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Práxis Educativa

versión impresa ISSN 1809-4031versión On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.15  Ponta Grossa  2020  Epub 26-Mar-2020

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.15.14535.023 

Dossiê: Homeschooling: controvérsias e perspectivas

Homeschooling e os irrenunciáveis perigos da educação: reflexões sobre as possibilidades de educação sem escola no mundo plural a partir de Arendt, Biesta e Savater

Homeschooling and the unavoidable risks of education: reflections on the possibilities of schoolless education in the plural world from Arendt, Biesta and Savater

Homeschooling y los irrenunciables peligros de la educación: reflexiones sobre las posibilidades de la educación sin escuela en el mundo plural a partir de Arendt, Biesta y Savater

*Professor da Universidade Federal da Fronteira Sul - Campus Chapecó. Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: <bruno.picoli@uffs.edu.br>.


Resumo:

Diante do crescimento da temática da Educação Domiciliar no cenário político brasileiro e da apresentação de Projetos de Lei para regulamentar a prática, este artigo pretendeu, a partir de uma investigação teórica, refletir sobre as possibilidades de “educação sem escola” no mundo contemporâneo. Buscou-se compreender, a partir de Arendt, Biesta e Savater, no que consiste a Educação e qual é o caráter da escola. Refletiu-se sobre as distinções e os papéis educacionais das esferas privada e pública e o lugar da escola entre elas, assim como sobre o que significa uma efetiva Educação. Concluiu-se que, embora possam se confirmar as afirmações de que a Educação Domiciliar apresentaria melhores performances acadêmicas, apenas a escola pode oferecer condições para uma efetiva Educação, porque só na escola é possível criar oportunidades relativamente seguras para o contágio pelo que é outro e para a inserção adulta no mundo.

Palavras-chave: Homeschooling; Esfera privada; Esfera pública

Abstract:

Faced with the growth of the theme of Homeschooling in the Brazilian political scenario and the presentation of Bills to regulate the practice, this paper intended, based on a theoretical investigation, to reflect on the possibilities of “schoolless education” in the contemporary world. It sought to understand, from Arendt, Biesta and Savater, what Education consists of and what is the character of the school. It reflected on the distinctions and educational roles of the private and public spheres and the place of school between them, as well as what effective education means. It concluded that, although the affirmations that homeschooling would have better academic performances could be confirmed, only the school can offer conditions for an effective Education, because only at school it is possible to create relatively safe opportunities for the contagion of what other is and for the adult insertion in the world.

Keywords: Homeschooling; Private sphere; Public sphere

Resumen:

Delante del crecimiento de la temática de la Educación Domiciliaria en el escenario político brasileño y de la presentación de Proyectos de Ley para regular la práctica, este artículo pretendió, con una investigación teórica, reflexionar sobre las posibilidades de “educación sin escuela” en el mundo contemporáneo. Se intentó comprender, a partir de Arendt, Biesta y Savater, en qué consiste la Educación y cuál es el carácter de la escuela. Se reflexionó sobre las distinciones y los roles educativos de las esferas pública y privada y el lugar de la escuela entre ellas, así como sobre lo que significa una Educación efectiva. Se concluyó que, aunque se puedan confirmar las afirmaciones de que la Educación Domiciliaria presentaría un mejor rendimiento académico, sólo la escuela puede ofrecer condiciones para una Educación efectiva, porque sólo en la escuela es posible crear oportunidades relativamente seguras para el contagio por lo que es otro y para la inserción adulta en el mundo.

Palabras clave: Esfera privada; Esfera pública

Introdução

A grande batalha educacional no pós-Constituição Federal de 1988 foi na universalização do acesso à educação a todas as crianças e a todos os adolescentes brasileiros. Políticas públicas e investimentos foram mobilizados para garantir que os brasileiros em idade escolar fossem atendidos por uma instituição pública de ensino. É possível afirmar que, embora falte muito a se fazer, especialmente no que diz respeito à quantidade de estudantes em sala de aula e nas, muitas vezes, longas distâncias que o alunado precisa percorrer para chegar à escola, avançou-se muito nessa que é uma bandeira civilizacional.

Apesar da crescente pressão para que o Estado promova o acesso a instituições escolares na idade adequada, nos últimos anos têm crescido, no Brasil, um movimento pelo direito de preterir da escola no processo de formação de crianças e adolescentes. Políticos e associações afirmam que entre 10 mil e 31 mil famílias brasileiras praticam o que é internacionalmente conhecido pela expressão inglesa homeschooling, em tradução literal “escolarização em casa” (BRASIL, 2019a, 2019b), embora sem precisar a origem desses dados. No Brasil, há divergências quanto à nomenclatura, variando entre “ensino domiciliar” (BRASIL, 2015), “educação domiciliar” (como na Associação Nacional de Educação Domiciliar - ANED) (BRASIL, 2019b, 2018a, 2018b, 2017) e “educação básica domiciliar” (BRASIL, 2012). Os defensores dessa modalidade de educação têm se articulado com políticos, sobretudo na esfera federal, para introduzir na legislação sobre a educação nacional a possibilidade de educação domiciliar. Além disso, associações de defensores dessa perspectiva têm difundido sites na rede mundial de computadores pelos quais oferecem, para comercialização, materiais didáticos, cronograma de aulas e plano de estudos para pais e responsáveis interessados em educar seus filhos ou tutelados em casa, dentre os quais destacam-se o site https://homeschoolingbrasil.info/.

Os defensores do homeschooling afirmam que a educação domiciliar, além de proteger a criança e o adolescente de situações de violência, seja no deslocamento à escola, seja na própria escola (por meio do bullying, da delinquência juvenil e da doutrinação), está mais preocupada com a melhora no desempenho acadêmico, já que não se perde tempo com gestão de turma, com atividades que desviam a atenção do conteúdo programado e específico de cada componente do currículo. Afirmam isso apresentando exemplos de indivíduos bem sucedidos que, como Thomas Edison, não frequentaram a escola regular (HOMESCHOOLINGBRASIL, 2019). Entretanto, mesmo considerando acertados os argumentos sobre a exposição à violência e sobre os resultados acadêmicos, é possível afirmar que o que se promove em casa é, efetivamente Educação? Ou, em outras palavras, é possível uma efetiva Educação sem uma instituição como a escola?

Para responder a essa pergunta, e é dessa forma que este artigo está estruturado, é preciso compreender do que se trata das propostas de alteração na legislação brasileira que visam inserir no regramento a possibilidade de homeschooling, doravante tratado apenas como “educação domiciliar”. Ademais, para compreender o que é, efetivamente, Educação, é impreterível refletir sobre a tensa relação entre a esfera privada e a esfera pública e como o império de uma ou de outra compromete a qualidade da Educação. Além disso, faz-se necessário ponderar o que é a escola, ou melhor, como essa instituição se posiciona e se mobiliza frente a essas duas esferas. Por fim, é preciso refletir sobre o que diferencia a Educação escolar na tensão entre as esferas privada e pública da vida, em outras palavras, o que não pode ser renunciado por qualquer projeto que se pretenda “Educação”, que responsabilidades precisam ser assumidas por todos os que se envolvem na Educação e se isso é possível sem uma instituição como a escola. Constituem a base teórica dessa reflexão alguns escritos de Hannah Arendt, Gert Biesta e Fernando Savater.

Os Projetos de Lei que tratam da regulamentação da Educação Domiciliar no Brasil

Antes de encerrar o primeiro mês do governo Bolsonaro, iniciado em 1º de janeiro de 2019, o poder executivo, por meio da Casa Civil, divulgou 35 metas, em 16 áreas, para os seus 100 primeiros dias (BRASIL, 2019a). Destas, ao Ministério da Educação cumpria o lançamento de um programa chamado à época de “Alfabetização acima de tudo”, cuja descrição limitava-se a ser um “programa com métodos científicos para redução do analfabetismo”. Entretanto, outra meta de grande impacto na Educação nacional foi alocada à área de Direitos Humanos, sob a égide do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), pasta comandada pela ministra Damares Regina Alves. A meta publicada constituía em “Regulamentar o direito à educação domiciliar, beneficiando 31 mil famílias”. De acordo com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, quando da apresentação e sumária descrição das metas, a regulamentação dar-se-ia por meio de medida provisória (MAZUI; CASTILHOS, 2019). Entretanto, ao completar os 100 dias, o governo desistiu de regulamentar o tema por medida provisória (MP) e, como substitutivo, apresentou à Câmara dos Deputados, em 11 de abril de 2019, um Projeto de Lei (PL) de autoria do Poder Executivo Federal (CAMPOS; VERDÉLIO; PUDUZZI, 2019), elaborado conjuntamente pelos ministérios da Educação e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. A substituição da MP por um PL atende ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, em Acordão do dia 12 de setembro de 2018, pelo qual a maioria dos ministros entendeu a necessidade de matrícula em instituição regular de ensino das crianças e adolescentes em idade escolar; entretanto, entendeu, também, não ser possível estabelecer a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da prática da educação domiciliar em razão da inexistência de uma lei que regulamente a matéria. Conforme o Acordão, a tese adotada foi a de que “não existe direito público subjetivo do aluno ou de sua família ao ensino domiciliar, inexistente na legislação brasileira” (BRASIL, 2018, p. 4). Caberia, então, no entendimento dos ministros, ao Poder Legislativo, o estabelecimento de regulamentação sobre a matéria.

