar os homens no tempo, ou seja, a experiência e a condição humana ao longo das épocas. Desse modo, ao historiador cabe questionar os vestígios do passado para que possam fornecer aos homens do presente um entendimento mais abrangente de si mesmos. O que somos e o que fazemos são coisas que estão profundamente arraigadas em uma memória histórica que está em constante processo de reelaboração, de modo que perceber a relevância dessa memória é o princípio para agirmos, com prudência, diante dos problemas que surgem diariamente, em todas as áreas da vida humana - dentre elas, a educação.

Por isso, analisamos nossa fonte considerando alguns aspectos essenciais. Em primeiro lugar, foi construída para responder a questões pertinentes para a sociedade ocidental e cristã do século XIII. Em segundo lugar, ela reflete uma das possibilidades de análise do problema do intelecto em Aristóteles. Em terceiro lugar, a perspectiva de análise que apresenta está alinhada a questões éticas e políticas, isto é, compreende um determinado projeto de civilização que foi posto em perspectiva pela coexistência de outras interpretações da obra aristotélica e, por isso, precisou ser justificada e defendida teoricamente. Por fim, ao apresentar uma compreensão do intelecto, evidencia, também, uma compreensão do processo de ensino e de aprendizagem, fundamentando uma filosofia da educação tomasiana prenhe de reflexões importantes para os mestres e estudantes do século XIII, mas também para educadores de outras épocas2.

Nesse sentido, as reflexões empreendidas por Tomás de Aquino na Suma Teológica sobre o intelecto devem ser analisadas em relação à circulação das ideias averroístas no Ocidente medieval, possibilitado pelo trabalho de intelectuais como Siger de Brabante e Boécio de Dácia (LE GOFF, 2010). O teólogo dominicano debateu com esses mestres, defendendo uma perspectiva de análise do De Anima, de Aristóteles, que concorria para a percepção do intelecto como uma potência individualizada, isto é, ele questionava a teoria averroísta do monopsiquismo3 e defendia que cada pessoa possuía um intelecto individual pelo qual poderia ensinar, aprender, pensar e decidir o rumo da própria vida. Esse debate entre os teóricos mendicantes, principalmente Alberto Magno e Tomás de Aquino e os mestres averroístas, marcou indelevelmente a obra desses personagens e, também, o cenário universitário do Ocidente medieval.

Não se tratava, com efeito, de preciosismo teórico. Verificamos que há, nessas diferentes formas de compreensão do texto aristotélico sobre a alma e o intelecto, a vinculação de diferentes projetos de civilização. Nesse sentido, combater o monopsiquismo, para Tomás de Aquino, não era uma questão meramente teórica, mas também ética e política que impactava diretamente os rumos da Cristandade ocidental - incluindo aí o modo como os homens se educavam. Sob essa perspectiva, duas mudanças que estavam em curso na época são fundamentais para entendermos a obra tomasiana.

A primeira é o conjunto de transformações que o renascimento das cidades e a retomada da atividade comercial, entre os séculos IX e XIII, representou para a sociedade medieval (LE GOFF, 2005, 2008; OLIVEIRA, 2012). O século XIII localiza no tempo, por assim dizer, o apogeu dessas transformações, de modo que a cidade passa a ser considerada um importante centro de sociabilidade e de trocas, tanto de produtos como de ideias. Os papéis, segundo Le Goff (2005), invertem-se: se antes a cidade era fornecedora do meio rural, de produtos manufaturados de que precisava para garantir seu funcionamento, entre os séculos XII e XIII era o meio rural que fornecia à cidade as coisas de que esta precisava para funcionar, inclusive homens para o trabalho, na ambiência urbana.

Isso se deve, dentre outras coisas, a um ambiente relativamente mais pacificado. Nesse período posterior ao Império Carolíngio, observa-se uma diminuição da violência no Ocidente, o que o torna um ambiente propício ao desenvolvimento econômico e social (GUIZOT, 2005). Na esteira desse processo, a educação e a produção intelectual também se modificam - tanto que Tomás de Aquino, em uma carta endereçada ao rei de Chipre, retoma a ideia aristotélica da cidade como a “comunidade perfeita”, o que seria, do nosso ponto de vista, impensável nos séculos VI, VII ou VIII.

Nessa perspectiva, é nas cidades que acontece um dos movimentos intelectuais mais importantes da Idade Média, que é o surgimento das Universidades, segunda mudança que queremos abordar. O teólogo dominicano participou ativamente desse movimento e pode ser considerado um dos grandes representantes dele. Aliás, quase toda sua obra está, de certo modo, ligada à Universidade, desde as duas grandes Sumas, a Teológica e a Contra os Gentios, passando pelas Questões disputadas, até os comentários às obras de Aristóteles. Entendemos, também, que esse fato torna Tomás de Aquino uma das principais fontes para a História da Educação medieval, pois suas obras refletem as preocupações do autor para com o ensino universitário da época - talvez o grande exemplo seja a Suma Teológica.

Os historiadores que se ocupam com a História da Universidade na Idade Média têm opiniões diversas sobre a origem dessa instituição (NUNES, 1979). Apesar disso, o século XIII é o período de consolidação da Universidade como instituição de ensino. Oliveira (2012) estudou Cartas produzidas entre os séculos XI e XIII e que estão diretamente relacionadas ao surgimento das cidades e da Universidade. Observamos, a partir das análises feitas pela autora, que a Universidade passou a ser considerada, paulatinamente, como um dos pilares da Cristandade ocidental. No início, ela precisava ser protegida dos ataques advindos de diversas instâncias da sociedade; e, já no século XIII, ela era uma instituição desejada e disputada por diferentes autoridades - um exemplo disso é a concessão de “privilégios” aos universitários que, segundo Oliveira (2012), não devem ser entendidos como favorecimento em detrimento de outros grupos sociais, mas, sim, garantias de proteção, de incentivo e de promoção, destinadas ao bom funcionamento da Universidade. Essa proteção justificava-se na medida em que mestres e estudantes se comprometiam, direta ou indiretamente, com os destinos da sociedade.

É nesse contexto em que se enfrentavam diferentes perspectivas teóricas, buscando proporcionar à sociedade o que precisava em termos de conhecimento da natureza, dos homens e da sociedade. Daí a importância de considerarmos o debate acerca do intelecto na Suma Teológica como parte de um projeto ético-político, de modo que não podemos separar a atuação de Tomás de Aquino, na Universidade, das questões para as quais a sociedade de sua época buscava respostas. Entendemos que são a elas que o teólogo dominicano procurou responder na condição de mestre universitário, responsável pela formação de futuros educadores e outros profissionais, membros dos grupos dirigentes da sociedade - religiosos, nobres e burgueses.

