SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.14 número3Reconfiguración de las experiencias escolares de jóvenes de sectores populares a partir de las huellas institucionales de escuelas de nivel medioFeminismos y redes sociales: (in)acciones e (im)posibilidades de jóvenes de la periferia urbana índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Práxis Educativa

versión On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.14 no.3 Ponta Grossa set./dic 2019  Epub 16-Oct-2019

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.14n3.020 

Dossiê: Jovens e ativismo em (des)construção: socializações e (in)ações políticas

Ciberativistas da saúde: os jovens amigos múltiplos pela esclerose

Health cyberactivists: the multiple young friends for sclerosis

Ciberactivistas de la salud: los jóvenes amigos múltiples por la esclerosis

Raquel ALS Venera* 
http://orcid.org/0000-0001-7928-0030

Wesley Batista Albuquerque** 
http://orcid.org/0000-0002-5291-0300

Roberta Fernandes Buriti*** 
http://orcid.org/0000-0001-9150-886X

*Professora do Programa de Pós-Graduação em Patrimônio Cultural e Sociedade da Universidade da Região de Joinville (Univille). E-mail: <raquelsenavenera@gmail.com>. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7928-0030

**Mestre em Patrimônio Cultural e Sociedade pela Univille. E-mail: <wesleybatista7d@yahoo.com.br>. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5291-0300

***Professora da Rede Municipal de Educação de São Francisco do Sul. Mestranda em Patrimônio Cultural e Sociedade pela Univille. E-mail: <robertaburity@hotmail.com>. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9150-886X


Resumo:

Este artigo busca compreender o movimento de subjetivação de um grupo de jovens ciberativistas, diagnosticados com Esclerose Múltipla, que investem na mudança do sentido social da doença e da identidade do doente. Suas ações estão na internet, mas atuam também nas instâncias físicas de decisões das políticas públicas de saúde. Em consonância a Tourette-Turgis (2013), reconhecemos, nas narrativas desses jovens, que, diante do diagnóstico da doença, eles buscam e organizam um saber sobre si ou um processo (auto)formativo de aprendizagem com a doença. Com Malini e Antoun (2013), buscamos compreender o ciberespaço como rizoma onde proliferam articulações múltiplas acerca da saúde/doença, assim como de um novo perfil dos movimentos sociais e organizações não governamentais. Essas subjetivações são paráfrases de sistemas de dominações mais ou menos conhecidas, mas, sobretudo, a novas normatividades em processos de amizades como caminho para o cuidado de si (FOUCAULT, 2004).

Palavras-chaves: Narrativas; Subjetividades; Ciberativismos

Abstract:

This article tries to understand the subjectivation movement of a group of young cyberactivists diagnosed with Multiple Sclerosis that are investing in the change of the illness’ social meaning and of the patient’s identity. Their actions are online, but they also act in physical bodies of public health policy decisions. According to Tourette-Turgis (2013), we acknowledge the narrative of these young people, who, before the illness’ diagnosis, search and organize knowledge about themselves or a (self-)developing process of learning with the illness. With Malini and Antoun (2013), we try to understand the cyberspace as a rhizome in which multiple articulations multiply about health/illness as well as a new profile of the social movements and non-governmental organizations. These subjectivations are paraphrases of domination systems moderately known, but, overall, to new regulations in friendship processes as a path to self-care (FOUCAULT, 2004).

Keywords: Narratives; Subjectivities; Cyberactivisms.

Resumen:

Este artículo intenta entender el movimiento de subjetivación de un grupo de jóvenes ciberactivistas diagnosticados con Esclerosis Múltiple que invierten en el cambio del sentido social de la enfermedad y de la identidad del enfermo. Sus acciones están en la internet, pero también actúan en organismos físicos de decisiones de las políticas públicas de salud. De acuerdo con Tourette-Turgis (2013), reconocemos en las narrativas de esos jóvenes, los cuales, delante el diagnóstico de la enfermedad, buscan y organizan conocimiento sobre ellos mismos o un proceso (auto)formativo de aprendizaje con la enfermedad. Con Malini y Antoun (2013), buscamos entender el ciberespacio como un rizoma donde proliferan articulaciones múltiples relacionadas con la salud/enfermedad además de un nuevo perfil de los movimientos sociales y organizaciones no gubernamentales. Esas subjetivaciones son paráfrasis de sistemas de dominaciones más o menos conocidas, pero, sobre todo, a nuevas normativas en procesos de amistades como un camino para el cuidado de sí (Foucault, 2004).

Palabras clave: Narrativas; Subjetividades; Ciberactivismos

Um pouco do início

A doença não é uma variação da dimensão da saúde;

ela é uma nova dimensão da vida.

(CANGUILHEM, 2009, p. 73).

Este artigo busca compreender as ações de um grupo de jovens diagnosticados com Esclerose Múltipla (EM), que inicia uma “nova dimensão da vida”, como diz a epígrafe, uma outra realidade possível para a própria vida, mas a partir de novos sentidos sociais para a doença. As iniciativas de narrarem-se em blogs os levaram a interagir com a doença em um processo (auto)educativo e, ao conectarem-se no ciberespaço, formaram uma comunidade narrativa de amigos. Nesse percurso, desde 2012, encontraram a possibilidade institucional de visibilidade das suas ações na criação da associação “Amigos Múltiplos pela Esclerose” (AME). Em um primeiro momento, tornaram-se amigos virtuais e, em seguida, amigos unidos não só pela experiência comum da doença, mas também e especialmente, pelos ativismos que foram se consolidando.

Vale destacarmos que a EM é uma doença neurológica, autoimune, degenerativa e progressiva, que mais acomete jovens no mundo (MULTIPLE Sclerosis International Federation, 2013). Ainda sem cura e com alto potencial incapacitante, seus sintomas são dos mais diversos e dependem do local da inflamação no sistema nervoso central. As pessoas com EM reclamam de sintomas que vão desde visão dupla ou borrada, formigamentos, dormências, perdas auditivas e de mobilidade ou, ainda, a capacidade de articulações cognitivas entre outras. Além dessas alterações, justificadas pelas inflamações visualmente apresentadas em exames de ressonância magnética, essas pessoas narram casos de fadiga extrema além de impactos na vida psíquica, social e econômica do doente e da família. A EM, como uma nova dimensão da vida de um jovem, traz também mudanças não planejadas para o início no mundo do trabalho e da construção da família (GONÇALVES, 2019, p. 57).

Essa condição, que se instalou em suas vidas sem aviso prévio, provocou-lhes o movimento de escrita de si. Com diferentes intencionalidades, eles se puseram a escrever sobre suas vidas em seus blogs e redes sociais. Escrevem e compartilham sobre as dificuldades com os sintomas e a conquista de medicação de alto custo no Sistema Único de Saúde brasileiro (SUS). Alguns escreviam para testemunhar aos outros novas maneiras de lidar com os sintomas; outros, para organizar suas ideias diante de tantas mudanças; no entanto, todos acabaram por formar uma rede ciberativista pela qualidade de vida com EM. Assim sendo, este artigo extrai informações de cinco entrevistas (auto)biográficas, recolhidas em situação de pesquisa1 e privilegia especialmente os relatos em que esses jovens narram o contexto do diagnóstico em sua biografia e a decisão por escrever nos blogs.

A pesquisa que originou os dados deste artigo nasceu em uma experiência (auto)biográfica que uniu o pesquisador médico e a pesquisadora paciente na coordenação das investigações narrativas. Até o momento, já foram desenvolvidas duas fases de entrevistas. Na primeira, foram acolhidas histórias de vidas de pessoas com EM indicadas pela antiga Associação de Apoio aos familiares e pacientes com Esclerose Múltipla de Joinville e região (ARPEMJ). Foram entrevistadas, então, pessoas com idade entre 40 e 60 anos. Na segunda fase, foram entrevistados sujeitos doentes mais jovens, entre 20 e 30 anos, indicados pela Associação de Amigos Múltiplos pela Esclerose (AME). Nas duas situações, os contatos foram mediados pela pesquisadora e pelo médico neurologista, ambos coordenadores da pesquisa.

Essas entrevistas foram coletadas a partir da metodologia História Oral de Vida, tratadas, transcritas e organizadas com as orientações da Tecnologia Social da Memória sistematizada pelo Museu da Pessoa (MUSEU DA PESSOA, 2009). A História Oral de Vida é um método entre tantos outros no campo da pesquisa (auto)biográfica que toma como premissa as memórias das pessoas como fontes históricas, uma vez que considera todos como sujeitos da História. É, portanto, uma ferramenta de produção de registros de memória, entendida aqui como uma abordagem bastante ampla, uma intepretação da história e das sociedades e culturas em processo de transformação, por intermédio da escuta das pessoas e do registro das histórias de suas vidas (THOMPSON, 2006, p. 20).

Este artigo privilegia as entrevistas dessa segunda fase, especificamente os jovens que se relacionam de forma mais íntima com a AME. Considera, também, informações da apresentação da AME em sua plataforma na internet, o que nos deu pistas de como se conectam com a história de criação e/ou consolidação da Associação. Bruna Rocha Silveira, Jaime Fernando Santos Junior - conhecido no ciberespaço como Jota -, Gustavo San Martin Elexpe Cardoso, Paula Prado Kfouri e Cynthia de Sá Vasconcelos Mortimer Macedo2 formam o grupo de jovens amigos tratados neste artigo.

É válido registrarmos que o que chamamos por jovens tem pouco a ver com a idade dessas pessoas - eles estavam com idades aproximadas entre 14 e 26 anos no momento que receberam o diagnóstico -, e muito mais sobre os sentidos sociais e jogos de linguagem sobre juventudes. Em suas narrativas de si, o impacto da notícia do diagnóstico, em maior ou menor medida, possui relação com esse sentido de juventude que se faz socialmente. De fato, entendemos a juventude como uma categoria, mas que se passa sobretudo pelo campo da linguagem. Não é nossa intenção dar conta dessa questão, mas apenas registrar que frases como “mas você é tão nova com uma doença dessa”, ou “não é justo”, além de dizer sobre a ausência de informações sobre a EM - que é uma doença de jovens e atribuída socialmente a mulheres idosas -, mas, em última análise, fala de um sentido de juventude que atribui ao pouco tempo vivido, um futuro pela frente ou, ainda, uma potência de vida ainda para ser desenvolvida.

Entendemos as coisas no mundo “inventadas” socialmente por meio da atribuição de sentido. Nessa perspectiva, os sentidos de juventudes funcionam no interior desses campos como jogos de linguagem, como sistemas sempre abertos à polissemia, nos quais as práticas discursivas se fazem - discursos e práticas amalgamadas. São pessoas que se colocam em protagonismos em suas vidas, são constituídos e constituem o ciberespaço e possuem uma intimidade com as tendências do seu tempo.

Esses cinco jovens foram escolhidos pelas suas evidências no ciberespaço e são caracterizados como exemplares desse lugar. Por ser de natureza múltipla, o ciberespaço é lugar de proliferação não quantificável; dessa forma, não podemos mensurar o que significa cinco ciberativistas nesse universo. Por esse motivo, entendido a partir do desenho de um rizoma, o ciberespaço funciona como um múltiplo em movimento constante de proliferação. Uma vez que o fluxo no ciberespaço se dá a todo instante compondo, decompondo e recompondo as subjetividades, este artigo o aproximou ao rizoma, conceito desenvolvido por Deleuze e Guattari (1995), que pegam emprestado da Botânica e o aplicam à Filosofia. Para a Botânica, o rizoma trata-se de uma raiz polimorfa que cresce horizontalmente e não tem direção clara e definida. Segundo Deleuze e Guattari (1995, p. 31), “[...] o rizoma é um sistema a-centrado não hierárquico e não significante [...]”.