O PL 2401/2019, de autoria de Poder Executivo (BRASIL, 2019b), que procura regrar a prática da educação domiciliar, propõe alterações ao Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (BRASIL, 1990) e à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (BRASIL, 1996) e “Dispõe sobre o exercício do direito à educação domiciliar no âmbito da educação básica” (BRASIL, 2019b, p. 1). Já em seu Art. 1º, no parágrafo 1º, procura definir o entendimento legal da educação domiciliar como o “[...] regime de ensino de crianças e adolescentes, dirigido pelos próprios pais ou pelos responsáveis legais” (BRASIL, 2019b, p. 1). Na Exposição de Motivos Interministeriais Nº 00019/2019 MMFDH MEC, anexa ao PL, os ministros Damares Alves e Abrahan Weintraub, respectivamente do MMFDH e do MEC, procuram justificar essa definição:

Destacamos que a própria definição da expressão “educação domiciliar”, do ponto de vista jurídico, é uma questão relevante, uma vez que há diversas possibilidades em sua concretização. Em muitos casos, os pais realizam diretamente as atividades educacionais com seus filhos, sem contar com outras pessoas; em outras situações, além dos pais ou responsáveis, também profissionais especializados cooperam em atividades específicas. Além disso, a expressão “educação domiciliar” pode induzir a uma interpretação equivocada, com foco no local onde a educação ocorre, como se fosse restrita ao ambiente do lar. Na verdade, o processo de formação dos estudantes de famílias que optam por esse tipo de educação costuma ser realizado em locais diversos e inclui com frequência visitas a bibliotecas públicas, a museus, passeios pela cidade e pela região, em áreas urbanas ou rurais. Desse modo, é importante adotar-se o conceito baseado em seu aspecto essencial: educação domiciliar consiste no regime de ensino de crianças e de adolescentes, dirigido pelos pais ou por responsáveis. (BRASIL, 2019b, p. 6-7).

O conceito sustentado pelos proponentes é mais revelador no que omite do que no que expõe. A questão central não é onde dar-se-á o processo de ensino, mas sobretudo com quem, em companhia de quem, em que circunstâncias, sob o controle de quem. Não se trata então de uma educação domiciliar, mas de uma “educação sem escola”, ou seja, sem uma instituição pública (ou privada) cujas atribuições compreendem a transmissão (e a própria produção) da cultura e dos fundamentos científicos reconhecidos pela comunidade internacional, sem uma instituição em que os pais ou responsáveis não exercem o controle sobre os temas postos em discussões, sobre o currículo, sobre as diferentes posições axiológicas, sobre os valores e as visões de mundo que convivem e, não raro, entram em conflito.

É importante destacar que a legislação brasileira prevê a possibilidade de exercícios domiciliares de aprendizagem. O Decreto-Lei Nº 1.044/1969 (BRASIL, 1969, n.p.), ainda em vigor, estabelece, no Art. 1º, “[...] como merecedores de tratamento excepcional os alunos de qualquer nível de ensino, portadores de afecções congênitas ou adquiridas, infecções, traumatismo ou outras condições mórbidas, determinando distúrbios agudos ou agudizados” que podem se caracterizar por incapacidade física relativa que impeça a frequência às aulas regulares, por ocorrência isolada ou esporádica, além de casos de síndromes hemorrágicas, asma, afecções reumáticas, casos em que há submissão à tratamento de correções ortopédicas, entre outros. O Decreto-Lei estabelece, no Art. 2º, que a esses casos excepcionais a ausência física à escola precisa ser compensada com a oferta de “[...] exercícios domiciliares com acompanhamento da escola, sempre que compatíveis com o seu estado de saúde e as possibilidades do estabelecimento” (BRASIL, 1969, n.p.). Percebe-se que, nos casos de impossibilidade de comparecimento ao espaço público, à escola, deve o Estado promover meios para que a escola atenda ao estudante em regime excepcional. Não se trata de uma opção de educação sem escola, mas de um esforço de universalizar a escolarização formal aos estudantes que, permanente ou temporariamente, se encontram sem condições de frequentar um estabelecimento formal. Nesse caso, o direito subjetivo não é o de gozar de uma educação sem escola, mas, ao contrário, o direito objetivo de estar integrado ao sistema de educação formal.

Além do PL de autoria de Poder Executivo Federal, sobre o tema, tramitam, na Câmara dos Deputados, outros três PLs, e, no Senado Federal, outros dois PLSs. Na Câmara dos Deputados, tramitam o PL 3179/2012, apresentado pelo Deputado Lincoln Portela, à época deputado por Minas Gerais pelo Partido da República (BRASIL, 2012); o PL 3261/2015, apresentado pelo Deputado Eduardo Bolsonaro, à época deputado por São Paulo pelo Partido Social Cristão (BRASIL, 2015); e o PL 10185/2018, apresentado pelo Deputado Alan Rick, deputado pelo Acre pelo Democratas (BRASIL, 2018a). Os três projetos, embora apresentem singularidades, encontram-se apensados e, portanto, acompanham o fluxo do PL de 2012. Já no Senado Federal, os PLSs 490/2017 e 28/2018 foram apresentados pelo senador por Pernambuco, Fernando Bezerra Coelho, do Movimento Democrático Brasileiro (BRASIL, 2017, 2018b). O PL 3179/2012 é significativamente breve e propõe a inserção de parágrafo no Art. 23º da LDB (BRASIL, 1996) que facultaria aos sistemas de ensino a admissão da Educação Básica domiciliar, assim como a avaliação periódica.

Na justificativa do PL, o proponente estressa a noção de Estado como mero avaliador periódico ao cunhar a expressão “Poder Público certificador” (BRASIL, 2012, p. 2). No PL 3261/2015, o proponente solicitou expressamente o apensamento ao PL de 2012, assim evitando o arquivamento em eventual Parecer (BRASIL, 2015). O proponente não sugere alteração no Art. 23º da LDB; entretanto, o faz para os Art. 5º, 6º, 21º, 24º, assim como sugere alterações nos Art. 55º e 129º do ECA. Em todos os casos, ao texto original da redação dos artigos ou incisos, é acrescido dispositivo que autoriza o “regime de ensino domiciliar”, resguardando ao Estado, por meio de instituições de ensino credenciadas, o dever de avaliar periodicamente a qualidade deste (BRASIL, 2015). O PL 10185/2018 propõe alterações nos Art. 5º, 23º, 24º, 31º e 32º da LDB e no Art. 129º do ECA (BRASIL, 2018a). Já os PLSs (Senado) tratam dos mesmos dispositivos dos projetos da Câmara e complementam-se mutuamente, haja vista que o PLS 490/2017 propõe alterações na LDB e no ECA, e o PLS 28/2018 propõe alterações no Decreto-Lei Nº 2848/1940 (BRASIL, 1940), Código Penal, no capítulo que trata do crime de abandono intelectual.

De modo geral, os PLs e os PLSs promovem uma defesa dos direitos da família, da esfera privada, na educação moral e científica de seus filhos e/ou tutelados. A esfera privada constitui parte imprescindível da formação de qualquer criança e adolescente; entretanto, faz-se necessário compreender qual é esse papel assim como o que caracteriza essa esfera. Sobre isso, dedica-se à reflexão da parte que segue.

A esfera privada: o lugar seguro frente aos perigos do mundo

Os proponentes dos PLs que tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado Federal manifestam grande preocupação com a perda do poder familiar nas definições dos conteúdos, temas e abordagens que implicam direta ou indiretamente a formação moral das crianças e dos adolescentes. Acusam também a incapacidade do Estado em oferecer um lugar seguro para que os valores familiares não sejam atacados pelos próprios agentes do Estado (os professores em especial) ou por terceiros, pela contaminação devido ao contato com valores outros que não os “de casa”. Essa preocupação está manifesta de forma explícita no texto das justificativas do PL 3261/2015, em tramitação na Câmara dos Deputados:

A simples convivência em ambiente escolar multisseriado, com a presença de crianças e adolescentes de variadas idades, por si só, enseja preocupação e inquietude em questões relacionadas a violência, drogas, sexualidade precoce, bullying, valores culturais e religiosos etc, dos quais, muitas vezes, notoriamente o Estado não consegue tutelar os alunos na medida desejada pelas famílias. (BRASIL, 2015, p. 8).

A preocupação com a interferência do Estado na formação moral das crianças e dos adolescentes fomentou a proposição, no Art. 23º do PL 10185/2018, de que a opção familiar por educação domiciliar dar-se-ia “sem sujeição de qualquer espécie de requisito ou condição” (BRASIL, 2018a, p. 1); desse modo, não competiria ao Estado estabelecer qualquer critério, como a simples apresentação de um programa de estudos, para que as famílias que desejam educar seus filhos sem matriculá-los em uma escola assim procedam.