Intelecto e educação na Suma Teológica

Para analisar o conceito de intelecto desenvolvido por Tomás de Aquino, a fim de refletir sobre o espaço que essa noção ocupa na filosofia da educação tomasiana, estudamos uma das Questões da Suma Teológica que trata desse problema. Trata-se da Questão 79 da Primeira Parte da Suma Teológica, que integra o Tratado acerca do homem4. Segundo Heredia (2001), esse Tratado está disposto, por razões lógicas, logo depois dos tratados que abordam as criaturas espirituais, como os anjos e as criaturas corporais, uma vez que o homem é constituído por essas duas formas de existência - pelo corpo, é um ser material; e, pela alma, ser espiritual. Além disso, o autor destaca que há, também, uma razão teológica, ou uma tendência exegética, de seguir a ordem da criação descrita na Sagrada Escritura: “[...] porque com a formação do homem finalizou-se a criação divina de seis dias” (HEREDIA, 2001, p. 665, tradução nossa).

Formado por 28 Questões, o Tratado acerca do homem aborda a constituição do ser humano como uma unidade composta de corpo e alma. Contudo, uma análise preliminar das Questões permite inferir que é a alma do homem o principal assunto de Tomás de Aquino nessa parte da Suma.

Na introdução escrita pelo próprio teólogo à Questão 75, a primeira do Tratado, verifica-se a preocupação em esclarecer suas intenções em entender a alma humana: “Ao teólogo compete considerar a natureza do homem no que se refere à alma, e não no que se refere ao corpo, a não ser em sua relação com a alma” (TOMÁS DE AQUINO, 2015, ST, I, q. 75, prol.)5. O autor centra seus esforços na compreensão da alma humana porque essa deve ser a preocupação do teólogo, destaque necessário tendo em vista os objetivos da própria Suma - ensinar aos estudantes de Teologia do século XIII o que era necessário a um teólogo conhecer.

Diante disso, Heredia (2001) apresenta a organização do Tratado acerca do homem, de modo que podemos identificar ali a linha de raciocínio e de argumentação seguida por Tomás de Aquino. A Questão 79, que é a fonte principal deste artigo, insere-se em um debate mais amplo sobre as potências da alma (q. 77-89) e, ao mesmo tempo, em outro mais restrito sobre as potências cognoscitivas (q. 78-83) que se subdivide, por sua vez, em outros três grupos de Questões: os sentidos externos (q. 78, a. 3), os sentidos internos (q. 78, a. 4) e a faculdade intelectiva (a. 79). Assim, a Questão que nos chama atenção diretamente, levando em consideração nossos objetivos, é a de número 79.

A Questão 79, intitulada As potências intelectivas, é dividida em 13 (treze) Artigos nos quais se fazem os seguintes questionamentos: 1. se o intelecto é potência da alma ou sua essência; 2. se o intelecto é uma potência passiva; 3. se se deve considerar a existência de um intelecto agente no caso de o intelecto ser passivo; 4. se o intelecto agente faz parte da alma; 5. se o intelecto agente é um só para todos os homens; 6. se a memória está no intelecto; 7. se a memória é diferente do intelecto; 8. se a razão é distinta do intelecto; 9. se a razão superior e inferior são duas potências diferentes; 10. se a inteligência é distinta do intelecto; 11. se o intelecto especulativo e o intelecto prático são potências diferentes; 12. se a sindérese está na parte intelectiva; e, por fim, 13. se a consciência é uma potência da parte intelectiva6.

No primeiro Artigo, que tem como título O intelecto é uma potência da alma?, Tomás de Aquino esclarece o que, segundo ele, é um equívoco doutrinário relacionado ao problema desse Artigo:

É necessário afirmar, em vista de tudo o que precedeu, que o intelecto é uma potência da alma, e não sua essência. Com efeito, o único princípio imediato da operação é a essência mesma do que opera, quando a própria operação é seu ser. Pois, assim como a potência está para a operação como para seu ato, assim está a essência para o ser. Ora, somente em Deus conhecer é a mesma coisa que seu ser. Portanto, só em Deus o intelecto é sua essência; nas outras criaturas dotadas de intelecto, ele é uma potência do que conhecer. (TOMÁS DE AQUINO, 2015, ST, I, q. 79, a. 1, rep.).

Segundo Tomás de Aquino, era indispensável que o estudante de Teologia soubesse que o intelecto não é a essência da alma. Afirmar isso não seria somente um equívoco semântico, mas também um equívoco teórico, pois somente em relação a Deus se poderia considerar o intelecto como a essência do ser. Assim, o intelecto é uma potência da alma humana e isso é explicado pelo modo como o homem age, isto é, sua ação não coincide totalmente com seu ser - não somos homens somente porque pensamos, mas também porque somos compostos de corpo e alma e de potência e ato; a ação humana não é puramente intelectiva, pois é determinada por uma série de circunstâncias inerentes e contingentes em relação ao seu próprio ser. A operação do ser humano não é puramente intelectual e, portanto, o intelecto não se constitui como essência de sua alma, mas, sim, uma de suas potências.

Depois de provar que o intelecto é uma das potências da alma e não propriamente sua essência, Tomás de Aquino discute, no segundo Artigo da Questão 79, se o intelecto é uma potência passiva. O autor principia suas reflexões destacando a operação do intelecto que se dá, segundo ele, em relação ao ser universal - ens in universali -, isto é, a depender da relação que determinado intelecto mantém com o ser universal - daí podemos depreender o modo como ele opera, o modo como ele “funciona”. Assim, o intelecto divino - a essência de Deus - está em ato para o ser universal total, pois nele “[...] todo ente preexiste originalmente e virtualmente, como na primeira causa” (TOMÁS DE AQUINO, 2015, ST, I, q. 79, a. 2, rep.). Por outro lado, há o intelecto criado que não pode estar em ato para o ser universal, do contrário ele seria eterno e perfeito, teria a mesma operação que o intelecto divino.

Verificamos que, para o teólogo dominicano, o intelecto do homem, que é criado e não divino, não está em ato em relação ao ser universal, mas, sim, em potência. Desse modo, ele diferencia duas formas pelas quais algo pode estar em potência: a primeira, característica dos corpos celestes, é aquela em que a potência é sempre perfeita, isto é, condicionada a atualizar-se independentemente de circunstâncias estranhas à operação; a segunda, peculiar aos seres passíveis de corrupção e geração, é aquela em que a potência não tende perfeitamente ao ato, necessitando, pois, de uma operação diferente:

Mas o intelecto humano, o último na ordem dos intelectos e muitíssimo afastado da perfeição do intelecto divino, está em potência em relação aos inteligíveis, e no começo ele é como ‘uma tábula rasa em que nada está escrito’, segundo diz o Filósofo no livro III da Alma. Isso fica claro pelo fato de que estamos primeiramente em potência de conhecer, e só depois estamos em ato. - É, portanto, evidente que nosso conhecer é padecer, segundo a terceira maneira. Por conseguinte, o intelecto e uma potência passiva. (TOMÁS DE AQUINO, 2015, ST, I, q. 79, a. 2, rep.).

Percebemos que Tomás de Aquino afirma, na conclusão do Artigo 2, que o intelecto é, sim, uma potência passiva. Contudo, acreditamos ser necessário evidenciar que o termo “passivo” não deve ser tomado, aqui, de maneira vulgar como sinônimo de um ser inativo, que não age e espera que outros ajam por ele. A análise do teólogo evidencia, a nosso ver, que a passividade do intelecto deve ser pensada em relação à sua operação para a intelecção do ser universal. Como o autor demonstra, o intelecto humano não tende naturalmente para o inteligível, precisando ser movido na direção do bem desejável - nesse caso, o conhecimento dos universais.

