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Práxis Educativa

versión impresa ISSN 1809-4031versión On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.15  Ponta Grossa  2020  Epub 26-Mar-2020

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.15.13655.004 

Artigos

O imigrante na política educacional brasileira: um sujeito ausente

The immigrant in Brazilian education politics: an absent subject

El inmigrante en la política educativa brasileña: un sujeto ausente

Dalila Andrade Oliveira* 
http://orcid.org/0000-0003-4516-6883

*Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG). E-mail: <dalilaufmg@yahoo.com.br>.


Resumo:

O artigo discute o lugar dos imigrantes nas políticas educacionais brasileiras. Busca compreender, com base na legislação que orienta a política migratória e a educação, como os direitos dos imigrantes são (ou não) respeitados. Para tanto, o texto recorre à revisão de literatura sobre o tema, baseando-se em pesquisas realizadas com grupos de estudantes estrangeiros, e se procurou conhecer em que medida o direito à educação desse público tem sido efetivado. O artigo está estruturado em três partes. Na primeira, procurou-se compreender a política migratória brasileira e seu desenvolvimento mais recente; na segunda se buscou discutir a política educacional das últimas duas décadas que, tendo o foco na diversidade, deveria tratar especificamente do estudante estrangeiro; e, por fim, a terceira parte apresenta algumas contribuições como conclusão, em que se constata que o estudante estrangeiro, ou o imigrante, tem sido um sujeito ausente nas políticas educacionais no país.

Palavras-chave: Estudantes imigrantes; Política educacional; Política migratória; Educação inclusiva

Abstract:

The article discusses the place of immigrants in Brazilian education policies. It seeks to understand, based on legislation that guides migration policy and education, how immigrants' rights are (or are not) respected. To do so, it uses the literature review on the subject, based on research conducted with groups of foreign students, sought to know to what extent the right to education of this public has been effective. The article is structured in three parts. In the first one, it was tried to understand the Brazilian migratory policy and its more recent development; in the second, we sought to discuss the educational policy of the last two decades that, focusing on diversity, should specifically address the foreign student; and finally, the third part, which presents some contributions as a conclusion, in which it is found that the foreign student or the immigrant has been a subject absent in the education policies in the country.

Keywords: Immigrant students; Education policies; Migration policy; Inclusive education

Resumen:

El artículo discute el lugar de los inmigrantes en las políticas educativas brasileñas. Se busca comprender, con base en la legislación que orienta la política migratoria y la educación, como los derechos de los inmigrantes son (o no) respetados. Para ello, se recurre a la revisión de literatura sobre el tema, basándose en investigaciones realizadas con grupos de estudiantes extranjeros, se buscó conocer en qué medida cómo el derecho a la educación de ese público ha sido efectuado. El artículo está estructurado en tres partes. En la primera, se buscó comprender la política migratoria brasileña y su estado actual; en la segunda, se buscó discutir la política educativa de las últimas dos décadas que, teniendo el foco en la diversidad, debería tratar específicamente del estudiante extranjero; y, por último, la tercera parte, que presenta algunas contribuciones como conclusión, en que se constata que el estudiante extranjero, o el inmigrante, ha sido un sujeto ausente en las políticas educativas en el país.

Palabras clave: Estudiantes inmigrantes; Políticas educativas; Política migratoria; Educación inclusiva

Introdução

Apesar de o fenômeno global da migração ter se acentuado nas últimas décadas no mundo, o Brasil parece pouco atento aos movimentos migratórios que, de maneira tímida, mas crescente, chegam ao país. Essa pouca atenção é percebida pela ausência de políticas e de mecanismos efetivos de acolhimento dos imigrantes no território brasileiro. Este artigo discute, especificamente, a relação desses imigrantes com as políticas educacionais na atualidade. O estudo busca compreender, com base na legislação que orienta a política migratória e a educação, como os direitos dos imigrantes são (ou não) respeitados. Recorrendo à revisão de literatura focada sobre estudos que abordaram o tema, por meio de pesquisas empíricas com grupos de estudantes estrangeiros, procurou-se conhecer em que medida o direto à educação desse público tem sido efetivado. Dessa forma, o artigo está divido em três partes. Na primeira, procurou-se compreender a política migratória brasileira e seu desenvolvimento mais recente; na segunda se buscou discutir a política educacional das últimas duas décadas que, tendo o foco na diversidade, por meio das políticas inclusivas, deveria tratar especificamente do estudante estrangeiro; e, por fim, a terceira parte apresenta algumas contribuições a título de conclusão, em que se constata que o estudante estrangeiro, ou o imigrante, tem sido um sujeito ausente nas políticas educacionais no país, mesmo nos momentos de maior avanço para uma agenda educativa de acolhimento da diversidade.