O PL 2401/2019, de autoria do Poder Executivo Federal, propõe o condicionamento do que considera como “plena liberdade de opção” das famílias ao cumprimento de alguns requisitos. No inciso V, do Art. 4º, propõe-se que os pais ou responsáveis legais devem, no ato em que efetuam a matrícula do estudante em plataforma virtual a ser desenvolvida para atender a essa demanda, apresentar um “plano pedagógico individual”, e, no parágrafo 4º do mesmo artigo, estabelece que a renovação da matrícula dar-se-á anualmente com a inclusão na plataforma do “plano pedagógico individual correspondente ao novo ano letivo” (BRASIL, 2019b, p. 2). O monitoramento do cumprimento das atividades dispostas no “plano pedagógico individual”, de acordo com o Art. 10º, caberá aos próprios pais ou responsáveis legais, sem nenhuma interferência de órgão do Estado. Na proposição, o Estado assume o papel de Estado-Avaliador, limitando sua atuação a averiguar o desempenho por meio de um exame anual que teria como referência os conteúdos formais do currículo correspondente ao ano escolar equivalente à idade do estudante avaliado, conforme estabelecem o caput e o parágrafo 1º do Art. 6º. A proposição dá a entender que, quando da indicação da escolha por “educação domiciliar”, disposta no parágrafo 1º do Art. 2º, os pais ou responsáveis também têm assegurado o direito de não ter mais nenhum contato com a instituição do Estado no que diz respeito ao processo formativo de seus filhos ou tutelados legais. Isso fica subsumido na expressão “É plena a liberdade de opção dos pais ou dos responsáveis legais” (BRASIL, 2019b, p. 1).

Como fundo, manifesta-se a defesa de que a educação é uma atribuição exclusiva da família, da esfera privada. A defesa da esfera privada como o lugar em que se está seguro encontra ressonância no debate acadêmico. Conforme Arendt (2016, p. 235), diante dos perigos do mundo, perigos que caracterizam a esfera pública, as quatro paredes “[...] entre as quais a vida familiar privada das pessoas é vivida” compreendem um escudo contra o mundo, contra seu aspecto público e perigoso. Por isso, para a autora, o lugar tradicional das crianças e dos adolescentes é o lar, a família, pois esta se manifesta como uma proteção, um lugar de repouso contra as ameaças comuns nos assuntos humanos. Para Arendt, então, não é a família o que determina a esfera privada, mas a segurança. O fato de que o que caracteriza a vida privada não é a família, mas a segurança, não exclui o fato de que a família estruturada e funcional ofereça a melhor opção de segurança na vida privada. O mundo, por sua vez, o espaço público, caracteriza-se pela insegurança, pelo risco, pela exposição de si mesmo. A própria legitimidade de uma esfera privada só faz sentido pela existência da esfera pública; ela é para onde se abrigam aqueles que passaram o dia na esfera pública, no mundo, na comunidade dos que não tem nada em comum (BIESTA, 2017). É nessa comunidade que os adultos vivem. Todos os adultos, enquanto levam uma vida adulta, transitam, trabalham e agem na esfera pública. Todas as crianças, quando ascenderem à idade adulta, também o farão. Não é uma opção para ninguém, salvo diante, talvez, da negação do mundo e do enclausuramento, não transitar no mundo humano.

A esfera privada oferece a proteção contra o excesso de luz da esfera pública. Para Arendt (2016), a escuridão (a privacidade), só é possível, e cada vez em menor grau, na esfera privada, é condição necessária para o crescimento saudável. Entretanto, ressalta que tudo o que cresce orienta-se para a luz, ou seja, para a esfera pública, para o mundo. A retenção da criança na esfera privada, por mais bem-intencionada que seja, é artificial e potencialmente problemática. De acordo com Arendt (2016), ela oculta o fato elementar de que a criança não é apenas um ser em desenvolvimento, mas um ser humano em desenvolvimento, e que, por isso mesmo, diferente de todos os outros seres vivos com quem compartilhará o planeta, possui como característica a condição de duplo nascimento. Primeiro nasce para a espécie, da mesma forma que um gatinho nasce para a sua espécie. Entretanto, como ser humano que é, embora em desenvolvimento, precisa nascer para o mundo, pois é no mundo, com os outros, que a vida humana acontece. Savater (1998, p. 78-79) concorda com Arendt quando afirma que as crianças “[...] são educadas para serem adultas, não para continuarem sendo crianças. São educadas para crescerem melhor, não para não crescerem... uma vez que, de qualquer modo, bem ou mal, irão crescer inevitavelmente”. A retenção na esfera privada, em Arendt (2016, p. 236), oculta o fato de que “[...] a infância é uma etapa temporária, uma preparação para a condição adulta”. Assim sendo, por mais que se evite, que se tente postergar, que se crie mecanismos de proteção, a criança, ao crescer, inserir-se-á no mundo. É razoável que essa inserção não se dê de modo abrupto e traumático. A autora não nega a importância da família, mas ressalta que:

Entre esses grupos de iguais surge então uma espécie de vida pública, e, sem levar absolutamente em conta o fato de que esta não é uma vida pública real e de que toda empresa é de certa forma uma fraude, permanece o fato de que as crianças - isto é, seres humanos em processo de formação, porém ainda não acabados - são assim forçados a se expor à luz da existência pública. (ARENDT, 2016, p. 236)

É preciso aprender a agir no mundo, no lugar em que os “outros” estão. Assim, a afirmação, disposta na justificativa do PL 3261/2015 (BRASIL, 2015, p. 8), de que apesar de haver inequívocos aspectos positivos na convivência em sociedade, não cabe ao Estado sua definição e imposição se isso não for “desejado por quem detém o pátrio poder”, precisa ser enfrentada pela constatação da realidade, ou seja, do fato de que o mundo é o lugar em que os seres humanos, de todas as idades e diferentes entre si, coabitam (ARENDT, 2016). A esfera privada oferece a proteção contra este mundo, entretanto não pode oferecer a negação, a não ser na condição de fraude. Conforme Savater (1998, p. 89), “[...] em muitas ocasiões, os pais não educam para ajudar o filho a crescer, mas para satisfazer-se modelando-o à imagem e semelhança do que eles gostariam de ter sido, compensando assim suas próprias carências e frustrações”.

É claro que a família possui um importante papel no processo educativo. Conforme Biesta (2017) e Savater (1998), a família também educa, mas o faz de modo diferente do que a escola, em métodos e objetivos. O que se aprende com ela, devido à alta carga afetiva, tem grande força persuasiva que pode servir para a construção de princípios morais que acompanharão o indivíduo ao longo de sua vida, sobrevivendo e auxiliando nas mais variadas adversidades. Entretanto, pela mesma carga afetiva que possui, pode criar e cristalizar prejuízos (psicológicos e sociais) que dificultarão as relações desse indivíduo com os “outros”. Savater (1998) reitera que a educação em âmbito familiar opera pela via do exemplo, por “hábitos de coração, chantagens afetivas” e recompensas por carícias e castigos e, desse modo, o aprendizado resulta em identificação ou rejeição total aos valores sustentados. Em outras palavras, não se desenvolve em um ambiente de possibilidade de avaliação crítica dos próprios valores familiares. Para o autor, há legitimidade nessa relação educativa, porém ela opera em um nível primário, como uma “socialização primária do neófito”, relativa aos valores compartilhados pela família e pelas instituições e redes frequentadas por ela, como o clube e a igreja. Sustenta, também, que essa socialização primária precisa ser complementada por uma “socialização secundária”, qualificada, em ambientes não restritos aos domínios familiares. Para Savater (1998), a hegemonia das formas de socialização primária e a retenção das crianças e dos adolescentes no âmbito da esfera privada, mais especificamente na esfera familiar, enseja o perigo da organização do mundo em guetos incomunicáveis. Bauman (2013) e Löwy (2015) afirmam que a conformação desses guetos, a rejeição do que é outro, é promovida por uma espécie de pânico moral e de pânico de identidade - uma negação da complexidade plural que é o mundo. Conforme Savater (1998, p. 190), a conformação desses guetos implica afirmar que “[....] deva haver uma educação diferente para cada um desses grupos, que os ‘respeite’, isto é, que confirme seus preconceitos e não permita que se abram e sejam contagiados pelos outros”.

Não se nega que esses encontros são tensos e problemáticos, que o encontro com o que é outro pode ser desconfortável, mas afirma-se que é justamente em razão desse desconforto na esfera pública que se justifica a necessidade da esfera privada. Desse modo, eliminando o contato com a insegurança do mundo, perde sentido a própria esfera privada como espaço da segurança. Do mundo exterior, plural e complexo, a criança (e o adulto) pode se refugiar na família. Entretanto, para a criança e para o adolescente, da família não há escapatória, “[...] salvo à custa de um desligamento traumático, que nos primeiros anos praticamente ninguém é capaz de permitir” (SAVATER, 1998, p. 71). Por vezes, o mundo precisa criar mecanismos para assegurar a qualidade da vida privada, especialmente no que diz respeito à garantia da segurança das crianças que, se restritas ao império da família - parte importante, mas não determinante, da esfera privada -, não tem, justamente por ainda serem crianças, como se proteger de violências diversas que contra elas podem ser direcionadas na esfera e na instituição (família) que deveria lhes oferecer a segurança e o conforto. Muitas vezes, a verificada situação de abandono da responsabilidade dos pais-adultos implica a necessária inversão de papéis; assim, cabe ao Estado atuar na proteção da infância, o que seria atribuição da esfera privada. Por isso, Arendt (2016) afirma que devemos todos, na condição de adultos, ter uma postura responsável para com nossas crianças. Postura responsável por todas as crianças e todos os adolescentes de modo a ajudá-los na sua natalidade, no seu nascimento para o mundo e para os seus perigos. Então, cabe a todos a responsabilidade pela existência de uma vida privada, de um lugar seguro, imprescindível para todos, sobretudo para aqueles que estão em desenvolvimento. Foi nesse espírito que se promulgaram, não sem grandes debates, as legislações que versam sobre as responsabilidades de toda a sociedade, por meio de seus representantes (os adultos), sobre suas crianças e adolescentes, ou, em termos de Arendt, sobre os seres humanos em desenvolvimento. Desse conjunto de legislações, destacam-se sobremaneira o ECA (BRASIL, 1990) e a LDB (BRASIL, 1996), que estabelecem a responsabilidade solidária entre o Estado a sociedade e as famílias na educação de todas as crianças e adolescentes brasileiros. Duas das leis que os PLs propõem alterações.