Assim, acreditamos que a passividade do intelecto do homem é, justamente, a condição primeira do processo de ensino e aprendizagem que, segundo o autor, é o que pode promover a apreensão das formas intelectivas - objeto próprio do intelecto (TOMÁS DE AQUINO, 1999; TOMÁS DE AQUINO, 2004). Daí a razão de ele retomar Aristóteles para dizer que o intelecto humano se assemelha a uma tábula rasa na qual não há nada escrito7.

Diante do questionamento acerca da passividade do intelecto, Tomás de Aquino investiga, no terceiro Artigo, se podemos admitir a existência de um intelecto agente por meio do qual podemos apreender os inteligíveis. Na solução proposta pelo teólogo dominicano, percebemos que ele contrapõe as concepções de Platão e Aristóteles, tomando partido deste último. Segundo ampla literatura sobre Tomás de Aquino e a Cristandade ocidental, principalmente Carvalho (1999), Gilson (1995), Heredia (2001), Le Goff (2010), Oliveira (2005) e Russell (2015), esse era um debate fundamental do século XIII, no qual alguns intelectuais defendiam uma posição platônica ou neoplatônica em detrimento das “novas descobertas” dos textos de Aristóteles:

Mas, porque Aristóteles não admitia que as formas das coisas naturais pudessem subsistir sem matéria, e porque as formas existentes na matéria não são inteligíveis em ato, resultava que a natureza ou as formas das coisas sensíveis, que conhecemos, não eram inteligíveis em ato. Ora nada passa da potência ao ato senão por meio de um ente em ato; por exemplo, o sentido torna-se em ato pelo sensível em ato. Era preciso, portanto, afirmar, da parte do intelecto uma potência que fizesse inteligíveis em ato, abstraindo as espécies das condições da matéria. Donde a necessidade de se afirmar um intelecto agente. (TOMÁS DE AQUINO, 2015, ST, I, q. 79, a. 3, rep.).

A conclusão do teólogo para o Artigo 3 parece ser particularmente importante para entendermos a concepção tomasiana de intelecto e sua relevância na formação do educador. No Artigo imediatamente anterior a este que estamos analisando, Tomás de Aquino esclarece, mais uma vez, o que, para nós, é a condição primordial para que possa haver ensino e aprendizagem, que é a natureza passiva, mutável, do intelecto. Ao lado dessa característica do intelecto humano, segundo o teólogo, devemos admitir uma outra, por meio da qual a passividade do intelecto pode ser movida ao ato, que é o intelecto agente - considerado, aqui, como uma faculdade do intelecto8. Essa faculdade seria a responsável por tornar acessível ao intelecto os aspectos inteligíveis das coisas.

Se, por um lado, o intelecto humano apresenta a condição de passivo, assemelhando-se a uma tábula rasa; por outro, é dotado do princípio de seu próprio conhecimento, o intelecto agente. Nesse sentido, o aprendiz é aquele que, ao mesmo tempo, não conhece e tem em si o princípio elementar para conhecer.

O intelecto agente, nessa perspectiva, seria o pensamento reflexivo, a ação de inteligir da realidade às formas cognoscíveis, ato que, para Tomás de Aquino, é inerente ao processo de aprendizagem. A necessidade de existir um intelecto agente, bem como a insuficiência do intelecto possível para o conhecimento dos inteligíveis, são elementos provados pelo teólogo dominicano na resposta dada à terceira objeção desse terceiro Artigo. Na terceira objeção, afirma-se que a passividade do intelecto seria suficiente para a apreensão das formas cognoscíveis já que a natureza imaterial coincide com a imaterialidade do intelecto possível. Tomás de Aquino responde da seguinte maneira:

Quanto ao 3°, deve-se dizer que pressuposto o agente, é bem verdade que sua semelhança é recebida sob modos diversos segundo as disposições de cada sujeito. Mas se o agente não preexiste, a disposição do sujeito receptor não tem efeito algum. Ora, o inteligível em ato não é algo existente na natureza, ao menos na natureza das coisas sensíveis que não subsistem fora da matéria. Por isso, para conhecer não bastaria a imaterialidade do intelecto possível, se não houvesse intelecto agente, capaz de tornar os inteligíveis em ato, por meio da abstração. (TOMÁS DE AQUINO, 2015, ST, I, q. 79, a. 3, sol. 3).

Diante disso, percebemos que a imaterialidade do intelecto, isto é, a sua disposição natural para receber as formas inteligíveis, não é o bastante para que possamos, de fato, aprender alguma coisa. O intelecto agente, então, é entendido como indispensável, na medida em que o processo de aprendizagem implica ação, também, de quem aprende: aprendemos não somente pela recepção passiva das formas inteligíveis, mas também pelo ato de abstraí-las das coisas das quais são formas9.

O próximo Artigo, o de número 4, é decisivo para compreendermos a importância da dupla natureza do intelecto humano - passiva e ativa - defendida por Tomás de Aquino. O que se discute nesse quarto Artigo é o embate entre aqueles que defendiam que o intelecto é uma substância separada da alma, os teóricos averroístas, e aqueles que defendiam, ao contrário, que o intelecto está na alma - dentre os quais figura o próprio Tomás de Aquino. Na solução, o autor começa por esclarecer que a alma humana é intelectiva porque participa da virtude intelectual de um intelecto superior e ressalta que, mesmo esse intelecto superior sendo uma substância separada, é preciso admitir que a alma humana é dotada de uma virtude ativa que permite a intelecção, isto é, que permite tornar o inteligível potencial em inteligível atualizado.

E isso conhecemos experimentalmente, quando observamos que as formas universais nós as abstraímos de suas condições particulares, o que é tornar o inteligível em ato. Ora, nenhuma ação pode ser atribuída a alguma coisa, a não ser por um princípio que lhe seja formalmente inerente, como foi dito a propósito do intelecto possível. É necessário, portanto, que a potência, que é o princípio dessa ação, seja parte da alma. - Por isso, Aristóteles compara o intelecto agente à luz que é algo difundido no ar. Platão, ao contrário, comparou o intelecto separado ao sol que imprime sua luz em nossas almas; isso segundo Temístio. (TOMÁS DE AQUINO, 2015, ST, I, q. 79, a. 4, rep.).

As reflexões apresentadas pelo autor na conclusão do Artigo 4 são fundamentais para este trabalho, na medida em que demonstra um posicionamento seu que possui implicações teóricas e práticas para a educação dos homens no século XIII, de um lado, e para o processo de formação do educador, de outro.

Acreditamos que o teólogo dominicano, ao afirmar que o princípio pelo qual conhecemos - o intelecto agente - está na alma, e não fora dela, determina que somos diretamente responsáveis por aquilo que pensamos e, por conseguinte, por aquilo que fazemos. Essa questão põe-nos diante de outra, igualmente importante, que é a relação entre intelecto e vontade - que será abordada na sequência.