Seguindo essa escolha, trabalhamos com os princípios básicos de um rizoma que nos indicaram caminhos de análises: (i) a conexão, entendendo que todos os pontos do rizoma se conectam a outros pontos e são capazes de produzir novos pensamentos; (ii) a heterogeneidade, considerando que cada ponto pode ser o início de um novo bulbo, uma potência sem hierarquias; (iii) a multiplicidade, que se caracteriza pelas alianças entre os seus múltiplos pontos; (vi) a ruptura assignificante, por ser múltiplo, o rizoma não se coloca preso em esquemas de significação, mas é uma leitura aberta a várias significações; (v) a cartografia, reconhecendo sua instabilidade, é possível o rizoma ser mapeado e a partir de um mapa que se coloca em múltiplos acessos e conexões; (vi) o decalque, que oferece ao mapa uma complexidade. Enquanto o mapa oferece linhas e tendências, o decalque impõe à cartografia os seus impasses ou bloqueios, mas também as estabilizações temporárias do próprio funcionamento do rizoma (DELEUZE; GUATTARI, 1995).

Essa compreensão permitiu que mergulhássemos no universo do ciberespaço pelo caminho dos blogs e do site da AME e fossemos percebendo as múltiplas conexões que eles estabelecem, nos permitindo traçar cartografias segundo os interesses da pesquisa. Embora este artigo não trate desses desenhos cartografados, é importante destacarmos que eles existiram no decorrer da pesquisa e se conectam com o tema subjetividades e normatividades a que o artigo se debruça. Entre o movimento dinâmico das cartografias do ciberespaço e as nuances dos decalques estão efetivamente as subjetividades em processo.

Por ciberativistas, concordamos com Queiroz (2017) que afirma ser o ativismo exercido por meio das tecnologias digitais de comunicação, e reconhecemos os sinônimos a que vem sendo tratado o termo, como o ativismo midiático, ativismo digital, novo ativismo, novíssimos movimentos sociais, click ativismo entre outros. Trata-se, então, de um ativismo feito em rizomas no ciberespaço, sem um centro articulador das ações, nem uma liderança definida, mas antes um conjunto de ações, sujeitos, rede, conteúdo sem uma hierarquia prévia que se prolifera em novos ações, sujeitos, rede e conteúdo sem previsibilidade de resultados.

Se os dados utilizados neste artigo foram coletados em uma situação específica de pesquisa, como já apresentado, as análises aqui empreendidas possuem relações com três pesquisas3 desenvolvidas no Grupo de Pesquisa Subjetividades e (auto)biografias. Essas pesquisas escolheram caminhos epistemológicos interdisciplinares e dialogam especialmente com a Filosofia. No tocante a questões de saúde, a partir de Canguilhem (2009), consideram a capacidade humana de biologicamente assentar normas e, ao mesmo tempo, adaptar suas próprias normatividades. Dialogam também com os trabalhos que se desdobraram dele, como Le Blanc (2008) e o orientando Michel Foucault. Possui também escolhas teóricas no campo da Pesquisa (auto)biográfica no Brasil, influenciada em grande medida por um referencial teórico francês4, de modo a destacar os processos de aprendizagens da vida com a doença, ou uma autoaprendizagem como expressão própria da normatividade.

É importante destacar o princípio francês de démocratie sanitaire5, ou seja, um sistema de saúde que valoriza os saberes e os conhecimentos dos doentes, incluindo-os nas ações dos tratamentos. Isso facilita em grande medida o desenvolvimento de pesquisas dessa natureza. Durante as atividades de investigação de Camila Aloisio Alves (2018), na Université des patients, ela registrou a existência de cursos de formação para doentes crônicos interessados em participar no sistema de saúde promovido por algumas instituições. São os patients experts que, de acordo com a observação de Alves (2018, p. 49), trata-se da pessoa “[...] com uma doença crônica que se engaja em uma formação de educação terapêutica de pacientes para trabalhar suas experiências pessoais ligadas à doença a fim de ajudar outros doentes a melhor gerir suas vidas e os desafios impostos pela doença crônica”. Nessa direção, este artigo considera o fato de que o SUS não garante esse tipo de entendimento sobre as políticas de saúde de doentes crônicos e não prevê a inclusão deles nos processos de cuidado. Os jovens, considerados no estudo, são ativistas que criam situações de participação nos processos de cuidados dos doentes.

No entanto, é importante também destacarmos que o SUS é um dos poucos sistemas de saúde que garante aos doentes a medicação de alto custo para o tratamento da EM. As histórias de vidas que ouvimos desses jovens revelam que a maioria são filhos de famílias que não dependiam do SUS como único meio para se tratar antes do diagnóstico. Alguns foram assistidos pelo SUS em situações esporádicas no percurso da vida, como no caso de divórcio dos pais; outros jamais dependeram somente da saúde pública. No entanto, o diagnóstico da doença colocou-os frente a uma outra situação. As medicações de alto custo comprometem a vida financeira mesmo das famílias mais endinheiradas e são a única saída para se manterem sem sequelas e com o mínimo de eventos inflamatórios.

Essa condição tornou-se uma das pautas mais defendidas pelos seus ativismos. O SUS garante a medicação, fundamentado pelo direito à saúde regido na Constituição Federativa do Brasil; no entanto, os processos políticos de gestão da saúde dos entes federados e os procedimentos de licitação e compra da medicação nem sempre funcionam na mesma velocidade da urgência dos sujeitos doentes. Seus ativismos recorrem a estratégias jurídicas para a conquista da medicação, assim como táticas políticas como participação de audiências públicas nos espaços legislativos. As pautas que eles defendem também se estendem para a defesa do próprio SUS, uma vez que este se encontra ameaçado em diferentes práticas políticas nos últimos anos.

Além dessas pautas mais sistemáticas, tanto os blogs quando a AME revelam uma defesa às causas da inclusão de uma forma geral. Todos esses jovens ciberativistas, em maior ou menor medida, discutem causas como acesso irrestrito de pessoas com deficiência a todos os espaços sociais. Destacam, também, as questões de gênero e de deficiência, entre outros. São subjetividades que não são apenas acionadas pelo diagnóstico da EM, mas, em suas narrativas de vida, mostraram outras variáveis que os subjetivaram. As questões de gênero são uma delas; entretanto, não cabe neste artigo o desenvolvimento desse assunto, mas apenas como sinalização de que suas subjetividades são múltiplas e se proliferam em ativismos também a partir da EM.

O problema central deste artigo é a compreensão do movimento de subjetivação desse grupo de jovens ciberativistas e como eles vão se construindo a partir dessa nova dimensão da vida. Levado ao extremo, seria uma outra vida possível? Por subjetivação estamos concordando com a ambivalência pela qual Michael Foucault formula o conceito permeado em grande parte da sua obra, ou seja, significa tanto os processos de sujeição ao poder que dá forma ao sujeito, o que Canglilhem (2009) chamou de “norma”, quanto o processo que o singulariza de si para si e se faz ver um sujeito de poder, o que Canglilhem (2009) apontou nos trabalhos com a saúde como “normatividade”.

Em busca de compreender como esses jovens se refazem nessa ambivalência, entre refazer-se a partir da norma médica e dos limites impostos pelos sintomas, mas também pelos discursos sobre os sintomas, e, ao mesmo tempo, proliferar outros sentidos sobre a EM e a vida com EM, este artigo traz, em um primeiro momento, uma síntese das narrativas sobre as experiências que os fizeram criar os blogs e sobre a decisão do que escrever, ou, ainda, a ideia de criação da AME. Cada um individualmente, recebeu o diagnóstico que funcionou como ruptura em suas biografias. Com sua experiência com a doença, apostaram que a articulação narrativa sobre si mesmo e a doença, mas, ao mesmo tempo, com outros sujeitos, doentes e não doentes, seria um caminho para a o reconhecimento da nova vida. Conformam a expressão utilizada por Delory-Momberger e Tourette-Turgis (2014, p. 1): “[...] on n’y peut rien, il faut bien vivre avec6, quando dizem que a doença pode significar uma experiência decisiva do sentimento de continuidade da vida. Todos os entrevistados dizem, em algum momento e de diferentes formas, que a EM não tem cura e aceitam esse fato e, em alguma medida, continuam a vida com ela e não contra ela - “Vivre avec la maladie7, dizem Delory-Momberger e Tourette-Turgis (2014, p. 1).

As leituras atentas dessas narrativas estiveram em consonância ao que sugere Tourette-Turgis (2013) quando relata o caso da Université des patients, na França, visto que essas subjetividades foram sendo construídas em uma relação de aprendizagem com a doença. A autora destaca a experiência narrativa de doentes com AIDS, nos anos de 1990, na França, como a emergência de um ativismo terapêutico, e defende os processos (auto)educativos, de aprendizagem com a doença e/ou ativistas para se reconhecerem doentes e conquistarem o reconhecimento social dessa nova existência.

A ruptura biográfica que acontece na vida da pessoa que recebe um diagnóstico de uma doença crônica foi estudada por outro caminho pelo campo da Sociologia Médica, por Bury (1984), com o conceito “disrupção biográfica”. O campo da Sociologia vem trabalhando a questão considerando o estado de consciência temporal do corpo e a experiência diante de uma crise ocasionada pelo diagnóstico de uma doença crônica. O diagnóstico força o sujeito a reconhecer o novo mundo que lhe impõe o adoecimento, confrontando o sujeito e os familiares e alterando regras e hábitos. No campo da Filosofia em diálogo com a Medicina, especialmente em Canguilhem (2009), as reflexões são semelhantes; no entanto, entendemos que esse caminho nos favorece para refletir os gestos de normatividade que cada sujeito desenvolve a partir da norma que lhe é apresentada no diagnóstico e nos estimula nos diálogos com os estudos das subjetividades. Concordamos com o autor quando este argumenta a favor de um conceito de norma conformado a partir de uma “margem de tolerância” que pressupõe um dinamismo entre as relações biológicas e sociais. Conforme o autor:

No sentido biológico, que é preciso começar a dar em seus termos mais gerais, a presença da norma implica a possibilidade de introduzir uma margem de tolerância; trata-se de um conceito essencialmente dinâmico, que não descreve formas paralisadas, mas as condições para a invenção de novas formas. O conceito de norma contém, pois, a questão: como descrever um movimento, no sentido da adaptação a condições novas, de resposta organizada a condições imprevistas? O trabalho do conceito coincide com a recusa de se fundamentar a representação desse movimento na ideia metafisica de poder, ou na vida como invenção pura, como plasticidade essencial. Pelo contrário, o conceito ajuda a recolocar a questão em seu contexto real, a incluí-la em uma outra questão, a das relações entre o ser vivo e o meio ambiente. (CANGUILHEM, 2009, p. 152).

As pessoas podem modificar e normalizar as suas vidas acomodando os sintomas de uma condição de cronicidade. No caso das pessoas mais jovens, a consciência temporal e biográfica é diferente dos adultos que já estão experimentando as conquistas. Nos relatos dos adultos, a chegada de um diagnóstico é carregada de frustração justificada na memória de um empenho, de um esforço passado na juventude para colocar em marcha um projeto de vida, e o presente é, em parte, a realização desse projeto de vida que não poderá seguir adiante. No caso dos jovens, a frustação não tem uma memória de grande retrospectiva no tempo passado, mas nas expectativas de futuros e de projeções ou sonhos que, na maioria dos casos, ainda não se tornaram realidades ou são realidades muito iniciais. Não significa que, no caso dos jovens, não exista uma “disrupção biográfica”, utilizando um termo da Sociologia Médica, mas apenas que essas digressões não são iguais. A realidade é que, no caso dos jovens, eles vão criando normatividades e vivendo a norma a sua maneira, ao mesmo tempo que desenvolvem um projeto de si. Assim, o tempo passado da ruptura é menor, e o tempo das expectativas reconfiguradas são o presente, aqui e agora. Em algumas dessas histórias de vida trabalhadas neste artigo, o diagnóstico chegou junto à vida universitária. A readaptação das expectativas de futuro, as normatividades possíveis deram-se antes que houvesse uma trajetória profissional ou uma família construída e consolidada.