As escolas brasileiras, especialmente as públicas, têm atuado como uma rede de proteção dos direitos e da integridade física e emocional de crianças e adolescentes, sendo um dos principais locais em que ocorre a identificação e de onde parte a comunicação às autoridades responsáveis (Conselho Tutelar, Ministério Público, polícia) de casos de maus-tratos que, via de regra, ocorrem no seio da família (KNOW VIOLENCE IN CHILDHOOD, 2017 1; BRASIL, 2017 2). O Relatório Global Ending Violence in Childhood, sobre violência contra crianças e adolescentes de 2017 (com dados de 2015), aponta que mais de 68% das crianças e adolescentes sofrem ou sofreram algum tipo de punição corporal em casa (KNOW VIOLENCE IN CHILDHOOD, 2017). O Balanço da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (BRASIL, 2018c, p. 16-19) registra que 57% dos casos de maus-tratos a crianças e adolescentes (por “negligência”, “violência psicológica”, “violência física”, “violência sexual” e “outras violações”), reportados entre os anos de 2011 e 2017, ocorreram na casa da vítima. Do total, em 37% dos casos o suspeito da violação era a mãe e em 18% o pai. Não apenas a escola pode, como é obrigada por força de lei, comunicar tais casos, conforme estabelece o Art. 245º do ECA (BRASIL, 1990).

Sem a escola, os dispositivos de proteção da integridade física e emocional de crianças e adolescentes ficam severamente comprometidos, deixando esse grupo, que é mais vulnerável por sua própria condição (ainda não são adultos), desassistido pelo poder público que deve zelar por sua segurança e integridade. O cenário torna-se ainda mais grave quando se verifica a forma da redação da Exposição de Motivos Interministeriais, anexo ao PL 2401/2019, assinadas pelos ministros da Educação e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, quando da justificativa de dispositivos reguladores sobre quem pode e quem não pode optar pela educação domiciliar de seus filhos e tutelados e qual o papel do Estado nesses casos, dispostas no Art. 12º do PL 2401/2019:

No que diz respeito a uma especial proteção às crianças e aos adolescentes em circunstância que possam ensejar maiores riscos, nesse primeiro momento de implantação da modalidade, entendemos ser conveniente que seja vedada a educação domiciliar nos casos em que o responsável legal que deverá prover o ensino estiver cumprindo pena em razão de determinados crimes. (BRASIL, 2019b, p. 8).

O que torna preocupante a justificativa sustentada não é a relação de leis infringidas (dentre as quais o próprio ECA), que implicariam na vedação do direito a optar pela oferta domiciliar de educação, mas a ênfase “nesse primeiro momento de implementação da modalidade”. Tal postura indica uma predisposição, por parte do Estado brasileiro, especialmente dos proponentes, em dispensar tal “respeito a uma especial proteção” em um eventual “segundo momento”, quando a modalidade já se encontrar implementada na legislação nacional sobre a Educação. Isso indica uma predisposição do Estrado em favorecer, ou, no mínimo, omitir-se em situações de violência e abuso que tem como vítima justamente aqueles que mais precisam do Estado para a garantia de seus direitos, aqueles que ainda não são adultos. Isso fica mais claro no texto do PL 10185/2018 (BRASIL, 2018a) que, embora também estabeleça o necessário acompanhamento avaliativo do Estado, sugere um parágrafo adicional ao Art. 23º da LDB, em que concede absoluto império da vontade dos pais sobre a opção pela “educação domiciliar” de seus filhos, “sem sujeição a qualquer espécie de requisito ou condição”.

A esfera privada perde, assim, sua principal característica que, como dito, não é ser o seio da família em si, mas a segurança. O império da esfera privada pode fazer desta uma terra sem lei em que tudo pode acontecer. Nesses cenários, os mais vulneráveis, que ainda não podem se proteger porque ainda não são adultos, podem ser expostos a situações que em muito prejudicariam a qualidade de seu crescimento, já que, como crianças e adolescentes que são, são seres humanos em desenvolvimento. Se toda a criança e todo o adolescente tornar-se um adulto e ingressar no mundo adulto, complexo e plural, em que seus valores não são os únicos valores válidos, em que as relações entre os seres humanos já não se dão mais da forma como se dão na família, em que se está exposto aos perigos de aparecer, aos perigos da natalidade, é sensato que esse ingresso não se dê de forma radical, como uma ruptura, mas que ocorra de forma gradual. Para Arendt (2016), Biesta (2017, 2018) e Savater (1998), a escola é a instituição que oferece as condições para esse ingresso gradual e relativamente seguro. A escola compreende um lugar seguro para se contaminar pelo outro e para contaminar o outro. Antes de discutirmos mais a fundo essa concepção da escola, faz-se necessária uma breve reflexão sobre os prejuízos que o império da esfera pública, tal como o império da esfera privada, oferece para a qualidade do crescimento das crianças e dos adolescentes.

O Império da Esfera Pública como projeto utópico desumanizante

A vigilância sobre a influência da esfera pública não se faz sem sentido. Assim como o excesso de controle exercido pela família pode comprometer a qualidade do crescimento da criança e do adolescente que, nunca demasiado lembrar, crescerá e inscrever-se-á no mundo adulto, mundo este que é caracterizado pela pluralidade, gostem disso ou não, o excesso de controle, por parte do Estado, na formação também pode dificultar as condições para que as crianças e os adolescentes nasçam para o mundo como seres únicos e irrepetíveis, capazes de oferecer algo que só eles poderiam na comunidade daqueles que não têm nada em comum. Por excesso de controle da esfera pública, quer-se afirmar a imposição do desligamento do ser humano em formação dos círculos familiares, ou melhor, da segurança da esfera privada.

Ao fazer uso da educação à serviço de uma Utopia, seja ela à esquerda ou à direita, a geração adulta está subtraindo das novas gerações o papel que estas podem desempenhar e, mesmo, criar, no organismo político. Conforme Arendt (2016, p. 225), “[...] a crença de que se deve começar das crianças se se quer produzir novas condições permaneceu sendo principalmente o monopólio dos movimentos revolucionários de feitio tirânico que, ao chegarem ao poder subtraem as crianças a seus pais e simplesmente as doutrinam”. Os adultos, neste caso, não agem em benefício do desenvolvimento dos jovens no sentido de sua inserção qualificada em um mundo que, da perspectiva dos próprios jovens, é velho, mas como guardiões, tutores que impedem o que Kant, já em 1784, definia como esclarecimento. Para o filósofo alemão (KANT, 2012), constitui um crime contra a humanidade que os adultos de uma época se aliem e conjurem para impedir que os que virão depois desenvolvam-se. Tal situação, ainda segundo Kant, torna justificável a rebeldia e, mesmo, a delinquência juvenil que recusa a tradição imposta.

A Educação compreende uma das mais importantes atividades de todas as sociedades humanas porque, em todas elas, crianças nascem e, como seres humanos que são, não o fazem apenas no sentido biológico. Como não se limita a ser um ser vivo em desenvolvimento, a criança possui, sempre, um duplo aspecto. Conforme Arendt (2016, p. 234), “[...] é nova em um mundo que lhe é estranho e se encontra em processo de formação; é um novo ser humano e é um ser humano em formação”. A Educação é uma exclusividade humana porque não se limita à vida biológica. Tem, também, relação com o mundo. Não se limita à esfera privada, assim como não se limita à esfera pública. Como um ser com duplo aspecto, a criança, por um lado, precisa da família, da proteção da esfera privada; e, por outro, precisa ser inserida gradualmente no mundo, na esfera pública. A exclusão da família, ou melhor, a subtração das crianças do seio familiar é típica de utopias políticas autoritárias e totalitárias que tem, como objetivo, começar um mundo novo a partir do zero. A retenção da criança na esfera privada, por outro lado, cria um mundo fictício que não compreende a complexidade e a pluralidade do que é humano. Assim, é possível planejar a “educação” para sossegar os pais (SAVATER, 1998) e é possível planejar a “educação” como uma ferramenta a serviço dos interesses da sociedade (BIESTA, 2017). Entretanto, em nenhum caso se está respeitando o duplo aspecto e o duplo nascimento que todo ser humano pode experimentar. Mesmo nos mais elaborados planejamentos que impedem, por um lado ou por outro, a natalidade, as crianças nascem para o mundo. A questão é se nascerão de um modo adulto, de um modo responsável. Isso tem muito a ver com a qualidade do crescimento, com o quanto o empreendimento educativo não se eximiu de considerar a própria Educação como uma oportunidade para ajudar as crianças e os adolescentes a crescer e a se inserir de modo responsável no mundo humano, plural e complexo. No próximo item, a reflexão debruça-se sobre a instituição que interpomos entre a esfera privada e a esfera pública, a instituição que pode provocar o desenvolvimento qualitativo deste ser de duplo aspecto.