A implicação teórica desse posicionamento deriva do próprio conflito entre diferentes concepções acerca do intelecto que vigoravam na época de Tomás de Aquino, dentre as quais podemos citar a dos averroístas latinos e a dos neoplatônicos. Já as implicações práticas, que não podem ser separadas das teóricas, estão diretamente relacionadas à função primordial dos mestres universitários.

Se acreditamos que o que sabemos deriva da ação de um intelecto superior, o trabalho docente pode ser considerado marginal ou auxiliar, uma vez que a aprendizagem dependeria mais de uma “tomada de consciência” individual do que da argumentação racional e sistemática acerca das teorias e das doutrinas. Entretanto, se acreditamos que o princípio do conhecimento, o intelecto agente, é uma das faculdades da alma, significa que o ensino tende a ser um elemento primordial no processo de aprendizagem, por um lado, e, por outro, tornaria mais nobre, por assim dizer, a apreensão dos inteligíveis, uma vez que se faria isso mediante uma escolha pessoal derivada de seu próprio conhecimento.

Ao considerarmos o que nos ensina a historiografia já aludida a respeito de Tomás de Aquino, acreditamos ser razoável a opção do teólogo dominicano, não só pela coerência teórica em relação aos seus fundamentos aristotélicos, mas também pelo seu compromisso com a Ordem Dominicana e com a Universidade, instituições que o acolheram e serviram de base para as suas reflexões.

Acerca das implicações sobre a formação do educador, percebemos que elas derivam das outras supramencionadas. Desse modo, a depender do modo como o mestre concebe a natureza do intelecto agente, ele age de uma determinada maneira ou de outra. Para Tomás de Aquino, fazia-se necessário que os estudantes de Teologia da Universidade, futuros mestres e doutores dessa instituição - futuros professores, portanto - percebessem que o intelecto agente é uma faculdade da alma e que o homem aprende, por conseguinte, a partir de um elemento que é de sua própria natureza.

Voltando ao conteúdo do Artigo 4, o teólogo dominicano responde à uma objeção que consideramos relevante. A quarta objeção, apresentada à hipótese do Artigo 4, expõe a seguinte questão: se o intelecto agente é uma substância que tem o ser em ato e o intelecto possível, que está na alma humana, é potencial em relação aos inteligíveis, então não é possível que o primeiro figure na alma, já que é impossível o convívio de duas “faculdades” que estão em potência e ato para um mesmo objeto - no caso, os inteligíveis. Tomás de Aquino afirma que:

Quanto ao 4°, deve-se dizer que a alma intelectiva é imaterial em ato, mas está em potência para determinadas imagens das coisas. As representações imaginárias, ao contrário, são antes semelhanças em ato de certas imagens, mas são imateriais em potência. De onde nada impede que uma mesma alma, enquanto é imaterial em ato, possua uma potência que torna os objetos imateriais em ato, por abstração das condições individuais da matéria, e que se chama intelecto possível, enquanto está em potência para tais imagens. (TOMÁS DE AQUINO, 2015, ST, I, q. 79, a. 4, sol. 4).

Diante disso, destacamos alguns elementos que nos parecem centrais para entendermos a concepção tomasiana de intelecto. Em primeiro lugar, Tomás de Aquino afirma que a alma intelectiva é imaterial em ato, mas está em potência para as espécies - species - das coisas. Assim sendo, embora tenha a mesma condição das espécies delas, não as conhece por completo, do contrário não haveria entre o intelecto humano e o divino a diferença à qual o teólogo se referiu no primeiro Artigo dessa Questão 79.

Além disso, aparece aqui um conceito que consideramos essencial, que é o de “representações imaginárias”, ou phantasmata no texto latino, que aparecerá também em outras obras do teólogo dominicano, como a Suma contra os Gentios e A unidade do intelecto contra os Averroístas. O phantasmata corresponde a representações das coisas que estão a “meio caminho”, por assim dizer, no processo de abstração. Nesse sentido, o phantasmata seria o passo inicial do ato de conhecer, uma primeira experiência suprassensível do homem derivada da materialidade, mas que tende à imaterialidade pela ação do intelecto agente, que procede ao despojamento dos determinantes da matéria ainda presentes no phantasmata, tornando-o espécie inteligível em ato. Portanto, o phantasmata seria o objeto próprio do intelecto agente, isto é, espécie inteligível em potência que exige a abstração para consolidar-se como conhecimento em ato - abstração que deve ser provocada, ensinada e aprendida.

Depois de reafirmar seu posicionamento sobre a natureza individual do intelecto agente, Tomás de Aquino reflete, no Artigo 6, sobre a memória e se ela está, ou não, na parte intelectiva. Na solução, antes mesmo de apresentar sua resposta para o problema, ele discorre sobre duas concepções de memória, a de Agostinho e a de Avicena, partindo de uma premissa essencial: “Visto que é da razão da memória conservar as imagens das coisas que não são apreendidas em ato, é preciso considerar primeiramente se as imagens inteligíveis podem ser conservadas desse modo no intelecto” (TOMÁS DE AQUINO, 2015, ST, I, q. 79, a. 6, rep.).

Para contrapor-se às concepções de Avicena, Tomás de Aquino recorre a Aristóteles. A partir do que o Filósofo apresentou no De Anima, o autor afirma que:

Ora, diz-se que o intelecto possível se torna cada coisa singular, na medida em que recebe as imagens de cada coisa. Pelo fato de receber as imagens inteligíveis, pode operar quando quiser, mas não opera sempre, pois mesmo estão está de certa maneira em potência, embora de uma maneira diferente que antes de conhecer; isto é, do modo pelo qual aquele que tem um conhecimento in habitu está em potência para considerar em ato. (TOMÁS DE AQUINO, 2015, ST, I, q. 79, a. 6, rep.).

Conforme o teólogo dominicano, a apreensão das espécies inteligíveis promove uma mudança importante no intelecto humano, o que entendemos ser o efeito da memória sobre o pensamento e a ação. Depois de conhecer determinado inteligível, de acordo com o autor, o homem passa a poder agir “quando quiser”, mas não “todo o tempo”, visto que permanece em potência, ainda que de maneira diferente.

Essa diferença pode ser entendida mediante um exemplo cotidiano: um sujeito que aprendeu a andar de bicicleta e outro que não aprendeu estão em potência para o ato de “pilotar uma bicicleta”, mas o primeiro é um “conhecedor habitual” e pode andar de bicicleta quando quiser; o segundo, por não ser um “conhecedor habitual”, não pode andar de bicicleta antes de apreender a espécie inteligível do ato de “pilotar uma bicicleta”. Portanto, a memória não é entendida por Tomás de Aquino como um “recipiente de espécies”, mas uma virtude capaz de direcionar o intelecto possível mediante aquilo que já conhece.