O Brasil, do início do século XX, era uma terra de imigrantes, majoritariamente vindos da Europa e Japão. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na década de 1920, a população brasileira chegava a ter 1 (um) estrangeiro para cada 20 (vinte) brasileiros. Em estudo realizado pelo IBGE (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2011) sobre o movimento migratório no Brasil se encontra que São Paulo chegou a ser identificada como uma "cidade italiana" nesse período. Os italianos encontraram trabalho, principalmente, na indústria nascente e nas atividades de serviços urbanos, chegando a representar, em 1901, 90% dos 50.000 trabalhadores ocupados nas fábricas daquele Estado. Se no passado era esse o cenário da imigração no país, cem anos depois, outra realidade se configura, a presença de estrangeiros vivendo em terras brasileiras na condição de migrantes é pouco representativa na atualidade.

De acordo com Figueredo e Zanelatto (2017), o Brasil incentivou o ingresso de grandes levas de trabalhadores estrangeiros em seu território, a partir do século XIX e acolheu um expressivo contingente de imigrantes, principalmente de origem europeia e japonesa. Entretanto, a partir do final da segunda grande guerra, experimentou um período em que houve uma sensível redução no interesse de trabalhadores migrantes em se instalar em território brasileiro, em virtude da política de austeridade implantada pelo Regime Militar, a partir da década de 1960, e da crise econômica vivenciada pelo país nas décadas de 1970 e 1980.

Curiosamente, foi justo nesse momento, que foi aprovado o Estatuto do Estrangeiro, a Lei nº 6.815, de 1980, que vigorou por quase quatro décadas, ditando as regras legais da política migratória do país. Esse Estatuto, aprovado durante a Ditadura Militar (1964-1985), pelo então presidente General João Batista Figueiredo, em seu primeiro artigo, revelava seu caráter protetivo e nacionalista, demonstrando a preocupação do país com aspectos de natureza militar e segurança nacional. Esse documento foi aprovado em um momento de baixo movimento migratório, sob um regime autoritário, impondo barreiras legais que restringiam a liberdade dos imigrantes no Brasil.

Somente em maio de 2017 foi sancionada, pela Presidência da República, a nova Lei de Migração, Lei nº 13.445 (BRASIL, 2017b), que passou a reger a vida dos imigrantes no Brasil sob outras bases e que tem caráter mais humanitário, contrariamente ao revogado Estatuto do Estrangeiro, que conflitava com tratados internacionais de Direitos Humanos. Tais tratados, encabeçados mundialmente pela Organização das Nações Unidas (ONU), exercem força constitucional nas decisões jurídicas de países signatários. Desde o fim da Ditadura Militar, o Brasil tem assumido compromissos com a ONU, visando, sobretudo, preservação dos direitos individuais do cidadão, de acordo com o previsto na Constituição Federal de 1988.

Diferentemente do Estatuto do Estrangeiro, que tratava o imigrante como um estranho, portanto, uma suposta ameaça à segurança nacional - salvo os imigrantes portugueses que poderiam gozar de igualdade de direitos e deveres em relação aos brasileiros, por conta dos valores históricos, culturais, linguísticos e étnicos que unem as duas nações -, a Lei de Migração procura preservar seus direitos. A Lei nº 13.445/2017 trata o imigrante como um concidadão do mundo, com direitos universais garantidos, todos providos gratuita e legitimamente pelo Estado, em conformidade com a política internacional de Direitos Humanos. Em seu Art. 3 revela, expressamente, o cuidado para que os imigrantes não sejam vitimados pela xenofobia, racismo ou qualquer outra forma de discriminação, garantindo a “igualdade no tratamento” e “igualdade de oportunidades aos migrantes e seus familiares”.