A escola entre a esfera privada e a esfera pública: o duplo aspecto da criança e o caráter conservador da educação

Se a criança, inevitavelmente, tornar-se um adulto, ou seja, ingressar nos assuntos humanos, no mundo plural, complexo e perigoso, e se tanto o império da esfera privada quanto da esfera pública comprometerem a qualidade desse ingresso, a qualidade do crescimento - um por retardar a natalidade, pela criação de um mundo fictício de iguais, e o outro por dificultar a subjetivação, a contribuição que cada ser humano pode oferecer por ser único e irrepetível -, é preciso que a transição entre a proteção da família, da esfera privada, e os perigos do mundo, da esfera pública, deem-se de modo gradual. A escola é, na compreensão de Arendt (2016), Biesta (2017) e Savater (1998), a instituição criada para tornar possível essa sempre incerta transição. Assim, a escola não pode ser parte da esfera privada e nem parte da esfera pública. Não é a família e não é o mundo. É algo “entre”, não separada dessas duas esferas, mas na própria tensão entre elas.

A Educação compreende, em Arendt, a transição entre essas esferas e a escola, a instituição que se preocupa em oferecer as condições. Essa transição é, concomitantemente, uma exclusividade e uma necessidade humana, já que os neófitos humanos, como algo mais do que simplesmente membros de uma espécie que habita o Planeta, passam por dois nascimentos distintos, possuem duplo aspecto (ARENDT, 2016; SAVATER, 1998) e podem inserir novos começos e transformar o mundo, mas para isso precisam do mundo, de um espaço aberto a novidade. Nas palavras de Arendt (2016, p. 239): “Na medida em que a criança não tem familiaridade com o mundo, deve-se introduzi-la aos poucos a ele; na medida em que ela é nova, deve-se cuidar para que essa coisa chegue à fruição em relação ao mundo como ele é”.

O mundo “como ele é” não é a mesma coisa que o mundo “como eu e meu grupo gostaria que ele fosse”, não é um mundo idealizado, asséptico, significa outrossim o mundo com seus desafios complexos, com as coisas (e pessoas) que existem independentemente da vontade de um ou outro grupo, o mundo como o lugar da humanidade. Em Savater (1998), encontra-se que os seres humanos nascem para a humanidade e que a confirmação do primeiro nascimento, ou seja, enquanto um ser humano, se dá pelo segundo nascimento, pelo reconhecimento dos outros. Nas palavras do autor: “É preciso nascer para humano, mas só chegamos a sê-lo plenamente quando os outros nos contagiam com sua humanidade deliberadamente” (SAVATER, 1998, p. 30-31). É, portanto, preciso um mundo, na qualidade de espaço público, para a natalidade.

A Educação, então, também possui duplo aspecto: precisa proteger a criança, ou melhor, a possibilidade da novidade, mas não pode abandonar o velho, o mundo, já que é a própria existência do mundo enquanto um complexo humano marcado pela pluralidade que oferece as possibilidades para a natalidade, para o ingresso do novo. Conforme Biesta (2017), a pluralidade do mundo é, a um só tempo, uma condição problemática para a Educação e a própria condição sem a qual não é possível sequer se falar em Educação. Por mais que seja uma necessidade constante inserir começos no mundo, não é possível, e a experiência histórica dá mostras disso por meio dos incontáveis fracassos das utopias políticas, um começo absoluto. Ao contrário, sempre que se inserem começos, estes são inseridos em um mundo velho. Um mundo que é anterior ao indivíduo, à criança e ao jovem, e que sobreviverá a eles. É nesses termos que Arendt (2016) define o papel do educador, e, consequentemente, da escola nessa tensa e aparente (apenas aparente) ambiguidade que compreende o que a autora chama de “caráter conservador da Educação”:

[...] o educador está aqui em relação ao jovem como representante de um mundo pelo qual deve assumir a responsabilidade [...]. Essa responsabilidade não é imposta arbitrariamente aos educadores; ela está implícita no fato de que os jovens são introduzidos por adultos em um mundo em contínua mudança. [...]. A qualificação do professor consiste em conhecer o mundo e ser capaz de instruir os outros acerca deste, porém sua autoridade se assenta na responsabilidade que ele assume por este mundo. Face à criança, é como se ele fosse um representante de todos os habitantes adultos, apontando os detalhes e dizendo à criança: - Isso é o nosso mundo. (ARENDT, 2016, p. 239).

A ambiguidade da dimensão conservadora da Educação é apenas aparente porque o mundo que se quer preservar é o mundo enquanto espaço público e, portanto, marcado pelas inúmeras manifestações de humanidade. Isso significa afirmar que, ao apresentar o mundo, não se apresenta apenas uma perspectiva (ou a perspectiva hegemônica) do que é o mundo, mas seus conflitos, seus projetos, suas utopias e os seus problemas (SAVATER, 1998). Trata-se da conservação do mundo, não das coisas como elas estão dispostas no mundo. Do próprio mundo como um lugar dinâmico, como o lugar da pluralidade, habitado pelos homens e pelas mulheres no plural (ARENDT, 2017), e que, por isso, precisa, constantemente, ser renovado e, mesmo, transformado, para oferecer aos que estão por vir as condições favoráveis à natalidade, ao ingresso do novo.

A criança, esse ser de duplo aspecto, precisa ser inserido no mundo, já que, como ser humano que é, nasceu para a humanidade. Vir ao mundo, além de difícil e perigoso, não é algo que se possa fazer sozinho. O outro, aquele que não sou eu, que não faz parte de um “nós”, é uma necessidade. A noção de socialização sustentada por Biesta é diferente da ideia de socialização presente nas justificativas do PL 3261/2015, ou seja, da defesa de que “[...] a sociabilidade se dá de forma orientada pelo núcleo familiar na participação comunitária e social” (BRASIL, 2015, p. 8). Esse tipo de socialização compreende uma extensão da socialização primária que, embora demasiadamente importante, compreende uma forma de socialização entre iguais. Não está, portanto, aberta para o outro, e, consequentemente, não ajuda na transição entre a esfera privada e a esfera pública. Não prepara para o ingresso no ambiente plural em que é possível que as mais profundas crenças e os mais naturalizados valores do indivíduo e de sua família não sejam compartilhados pelos outros, ou, pelo menos, não pelos outros em sua totalidade. Não prepara para os perigos do mundo justamente porque exclui o mundo como um problema educativo. Já a ideia do outro como necessidade e do mundo (onde os “outros” estão) como condição para a Educação, que não se limita à socialização, precisa superar a ideia de tolerância, no sentido de tentar construir um entendimento, uma forma de compreensão mútua que é, seguindo Bauman (2013), uma prolífica fonte de criatividade cultural. Essa criatividade precisa estar aberta para o outro, para o imprevisto, precisa improvisar responsavelmente, precisa desejá-lo. Implica despertar para a e existência do outro pelo desejo de educar e de ser educado, de compartilhar o mundo (GUR-ZE’EV, 2005). Significa uma forma de excitação cognitiva que se manifesta intensamente quando da tomada de consciência da existência do outro (LUZON, 2016). Implica estar aberto para a incerteza e afirmar que o mundo e sua insuperável insegurança é, concomitantemente, algo problemático e a própria condição para a possibilidade da Educação (BIESTA, 2017).

Em sociedades marcadas pela diversidade étnico-racial e religiosa, como é o caso da brasileira, a Educação escolar exerce um papel significativo e, mesmo, insubstituível, na apresentação do mundo. Foi com esse fito que diversas formulações legais foram estabelecidas para que a diversidade cultural, em algum momento da vida escolar, fosse diretamente abordada, das quais destacam-se as Leis Nº 10.639/2003 e Nº 11.645/2008 que procuram romper com o eurocentrismo dominante nas abordagens curriculares e, assim, atentas à pluralidade brasileira, tornam obrigatório o ensino da história e da cultura africanas, dos afro-brasileiros e das populações indígenas brasileiras (BRASIL, 2003; BRASIL, 2008). No Brasil, a pluralidade que marca o mundo (habitado por homens e mulheres únicos e irrepetíveis) recebe um tempero multicultural e multirracial que, muitas vezes, toma a forma de violências e manutenção de privilégios que a complexifica e que não pode ser negligenciado na apresentação do mundo àquele que é novo no mundo. Conforme Arendt (2016, p. 223), com os olhos voltados para outra realidade que não a brasileira, mas com traços de aproximação, “[...] a fusão extremamente difícil dos grupos étnicos - nunca completamente lograda, mas superando continuamente as expectativas - só pode ser cumprida mediante a instrução [e a] educação”. Por fusão, a autora não está afirmando a necessidade de universalização, de síntese absoluta, mas o contrário, o reconhecimento da pluralidade, da dignidade do outro e da legitimidade de sua forma de viver e ser no mundo. Isso, é claro, pode favorecer, e até mesmo forçar, uma crise de sentido que se verifica no contato com valores não compartilhados pelos estudantes e suas famílias, provocando pânico moral e medo do outro, daquele que é diferente e, logo, oferecendo combustível à reação contra a “intromissão” desses valores em espaços até então higienizados (BAUMAN, 2017; LÖWY, 2015). Encarar de forma sensata e racional, em outros termos, sem pânicos de identidade e sem pânicos morais, é assumir uma postura de adulto no mundo.