A memória, no sentido dado a ela por Tomás de Aquino no Artigo sexto da Questão 79, coloca-se como o elemento que plasma o “velho” e o “novo”, que dá sentido à ação presente por meio do passado, aqui entendido não como um fato cristalizado pelo tempo, mas como o “intelecto atualizado” invocado como elemento estrutural do intelecto possível - o que não nos deixa esquecer o que somos e de onde viemos, condições para escolhermos o que queremos ser. Essa discussão pode estar vinculada às transformações pelas quais a Cristandade ocidental estava passando na época do teólogo dominicano. Com efeito, com as cidades, o comércio, as corporações de ofício, as Universidades e as novas Ordens religiosas, o século XIII colocava na ordem do dia novos valores, novas formas de viver e de conviver que, às vezes, ameaçavam os preceitos cristãos e a própria civilização cristã - como constata Le Goff (2008, p. 178), em um artigo sobre as Ordens Mendicantes publicado, no Brasil, no livro Uma Longa Idade Média: “A cidade é pagã, é preciso convertê-la”.

Nesse sentido, entender a memória e as relações entre ela e o intelecto significava demonstrar de que maneira os homens agiam a partir do que lhes formou ao longo da vida - o que incluía a tradição cristã ocidental. Como era possível ao cristianismo sobreviver às transformações que a cidade representava? Defendemos a tese de que, para Tomás de Aquino, isso se tornava viável mediante o desenvolvimento do intelecto, a fim de que os citadinos agissem com prudência sem se esquecerem de onde vieram - de uma tradição que remontava a épocas anteriores ao Império Romano e que, ao se constituir em memória, seria ressignificada, atualizada, para dar sentido e direção à vida das pessoas no presente.

Essas reflexões de Tomás de Aquino são fundamentais para corroborar a importância das discussões presentes no Artigo 6 para o desenvolvimento da civilização, uma vez que aborda uma característica inerente ao intelecto humano. Na medida em que o autor considera o desenvolvimento intelectual como condição para a realização do homem como tal, como criatura divina, a memória coloca-se não como um acessório, destinado à mera reprodução do vivido, mas, sim, um pressuposto da existência humana mediante a realização da potência que o torna diferente de outras criaturas.

Consideramos que o próximo Artigo, o oitavo, é de fundamental importância para os objetivos do nosso texto. Ele trata da possível distinção entre intelecto e razão que parece ser, à primeira vista, irrelevante. A análise da solução dada por Tomás de Aquino ao problema evidencia que intelecto e razão podem designar diferentes formas de proceder diante do objeto inteligível. É, portanto, uma questão epistemológica:

A razão e o intelecto não podem ser no homem potências diferentes. É o que claramente se vê, se consideramos o ato de uma e da outra. Conhecer é simplesmente apreender a verdade inteligível. Raciocinar é ir de um objeto conhecido a outro, em vista de conhecer a verdade inteligível. Por isso, os anjos, que, por sua natureza, possuem perfeitamente esse conhecimento, não têm necessidade de ir de um a um outro, mas apreendem simplesmente a verdade das coisas sem discurso algum, como explica Dionísio. Os homens, ao contrário, como ele mesmo diz, chegam ao conhecimento da verdade inteligível, procedendo de um elemento a outro, e por isso, são chamados racionais. O raciocínio está, portanto, para a intelecção como o movimento está para o repouso, ou a aquisição para a posse; desses, um é próprio do que é perfeito, outro do imperfeito. Mas pelo fato de sempre um movimento proceder do que é imóvel e terminar no repouso, o raciocínio humano procede, pelo método de pesquisa ou de invenção, de alguns conhecimentos tidos de modo absoluto, os primeiros princípios; depois pelo método de dedução, volta a esses primeiros princípios, à luz dos quais examina o que descobriu. (TOMÁS DE AQUINO, 2015, ST, I, q. 79, a. 8, rep.).

Podemos perceber que Tomás de Aquino apresenta de maneira clara o seu posicionamento. Quando se trata da alma humana, razão e intelecto não são potências distintas, mas, no máximo, procedimentos epistemológicos diferentes. Para entendermos o debate travado pelo teólogo a respeito desse assunto, precisamos considerar a diferenciação feita por ele sobre o modo como os homens conhecem e a forma como os anjos conhecem. Os primeiros apreendem a verdade inteligível por meio de uma “rede de intelecção”, passando de uma intelecção a outra até atingir a apreensão da verdade inteligível. Os segundos, ao contrário, procedem simplesmente da potência ao ato por meio de uma intelecção simples e direta da verdade inteligível. O ato de “passar de uma intelecção a outra” é o que o teólogo chama de “raciocinar”, ato próprio do intelecto humano. Nesse sentido, “razão” e “intelecto” não podem ser considerados duas potências distintas quando estamos pensando no ato próprio do intelecto humano.

A reflexão acerca da ação de raciocinar coloca-nos diante de uma lição importante de Tomás de Aquino aos alunos da Faculdade de Teologia, futuros mestres. Se o raciocínio é o ato próprio do intelecto humano em sua empreitada para a apreensão da verdade inteligível, é suposto que esse processo receba influências do que o autor chama de “primeiros princípios”, mas, também, de elementos externos a ele próprio.

Essa suposição está ancorada em outra obra do teólogo que é o De Magistro. Nessa Questão sobre o ensino, o autor evidencia, no Artigo 1, que há duas maneiras de o aluno chegar ao conhecimento em ato: a descoberta e o ensino. A primeira é realizada pelo próprio aluno a partir das “razões seminais”, isto é, dos primeiros princípios. Pelo ensino, o aluno só pode chegar ao saber em ato mediante a intervenção de outro sujeito que já tenha o saber desejado em ato (TOMÁS DE AQUINO, 2004, a. 1).

Assim, o raciocínio, por meio do qual o homem atualiza seu intelecto, é um processo que depende dos primeiros princípios e deve a eles retornar, como o próprio autor argumenta, por meio de um certo juízo, que o homem só realiza com base em outros saberes já adquiridos pelo ensino e pela descoberta. Ainda que o mestre não possa interferir nos primeiros princípios, já presentes em função do processo de criação, ele age de modo a formá-los para serem capazes de constituir um juízo. Por fim, parece-nos que o raciocínio é o modus operandi do intelecto humano e depende tanto da potencialidade inerente ao intelecto possível, quanto da aplicabilidade do intelecto agente na abstração das representações imaginárias - phantasmata, matérias-primas do raciocínio -, o que depende, em certa medida, da educação recebida pelo indivíduo.

Enfim, um outro desdobramento desse debate sobre o raciocínio para a educação diz respeito ao modo gradual pelo qual o homem atinge o conhecimento em ato. O raciocínio é um processo que demanda tempo e a superação de certos estágios. Se quisermos aprender a resolver, por exemplo, uma equação matemática, precisamos saber o que são adição, subtração, multiplicação e divisão, bem como outros fundamentos matemáticos que, eventualmente, deverão ser mobilizados na resolução. Nesse sentido, a aprendizagem, de acordo com as reflexões de Tomás de Aquino, deve seguir a natureza própria do intelecto humano, cujo modo de operar é o raciocínio - o que incluiria a aprendizagem do modo cristão de viver.