A partir do trabalho de Canguilhem (2009), outros autores construíram reflexões acerca das subjetividades que se formam depois do diagnóstico e dos sintomas com a doença. Le Blanc (2008, p. 53), estudioso de Canguilhem, explica o conceito normatividade para além do fenômeno biológico. “L’activité biologique du vivant est désignée par l’individualisation des valeurs qu’elle actualise. La normativité sous-entend ainsi la création de normes par lesquelles le vivant se maintient et s’individualise8. Assim, cada sujeito que recebe uma norma de vida, a partir do diagnóstico de uma doença, vive a norma a sua maneira, readequando a sua biografia, criando seus parâmetros de normalidade. “La normativité fonde le normal. Le normes trouvent leur normalité dans leur normativité. La normativité organique, capacité de changer de normes de vie, fixe la normalité de l'organismo9 (LE BLANC, 2008, p. 57). No caso dos jovens, todos eles relataram de alguma maneira a forma rápida com que entenderam, após o diagnóstico, que o normal de suas vidas seria aquele possível de ser reconfigurado em seu cotidiano.

Uma dessas normatividades possíveis foi o gesto de se juntarem em grupos de semelhantes e, como já mencionado, essa prática não é fomentada pelo SUS. É o que trata o segundo momento deste artigo. A AME potencializa os ativismos desses cinco jovens e como esse espaço tem possibilitado mudanças de sentidos sobre a EM e a identidade dos doentes. Mostramos como no ciberespaço proliferam articulações múltiplas acerca da saúde/doença assim como de um novo perfil dos movimentos sociais e organizações não governamentais. Por esse caminho, compreendemos que o ciberespaço pode ser um lugar de subjetivação, onde entrecruzam técnicas de dominação e, ao mesmo tempo, técnicas de si, como sugere Henrique Antoun (2015). Observamos uma nova subjetivação para os sujeitos doentes que tem a ver com a comunicação na web.

Finalmente, apontamos a compreensão que chegamos dos ativismos desses jovens blogueiros. Sobretudo, destacamos as reflexões do autor Michel Foucault (2004), que sugere a amizade como uma ação de cuidado de si. Verificamos que os processos de aprendizagem com a doença oferecem um pouco da dimensão existencial dos doentes, mas também da dimensão política e de direitos das pessoas que vivem com a doença. Percebemos que o ciberativismo os orientam e os empurram para escolhas arquitetadas nas tramas sociais normativas dos discursos médicos e farmacêuticos, ao mesmo tempo que potencializa a criação de redes de afetos e sentidos de amizade.

Apostas nas práticas narrativas

Apostamos nas narrativas como expressão da existência da doença na vida social. Não significa dizer que sem a narrativa não haveria um corpo com sintomas, antes significa que não seriamos comunicados da existência da doença e, portanto, não teríamos a dimensão dessa realidade a menos que individualmente experimentássemos esse real. Concordamos com Silveira (2019, p. 35) quando ela diz que “[...] isso não quer dizer que as dores, os sintomas, os dados biológicos não existam. Mas, socialmente, a doença só existe quando é narrada”. As narrativas de vidas com uma doença crônica são então reveladoras das histórias das doenças porque fazem existir as vidas possíveis com uma doença crônica. Essa condição de vida com uma doença crônica é trabalhada também por Silveira (2019) quando ela ressalta que a medicina define a doença crônica como aquelas doenças que não se resolvem em um curto espaço de tempo. Além das doenças incuráveis, a autora destaca também aquelas infectocontagiosas, com potencial de cura, como o câncer ou, ainda, os vícios como tabagismo e alcoolismo. A esse tipo de vida que demanda cuidados, ela denomina “condição crônica de doença”. Nas palavras da pesquisadora, viver em condição crônica de doença significa que

[...] além de ter um diagnóstico que acompanhará a pessoa pela vida, existem diversos aspectos sobre essa experiência que, mesmo provindo de uma enfermidade assintomática, estarão presentes no seu dia a dia. A ingestão de medicamentos, as consultas regulares aos médicos, as reabilitações, as mudanças alimentares, de rotina e de trabalho fazem com que, ainda que a pessoa não se sinta doente, ela esteja numa condição de doença, pois esses cuidados passam a ser essenciais para a sua sobrevivência. (SILVEIRA, 2019, p. 35).

As narrativas dos jovens ouvidos neste artigo são expressões dessa condição crônica de doença. Expressam a forma como eles organizam suas memórias em retrospectiva e reflexividade, mas também nos dão pistas do processo de aprendizagem a partir da doença, a linguagem que se apropriam, as leituras que se dedicam, os temas que se interessam. Elas podem ser verificadas na síntese que apresentamos a seguir.

Bruna ainda era uma adolescente quando foi diagnosticada com EM. Filha caçula de um casal de fisioterapeutas, a família morava em Passo Fundo, Rio Grande do Sul, e foi atendida por um médico amigo da família. Ela se recorda que o médico escreveu o nome da doença em um papel e entregou a sua mãe. Nesse gesto, ela entendeu que se tratava de algo muito sério. A primeira atitude foi pesquisar sobre a doença na internet e o que ela poderia prever em sua vida. Decidiu que não iria perder tempo indo para a escola, já que não teria mais dez anos de vida. Ela tinha 14 anos e até 24 poderia fazer outras coisas mais interessantes do que ir à escola. Hoje, ela tem oito anos há mais do que aquela previsão apontava e recém terminou um Pós-Doutorado. A vida com a doença deu a Bruna uma paraplegia temporária e muitas experiências socialmente impensadas para uma jovem. Ela narra o empenho de sua mãe, que foi sua principal cuidadora, e os valores e os princípios que ela foi construindo no seio da família.

Irmã caçula de uma criança com deficiência cognitiva grave, ela presenciou a exclusão escolar e bullying dos mais diversos com a irmã que ela defendia. A questão da deficiência sempre foi um tema que a capturou e nas microrrelações ela já se mostrava ativista, engajada e com um sonho de mudar algo no mundo. Foi na escrita que, anos mais tarde, encontrou um caminho para canalizar tantas questões que a EM tinha evidenciado. Ela se explica: “eu digo que escrever foi uma coisa que me curou [...]. Não me curou da doença obviamente porque a doença não tem cura, mas me curou de, sei lá, de uma piração assim, de eu ter uma tranquilidade assim, então eu quero continuar escrevendo” (SILVEIRA; BURITI; VENERA, 2018).

O propósito para a escrita foi evitar que outras pessoas diante de um diagnóstico encontrassem em um site de busca somente a informação de que iria morrer em dez anos. Ela diz:

[...] talvez elas [as novas pessoas diagnosticadas] procurem na internet, e talvez elas encontrem a mesma informação que eu encontrava, que elas vão morrer em dez anos e eu não quero que as pessoas encontrem isso. Eu não quero que uma menina de quatorze anos de novo, tenha o diagnóstico, entre na internet e ache que vai morrer em dez anos. Eu não quero que uma pessoa que já tenha vinte e poucos, trinta anos, que está com uma vida já feita, entre aspas, entre na internet e ache que a vida dela acabou, sabe? Eu quero que as pessoas saibam que existe vida com Esclerose Múltipla, sabe? Existe vida após o diagnóstico, não é? (SILVEIRA; BURITI; VENERA, 2018, n.p.).

Foi escrevendo de forma muito positiva, trazendo experiências de adaptações, de luta por acessibilidade na universidade, de preconceitos com as deficiências, que ela se tornou conhecida entre os doentes e os familiares de doentes com EM. Assim como ela, a atitude de ir em um site de busca pesquisar sobre o diagnóstico se fazia cada vez mais comum desde a década de 1990. Em meio a tantas informações deprimentes sobre a doença, as narrativas em um blog de uma jovem que escrevia compulsivamente todos os dias, como um diário aberto, competiam com os velhos sentidos acerca da doença. Seu testemunho de vida, com as fisioterapias diárias aplicadas pelos pais, com a medicação que recém tinha chegado no Brasil, dizia sobre sua recuperação. Seus movimentos voltavam paulatinamente, primeiro com a cadeira de rodas e depois com a muleta e, posteriormente, sem nenhum apoio. Quase como uma autoajuda, a leitura do blog “Esclerose Múltipla e eu” se tornou leitura recorrente entre as pessoas doentes e o primeiro link apontado nos sistemas de buscas pela internet durante alguns anos.

Ela chegou a colecionar o índice de 500 acessos por dia, o que lhe rendia os recorrentes contatos com seus leitores. Ela interage respondendo no próprio post ou por e-mails e, assim, foi conhecendo amigos virtuais, inspirando outros blogueiros e criando redes de informação. Foi assim que Cynthia encontrou Bruna. Morando em Balneário Camboriú, Santa Catarina, ela recebeu seu diagnóstico no início da sua vida profissional. Ela narra aquele momento dizendo: “[...] porque eu estava na minha, estava no meu auge de trabalho, eu tinha vinte e seis anos e ali é quando tudo acontece, não é? Você está buscando, está indo atrás e eu achei que eu ia virar um peso de papel que dali eu não ia, eu ia...” (MACEDO; ALBUQUERQUE; VENERA, 2017, n.p.).

Caçula de duas irmãs, sua família morava em Pernambuco, Recife, quando ela nasceu. Posteriormente, moraram em Belo Horizonte devido ao trabalho do pai que logo deixou a carreira e montou seu próprio negócio. A família possuía boas condições econômicas até o negócio falir e o casal se separar. Foi quando a mãe se mudou para a casa que a família mantinha na praia em Balneário Camboriú. Ela narra os momentos de dificuldade que passaram e a atitude das irmãs, que buscaram cedo o mercado de trabalho e decidiram que ela iria estudar. Investiram nos estudos da caçula no Curso de Direito e, em nome dessas três mulheres, por elas, Cynthia deveria terminar os estudos, conquistar uma carreira e oferecer melhores condições à família. Foi iniciando a carreira que a notícia do diagnóstico chegou. “[...] quando eu me vi na cama sem conseguir mexer direito meus braços, meu braço e minha perna eu falei: acabou, tudo que eu fiz até agora acabou, para que tudo que eu fiz, sabe?” (MACEDO; ALBUQUERQUE; VENERA, 2017, n.p.).

Na ocasião, parte da família morava nos Estados Unidos e, rapidamente, todos se juntaram no hospital e ela desenvolveu um surto psicótico, “[...] saí do hospital sem saber quem eu era, sem saber o que estava acontecendo comigo, olhava para minha mãe e perguntava quem ela era, eu estava em estado de euforia, eu não conseguia dormir, quando eu dormia o que eu sonhava eu achava que era realidade” (MACEDO; ALBUQUERQUE; VENERA, 2017, n.p). Em seguida, caiu em uma depressão profunda e uma dificuldade com a medicação injetável. Entre um lapso e outro de realidade, ela já pensava em escrever um blog. Em um primeiro momento para organizar suas ideias e emoções, como ela diz “[...] sem pretensão nenhuma, para realmente me ajudar [...] naquele momento era para me ajudar, para eu pôr para fora” (MACEDO; ALBUQUERQUE; VENERA, 2017, n.p.). Foi no encontro com o blog da Bruna que ela percebeu que se informar sobre a doença lhe acalmava assim como escrever sobre a nova dimensão da sua vida.

[...] essa leitura me acalmava muita e aí pôr para fora começou a me acalmar também, e aí eu encontrei o blog da Bruna. Já pensando em blogs, não tanto buscando informação, encontrei o blog da Bruna Rocha, entrei em contato com ela, ela muito solícita me respondeu, a gente conversou, nos tornamos amigas e eu falei para ela: Bruna eu estou pensando em fazer um blog o quê que você acha? - isso foi muito rápido, isso era março. (MACEDO; ALBUQUERQUE; VENERA, 2017, n.p.).