Mover-se no mundo de modo adulto implica uma postura ética diante do outro, em uma perspectiva nunca garantida de reciprocidade (já que cada um só pode ser adulto individualmente). A adultez não compreende uma transição natural, meramente etária, mas uma postura sensata (SAVATER, 1998) de quem sabe estar entre outros. É ajudar a atingir a adultez, ou seja, ajudar na qualidade do crescimento, a tarefa da instituição inserida entre a esfera privada e a pública. Conforme Biesta (2018):

Estar no mundo de um modo adulto [e a educação não tem por razão manter as crianças como crianças], existir de um modo adulto - sem ser o centro do mundo -, pode ser parecido com uma resposta ao que está “fora”, que vem ao encontro, que desafia, que chama adiante. Tais encontros são sempre interrupções - nos modos de como se é, nos desejos, nos questionamentos sobre esses desejos, ou seja, se o que se deseja é desejável. Enfrentar essa questão, levantá-la, dar-lhe um lugar, respondê-la, é menos um assunto de aprendizagem e, talvez, mais um encontro com o ensino, com a experiência de ser ensinado, de ser abordado pelo que está fora de si mesmo e não construído por si. (BIESTA, 2018, p. 28).

Isso não significa que o indivíduo negará seus valores e crenças, adquiridos no convívio familiar e comunitário, assim como não precisa, em sua vida, abrir mão e viver fora dos padrões de excelência de sua religião e tradição (SAVATER, 1998). Significa, outrossim, que os outros também têm o direito de viver de acordo com seus próprios padrões de excelência que podem ser radicalmente diferentes dos valores assumidos pelo indivíduo. A tensa relação entre valores e princípios que podem ser compartilhados por todos e os valores e as crenças aceitos só por alguns, com todo o direito de fazê-lo, é, lembra Savater (1998), um excelente tema de debate para uma aula, por exemplo, sobre ética. É evidente que muitos dos valores familiares serão postos em discussão, assim como os valores passíveis de serem assumidos por todos. É evidente que nem todos gostarão da discussão. Entretanto, é esse desconforto provocado em uma instituição que não é a família e (ainda) não é o mundo, o que pode ajudar na qualidade do crescimento para o ingresso adulto e sensato no mundo.

A escola é a instituição que possibilita que os perigos da educação sejam experimentados com certa margem de segurança. Um lugar seguro para tentar formas diferentes de compartilhar o mundo. Um lugar seguro para entrar em contato com o que é diferente. Um lugar seguro para se contaminar pelo (e para contaminar o) outro. Isso em nada retira o caráter perigoso da Educação. Ao contrário, é justamente porque uma efetiva Educação é perigosa que se faz necessária a escola, como um lugar “seguro” para ser educado. É um tipo de segurança diferente da que se verifica na esfera privada, assim como o tipo de perigo da Educação é diferente dos perigos da esfera pública. Lembremos: a escola está entre essas duas esferas. No próximo item, discutiremos no que consistem os perigos da efetiva Educação, ou seja, da educação em sua dimensão conservadora, preocupada em preservar, ao mesmo tempo, o mundo, como o espaço da pluralidade, e a criança e o adolescente, como um sujeito que pode inserir começos e transformar o próprio mundo.

Os irrenunciáveis perigos da Educação e seu caráter necessariamente violento

A queixa sobre os perigos presentes nos espaços escolares é acompanhada por uma reclamação, cada vez mais comum, sobre a qualidade do que é ensinado nas escolas. Questiona-se também a qualidade da formação dos professores. Nas justificativas do PLS 490/2017 (BRASIL, 2017), o proponente, ao ressaltar que o projeto pleiteado procura atender à demanda de famílias que já praticam a educação domiciliar, embora, como vimos, sem estar amparadas por lei específica, afirma que:

Seja pelo seu desencanto com a baixa qualidade das escolas públicas, combinado com o alto custo das instituições privadas, seja pelo ambiente carregado de violência e de desrespeito a princípios básicos de convivência nas instituições escolares de todo tipo, essas famílias têm optado por desenvolver a educação de seus filhos no ambiente doméstico, com observância às individualidades de cada educando, aos seus tempos próprios de aprendizagem e aos valores morais e preceitos éticos do grupo familiar. (BRASIL, 2017, p. 2).

É legítima a preocupação com a redução dos padrões acadêmicos (ARENDT, 2016), e ela deve figurar como uma preocupação constante nas políticas públicas que versam sobre a educação. Entretanto, há muito de romantismo sobre a ideia de uma época de ouro da escola, de excelência acadêmica, de respeito à figura do professor ou da professora. Esse romantismo, que é marca da memória individual e coletiva sobre a escola, ressignificada diante das demandas contemporâneas, não resiste, porém, por muito tempo face às evidências documentais e à literatura sobre o tema de períodos não muito distantes. São recorrentes os registros de preocupações docentes e das autoridades com relação à redução da qualidade do que era aprendido e ensinado, assim como com relação ao desrespeito e, mesmo, à delinquência juvenil (SPOSITO PONTES, 2001), especialmente a partir da massificação do acesso à escola. Além disso, tem-se verificado a melhoria no desempenho dos estudantes brasileiros nos exames sistêmicos e padronizados que mensuram os conteúdos formais adquiridos pelo alunado e ranqueiam escolas e redes de ensino (GESQUI, 2016). Contudo, sem recusar a legitimidade dessa preocupação, ainda cabe indagar se a Educação se limita à transmissão de conhecimentos objetivos, mensuráveis, ou seja, se a Educação se limita a ser uma tecnologia a serviço da sociedade e se a escola se limita a ser o seu suporte, o seu instrumento de aplicação.

Se a escola, como instituição criada para ajudar na transição entre a esfera privada e a esfera pública, precisa, a um só tempo, proteger o mundo, como espaço sempiternamente aberto à novidade, e a criança, como ser único e irrepetível capaz de inserir começos no mundo, renovando-o, é possível que o que é mais importante em Educação não sejam os conteúdos objetivos, tais como as leis da natureza, os acontecimentos históricos, os tipos de solo, a gramática formal etc., mas o tornar-se adulto em um mundo plural, compartilhado com os outros. De modo algum se quer afirmar que o encontro com o outro é algo que se dá sem conflitos. Ao contrário, é cheio de armadilhas (BAUMAN, 2013), incompreensões, ruído e mal-entendidos (GUILHERME, 2015). O encontro com o que é o outro é sempre um encontro tenso, inseguro e instável e que, por isso mesmo, oferece certa ameaça, especialmente para grupos que querem preservar seus valores e apresentá-los como imutáveis e atemporais. É justamente na defesa desses desejos, ameaçados pelo contato com estranhos no mundo plural, que os grupos ultraconservadores organizam e mobilizam suas pautas (MOUFFE, 2005). É por isso que a Educação não só pode eventualmente se opor a opinião familiar, mas ela precisa se opor, precisa enfrentar o desafio de afirmar que o mundo é maior e mais complexo do que uma cultura ou tradição, seja ela qual for.

Não significa, também, que o objetivo da Educação seja a unificação de todas as culturas em uma só. Isso é a anulação da pluralidade do mundo, ou seja, do mundo como um espaço público aberto à novidade. Ao contrário, compreende o contágio com o que é diferente, sem que, com isso, o indivíduo rejeite sua origem. A Educação compreende, assim, uma luta sem garantias de tradução dignificante de culturas diferentes, ou seja, um esforço de rompimento dos guetos culturais, da ideia de que apenas entre iguais é possível algum entendimento, assim como compreende um esforço de rompimento da ideia de imutabilidade de uma cultura ou tradição. Isso não nega o fato de que, assim como qualquer informação, um conjunto de valores de uma cultura precisa ser ajustado ao quadro de referências da outra, precisa ser traduzido constantemente. Conforme Savater (1998, p. 188): “Nenhuma cultura é insolúvel para as outras, nenhuma cultura brota de uma essência tão idiossincrática que não possa e não deva mesclar-se a outras, contagiar-se pelas outras”. Além disso, não significa que todos os valores são iguais. Ao contrário, significa que precisam passar pelo crivo axiológico, precisam ser criticados de modo respeitoso e construtivo. Isso se aplica aos valores dos outros e aos seus próprios. A educação compreende uma resposta ao que é o outro e às demandas do outro, assim como provocar questões para o outro. Nisso consiste a responsabilidade pela “qualidade do crescimento”. Conforme Biesta (2017)

Os professores e outros educadores não só têm uma tarefa crucial em criar as oportunidades e um clima em que os estudantes possam realmente responder. Possuem igualmente a tarefa de desafiar seus estudantes a responder, confrontando-os com o que é outro e com quem é outro, e propondo questões fundamentais como “O que você acha sobre isso?”, “Qual é a sua posição?”, “Como vai reagir?”. (BIESTA, 2017, p. 49).