No próximo Artigo da Questão 79, depois de esclarecer o modo propriamente humano de inteligir, Tomás de Aquino procura discutir se podemos distinguir, no intelecto, duas espécies de razão, uma superior e outra inferior, constituindo-se em duas potências distintas. Na solução, o teólogo inicia seu argumento afirmando que não podemos conceber a razão superior e a razão inferior como duas potências distintas da alma. Ele nega o argumento segundo o qual a razão superior se ocuparia das coisas eternas, enquanto a inferior se restringiria às coisas temporais, ressaltando que “[...] as coisas temporais e eternas estão para o nosso conhecimento como sendo uma delas um meio de conhecer a outra” (TOMÁS DE AQUINO, 2015, ST, I, q. 79, a. 9, rep.). Assim, o conhecimento humano não pode ser fragmentado com base na dualidade eterno-temporal, uma vez que essa dualidade não está relacionada a duas naturezas distintas que existem separadamente, mas, sim, à dupla natureza, eterna e temporal ao mesmo tempo, de toda criatura - objeto cognoscível.

Contudo, podemos verificar, na segunda parte da resposta que Tomás de Aquino dá à Questão, uma diferenciação importante acerca do intelecto que decorre, não de sua natureza, mas de sua atualização:

Pode acontecer que o meio e o termo ao qual se chega por esse meio pertencem a habitus diferentes; por exemplo, os primeiros princípios indemonstráveis pertencem ao habitus do intelecto, mas as conclusões deduzidas desses princípios, ao habitus da ciência. Assim, dos princípios da geometria, podem ser formadas conclusões em outra ciência, como a perspectiva. - Mas é à mesma potência da razão que pertencem o meio e o termo. O ato da razão é, pois, como o movimento que vai de um para o outro; com efeito, é a mesma coisa a que se move percorrendo o meio e alcança o fim. Por consequência, razão superior e razão inferior são uma só e mesma potência. Mas, conforme Agostinho, elas se distinguem pelas funções dos atos e pelos hábitos diversos; atribui-se, com efeito, à razão superior, a sabedoria, e à razão inferior, a ciência. (TOMÁS DE AQUINO, 2015, ST, I, q. 79, a. 9, rep.).

Diante disso, se não podemos distinguir duas espécies de razão do ponto de vista estrutural, podemos, sim, identificar diferentes formas de exercitar o intelecto, uma que pode ser considerada como “razão superior” e outra como “razão inferior”. A primeira, segundo o autor, converge para a sapiência, desse modo, designa um saber mais profundo, permanente; a segunda, diferentemente, tem a ver com um saber transitório, capaz de provocar o intelecto a buscar a sapiência. Entretanto, o caráter transitório da razão inferior, que caracteriza o hábito da ciência, não define um movimento necessário, essencial, que se realiza naturalmente a despeito da vontade. Ao contrário, ir “da razão inferior para a razão superior”, da ciência à sabedoria, é algo que depende da deliberação e do amor10 do sujeito. Nesse sentido, é plenamente possível ter ciência e não ser sábio - já que esses dois estados do intelecto decorrem de diferentes formas de agir diante dos seres.

Aliás, é na resposta à terceira objeção desse mesmo Artigo que podemos encontrar mais esclarecimentos acerca do problema das duas espécies de razão - superior e inferior. Em primeiro lugar, o autor destaca a impossibilidade de existir, na alma, duas potências racionais distintas porque tanto a consideração do necessário, do essencial, do superior, quanto o conhecimento do contingente, do acidental, do inferior, partem das coisas como ser (ente) e verdade - mais uma vez, retomamos, aqui, o conceito tomasiano de criação, sem o qual não podemos compreender a objetividade da realidade criada de ente e de verdade (LAUAND, 2011; TOMÁS DE AQUINO, 2011, a. 1, rep.). Assim, quando nós conseguimos atingir “a verdade das coisas”, isto é, os aspectos essenciais da realidade que reproduzem, ainda que imitativa e imperfeitamente, a coisa pensada no intelecto divino no ato da criação, aí sim alcançamos a sabedoria, a razão superior. Quando conhecemos a realidade de maneira superficial, no sentido de não atingir sua essência necessária, temos então o hábito da ciência -uma inclinação para o conhecimento da verdade cuja realização depende de um ato voluntário.

O perfeito e o imperfeito em ato não diversificam as potências, mas diversificam os atos quanto ao modo de operar e, portanto, os princípios dos atos e os mesmos habitus. Por isso, o Filósofo afirmou duas partes na alma, o princípio de ciência e o princípio de opinião, não porque sejam duas potências, mas porque se distinguem por sua diversa aptidão em adquirirem habitus diversos, o que procura justamente estabelecer nesse lugar. Embora contingente e necessário sejam diferentes pelo gênero, coincidem sob a razão comum de ente, que é objeto do intelecto, e à qual se referem diversamente como perfeito e imperfeito. (TOMÁS DE AQUINO, 2015, ST, I, q. 79, a. 9, sol. 3).

Se partirmos do pressuposto estabelecido por Tomás de Aquino na Suma Teológica, de que é preciso ser sábio para tornar-se mestre universitário, perceberemos que, para ele, esse status de sábio só poderia ser alcançado se o mestre se dedicasse ao conhecimento da verdade, isto é, da essência de cada ser criado que possa ser conhecido. Aliás, verificaremos uma relação entre esse esclarecimento acerca da razão superior e da sabedoria e a concepção de ensino que encontramos no De Magistro: ter o conhecimento em ato para ensinar parece ser, segundo o teólogo dominicano, conhecer não somente no “nível da ciência”, mas também no “nível da sapiência e da prudência”.

Uma vez esclarecido o problema da diferença entre razão superior e razão inferior, no próximo Artigo da Questão 79, cujo título é A inteligência é uma potência distinta do intelecto?, Tomás de Aquino procura esclarecer outra distinção que se fazia entre inteligência e intelecto. Com isso, aprofunda sua análise sobre a operação do intelecto, esclarecendo o que alguns livros traduzidos do árabe e alguns filósofos cristãos chamavam de “inteligência”.

Em primeiro lugar, ele afirma que os referidos livros versados do árabe, principalmente de Avicena e Averróis, denominavam “inteligência” as substâncias que os cristãos conheciam como “anjos”, o que poderia gerar uma interpretação segundo a qual inteligência e intelecto se diferenciavam de acordo com a distinção que existia entre potência e ato, isto é, o intelecto é a potência de inteligir e a inteligência, ato intelectivo. Depois disso, Tomás de Aquino destaca a concepção dos filósofos cristãos, segundo os quais poderíamos contar quatro “intelectos”: o agente, o possível, o habitual e o atual. Desses quatro conceitos, somente dois designam potências distintas, agente e possível, segundo a diferença entre potência ativa e potência passiva existente em todos os seres criados. Os conceitos de habitual e atual, por outro lado, indicam diferentes estados do intelecto potencial; assim, quando é habitual, significa que está em “ato primeiro”, ou seja, em ciência; quando é atual ou consumado, quer dizer que alcançou a “verdade da coisa”, isto é, um saber sapiencial.