Foi assim que nasceu o blog “Esclerose Múltipla para leigos”. O pai e uma irmã moravam nos Estados Unidos e logo decidiram que ela iria ouvir uma outra versão sobre o prognóstico. O médico estadunidense ofereceu-lhe a medicação Tecfidera, naquele momento não disponível no Brasil pelo SUS. Com mais qualidade de vida com o novo remédio, ela deixou o antigo trabalho e montou um escritório de advocacia em sociedade, mas iniciou um longo processo judicial para receber a medicação. Seu blog passou a ser o local de leituras atualizadas sobre os processos judiciais relativos à medicação de alto custo. Ela não só conquistou o direito ao Tecfidera, sendo a primeira pessoa a utilizá-lo no Brasil, como se tornou uma ativista referencial pela inclusão do medicamento no Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas (PCDT), popularmente conhecido como “protocolo do SUS”.

Despois dessas experiências, ela percebeu o poder do seu blog para ajudar pessoas e, ao mesmo tempo, como essa ajuda lhe causava um bem-estar. Ela reelabora a função do blog também publicado em inglês e diz: “[...] eu fui diagnosticada, mas eu vou ajudar as pessoas, eu não vou guardar isso para mim, eu vou fazer alguma coisa com isso. Isso vai mudar a minha vida de alguma forma, mas que seja para o bem” (MACEDO; ALBUQUERQUE; VENERA, 2017, n.p.).

A intenção de acolher recém diagnosticados parece ser recorrente entre esses ciberativistas. Essa também foi a narrativa de Gustavo. Filho mais velho de um casal que tem na sua história de origem uma relação tensa de classe social. A mãe dele, filha de imigrantes espanhóis, que tem em sua biografia a façanha de sucesso de fazer riquezas na América, e o pai dele, um vendedor de carros entendido como um potencial golpista pelos pais da noiva. Casaram-se depois dela renunciar toda a herança. Gustavo cresceu admirando o poder de compra e ostentação do tio, único herdeiro da riqueza da família, e questionando a disciplina financeira do pai que, aos poucos, foi construindo também melhores condições financeiras. Educado nas melhores escolas de São Paulo, entre jovens da classe mais alta da cidade, aprendeu que aquele mundo era um lugar confortável para o tio, único herdeiro da família materna, mas de muito esforço para o pai. Havia algo que o incomodava diante da desigualdade social e, aos poucos, os valores do pai e da mãe foram ganhando espaços de admiração em sua vida. Ele seria o sucessor nato da administração dos negócios automobilísticos da família, porém, antes disso, ele escolheu construir outras experiências de gestão. Tudo estava funcionando bem quando ele sentiu os primeiros sintomas da doença.

No impacto do diagnóstico, ele também procurou informações em sites e as expectativas sobre seu futuro não eram promissoras. Lembrou da mãe de uma antiga namorada que era diagnosticada com a EM e precisava de cuidadores para suas demandas pessoais de rotina. Gustavo deixou o trabalho, vendeu o carro e se retirou em uma “licença sabática”, trabalhando como monitor em um Camping. Ali, recluso, ele teve tempo para pensar em suas prioridades. Enquanto isso, configurou-se uma tensão na família que se deu conta de que não havia preparado uma das filhas para assumir os negócios. Ele, o único filho, que cresceu entre os conflitos de classe, agora questionava também os conflitos de gênero. Foi nesse momento de reflexão da vida que Gustavo decidiu fazer algo com a doença e não contra a doença.

Buscou memórias de ações sociais que o fizeram sentir bem e, diante das dificuldades para conseguir as medicações e a falta de informações sobre o que de fato é a EM, ele percebeu que os sentidos próximos à morbidade que permeavam a doença poderiam ser mudados. Gustavo apostou que, se as pessoas não doentes tivessem informações adequadas sobre a doença e as necessidades das pessoas doentes, as vidas entorno da EM teriam mais qualidade de vida. Envolvido em uma empatia pelos doentes e seus familiares, ele criou um perfil no Facebook onde mobilizava ações para conquistar remédios, ouvia o sofrimento das pessoas, acolhia com boas notícias de pesquisas. Os motivos eram muito semelhantes àqueles mobilizados por Bruna e Cynthia. Ele diz:

E o objetivo principal era mostrar que a vida não tinha acabado ali, que tinha toda uma vida pela frente. Então a gente tinha que ser leve, a gente tinha que ser jovem, a gente tinha que ser o perfil do paciente de Esclerose Múltipla. A gente não podia ser o “você já está na cadeira de rodas?” então eu comecei um trabalho muito... “Gustavo”. Montei uma página no Facebook e comecei a falar com amigos, então eu tinha um amigo que trabalhava com aromaterapia, falava assim: Você quer produzir um conteúdo, assim ó, tá aqui um manualzinho do que as pessoas têm. (CARDOSO; ALBUQUERQUE; VENERA, 2018, n.p.).

Ele começou a imprimir um novo perfil do doente a partir de onde ele se identificava. Um “trabalho muito... Gustavo”, ou seja, do seu jeito. Afinal era paciente e não se via na abordagem de associações que funcionavam como um decreto quando lhe perguntaram “você já está na cadeira de rodas?”. Ele foi se aproximando de amigos e convidando para fazer parte do projeto enquanto dava diretrizes sobre os sentidos que deveria ter essa comunicação, “tá aqui um manualzinho do que as pessoas têm”.

Dessa ação, veio-lhe a certeza de que “eu tenho que fazer alguma coisa com a esclerose múltipla. Eu vou montar uma associação, é isso que eu preciso fazer”. Dessa convicção, ele chamou os amigos virtuais que até aquele momento já circulavam em sua vida. Bruna foi uma grande amiga, inspiradora e cofundadora da AME. Cynthia e tantos outros vieram depois. Gustavo narra: “eu fui chamando amigos, fui chamando amigos”. Fez um ajuntamento das habilidades que faziam parte da sua formação, os contatos de amigos, o desejo empático de ajudar ao próximo e as profundas reflexões de autoconhecimento que havia realizado em sua licença sabática.

Não está certo a gente receber um diagnóstico e a minha mãe perguntar se eu vou morrer, porque o que ela achou na internet era só besteira, a minha ex-sogra não conseguir remédio porque ninguém briga para que o remédio esteja lá, e que eu não possa mais viajar porque o Gelox não é mais permitido. Não está mais certo isso, eu quero fazer diferente, eu quero que as pessoas nesse lugar que eu quero montar enxerguem que tem toda uma vida depois do diagnóstico, coisa que eu não enxerguei quando eu procurei o que era na maior associação. (CARDOSO; ALBUQUERQUE; VENERA, 2018, n.p.).

A AME significou um ponto de conexão importante entre esses jovens. Um lugar físico na cidade de Guarulhos, São Paulo (SP), uma associação cujas ações principais acontecem no ciberespaço e só foi possível porque os multiplicadores nesse rizoma proliferaram suas ideias e somaram forças. Com o CNPJ de uma Organização sem Fins Lucrativos, a rede viabilizou um trabalho institucional mais sólido, incluindo representações em audiências públicas e/ou assentos no Conselho Nacional de Saúde (CNS), do SUS. Desenvolve encontros dos blogueiros com formação para melhoria dos processos de comunicação, dos conteúdos atualizados e de formas eficazes de acolhimento dos recém diagnosticados e seus familiares10.

Bruna também narra sobre o que fez essa Associação se consolidar:

A AME em pouco tempo a gente tornou a AME uma coisa muito grande, porque aí juntou, vontade… ãhã, um projeto muito bom e pessoas muito competentes. Assim, a gente não tem nenhuma… nenhuma falsa modéstia em dizer que é assim, sabe? Tinha o conhecimento… teórico de administração do Gustavo pra montar uma associação muito bem feita, pra captar recurso muito bem captado, tinha eu com a questão da comunicação muito bem pensada, então a gente, assim… fez, fez uma coisa pra, pra ser… bom mesmo. Ser profissional e bem feito. Então a AME já estava, já estava bem, já tinha virado uma referência, então não era mais só a Bruna do blog, era a Bruna da AME, não é? (SILVEIRA; BURITI; VENERA, 2018, n.p.).

Entre tantas proliferações que esses jovens fizeram acontecer no ciberespaço, o encontro desses amigos com o Jota foi especial e contemporâneo ao 1° Encontro de Blogueiros pela Esclerose Múltipla, que aconteceu em SP. Nascido na cidade de Suzano, SP, Jota era filho único de um casal que ainda em sua infância se separaram. Criado pela mãe e com algumas visitas do pai, Jota se narra uma criança tranquila. Brincava com bonecos, videogames e levava uma vida como tantos garotos da sua idade. Muito interessado em uma guitarra, fez bacharelado em Música, possuía uma banda e com os amigos fazia ensaios e possuía uma vida que ele diz “[...] estava programada, parecia que bastava seguir os passos que ela se concretiza, casar, iria ter filhos, e estava certo que iria casar, namorar, ter filhos e a profissão, a minha profissão seria fazer o curso, uma faculdade, daí tudo certinho, encaixadinho” (SANTOS-JÚNIOR; BURITI; VENERA, 2018, n.p.).

Foi quando a namorada o deixou e ele viveu a primeira ruptura dessa linearidade mais ou menos segura. Foi nessa ruptura que ele fez, pela primeira vez, um novo caminho: aluno também do curso História, era envolvido no movimento estudantil. Nas palavras dele, foi um período que ele começou sentir seu corpo diferente:

[...] a partir dali meio que mudou, fui para São Paulo, e aí quando começou. Quando eu comecei na faculdade de história, eu chegava tinha dias que eu ia para três cidades. Eu fazia a faculdade de música em São Paulo, morava em São Paulo e ia para faculdade de música e voltava pra Suzano para dar aula, e aí a noite eu ia de Suzano para Guarulhos para ter aula de história. Aí voltava para São Paulo para dormir, então, é foi bem tenso. Até eu brinco, acho que foi nessa época que eu tive esclerose (risada). (SANTOS-JÚNIOR; BURITI; VENERA, 2018, n.p.).

Durante sua narrativa, ele pontua alguns momentos entre amigos da mesma idade em que ele percebia que seu corpo não estava bem, pois caía facilmente e não tinha a mesma resistência física que percebia nos outros garotos e sugeria que alguma coisa talvez estivesse errada. Ele terminou os cursos de Graduação, entrou em um Mestrado em História e, quando os sintomas ficaram mais sérios, ele foi ao médico. Contudo, agiu como todos os outros, recorreu ao Google e achou o blog da Bruna. Ele diz que assim que trocaram os primeiros e-mails ele decidiu criar um blog para contar sobre sua vivência com a EM.

Da articulação com Bruna nasceu um namoro, uma mudança para Porto Alegre, um casamento e o filho Francisco, com um pouco mais de um ano na época da entrevista, além de parcerias de escrita e de ações junto à AME. Jota tem o tipo de EM mais agressivo, o tipo Primária Progressiva. Diferente da EM dos demais amigos, que é do tipo Remitente Recorrente - aparece em surtos ocasionais e pode passar tempos indeterminados sem se manifestar, além de ter opções de medicamentos disponíveis -, o tipo da EM do Jota é progressivo e sem um tempo de trégua e medicação eficaz. Desde o encontro com Bruna, a evolução da doença tem sido rápida, ele passou do passo inseguro para o uso da muleta e para a cadeira de rodas rapidamente. Da dificuldade motora de uma mão ao movimento padrão dos dedos e à impossibilidade de movimentar um braço. Sua linguagem está comprometida, porém a cognição seguia inalterada no momento da entrevista. Jota escreve para existir. “E a Bruna me chamou, a gente nem era namorado ainda, ela me chamou para escrever na AME, e fui [...]. Eu não escrevo para alguém ler, eu escrevo porque eu preciso, eu tenho uma necessidade de colocar para fora [...] mas eu escrevo para mim” (SANTOS-JÚNIOR, BURITI; VENERA, 2018, n.p.).