Essas questões não são questões fáceis, nem de serem feitas e muito menos de serem respondidas. Elas desafiam o estudante, o perturbam. Biesta (2017, p. 50) chama esse tipo de perturbação de “violação da soberania do estudante”, ou, então, de “violência transcendental”. É violência porque é possível que no processo educativo o indivíduo aprenda algo que não gostaria de aprender, inclusive algo sobre si, sobre seu grupo social e étnico etc. É possível que descubra algo sobre a violência (nesse caso a física e, mesmo, banalizada) que seu grupo e credo sofreu assim como sobre a violência que cometeram. É possível que aprenda sobre as injustiças de que é vítima, assim como sobre os privilégios de que goza sem, em um primeiro momento, ter consciência disso. Só é possível falar em Educação quando se está disposto a correr esses riscos. Assim, a Educação escolar precisa ser diferente da familiar porque esta se propõe reprodutivista da perspectiva de mundo, da moral, da lei, das tradições etc. da própria família, como os próprios PLs que procuram regulamentar a Educação Domiciliar enfatizam. Assim sendo, em uma “educação sem escola” não há risco, não há superação de si mesmo e, no limite, não há um processo educativo. Superar a si mesmo não é uma atividade agradável e, necessariamente, precisa do outro. A Educação precisa ser vista como uma resposta ao que é diferente, ao que é “externo” ao indivíduo, ao que desafia, irrita e perturba, ao que desassossega. É violência transcendental. É a gradação dessa violência, em um espaço seguro, porque fora da órbita do afeto e da segurança da esfera privada e ainda não mergulhado nos perigos do mundo plural, que possibilita a natalidade, o nascimento para o mundo. É claro que questões sobre quem somos e sobre quem queremos ser são questões que interessam ao indivíduo individualmente; entretanto, são também do interesse de todos que compõem o tecido social, de todos que estão no (e por isso podem compartilhar o) mundo (BIESTA, 2017).

Se assumirmos que a Educação não compreende o mero receituário de conteúdos mensuráveis, ela não pode estar submissa à lógica das transações econômicas, assim como não deve estar preocupada em atender às demandas imediatas e aos desejos manifestos pelos estudantes, por suas famílias, pela sociedade, pelo mercado etc. A Educação não é uma tecnologia e não deve ser abordada como uma transação econômica. Tratar a Educação em termos de transações econômicas implica compreender mal o que é a Educação e, especialmente, qual é o papel dos profissionais da Educação, sobretudo os professores e as professoras. A abordagem da educação como um serviço prestado está alinhada ao discurso neoliberal de “Value for Money”, ou seja, do “bom uso do dinheiro dos impostos” (GUILHERME; PICOLI, 2019, p. 4). Naquilo que Biesta (2012, p. 813) chama de “Era da Mensuração”, de exames sistêmicos e com os resultados expostos, culpabilizando professores e redes de ensino pelo sucesso e pelo fracasso nos próprios rankings, têm-se verificado uma preocupante alteração na abordagem sobre o trabalho docente: não mais tomado pelo modelo profissional, mas, sim, pelo modelo de mercado. Conforme Biesta (2017, p. 38), é essa mudança que move o discurso, verificado em documentos nacionais, como a BNCC, e internacionais, como as orientações da UNESCO e as diretrizes do PISA, “[...] de que as instituições educacionais e os educadores individuais devem ser flexíveis, que devem responder às necessidades dos aprendentes [...] segundo o princípio de que o aprendente/consumidor está sempre com a razão”. Isso tem configurado o que Ball (2012) caracteriza como ventriloquismo docente, ou seja, a eliminação do caráter político e, mesmo, intelectual, do trabalho docente e a tecnificação deste mesmo fazer: os professores são privados de sua voz e, ao aplicar os procedimentos pré-estabelecidos, de acordo com os desejos dos estudantes, das famílias e do mercado, não são mais do que peças na engrenagem normalizadora. Em outras palavras, preocupadas apenas com suas posições nos ranqueamentos, as escolas e as redes de ensino podem, sistematicamente, evitar que questões relevantes, porém não mensuráveis, sejam elaboradas no processo educativo. A posição no ranking, ou seja, a comprovação da boa aplicação dos recursos, pode se tornar, se não a única, a principal preocupação das escolas e das políticas educacionais. Assim, o papel que é exclusivo da escola, qual seja o de auxiliar na qualidade do crescimento, na inserção como adulto em um mundo plural (BIESTA, 2018), de tornar os indivíduos conscientes da existência dos outros (SAVATER, 1998; GUR-ZE’EV, 2005), o de criar oportunidades para a natalidade (ARENDT, 2016), é colocado, na melhor das hipóteses, em segundo plano. Conforme Biesta (2017):

Essa maneira de pensar está na base do surgimento de uma cultura de prestação de contas que resultou em sistemas rigorosos de inspeção e controle e em protocolos educacionais cada vez mais prescritivos. É também a lógica por trás dos sistemas de vales-educação e da ideia de que os pais, como os consumidores da educação de seus filhos, devem decidir em última análise o que deve ser oferecido nas escolas. (BIESTA, 2017, p. 36-37).

Por sua vez, a defesa de que a educação precisa atender aos desejos e as necessidades dos estudantes costuma se apresentar com um verniz de boas-intenções. Esse verniz toma a forma da defesa do “pleno desenvolvimento dos estudantes”. No parágrafo segundo do Art. 1º do PL 2401/2019, de autoria do Poder Executivo Federal, encontra-se que: “A educação domiciliar visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, nos termos do disposto no Art. 205 da Constituição” (BRASIL, 2019b, p. 1). Entretanto, mesmo a ideia de pleno desenvolvimento é um problema para a Educação, e, como problema precisa ser enfrentada. Se a educação compreende a transição entre a vida privada e a pública, tendo na escola sua instituição por excelência, e se a dimensão conservadora da educação implica que ela precisa proteger não apenas o neófito frente ao mundo, mas também o mundo frente ao neófito, o “desenvolvimento pleno da pessoa” implica alguns problemas para o mundo.

Tendemos a considerar essa expressão apenas em seus aspectos positivos, como o gosto pela arte, a capacidade de interpretar textos, as habilidades voltadas ao trabalho em sociedades complexas etc. Entretanto, o ser humano também possui potencialidades para coisas não tão nobres (embora algumas incentivadas pela sociedade), como a competição, a negação do outro enquanto ser com direito a Ser, o individualismo narcísico, a trapaça, a corrupção etc. É preciso escolher quais potenciais ajudar a desenvolver e quais ajudar a resistir. Muitos dos potenciais nocivos às relações com outros seres humanos são demandados pela sociedade, pelo mercado e pela família, e apresentados como naturais, como parte de uma tradição que não deve ser alterada. Educar para a adesão cega a valores naturalizados ou a recusa apaixonada por valores estranhos compreende uma forma de educação que normatiza os indivíduos e os impedem de experimentar formas de Ser no Mundo diferentes daquelas vividas por seu grupo e família. Além disso, direcionam para não considerar como dignas as formas como os outros manifestam sua humanidade. Justamente em razão do discurso encantador do “pleno desenvolvimento das capacidades humanas”, Biesta (2018) afirma que, se a escola precisar definir uma função como sendo exclusivamente sua, ou seja, que nem o mercado, nem a família, assim como nem as inúmeras formas informais de se ser educado, podem desempenhar, essa função precisa ser a de resistir aos desejos da sociedade e da família e, assim, ajudar os jovens a ingressarem no mundo a partir da assunção de uma postura adulta.

Na escola precisam ser ensinados, por meio de temas e conteúdos, os sentidos subjacentes e inerentes (explícitos e implícitos) das escolhas éticas (SAVATER, 1998). É tarefa da escola porque não se trata de simples atos sociais rotineiros, mas, sim, de ideais racionais, fundamentados teórica e metodologicamente. Nesse sentido, uma “educação sem escola”, ou seja, sem um lugar “seguro” para a criação de oportunidades para a crítica respeitosa dos próprios valores e dos valores e opiniões da família, reifica-se a opinião familiar e impõe o entendimento de que cada um possui sua ética e que toda opinião tem o mesmo valor. Savater (1998, p. 92) afirma que, no tocante aos valores, “[...] pode argumentar-se a superioridade ética de uns sobre outros, começando por avaliar o próprio pluralismo, que permite e aprecia a diversidade”. A democracia, por exemplo, compreende um valor superior (e que deve se sobrepor) ao da defesa de ditaduras que perseguiram, torturaram e mataram pessoas. Posicionar-se a favor da democracia é um ato político que pode se opor - e precisa se opor, caso a situação nesses termos se der - à opinião e à moral da família. É um direito que essas convicções sejam respeitadas em sua dimensão privada. É direito acreditar que a única forma de família é a que é composta pelo matrimônio entre um homem e uma mulher, assim como é um direito comportar-se de acordo com suas convicções. Não é um direito, por outro lado, impor essa concepção à totalidade dos cidadãos que podem não admitir isso como uma verdade inquestionável. Para Andrade (2010, p. 121), a educação por valores, ou educação moral, pode ajudar a superar situações de violência e intolerância presentes no cotidiano, que ocorrem como “coisas naturais” sem que, de fato, o sejam. Pode, assim, incorporar a denúncia à banalidade do mal e, principalmente, anunciar as responsabilidades morais - que estão além da religião e dos desejos da família - diante do mundo. Isso, é claro, pode ser muito doloroso (BIESTA, 2017; ADORNO, 1995).