Podemos observar que, nesse aspecto, Tomás de Aquino faz um esforço por esclarecer seu próprio conceito de intelecto, procurando afastar possíveis controvérsias causadas pelo cruzamento de outras referências, notadamente a obra de outros pensadores que procuram em Aristóteles o fundamento para compreender a alma humana. Assim, verificamos que o teólogo dominicano rechaça a ideia de que inteligência e intelecto são potências distintas, explicando que diferentes filósofos atribuem termos diversos a um mesmo elemento: o intelecto, que se apresenta de diversas maneiras a depender da relação com seu objeto próprio - o ser (ente). O que consideramos importante nesse Artigo é a manutenção da distância entre ciência e sapiência firmada ainda no Artigo anterior, algo que fica ainda mais evidente na resposta que o autor dá à terceira objeção:

Quanto ao 3°, deve-se dizer que todos os atos que Damasceno enumera procedem de uma só e mesma potência, a potência intelectiva. Ela, primeiro, apreende de modo absoluto algo e esse ato se chama inteligência. Depois ordena o que ela apreendeu para conhecer ou operar alguma outra coisa, e é a intenção. Enquanto persiste na investigação daquilo que intenciona, é a reflexão. Quando examina o que refletiu em função de princípios certos, isso se chama conhecer ou saber; é a phronesis ou sabedoria, porque, diz o livro I da Metafísica que é próprio da sabedoria julgar. Quando possui alguma coisa de certo, porque foi examinada, pensa na maneira de comunicá-la aos outros: e é a disposição da palavra interior, donde procede a linguagem. Assim, não é qualquer diferença dos atos que diversificam as potências, mas aquela somente que não pode ser reduzida ao mesmo princípio, como acima foi dito. (TOMÁS DE AQUINO, 2015, ST, I, q. 79, a. 10, sol. 3).

Desse modo, na resposta dada à terceira objeção do Artigo 10, Tomás de Aquino estabelece, a partir da leitura de Damasceno, certo “itinerário” do intelecto para a sabedoria. Com isso, o autor esclarece que, a depender da autoridade consultada, a inteligência se constitui como uma das etapas de desenvolvimento intelectivo - nesse caso, inteligência passa a ser sinônimo de intelecção, a primeira etapa. Depois da intelecção, a mente passa à intenção e à cogitação para só então chegar à sabedoria, que, aqui, ultrapassa a consideração ontológica do ser. Podemos verificar que o teólogo dominicano utiliza dois termos para definir esse derradeiro passo para o ato de conhecer: phronesis - que estaria relacionado à prudência - e sabedoria. Assim, ao estabelecer, no excerto em questão, sabedoria e prudência como sinônimos, o teólogo dominicano ensina-nos que o processo de aprendizagem se efetiva quando passamos a agir de maneira prudente. A ação prudente seria, com efeito, uma demonstração de sabedoria.

Essa questão aprofunda-se no próximo Artigo da Questão 79, o décimo primeiro, cujo tema central é a relação entre intelecto especulativo e intelecto prático. A pergunta que é feita pelo teólogo é se intelecto especulativo e intelecto prático são potências diversas, ao que responde que:

O intelecto prático e o especulativo não são potências diferentes. Eis a razão, já acima exposta: o que é acidental em relação à razão do objeto a que se refere uma potência não a diversifica. É acidental ao objeto colorido ser um homem, que seja grande ou pequeno; pois que tudo isso é apreendido pela mesma potência de ver. Ora, é acidental a um objeto apreendido pelo intelecto ser ordenado ou não para a ação. E tal é a diferença entre o intelecto especulativo e o intelecto prático. O intelecto especulativo é aquele que não ordena o que apreende para a ação, mas somente para a consideração da verdade. Ao contrário, o intelecto prático ordena para a ação aquilo que apreende. É isso o que diz o Filósofo no livro III da Alma: ‘O intelecto especulativo é diferente do prático por seu fim’. Por isso, um e outro são denominados segundo seu fim, um especulativo, e o outro prático, isto é operativo. (TOMÁS DE AQUINO, 2015, ST, I, q. 79, a. 11, rep.).

Observamos que a distinção entre intelecto especulativo e intelecto prático se dá de acordo com as diferentes maneiras que tem o homem de lidar com o conhecimento. Essas diferentes maneiras de relacionar-se com o saber não separa, de acordo com Tomás de Aquino, o intelecto em duas potências intelectivas diferentes, mas determina que, do ponto de vista da consideração da verdade, isto é, da essência das coisas, o ato do intelecto é eminentemente especulativo. Entretanto, quando se trata da ação humana na natureza e na sociedade, o ato intelectivo assume uma dimensão prática.

A conclusão do Artigo 11 é fundamental porque esclarece alguns elementos importantes do debate acerca do intelecto especulativo e do intelecto prático, cuja unidade substancial determinada pela unidade do intelecto humano encontra na sabedoria sua razão ontológica. Em primeiro lugar, percebemos que a parte especulativa do intelecto é aquela que se ocupa da verdade, ou seja, da essência das coisas. A parte prática, por sua vez, se ocupa do bem, ou da consecução do bem por meio da ação, do movimento. Essa distinção poderia determinar uma ruptura irremediável, não fosse a natureza desejável da verdade e a natureza verdadeira do bem - do contrário, não poderíamos desejar a verdade como um bem apetecível e não poderíamos saber o que é o bem se não fosse inteligível. Como a verdade e o bem estão intimamente relacionados, não haveria motivos para separarmos a potência intelectiva em duas potências distintas, uma responsável pela verdade e a outra responsável pelo bem.

Considerações finais

Acreditamos que a análise feita por Tomás de Aquino nessa Questão 79 da Primeira Parte da Suma Teológica nos ajuda a entender seu debate acerca do intelecto e das complicações inerentes ao seu desenvolvimento. Percebemos que o estudante da Faculdade de Teologia, para o qual a obra foi escrita, precisava transcender a “percepção comum” acerca da potência intelectiva, a fim de conhecê-la com propriedade e profundidade. Disso dependeria a distinção entre o teólogo competente e o teólogo sábio, preocupação que também encontramos em relação a outros personagens que assumiam posições de educadores no contexto da Cristandade ocidental do século XIII - padres, bispos, frades, monges etc.

Além disso, verificamos que o conteúdo da Questão 79 está atrelado a problemas da época do autor. O século XIII representou, para a civilização cristã, um tempo de desenvolvimento econômico, social e cultural, com as cidades, o comércio e as corporações de ofício crescendo face ao meio rural e às relações feudo-vassálicas. Se os senhores feudais e o clero secular a eles ligado continuavam a ditar as regras da sociedade, a nascente burguesia e o clero regular mendicante representavam o futuro já instalado no seio da Cristandade, conquistando cada vez mais espaço. Noções que antes se apresentavam às consciências de maneira muito limitada, como a de “liberdade”, ampliavam-se e circulavam com relativa eficácia no ambiente citadino. Almejar “liberdade” para os habitantes das cidades significava conquistar certos “privilégios”, como o de transitar entre diferentes lugares, praticar o comércio e, no caso dos universitários, poder estudar, ensinar e aprender com segurança.