Doutorando em História, ele pesquisa o tema “revolução” e compreende que o tema tem relações (auto)biográficas. Faz dos seus textos a compreensão de seu mundo e de si mesmo no tempo. Aciona os conhecimentos da História para pensar e refletir suas ações ativistas. Faz da própria existência e presença no mundo um ato político. Ele explica:

[...] estudar o conceito de revolução acho que isso foi muito interessante e... e trouxe um ativismo para a pesquisa e junto com a Bruna a gente acabou se ligando muito ao movimento da AME e das pessoas com deficiência e a própria condição da deficiência de estar em cadeira de rodas, de estar fazendo doutorado e ter... é... ter um filho. É, as pessoas falam: ah, mas você não precisava. Ah, eu estou fazendo porque eu gosto, eu estou fazendo doutorado, se eu tenho uma deficiência, eu estou fazendo com uma deficiência, estou fazendo [...] eu passei a adotar muito uma ideia de que a presença é um ato político. O fato de você estar em um lugar que ninguém espera que você esteja é muito forte é... (SANTOS-JÚNIOR, BURITI; VENERA, 2018, n.p.).

Jota escreve sobre suas experiências a luz das reflexões teóricas da sua formação em História. Ele mobiliza pensamentos da História e da Literatura e vai se dando a ver em suas aprendizagens com a doença, com o filho, com a relação de casado com a Bruna, com uma masculinidade e a deficiência. Junto aos amigos blogueiros ele se configura parte singular de uma trama. As narrativas desses amigos trazem um desenho do movimento ativista que foi se construindo no ciberespaço. A AME criou em sua plataforma uma equipe de blogueiros espalhados por todo o Brasil que se encontra de tempo em tempo, organizada para formação e aprimoramento de suas habilidades de comunicação e projeção no ciberespaço. Ela dá forma física a essa rede rizomática, não funciona como centro dos blogueiros, cada um possui movimentos próprios nessa rede, mas se configura uma parte potente para todos eles. Ao atender os contatos de doentes, a AME encontra novos parceiros e, unindo forças, vai se multiplicando em prol do intento de conscientizar o maior número de pessoas possível sobre a Esclerose Múltipla. Em um desses contatos conheceram Paula Kfouri.

Uma jovem paulistana, apaixonada por esportes, organizou em suas memórias a presença de mulheres fortes que influenciaram sua vida. Primogênita de uma mãe que criou as duas filhas sozinha, com a ajuda das mulheres mais velhas da família. Em contrapartida, narra também sobre um pai que nunca funcionou em seu imaginário como pai, mas como um amigo mais ou menos irresponsável. Desenvolveu uma relação de tensão com a mãe por achar que ela aplicava uma disciplina com muita cobrança. No entanto, reconhece com admiração que estando a mãe sozinha, e com a experiência de pouca demonstração de afeto, fez o melhor que estava disponível. Saiu de casa muito cedo e mergulhou no mercado de trabalho. Casou-se, empreendeu muito jovem, o que dificultou o desenvolvimento dos estudos em nível superior. Fez Marketing, Gestão e Planejamento de Marketing e Vendas, mas não terminou o curso. Contudo, a vivência no mercado com uma rede de restaurantes na capital paulista trouxe a Paula uma formação experiencial. Depois que terminou o casamento, foi funcionária de sucesso no mercado de Design internacional de móveis. Estava em um ritmo de trabalho enlouquecido quando veio o diagnóstico.

Em um primeiro momento, Paula negou o diagnóstico, sentiu raiva e, em um segundo momento, canalizou todas as emoções para aprender sobre a doença. Deixou o trabalho, estava solteira e se internou obstinada em casa por dois anos para estudar. Refugiou-se na casa materna, comprou livros de Medicina, pesquisava todas as possibilidades com a expectativa de encontrar algo novo e que, minimamente, amenizasse aquele luto.

[...] eu fiquei psicopata em estudar sobre Esclerose Múltipla! Sobre cérebro, sobre sistema imunológico, sobre alimentação, eu fiquei louca, sério mesmo! Fiquei dois anos sem sair, sem namorar, sem encontrar meus amigos, sem fazer nada, eu só estudava Esclerose Múltipla e ficava em casa, era o meu objetivo, descobrir como que eu vou combater isso, entendeu? Eu queria conhecer o meu inimigo de todas as formas que eu pudesse, de todas as formas! (KFOURI; ALBUQUERQUE; VENERA, 2018, n.p.).

Ainda inconformada com as dificuldades de mobilidade, Paula conta que circulava ao redor da mesa de jantar para fugir da condição sedentária enquanto pesquisava saídas. Achou algumas pesquisas relacionadas à nutrição e iniciou uma dieta, experimentou yoga, meditação e prosseguiu em um longo caminho de autoconhecimento e atividades físicas. Como Bruna, ela reconquistou a mobilidade e precisava escrever esse testemunho. Criou o blog “Sobreviver” e divulgava suas experiências alimentares que vigoravam suas energias, diminuíam a fadiga e trazia a ela qualidade de vida, apesar da doença.

Já em contato com Gustavo na AME, ela questionava o porquê de não se comentar muito o ganho na qualidade de vida do doente a partir de uma alimentação funcional. Foi quando foi convidada a se juntar à Associação com a produção de um canal no YouTube chamado “Qualidade Vivida”. Além do seu blog pessoal, nessa rede social, ela aborda temas dos mais diversos como esportes, sexo, gravidez, baladas, viagens, porém vividos com as adaptações exigidas pela EM.

Foi no contato com Paula que o Programa “Pedale por uma causa” foi criado e desenvolvido. Trata-se de um evento pela conscientização da EM, quando, em um domingo no mês de agosto, nas mais diversas cidades brasileiras, ativistas convidam bicicleteiros, familiares e doentes para pedalar pela visibilidade da EM. Na ocasião da entrevista, Paula era casada, tinha um filho pequeno e trabalhava nos programas de comunicação da AME.

Esses cinco jovens são apenas uma parte do que se tornou a AME. Eles funcionam separadamente em suas regiões, produzem conteúdo para seus blogs, mas também atuam como um novo movimento social. Promovem campanhas de hashtags, pressionam audiências públicas, encabeçam processos jurídicos coletivos, ao mesmo tempo que lançam campanhas publicitárias como o “Agosto Laranja11”, conquistam apoios de times de futebol, e, por meio deles, espaços na TV aberta durante as aberturas dos jogos no mês de agosto12. Assim vão se projetando socialmente e mostrando que é possível uma vida ativa com cuidados terapêuticos alopáticos e complementares. Ao aproximarem-se dessas narrativas, compreendem o movimento de aprendizagem com a doença e a dimensão experimental a que se colocam, com ela, para fazerem-se existir em relação aos não doentes.

A forma positiva que esse grupo de amigos escolheu evidenciar suas vidas e ajudar outros pacientes com a EM também não deixa de ser um tipo de sujeição a um contexto social. Paulo Vaz (2002) expõe a passagem de uma sociedade disciplinar para uma sociedade do controle e observa que, na primeira, a doença aparece em forma de sintomas que são tratados e esquadrinhados a partir dos prognósticos médicos. Contudo, na lógica da sociedade de controle, ao indivíduo é dada a possibilidade da administração do risco, depois da predisposição genética. A realidade da doença pode aparecer mesmo sem sintomas, e o fator de risco empurra os sujeitos para o campo da prevenção, dos cuidados pessoais com o corpo. Ter saúde no século XXI não é sinônimo de ausência de sintomas, mas tem a ver com a capacidade dos sujeitos de gerir a própria qualidade de vida: pensamento positivo, vida social, alimentação saudável, atividade física, consultas e exames preventivos em dia. Nesse contexto atual, a responsabilidade sobre a saúde é do indivíduo,

[...] os valores maiores de nossa sociedade parecem ser, na relação consigo, o bem-estar, a juventude prolongada, o autocontrole e a eficiência; na relação com os outros, a tolerância, a segurança e a solidariedade. Estes valores implicam o cuidado a partir do risco como fundo de negatividade a ser evitada. (VAZ, 2006, p. 137).

Esses blogueiros fazem parte também desse tempo contemporâneo e de um tipo de subjetividade disponível nesse tempo, são “filhos do seu tempo”. Eles estabelecem uma relação de enfrentamento com os saberes sobre a doença e se responsabilizam sobre si mesmos na relação com a doença. Para Vaz (2002, 2006), isso faz parte de uma forma de pensar o corpo doente. Assumem o controle de seu projeto de si, buscam e filtram informações a que se filiam, compartilham e discutem suas ideias, se colocam como corresponsáveis, junto ao seu médico, para decidir sobre seus tratamentos. Nomeiam-se e são nominados pela indústria farmacêutica, médicos e a mídia de “paciente 2.0”. Vaz (2002, 2006) fala dos sujeitos desse tempo que estão em constante formação e estabelecem com a doença um campo de (auto)formação. Isso é sinônimo de sujeito saudável no nosso tempo. Segundo Vaz (2002, p. 140): “O homem seria são quando é capaz de descobrir outras possibilidades de ser para si mesmo”. A alimentação é um dos exemplos de autocuidado, as informações disponíveis sobre a alimentação funcional acabam por responsabilizar o sujeito pelas escolhas que não seguem impunes aos sintomas de doenças. Vaz se pergunta e se responde: “[...] como alimentar-se com prazer cuidando da saúde e da forma do corpo? A comida ideal hoje é a salada saborosa, por outro lado, ninguém come feijoada ou carne vermelha impunemente. [...] nunca afastaremos a obrigação de aprender, trabalhar e cuidar do corpo” (VAZ, 2002, p. 138).

Tourette-Turgis (2013) lembra dos movimentos de engajamento social da década de 1980, com o advento da AIDS que as narrativas dos doentes apareceram no cenário público como voz legítima para dizer sobre uma doença que nem os médicos poderiam dar respostas. “C’est une des rares maladies oú c’est l’expérience du malade qui a guidé les premiers raisonnements médicaux13 (TOURETTE-TURGIS, 2013, p. 175). Essa experiência abriu novos caminhos para as atividades terapêuticas mais democráticas e inclusivas para o doente. O termo démocratie sanitaire emergente, neste tempo, possui uma longa história que vem paulatinamente fazendo possível as atividades do paciente 2.0 e como são capazes de interferir na relação clínica, a postura no interior dos consultórios. Essa é a complexidade da subjetividade, ao mesmo tempo que se submetem aos discursos capazes de produzir um sujeito, se reproduz comportamentos, valores em uma autogestão de si, com uma autonomia quase autoral, mas anunciada prévia e silenciosamente nos movimentos da cultura. O que parece ser uma emancipação capaz do sujeito gerir seu próprio corpo, também é regulado por apontamentos muito bem elaborados. No entanto, há de destacar-se que essa submissão não acontece aos moldes do que Vaz (2002, 2006) expõe na modernidade, quando o médico enunciava o diagnóstico e o prognóstico sem diálogo com o “paciente”. Para o paciente 2.0, o conhecimento sobre seu corpo, o diagnóstico e o prognóstico são também de sua responsabilidade e o médico a sua aposta no diálogo para o acesso a esse conhecimento e decisões conjuntas sobre as atividades terapêuticas.

O ciberespaço, esse não-lugar múltiplo

Temos entendido que as narrativas de vida com a EM dispostas no ciberespaço vêm acionando ou agenciando culturalmente a memória da doença. Eles passaram por uma ruptura na trajetória de suas vidas provocada pelo diagnóstico de EM e suas percepções de si são impactadas e passam a utilizar os blogs como um espaço para dar forma a uma nova dimensão de suas vidas. Ao fazer isso, tornam possível também a construção de novos sentidos sociais para a doença. Seus blogs e a AME configuram-se como instrumentos educativos e auto formativos para si e para os novos doentes. Assim, buscamos compreender o ciberespaço como meio em que esses ativismos têm funcionado como possibilidade de mudanças de sentidos sobre a EM e a identidade dos doentes.