Então, é evidente que a Educação promovida pela escola, enquanto lugar entre a esfera privada e a pública, eventualmente opor-se-á aos valores da família. Precisa se opor porque possui responsabilidade para com o mundo e para com o neófito (a criança e o adolescente) enquanto um ser único e irrepetível capaz de oferecer ao mundo algo novo e imprevisto, inclusive pela família. Essa responsabilidade, pelo mundo e pela criança é compartilhada entre todos os adultos (ARENDT, 2016). Não se trata, então, tão só de responsabilidade pela qualidade do ensino ou dos conteúdos, mas pela qualidade das oportunidades criadas para a natalidade, para que o indivíduo se torne uma presença entre outros no mundo plural e compartilhado (BIESTA, 2017). Essa responsabilidade, nunca é demais reafirmar, é compartilhada por todos os adultos, já que o mundo, enquanto lugar compartilhado, é do interesse de todos. Conforme Arendt (2016), diferentemente dos progenitores das demais espécies animais que compartilham o planeta com os seres humanos:

Os pais humanos, contudo, não apenas trouxeram seus filhos à vida mediante a concepção e o nascimento, mas simultaneamente, os introduziram em um mundo. Eles assumem na educação a responsabilidade, ao mesmo tempo, pela vida e desenvolvimento da criança e pela continuidade do mundo. Essas duas responsabilidades de modo algum coincidem; com efeito podem entrar em mútuo conflito. A responsabilidade pelo desenvolvimento da criança volta-se em certo sentido contra o mundo: a criança requer cuidado e proteção especiais para que nada de destrutivo lhe aconteça de parte do mundo. Porém também o mundo necessita de proteção, para que não seja derrubado e destruído pelo assédio do novo que irrompe sobre ele a cada nova geração. (ARENDT, 2016, p. 235).

Envolver-se em Educação, portanto, implica assumir essa dupla responsabilidade desconfortável, porém necessária. A criança é sempre única e irrepetível e sua inscrição na vida e no mundo se dá de forma definitiva, e todos que se envolvem no processo educativo sofrem os efeitos da violência (transcendental) desse processo. Em outras palavras, todos precisam estar dispostos a relativizar seus valores, a serem questionados no mais íntimo de suas crenças, a enfrentar o problema do outro e o outro como problema (educacional e político). Esse é um risco irrenunciável. Conforme Arendt (2016), a Educação consiste no decisivo momento que assumimos essa dupla e perturbadora responsabilidade. É, também, o preciso (precioso) momento que decidimos se amamos o mundo o bastante para nele inserirmos as crianças e os adolescentes e

[...] se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista por nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum” (ARENDT, 2016, p. 247).

Ao se recusar a escola, espaço cuja frequência é demandada pela esfera pública, pelo Estado, os PLs que procuram regulamentar a Educação Domiciliar e seus apoiadores ignoram a condição humana de “duplo nascimento” e criam dificuldades para o ingresso no mundo ao procurar reter as crianças e os adolescentes no âmbito da esfera privada. Eliminar a escola e, consequentemente, as possibilidades de entrar em contato com temas controversos e, sobretudo, com o outro, ou seja, com a possibilidade de que os valores familiares sejam discutidos pelos estudantes e pelos professores, são ações que têm como objetivo reificar a opinião familiar (que pode ser radicalmente oposta à defesa democrática da pluralidade) e fazer com que valores que são respeitados por alguns, por escolhas religiosas, passem a ser entendidos como valores universais e, mais grave, inquestionáveis. Embora não se negue a possibilidade de que os resultados nos testes sistêmicos melhorem, não há efetiva Educação. Educar implica educar-para-o-mundo, pois é no mundo que as pessoas estão. Só se é uma pessoa com os outros. Para Arendt (2017), o mundo é o lugar da pluralidade, habitado pelos seres humanos no plural e não pelo Homem no singular, e é o fato da natalidade, o fato de que o tempo todo a sociedade é atordoada com novos seres que nascem para o mundo, a essência da Educação (ARENDT, 2016). O tempo todo crianças nascem para a vida como membro da espécie (nascimento), e como não se limitam a meros animais, são inseridos também no mundo humano (natalidade), das coisas criadas pelos homens e pelas mulheres em suas relações entre si e com os outros seres e coisas. Essa inserção é desconfortável, dolorosa, violenta. A Educação compreende a assunção da responsabilidade, não natural, pelo mundo e pelas crianças. É uma manifestação de amor e, como tal, implica desapego, implica abrir mão do desejo de sequestrar as possibilidades de futuro, ou seja, as possibilidades de inícios ainda imprevistos pelos que já estão no mundo.

Considerações finais: é possível efetiva Educação sem uma instituição pública como a escola?

Como a criança e o adolescente são seres com duplo aspecto e, portanto, nascem duas vezes, o primeiro nascimento para a vida biológica e o segundo (a natalidade) para o mundo, o primeiro para a espécie humana, o segundo para a humanidade, a Educação é, também, algo com duplo aspecto: precisa proteger esse ser em desenvolvimento e, concomitantemente, proteger o mundo enquanto um lugar aberto para a natalidade desse ser. Como um ser que não se limita à vida da espécie, as crianças necessariamente crescerão e, ao atingirem a idade adulta, serão lançadas à esfera pública, tendo, é claro, na esfera privada, o seu lugar de segurança, de repouso frente às pressões e aos desafios que implicam viver no mundo entre outros. Que fique claro que em nenhum momento se está a afirmar que viver entre outros, no mundo, na comunidade dos que não têm nada em comum, é uma atividade agradável por natureza, tão só se afirma aqui que necessariamente se vive entre outros na esfera pública, no mundo adulto. Da mesma forma que o indivíduo tem o direito de circular no mundo e ser respeitado em sua plena dignidade, o outro também o tem. Em síntese, todos que nascem para a espécie humana só completam sua humanidade quando nascem para o mundo que, diferentemente do planeta, é criação dos homens e das mulheres no plural por meio de suas relações.

Em algum momento dar-se-á o ingresso nos perigos da esfera pública. Quanto menos preparado o indivíduo estiver para esse ingresso, mais perigosa se torna essa esfera. Não apenas a esfera pública se torna mais perigosa para o indivíduo como o próprio indivíduo despreparado se torna um perigo para o mundo, para os outros. Um indivíduo instruído pode muito bem atingir um elevado desempenho acadêmico; entretanto, se não estiver preparado para o contágio, pode produzir ações nocivas para o mundo plural, para os outros e, logo, para si, já que o mundo é compartilhado. Um processo tal de retenção de crianças e adolescentes na esfera privada impede a gradativa preparação para o mundo plural e complexo, para o lugar em que os outros estão, porque fabrica a ilusão de um mundo de iguais (um não-mundo, uma negação do que é o mundo). Se a Educação compreende este desafio, sempre inseguro, sempre incerto, de ajudar as crianças e os adolescentes a ingressarem de forma qualificada e adulta no mundo, faz-se necessária uma instituição entre a esfera privada, de iguais, e a esfera pública, de diferentes. Uma educação sem escola pode até apresentar resultados acadêmicos satisfatórios, mas ao reter a criança e o adolescente em uma negação da pluralidade (de pessoas, de valores, de visões de mundo etc.) impede que se atinja a adultez.

Ser adulto significa saber-se existindo com outros que não compartilham os mesmos valores. Significa não agir no mundo como sendo o centro do mundo. Significa, em um só tempo, ser questionado, de forma respeitosa e digna, em seus mais profundos valores e crenças, e questionar os outros no mesmo sentido. É demasiado importante que se aprenda a fazer isso. Isso não se aprende com conteúdos programados, com cartilhas. Isso se aprende no contato com os outros. Esse contato é, nunca é demais repetir, desagradável e, mesmo, perigoso. Entretanto, é um perigo irrenunciável que todo projeto de educação responsável e efetivo precisa assumir. A escola compreende, assim, o espaço onde é possível vivenciar de forma mediada, orientada e relativamente segura, esses perigos que, de um modo ou de outro, serão vivenciados pelo indivíduo quando adentrar o mundo.

Então, é evidente que uma efetiva educação questiona os valores familiares, mas não para destruí-los, ao contrário, para qualificá-los, do tipo de qualificação que só a relação com o que não sou eu em um ambiente que, embora não seja a esfera privada, ainda não é o mundo, pode oferecer, para inseri-los na complexidade do mundo humano. Uma efetiva Educação resiste às demandas da sociedade e da família, e isso não significa que elas não importam, ao contrário, significa que importam tanto que é preciso pensá-las, o desafio que todo projeto educativo efetivo precisa enfrentar é como viver no mundo de uma forma que não ignore o outro e de uma forma em que não se seja ignorado pelos outros. Isso só é possível entre, compartilhando o mundo, contaminando os (e sendo contaminado pelos) outros.

A tarefa mais importante para a Educação na contemporaneidade não é, assim, ensinar conteúdos e técnicas, mas oferecer ambientes em que seja possível ser questionado pelos outros e, a partir desses questionamentos, tentar formas de compartilhar o mundo com os outros, de conviver na pluralidade. Esse ambiente é a instituição criada para ajudar na transição entre a esfera privada e a esfera pública: a escola. A qualidade do crescimento das crianças e dos adolescentes e sua inserção como adultos sensatos ficam comprometidas se tanto a esfera pública quanto a esfera privada exercer o Império sobre a formação das crianças e dos adolescentes, daqueles, portanto, que podem oferecer o novo, o imprevisto, no mundo.

1Ver páginas 2, 16, 41, 54 e 137 do documento.

2 Ver páginas 16 a 19 do documento.

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Recebido: 24 de Outubro de 2019; Revisado: 14 de Janeiro de 2020; Aceito: 15 de Janeiro de 2020; Publicado: 26 de Janeiro de 2020

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