Discutir o princípio que faz do homem um ser capaz de decidir, por si mesmo, o que deve fazer, argumentado que tal princípio é potencial, que precisa ser atualizado e que está intrinsecamente ligado à memória é, portanto, comprometer-se a explicar os mecanismos de funcionamento do ser humano e da sociedade diante do movimento de transformação então observado. Além disso, fazer isso em um curso universitário que se destinava à formação de educadores significava comprometer-se com os rumos da educação, de modo a nutrir, nos futuros educadores, não somente um saber específico e didático, mas também a capacidade de perceber, como nos ensina Bloch (1965, 2001), os homens no tempo.

1Consideramos importante ressaltar que esses historiadores fazem parte de uma tradição historiográfica desenvolvida por historiadores modernos desde os séculos XVIII e XIX. Comumente, Bloch, Febvre e Braudel são considerados representantes da École des Annales, importante centro de estudos históricos francês fundado em 1929. Entretanto, esses intelectuais reconhecem que a História que praticam está assentada sobre uma tradição que os antecede em, pelo menos, três séculos. Dentre esses teóricos “tradicionais”, que formam essa tradição e servem de alicerce para a História Social dos Annales, destacamos David Hume, Fustel de Coulanges, François Guizot, Augustin Thierry, Karl Marx e Alexis de Tocqueville.

2Acreditamos que as obras tomasianas contém “provocações” essenciais capazes de suscitar reflexões importantes sobre a educação contemporânea. Não pretendemos, com isso, encontrar, nos textos de Tomás de Aquino, soluções definitivas para os nossos problemas, mas acreditamos que as ideias do teólogo dominicano acerca da formação humana, principalmente sobre o intelecto, podem nos ajudar a compreender nossa realidade educacional em uma perspectiva de totalidade. Nesse sentido, concordamos com Tocqueville (1997), que afirmou, em O Antigo Regime e a Revolução, que nenhum movimento da sociedade pode ser entendido no momento que ele acontece, sendo necessário recorrer à História para compreendê-lo melhor - o que reforça, do nosso ponto de vista, a necessidade de um estudo de Longa Duração, fundamento da pesquisa histórica desenvolvido por Fernand Braudel (2014), das questões em tela.

3A teoria do monopsiquismo designa uma perspectiva de análise dos textos de Aristóteles que teve em Averróis um dos grandes defensores. No Ocidente cristão, Siger de Brabante e Boécio de Dácia foram os intelectuais averroístas mais importantes, defendendo a tese do monopsiquismo frente aos teóricos mendicantes. Em resumo, os defensores do monopsiquismo argumentam que os homens partilham de um mesmo intelecto agente, que está separado deles de maneira substancial, ou seja, esse intelecto agente único não faz parte de sua substância. O conhecimento, segundo essa teoria, seria o resultado de uma espécie de “consulta” do intelecto humano a esse intelecto agente, responsável por abstrair das coisas suas espécies inteligíveis. O recurso a esse intelecto agente separado e as dificuldades para se fazer isso é o que os averroístas designariam como “processo de aprendizagem”, de modo que o princípio do conhecimento não estaria no homem, mas fora dele. É contra essas ideias que Tomás de Aquino ensina e escreve sobre o intelecto, na Suma Teológica e em outras obras.

4A edição da Suma Teológica que utilizamos para estudar a Questão 79 foi publicada no Brasil pelas Edições Loyola em 2002 e reeditada em anos seguintes, sob a direção de Pe. Gabriel C. Galache e Pe. Danilo Mondoni e a coordenação geral de Carlos-Josaphat Pinto de Oliveira, OP. Ela está presente no volume II da mencionada edição. Nós utilizamos, também, os estudos introdutórios de outra edição da Suma Teológica, desenvolvida pela Biblioteca de Autores Clássicos, de Madri, e dirigida pelos Regentes de Estudos das Províncias Dominicanas na Espanha. Fizemos essa opção porque acreditamos que os estudos introdutórios desenvolvidos pelos editores espanhóis são mais profundos e abrangentes do que aqueles elaborados na edição brasileira. O texto latino utilizado para as duas traduções, tanto a espanhola como a brasileira, é o da Edição Leonina.

5Para fazer as referências à Suma Teológica, partiremos do modelo apresentado pelos tradutores da edição que nos serviu de fonte, dirigida pelo Pe. Gabriel C. Galache, SJ, e pelo Pe. Fidel García Rodriguez e publicada pela Edições Loyola. Portanto, onde está escrito ST, I, q. 1, prol. deve-se ler ‘Suma Teológica, Primeira Parte, Questão 1, prólogo; onde está escrito ST, I, q. 1, a. 2, rep. deve-se ler “Suma Teológica, primeira parte, questão 1, artigo 2, resposta”; onde está escrito ST, I-II, q. 10, a. 4, sol. 2, deve-se ler “Suma Teológica, primeira seção da segunda parte, questão 10, artigo 4, solução da objeção 2”. Para referenciar a segunda seção da segunda parte, seguiremos este modelo: ST, II-II, q. 6, a. 9, rep. Por fim, para a terceira parte: ST, III, q. 8, a. 7, sol. 5. Entendemos que, por ser uma obra clássica, esse modo de fazer referência é mais conveniente. Além disso, um leitor que não utilize a mesma edição da Suma Teológica que nós utilizamos, poderá encontrar facilmente as passagens na edição que tiver em mãos.

6Para os propósitos deste texto, não analisaremos detalhadamente todos os Artigos da Questão.

7Essa concepção epistemológica do homem como “tábula rasa” foi tomada como princípio explicativo por outros teóricos posteriores a Tomás de Aquino, como o empirista John Locke (2013), do século XVII, e o behaviorista Burrhus Skinner (2006), do século XX. Esses dois pensadores se destacaram em suas respectivas épocas por terem fornecido soluções aos seus contemporâneos que julgavam adequadas para os problemas da educação, Locke, por meio de seu Ensaio sobre o entendimento humano, e Skinner, por meio de seus diversos trabalhos sobre o Behaviorismo.

8Essa é, inclusive, uma das razões pelas quais não podemos categorizar, ligeira e equivocadamente, Tomás de Aquino como um teórico empirista. Aliás, essa espécie de categorização é, do nosso ponto de vista, imprudente e reflete mais nossas ideias sobre o presente do que as ideias que os pensadores antigos efetivamente defendiam. Não pretendemos “adivinhar” o que os medievais pensavam, mas acreditamos que essa necessidade de compartimentar e de identificar-se como “isso” ou “aquilo” é mais da nossa época do que dos medievais.

9Podemos observar que a concepção de aprendizagem de Tomás de Aquino passa pela consideração da atividade do aprendiz, o que nos ajuda a perceber a importância do debate sobre a responsabilidade do aluno no processo de ensino-aprendizagem. Com efeito, os escritos tomasianos demonstram que esse já era, no século XIII, um tópico essencial nas reflexões sobre a educação em torno do qual os teóricos debatiam nas Universidades.

10O amor, segundo Tomás de Aquino, é uma paixão da alma que se constitui como princípio da ação humana: “Logo, é evidente que todo agente, quem quer que seja, age por amor” (TOMÁS DE AQUINO, ST, I-II, q. 28, a. 6, rep.).

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Recebido: 01 de Setembro de 2018; Revisado: 19 de Dezembro de 2018; Aceito: 20 de Dezembro de 2018; Publicado: 29 de Dezembro de 2018

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