A Internet nasce com o nome de “Protocolo Internet” no ano de 1984. Antes disso, os militares norte-americanos e os acadêmicos das universidades faziam uso da Arpanet como um meio para a troca de informações, ainda de uso muito restrito. Era um lugar sem nenhum atrativo, apenas o resultado lógico matemático de cadeias binárias, constituída para atender a objetivos militares, durante a Guerra Fria. Nesse sentido, pode-se dizer que era um dispositivo de monitoramento e controle (MALINI; ANTOUN, 2013). Claramente era um conjunto de ferramentas que viabilizavam um controle sistemático das informações. Contudo, a partir da década de 1980, novos usuários se apropriaram dessa rede, abrindo-a para usos múltiplos, tornando-se um meio de vida, de conversação e de militância. É o momento de expansão de atividades dos “hackeadores da rede” (MALINI; ANTOUN, 2013). Nas palavras de Pretto (2013):

A palavra hacker, contudo, surge no meio dos programadores de computador para designar aqueles que se dedicam com entusiasmo ao que fazem nesse campo. Steven Levy, em um interessante livro sobre a história da computação, afirma que os hackers trabalham de forma aficionada para ‘tomar as máquinas em suas mãos para melhorar as próprias máquinas e o mundo’. Foi o esforço coletivo e colaborativo dessa turma que possibilitou a criação e a presença da internet em quase todo o planeta. (PRETTO, 2013, p. 111).

E ainda:

Quando se pensa em hacker, é comum que se pense num criminoso que age entre os zeros e uns da internet, roubando senhas e quantias em dinheiro. Entretanto, o estereótipo do vilão online não representa adequadamente os hackers. Para os vilões, foi inclusive criada a palavra cracker, para identificar esses criminosos cibernéticos, que não têm nada a ver com o jeito hacker a que aqui nos referimos. Portanto, a única forma de combater a marginalização do termo hacker é a população receber informações sobre o assunto e ser educada para não vê-los como terroristas virtuais, mas, sim, como um grupo de pessoas em busca da construção coletiva do conhecimento. (PRETTO, 2017, p. 36-37, grifos do autor).

Os movimentos operados pelos hackers traduzem-se na quebra dos muros de contenção que envolvia o uso da Internet. Contudo, Malini e Antoun (2013) chamam-nos atenção para o fato de não se interpretar a motivação dos hackers como algo impulsionado por uma motivação puramente altruísta:

[...] ao analisar o trabalho hacker, veremos que a motivação para criação de inovações tecnológicas reside na construção de meios de circulação de saberes que possam tornar a sociedade mais desenvolvida e democrática. Não se trata, em nenhuma hipótese, de altruísmo. O hacker busca o reconhecimento social, o que torna o seu principal instrumento de valoração do próprio trabalho. [...]. Os hackers valorizam antes de tudo uma relação com o trabalho que não se baseia no dever, e sim na paixão intelectual por uma determinada atividade, um entusiasmo que é alimentado pela referência a uma coletividade de iguais e reforçada pela questão da comunicação em rede. (MALINI; ANTOUN, 2013, p. 30-31).

Consideramos que foi graças aos hackeadores da rede que a Internet obteve a alforria, Malini e Antoun (2013) oferecem um exemplo desse hackeamento. A criação do modem14 e dos programas, softwares, foram obra dos hackers para facilitar a circulação das informações na linha telefônica. Um desses softwares foi a rede Usenet, a primeira plataforma de conversação online da história da rede (MALINI; ANTOUN, 2013, p. 18). É nessa conjuntura que o ciberespaço emerge. Os autores afirmam que o ano de 1984 é o ano da invenção do ciberespaço e indagam: que impacto esse ciberespaço traria sobre a vida das pessoas?

Para Pierre Lévy (2003), teórico clássico da cibercultura e da realidade virtual, o ciberespaço é um ambiente potencializador para o processo de emancipação do ser humano, pois a formação de novos saberes ocorre de forma coletiva. Com essa estrutura, as comunidades virtuais ou grupos de discussão se formam, e o intercâmbio de conhecimentos ocorre na interação entre as pessoas. Essa teoria é discutida por Pierre Lévy (2003), por meio da teoria da engenharia do lar social, que defende a exploração das riquezas humanas, das habilidades e das competências que se destacam em um indivíduo, e são valorizadas por uma comunidade ou grupo. Seria, assim, um grande arquivo do que cada ser humano tem de melhor a oferecer, que estaria disponibilizado em rede, oferecendo o acesso à troca de conhecimentos e de experiências, e, desse modo, novos saberes são constituídos. De forma muito positiva, Lévy (2003) diz sobre a construção de uma memória coletiva que passa a ser fruto desse processo social de interação entre pessoas.

A integração desse ambiente virtual nos processos comunicacionais das relações políticas, sociais e mercadológicas traz para o panorama histórico, político e social novas configurações que são pautadas em uma cultura tecnológica. É a partir dessas novas configurações que sublinhamos o ciberativismo, que pode ser traduzido como a democratização do acesso à informação e à liberdade de expressão por meio da constituição de novos nichos de representação social e política. “A Internet dos grupos de discussão vai inaugurar a política de vazamento como modus operandi para fazer chegar aos diferentes usuários de todo o mundo as informações privilegiadas sobre a situação social de regimes políticos fechados” (MALINI; ANTOUN, 2013, p. 20).

A natureza das mudanças desencadeadas pelo ciberativismo foram tão singulares que chegou a criar uma ruptura com o modelo anterior de ativismo social. O ativismo social antes do advento da Internet tinha como via midiática para protestar os jornais impressos, as revistas, o rádio, o telefone e a televisão. O problema é que esses meios estavam eivados de restrições e de controle. Contudo, quando esse ativismo se apropriou da Internet, tangenciou-se daqueles meios de comunicação que centralizavam a informação. Para Malini e Antoun (2013, p. 21), o ciberativismo faz uso de “[...] uma estrutura de mídia que permite a toda informação vazar nas mais distintas comunidades virtuais”. Os autores explanam melhor a ideia que tem sobre os diferentes tipos de ativismo midiático, quando tecem um contraste entre midialivrismo15 de massa e midialivrismo ciberativista. Como não dispomos de espaço para trazer à tona essa questão, basta ressaltar que o ciberativismo mostra sua singularidade no fato de os sujeitos, uma vez interfaceados por sites, blogs, perfis de redes sociais, etc., buscarem “[...] fora do modus operandi dos veículos de massa produzir uma comunicação em rede que faz alimentar novos gostos, novas agendas informativas e novos públicos, alargando assim o espaço público midiático” (MALINI; ANTOUN, 2013, p. 24).

Afirmamos, portanto, que esses primeiros movimentos de comunicação amplificada e descentralizada são de caráter precursor, pois “[...] ele [o ciberativismo] influenciou decisivamente grande parte da dinâmica e das definições sobre os principais protocolos de comunicação utilizados na conformação da Internet” (SILVEIRA, 2010, p. 31). A título de exemplo, a influência desse novo protocolo de comunicação pode ser percebida em movimentos como o Zapatista (1994, no México) e o 15M (2011, na Espanha). O ponto comum que as une, apesar das diferenças, é que fizeram uso da Internet para organizar suas mobilizações e transmitir suas mensagens. Para Queiroz (2017), são três as categorias de atuação ciberativista:

[...] a primeira está relacionada com a conscientização e promoção de uma causa, com a difusão de informações e eventos quebrando o bloqueio dos meios de comunicação tradicionais hegemônicos, agindo como meio alternativo de informação; a segunda envolve a organização e mobilização a partir do uso da Internet, tendo em vista uma determinada ação; e a terceira é a da ação e reação, com o chamado hacktivismo ou ativismo hacker, que engloba vários tipos de ações, como apoio on-line, invasão ou congestionamento de sites. (QUEIROZ, 2017, p. 3).

Considerado o fato de esses movimentos “livres” nascerem a partir de estruturas fechadas, de grupos com uma causa específica, não seria o caso de problematizarmos se os movimentos ciberativistas também não estariam sujeitos a alguma estrutura ou modelagem? Nesse ponto, as reflexões de André Lemos (2006) são bem significativas, pois, ao discorrer sobre o tema ciberespaço e tecnologias móveis, ele traz à tona as ideias de territorialização, des-territorialização e re-territorialização. “A noção de território é polissêmica, e não deve ser entendida apenas no aspecto jurídico, como espaço físico limitado. Definimos território através da ideia de controle sobre fronteiras, podendo essas serem físicas, sociais, simbólicas, culturais, subjetivas” (LEMOS, 2006, p. 3-4). Partindo dessa concepção, entendemos a Arpanet como “território” criado pelos militares e o uso popular da Internet a partir da década de 1980 como a “des-territorialização”, engendrada pelos usuários civis e ciberativistas.

Entretanto, ao observarmos esses movimentos de des-territorialização ou linhas de fuga ciberativistas (DELEUZE; GUATTARI, 1995), percebemos também a criação de outro tipo de espaço, uma reterritorialização. De acordo com Lemos (2006, p. 6), “[...] o ciberespaço cria linhas de fuga e desterritorializações, mas também reterritorializações. Os meus blogs, site, chats, podcast, rede P2P, são reterritorializações, formas de controle do fluxo de informações em meio ao espaço estriado que constitui o ciberespaço planetário”. Essa fala do autor nos permite uma aproximação com a forma como os blogueiros e a AME se multiplicam graças e somente por conta daquela des-territorialização pelos hackers, mas se firma e cria uma identidade a partir da apropriação de um novo espaço, um território com fronteiras discerníveis.

Esse movimento de utilização das redes sociais para se posicionarem social, ética e politicamente é visto por Sibilia (2008), em seu livro O show do eu: a intimidade como espetáculo, como um movimento de reorganização rizomática da sociedade no processo de conformação dos corpos e de suas subjetividades a partir das redes de relacionamentos (fotologs, blogs, Twitter, Facebook). O processo de autoconhecimento a partir da doença não é mais solitário. A forma de ser e de estar no mundo mudou, esses blogueiros evidenciam suas identidades, com personalidades alterdirigidas, no qual a constituição de si passa a ser “[...] orientada para o alheio ou exteriorizadas, não mais introspectivas ou intimistas” (SIBILA, 2008, p. 23).

Assim, uma rede de solidariedade forma-se, uma rede de apoio. Ao socializarem suas histórias de vida no universo do ciberespaço, projetam-se neste meio de intensa visibilidade. No entanto, o excesso de exposição frente a olhares curiosos provoca o movimento de mostrarem-se e esconderem-se, em busca de estabelecerem limites com públicos distintos, de tentar gerenciar essa exposição, “[...] pois sob o império das subjetividades alterdirigidas, o que se é deve ser visto - e cada um é aquilo que mostra de si” (SIBILIA, 2008, p. 235).

A forma como se mostram, como desejam ser vistos e reconhecidos pelos outros, também se estende à identidade institucional exposta no site da AME16, e que se apresenta com um design que lembra a narrativa de Gustavo - “a gente tinha que ser jovem, a gente tinha que ser o perfil do paciente de Esclerose Múltipla”. Aposta-se na cor laranja e verde, expõem-se frases simples, letras desenhadas como se fossem escritas à mão. Na primeira página, trazem dados objetivos da Esclerose Múltipla. Nos itens “A EM” e “quem somos nós?”, utilizam da imagem de uma mão aberta e, em cada dedo, o apontamento de uma descrição da instituição. Na palma da mão, a pergunta: “Você sabia que 80% dos brasileiros não sabem o que é a Esclerose Múltipla (EM)?” (AME, 2015, n.p.). Diante desse problema posto, cada apontamento se justifica. O primeiro explica o que se constitui a instituição:

A AME - Amigos Múltiplos pela Esclerose nasceu do sonho de divulgar a EM e contribuir para a busca do diagnóstico precoce, tratamento adequado e melhora na qualidade de vida dos pacientes, seus amigos e familiares. Somos uma Organização sem Fins Lucrativos, que, desde 2012, reúne amigos múltiplos com a missão de compartilhar informação de qualidade sobre a EM de forma gratuita e acessível. (AME, 2015, n.p.).

Esse breve texto apresenta um sonho e com palavras “reúne amigos múltiplos” faz funcionar um sentido de acolhimento e de disponibilidade empática para o leitor. E continua sua apresentação com o segundo apontamento. Este dá conta de demostrar a aposta consciente no conhecimento e na aprendizagem com a doença: “Acreditamos que: a informação é o melhor remédio. Somente o conhecimento fornece ferramentas para adaptar nossa realidade aos desafios da EM, e conquistar assim a nossa tão sonhada qualidade de vida” (AME, 2015, n.p.). Confirmam o que Torette-Turgis (2013, p. 2) anuncia quando pensa a educação e a doença: “[...] la maladie est aussi l’ocassion d’apprentissages17. O terceiro apontamento aposta na representação ativista dos doentes e elenca três itens sob o título “O que queremos?”:

Informar, agrupar, aumentar o conhecimento e representar a população nas principais questões relacionadas à EM.

Estabelecer parcerias com Centros de Tratamentos/Associações Locais e afins de assistir o paciente de EM, por todo o território nacional.

Prestar suporte e incentivar novos projetos de pesquisas. (AME, 2015, n.p.).

Fica clara a intenção ativista de ação representativa dos doentes para as defesas de interesses dos doentes. Essas ações são divulgadas pela própria AME, mas também nos blogs individuais, como audiências públicas18, assento junto à Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (ABEM), no Conselho Nacional de Saúde, gestão 2018-2020. Ainda que esses ativismos estejam des-territorializados no ciberespaço, em uma proliferação rizomática, quando os objetivos envolvem as políticas públicas de saúde, eles se organizam em uma espécie de reterritorização. Desse modo, claramente a AME funciona no rizoma como um ponto privilegiado de articulações que materializam em um agente representativo das pessoas doentes, reterritorializa e desterritorializa na medida das circunstâncias.

O quarto apontamento que caracteriza a AME é representado por uma mandala de oito fatias que organizam oito palavras chaves: “informação, conhecimento geral, entendimento, aceitação, compartilhamento, apoio da sociedade, preconceito, qualidade de vida” (AME, 2015, n.p.) que aproximam sentidos dos temas que a AME procura dar conta e a pergunta no centro do círculo suscita um movimento: “Como nós fazemos?” (AME, 2015, n.p.). Essa mandala reforça as análises apresentadas no primeiro item sobre as narrativas dos blogueiros e os apontamentos de Tourette-Turgis (2013) e Canguilhem (2009). A nova dimensão da vida desses jovens os força a lidar com os sentidos de identidade de uma pessoa com EM, como “peso de papel”, morte em 10 anos, futuro brilhante frustrado, e assentam novas normas e normatividades. Ao decidirem por aprender sobre a EM e ou aprender com a EM, eles constroem novos sentidos para a doença e para o ser doente. O final da apresentação da AME no site diz: “O diagnóstico de uma doença como a EM não nos torna diferentes de qualquer outra pessoa. Seguimos rindo, chorando, tendo amigos e familiares que nos amam” (AME, 2015, n.p.). Ao invés de afirmar a diferença que a doença pode trazer nas pessoas, como uma cadeira de rodas, uma muleta ou uma dificuldade de fala ou de movimentos, eles preferem exaltar a igualdade, continuam como “qualquer outra pessoa”. Essa estratégia de comunicação conquista empatia e produz conexões.

No entanto, encontram também uma condição de preconceito, já que 80% da população não conhece a EM e sentidos como “peso de papel” anunciada por Cynthia e o impacto de todos no momento do diagnóstico revela o pouco conhecimento sobre a doença e o desenvolvimento dos seus tratamentos terapêuticos. Contudo, assim como dizem Malini e Antoun (2013, p. 30-31): “O hacker busca o reconhecimento social, o que torna o seu principal instrumento de valoração do próprio trabalho”, ou dito de outra forma por Tourette-Turgis (2013, p. 2), “tous les malades ont besoin que la société valide de sens que la maladie donne à leur existence19. Investem em compartilhamento de informações com a aposta de que a comunicação pode levar a diminuição do preconceito e, por consequência, o reconhecimento social dos doentes. Quebram, então, o bloqueio dos meios de comunicação tradicionais de massa e passam a difundir informações em rede. Eles dizem ainda na página de abertura: “Encontramos na internet uma importante aliada, que nos permite remover as barreiras físicas e oferecer apoio a todos que buscam um ombro amigo sempre disposto a ajudar” (AME, 2015, n.p.). Proliferam as possibilidades de vidas com EM, as necessidades de adaptações com qualidade para a existência dessas vidas, em um investimento claro de intenções expressas nas hashtags que proliferam na internet e convocam os doentes e não doentes para ações efetivas como o “Pedale por uma causa” e o “Agosto Laranja”.

Vale ressaltarmos também que, ao proliferarem nas redes da internet, também proliferam fora dela, na grande mídia e nas instâncias institucionais da Saúde Pública e na postura dos outros pacientes nos consultórios. O portal Saúde Business republicou, em 2 de novembro de 2014, um texto escrito em 2011 pelo médico e CEO da Health Innova HUB & Berrini Ventures em que ele destaca a atuação dos “pacientes 2.0” e como mudaram as relações na clínica. Nesse texto, ele traz relatos de pacientes empoderados e atuantes em seu próprio cuidado e diz que: “[...] Pacientes 2.0 ainda tem um longo caminho a percorrer, a fim de representar e empoderar de fato os pacientes. [...] a era dos Pacientes 2.0 dará voz e repercussão à razão de existir de todo o sistema de saúde: os pacientes” (CEMBRANELLI, 2014, n.p.).

Esse paciente empoderado é agente e agência da sua condição de saúde/doença. Tanto atua de forma ativa nas tomadas de decisões sobre seu prognóstico, como agencia outros pacientes na rede mundial de computadores. Trata-se de considerar ainda que esse sujeito é a rede, como sugerem Malini e Antoun (2013). É um sujeito que atua na definição do seu estado de saúde em uma condição de multiplicidade em rede. São pacientes-ativos que são afetados pelo ciberespaço e, ao mesmo tempo, o afetam. Esse paciente 2.0 é, antes de tudo, um sujeito em condição crônica de doença, ativo na relação com sua doença e com os discursos médicos e farmacêuticos sobre a seu prognóstico e, além disso, produtor de informação sobre essa atividade.

Proliferações possíveis na guisa de conclusões

A verdade é que ninguém precisa enfrentar a EM sozinho! E se todos sonham com uma vida melhor, por que não sonharmos juntos?

(AME, 2015, n.p.).

Com essas frases, a página de apresentação da AME torna-se um convite para continuar a navegação. Na narrativa de Gustavo, ele pontua o início da AME como um ajuntamento de amigos; na narrativa de Bruna, fica evidente os vínculos de amizades que nasceram na experiência com a doença e se efetivaram na acolhida afetuosa entre esses jovens. Gustavo tornou-se padrinho do filho de Bruna e Jota, compartilham momentos familiares, protegem-se em um laço simbólico que se expressa nas ações no interior da AME. Cynthia, Paula e tantos outros, que não foram ainda ouvidos por esta pesquisa, são próximos virtualmente, mas se encontram de tempos em tempos para fortalecer a rede que dá a imaterialidade dos seus ativismos. A equipe de blogueiros conta com mais de 20 pessoas, todos amigos em maior ou menor medida. Esse artigo propõe finalmente essa amizade como um cuidado de si, no sentido em Epicteto, proposto por Michael Foucault (2004). Talvez funcione como uma importante dimensão da subjetivação que se faz depois da Esclerose Múltipla.

Ele sugere que, em Platão, existe uma indicação de cuidar-se de si para fins do cuidado dos outros (Foucault, 2004). Talvez, os motivos pelos quais os blogueiros se puseram a escrever e, posteriormente, ajudar os outros se encontra em Platão uma explicação plausível. Com exceção de Jota, que disse escrever para si mesmo, para organizar sua existência, e que, tangencialmente, pode vir a ajudar a alguém, os demais possuem assumidamente uma missão de ajudar os novos diagnosticados.

A prática de biografar pode, por um lado, caracterizar-se um cuidado de si, na medida em que, como narrou Bruna, a escrita trouxe uma “cura”, ou, ainda, Cynthia, que se acalmava com a leitura da grafia de outros e da escrita de sua vida. Por outro lado, possui vínculos estreitos com o cuidado dos outros. Responsabilidade para não dizer algo que signifique problemas com a terapia médica em curso. Todos os blogueiros deixam claro que nada do que dizem têm poder de substituir o discurso médico. Nenhuma terapia complementar possui legitimidade superior à medicação indicada pelos médicos. Nesse sentido, existe uma subjetividade que se submete à norma médica, às orientações farmacêuticas e ao conhecimento científico comprovável. Ainda que vários blogueiros compartilham as terapias complementares para aumento de qualidade de vida, como yoga, ayurveda, meditação, práticas de esportes, alimentação, reposição de vitamina D, entre outros, eles afirmam não substituir as medicações prescritas ou invalidar a produção científica consolidada no campo da neurologia. Esse cuidado do outro é evidente nos blogs e na AME.

Diferente de Platão, Foucault (2004) fala sobre a amizade epicurista para explicar o cuidado de si e diz que

[...] é preciso ocupar-se de si porque se é si mesmo e simplesmente para si. O benefício desse gesto para os outros é suplementar. Quanto ao benefício para os outros, a salvação dos outros, ou a maneira de nos ocupar dos outros possibilitando sua salvação ou ajudando-os na sua própria salvação, virá a título de benefício suplementar ou, se quiserem virá a título de efeito - efeito necessário, sem dúvida, mas tão somente conexo - do cuidado que temos de ter conosco mesmos, da vontade e da aplicação que dedicamos à nossa própria salvação. (FOUCAULT, 2004, p. 237).

Talvez Jota nos dê essa pista quando diz sobre sua intenção de escrever. Escrever para si mesmo e, por vezes, tangencialmente, ajudar a alguém a cuidar de si mesmo. E Bruna, a blogueira amiga que se tornou esposa, reforça isso quando emocionada narra o que significa o Jota em sua vida:

Ai, o Jota! O Jota… é que é difícil (risada com lágrimas)... É, sei lá… (choro) o Jota é meu complemento, assim (risos) o Jota é o que me… sei lá, não é o que me faltava, porque, quando eu conheci ele eu dizia assim: eu sou muito feliz sozinha, então pra eu estar com alguém, tem que ser alguém que me faça mais feliz ainda. Então eu acho que é isso assim, o Jota é… quem me dá alegria, assim [...]. (SILVEIRA; BURITI; VENERA, 2018, n.p.).

A alegria na vida de Bruna é complementar nos cuidados de Jota, mas também necessário para ele. Ainda em Epicuro, Foucault fala da amizade como um tipo de cuidado de si. Segundo ele, as amizades possuem primeiro uma relação de utilidade. No entanto, não só. Ele diz que “[...] a amizade epicurista nada mais é do que uma forma de cuidado de si, mas, ao mesmo tempo, que este cuidado de si não é por isto a preocupação com a utilidade” (FOUCLAULT, 2004, p. 238). Antes, a amizade precisa ser por ela mesma desejada. E, nessa oposição constitutiva da amizade, Foucault insere uma terceira consideração que é uma promessa de futuro alimentado dessa utilidade: ela só será desejável “[...] se mantiver perpetuamente uma certa relação útil” (FOUCAULT, 2004, p. 239).

Não seria a experiência da amizade o maior cuidado de si desses jovens? Eles cuidam dos novos diagnosticados e suas famílias, da política de conquista das medicações, das informações atualizadas sobre a doença, eles escrevem para se cuidar. No entanto, como cuidam de si mesmos? A amizade entre eles seria a experiência expressa na frase: “A verdade é que ninguém precisa enfrentar a EM sozinho!”? (AME, 2015, n.p.).

Foucault diz ainda que “[...] contra os males que nos podem advir do mundo, somos tão protegidos quanto possível e que deles independemos totalmente. [...] da existência dos nossos amigos recebemos não tanto uma ajuda real quanto a certeza e a confiança que podemos receber essa ajuda” (FOUCAULT, 2004, p. 239). É uma espécie de consciência da amizade e da certeza de uma rede que se pode contar.

Na busca pela compreensão das subjetividades que se fazem a partir da doença, esse artigo identificou as situações de assujeitamento no gesto de escrever, na escolha de conteúdos alinhados às orientações e à ética médica, à escrita sobre si, que, ao mesmo tempo que pode ser um cuidado, igualmente busca o compromisso para os outros. Nos movimentos ativistas no ciberespaço, eles rompem com a forma tradicional de comunicação de massa, expandem em rede as informações sobre a EM, proliferam novos sentidos para a doença e para a identidade dos doentes. Fazem-se outros em uma nova dimensão da vida e possibilitam sentidos novos para outros doentes se fazerem outros de si mesmos, regulados em uma positividade quase como uma autoajuda. No mesmo rizoma que não para de se multiplicar, esses jovens se entrelaçam em uma rede de amizade que, de fato se, conecta em um cuidado de si. Uma singularização em que estão no centro do cuidado, na certeza da utilidade, mas não só. Experimentam a segurança da amizade que é desejada em si mesma e na certeza da perpetuação futura da utilidade. Um outro de si mesmo amigo, ciberativista, que só foi possível pela Esclerose Múltipla.

1Trata-se da pesquisa Memórias Múltiplas e Patrimônio Cultural em rede: o desafio (auto)biográfico diante da ameaça da perda, que possui aprovação a partir do Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) no 993.242 de 27 de março de 2015. A pesquisa criou e alimenta a Coleção Histórias de vidas com Esclerose Múltipla do acervo do Museu da Pessoa, São Paulo. Possui financiamento FAPESC no 06/2017 e Fundo de Apoio à Pesquisa, FAP UNIVILLE.

2Os autores possuem autorização para a utilização dos nomes dos entrevistados em produções científicas e culturais, atestadas no Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), aprovado pelo CEP.

3Trata-se das seguintes pesquisas: (Auto)biografias e subjetividades: o outro de si mesmo na Esclerose Múltipla, coordenada por Raquel ALS Venera e que possui financiamento CNPq/CAPES/2016 e funciona como um guarda-chuva para pesquisas de Mestrado e iniciação científica; a dissertação de Wesley Batista de Albuquerque, intitulada Esclerose Múltipla em rede: os círculos de afetos em narrativas de testemunho, defendida em 2019; a dissertação Aprender a viver com a doença: narrativas (auto)biográficas, valores patrimoniais e ciberespaço, de Roberta Buriti, com previsão de defesa em 2019. Todas elas são produzidas no Grupo de Pesquisa Subjetividades e (auto)biografias da Universidade da Região de Joinville.

4É importante registrar que a pesquisa guarda-chuva, citada na nota 3, possui uma característica intersubjetiva entre a pesquisadora e os sujeitos pesquisados. Trata-se de uma situação específica em que todos os envolvidos na equipe, com exceção dos mestrandos e dos estudantes bolsistas, ou eram diagnosticados com EM ou era o médico neurologista que acompanha algumas dessas pessoas - o pesquisador. Essa condição, por um lado, facilitou o encaminhamento das entrevistas na pesquisa Memórias Múltiplas, citada anteriormente, uma vez que os sujeitos estavam confortáveis e em vínculos de confiança; afinal, eles compartilhavam a mesma vulnerabilidade. Por outro lado, exigiu uma rigidez teórico-metodológica que foi assegurada pelo compartilhamento e intervenção de um olhar externo, durante as atividades do Pós-Doutorado. Esse olhar externo foi gentilmente concedido pelo colega Dr. Christophe Niewiadomski, da Université Lille 3.

5Tradução nossa: Democracia sanitária.

6Tradução nossa: não podemos evitar, temos que conviver com.

7Tradução nossa: Viver com a doença.

8Tradução nossa: A atividade biológica dos vivos é designada pela individualização dos valores que ela atualiza. A normatividade implica, assim, a criação de normas pelas quais os vivos são mantidos e individualizados.

9Tradução nossa: A normatividade fundamenta o normal. As normas encontram sua normalidade em sua normatividade. A normatividade orgânica, a capacidade de mudar normas de vida, fixa a normalidade do organismo.

10Esses encontros são exaustivamente divulgados nas redes entre os blogueiros. Disponíveis em: https://bit.ly/2Onvqiz e https://bit.ly/2TTq2Kh.

11Disponível em: <https://bit.ly/2Fy0BUD>.

12Disponível em: <https://bit.ly/2CJU1d5 e ainda em https://bit.ly/2HNetwH>.

13Tradução nossa: É uma das doenças raras em que a experiência do paciente orientou o primeiro raciocínio médico.

14Um dispositivo eletrônico para transmissão de dados entre computadores por meio da linha telefônica.

15Palavra formada pela junção das palavras “mídia” e “livre”.

16Disponível em: <https://amigosmultiplos.org.br>.

17Tradução nossa: a doença é também uma oportunidade para a aprendizagem.

19Tradução nossa: Todos os doentes precisam que a sociedade valide o sentido que a doença dá à sua existência.

Referências

ALVES, C. A. Histórias de vida e esclerose múltipla: trabalho biográfico e formação de paciente expert na França. Linhas Críticas, Brasília, v. 24, p. 46-63. 2018. DOI: https://doi.org/10.26512/lc.v24i0.18992Links ]

AME. Amigos Múltiplos pela Esclerose. Sobre nós. 2015. Disponível em: <https://amigosmultiplos.org.br/a-ame/sobre-nos/>. Acesso em: 20 jun. 2019. [ Links ]

ANTOUN, H. Para uma internet política das subjetivações. Eco Pós, Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, p. 69-76, 2015. [ Links ]

BURY, M. Chronic illness as biographical disruption. Sociology of Health & Illness, v. 4, n. 2, p. 167-182, 1982. DOI: https://doi.org/10.1111/1467-9566.ep11339939Links ]

CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. [ Links ]

CARDOSO, G.; ALBUQUERQUE, W. B.; VENERA, R. A. S. Entrevista de história oral de vida. Entrevista realizada em São Paulo. Joinville: Acervo do Museu da Pessoa e do Laboratório de História Oral da Univille, 2018. [ Links ]

CEMBRANELLI, F. Pacientes 2.0: como a internet está transformando a relação médico-paciente?. Saúde Business, 2 nov. 2014. Disponível em: <https://saudebusiness.com/empreendedorismo-saude/pacientes-2-0-como-regina-holliday-e-outros-pacientes-utilizam-a-web-para-transformar-a-relacao-medico-paciente/>. Acesso em: 20 jun. 2019. [ Links ]

DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. v. 2. São Paulo: Editora 34, 1995. [ Links ]

DELORY-MOMBERGER, C.; TOURETTE-TURGIS, C. “Vivre avec la maladie: expériences épreuves résistances”. Le Sujet dans la cité, Paris, n. 5, p. 33-38, 2014. [ Links ]

FOUCAULT, M. A hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2004. [ Links ]

GONÇALVES, M. V. M. O enunciado clínico do diagnóstico da Esclerose Múltipla. In: VENERA, R. A. S.; SOUZA, P. A pesquisa (auto)biográfica e a medicina narrativa. Itajaí: Casa Aberta, 2019. p. 55-63. [ Links ]

KFOURI, P.; ALBUQUERQUE, W. B.; VENERA, R. A. S. Entrevista de história oral de vida. Entrevista realizada em São Paulo. Joinville: Acervo do Museu da Pessoa e do Laboratório de História Oral da Univille, 2018. [ Links ]

LE BLANC, G. La vie à l’épreuve de la maladie. In: LE BLANC, G. Canguilhem et les normes. Paris: Presses Universitaires de France, 2008. p. 28-77. [ Links ]

LEMOS, A. Ciberespaço e tecnologias móveis: processos de territorialização e desterritorialização na cibercultura. In: ENCONTRO DA COMPÓS, 15., 2006, Bauru. Anais... Bauru: Unesp, 2006. [ Links ]

LÉVY, P. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2003. [ Links ]

MACEDO, C.; ALBUQUERQUE, W. B.; VENERA, R. A. S. Entrevista de história oral de vida. Entrevista realizada em Joinville. Joinville: Acervo do Museu da Pessoa e do Laboratório de História Oral da Univille, 2017. [ Links ]

MALINI, F.; ANTOUN, H. A internet e a rua: ciberativismo e mobilização nas redes sociais. Porto Alegre: Sulina, 2013. [ Links ]

MULTIPLE. Sclerosis International Federation. Atlas da Esclerose Múltipla 2013. Mapeamento da Esclerose Múltipla no mundo. 2013. Disponível em: <http://abem.org.br/wp-content/uploads/2016/02/Atlas_EM_2013_FINAL_ABEM_baixa.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2019. [ Links ]

MUSEU DA PESSOA. Tecnologia social da memória: para comunidades, movimentos sociais e instituições registrarem suas histórias. São Paulo: Abravideo - Fundação Banco do Brasil, 2009. [ Links ]

PRETTO, N. L. Reflexões: ativismo, redes sociais e educação. Salvador: UFBA, 2013. [ Links ]

PRETTO, N. L. Educações, culturas e hackers: escritos e reflexões. Salvador: UFBA, 2017. [ Links ]

QUEIROZ, E. F. C. Ciberativismo: a nova ferramenta dos movimentos sociais. Panorama, Goiânia, v. 7, n. 1, p. 2-5, jan./jun. 2017. DOI: https://doi.org/10.18224/pan.v7i1.5574Links ]

SANTOS-JÚNIOR, J.; BURITI, R.; VENERA, R. A. S. Entrevista de história oral de vida. Entrevista realizada em Porto Alegre. Joinville: Acervo do Museu da Pessoa e do Laboratório de História Oral da Univille, 2018. [ Links ]

SIBILIA, A. P. O show do eu: a intimidade como espetáculo. São Paulo: Contrapontos, 2008. [ Links ]

SILVEIRA, B. R. Narrativa e experiência: a escrita autobiográfica de pessoas em condição crônica de doença. Confluências Culturais, Joinville, v. 8, n. 1, p. 33-48. DOI:http://dx.doi.org/10.21726/rccult.v8i1.721Links ]

SILVEIRA, B.; BURITI, R.; VENERA, R. A. S. Entrevista de história oral de vida. Entrevista realizada em Porto Alegre. Joinville: Acervo do Museu da Pessoa e do Laboratório de História Oral da Univille, 2018. [ Links ]

SILVEIRA, S. A. Ciberativismo, cultura hacker e o individualismo colaborativo. Revista USP, São Paulo, v. 1, n. 86, p. 28-39, jan./ago. 2010. DOI:https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i86p28-39Links ]

THOMPSOM, P. História oral: patrimônio passado e espírito do futuro. In: WORCMAN, K.; PEREIRA, J. V. (Coord.). História falada: memoria, rede mudança social. São Paulo: Sesc-SP; Museu da Pessoa - Imprensa Oficial do Estado, 2006. p. 17-43. [ Links ]

TOURETTE-TURGIS, C. L’université des patients: une reconnaissance institutionnelle des savoirs des malades. Le Sujet dans la cité, Paris, n. 4, p. 173-185, 2013. [ Links ]

VAZ, P. Um corpo com futuro. In: PACHECO, A.; COCCO, G.; VAZ, P. (Org.). O trabalho da multidão. Rio de Janeiro: Gryphus, 2002. p. 121-146. [ Links ]

VAZ, P. Consumo e risco: mídia e experiência do corpo na atualidade. Comunicação, Mídia e Consumo, São Paulo, v. 3, n. 6, p. 37-61, mar. 2006. DOI: http://dx.doi.org/10.18568/cmc.v3i6Links ]

Recebido: 22 de Março de 2019; Revisado: 15 de Junho de 2019; Aceito: 18 de Junho de 2019; Publicado: 02 de Julho de 2019

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.