Com relação especificamente à educação, essa Lei traz em seu Art. 4: Ao migrante é garantida no território nacional, em condição de igualdade com os nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, bem como são assegurados:

X - direito à educação pública, vedada a discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória.

Essa lei representa uma posição política assumida pelo país, desde o final da Ditadura Militar, de buscar cumprir com os acordos internacionais e tratar bem seus imigrantes. Entretanto, com as mudanças políticas mais recentes no Brasil, esse tema, assim como tantos outros relacionados aos valores democráticos, tem sofrido retrocessos.

Nos primeiros dias do governo do presidente Jair Bolsonaro, que assumiu o Governo Federal em 1º de janeiro de 2019, a imprensa noticiou a confirmação de um anúncio feito pelo atual Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, um entusiasta da política externa de Donald Trump, de que o Brasil se dissocia do “Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e Regular”1. De acordo com o pronunciamento feito no Twitter, dias antes de sua posse, o Ministro afirmou que o país deixaria o Pacto, porque o considerava um "instrumento inadequado para lidar com o problema (migratório)", defendendo que a "imigração não deve ser tratada como questão global, mas sim de acordo com a realidade e a soberania de cada país"2. Esse abandono pode ser considerado como mais um elemento preocupante na política brasileira, que se anuncia para os próximos quatro anos.

A posição do Ministro é convergente com os movimentos que elegeram o atual presidente, um compósito de organizações conservadoras do ponto de vista político, econômico, religioso e moral. Uma extrema direita que tentou, durante a campanha eleitoral, ressuscitar o fantasma do comunismo e do socialismo como ameaça à família, aos bons costumes e à moral religiosa. Apropriando-se da Bandeira Nacional com o emblema de “Ordem e Progresso”, os elogios feitos à Ditadura Militar pelo candidato à presidência e a composição da candidatura presidencial, que tem como vice-presidente um general do exército, já demonstravam o caráter extremamente conservador a ser assumido pelo Governo.

Com relação à política de migração, as raivosas críticas dirigidas aos governos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011 - 2016) em relação ao seu acolhimento aos imigrantes bolivianos e haitianos, já demonstravam a disposição xenofóbica do atual governo e de seus apoiadores.

Desde a virada do milênio, o Brasil vem recebendo consideráveis parcelas de imigrantes procedentes de vários países e continentes se comparado às últimas décadas do século XX. Isso se deve a razões socioeconômicas dos países de origem dos migrantes, mas em especial à conjuntura econômica brasileira no último decênio. Mesmo assim, ainda que se considere a entrada recente de cerca de 60 mil venezuelanos e as ondas imigratórias de haitianos e bolivianos nas últimas décadas, a concentração de pessoas nascidas fora do país hoje é das menores da sua história. De acordo com dados da Polícia Federal, órgão que controla a entrada e saída do país, a população estrangeira no Brasil representa cerca de 750 mil pessoas, o que, em um universo de 207 milhões de habitantes, chega a um percentual de 0,4%3.

Sendo o Brasil o maior país da América Latina, ocupando mais da metade do território da América do Sul, a quantidade de imigrantes que recebe é muito pouco significativa se se considerar o fenômeno global da migração na atualidade. A ONU estima que 258 milhões de pessoas morem fora de seu país de origem, o que representa 3,4% da população mundial. Destes, quase um quinto mora nos Estados Unidos, que conta atualmente com cerca de 50 milhões de imigrantes, legais ou não, tendo 15% da população formada por estrangeiros4. Sabe-se que a questão da imigração nos EUA é um tema crítico e de alta relevância, tendo sido um dos pontos-chave na eleição do atual presidente Donald Trump.

Apesar de a questão migratória não ser um tema prioritário na agenda política brasileira, o atual presidente Jair Bolsonaro, que não se furta a demonstrar seu apreço pelo governo Trump, em vários aspectos da sua política, em um verdadeiro exercício de adulação, prefere contrariar um acordo firmado no âmbito das Nações Unidas, envolvendo um conjunto de mais de 160 países, e apoiar a posição ultraconservadora estadunidense no que se refere à política migratória. O que de certa forma encontra respaldo em parte da população brasileira, sobretudo, aquela que o elegeu. Em consulta pública feita pelo Senado durante a aprovação da referida nova Lei da Imigração (nº 13.445), no ano de 2017, mais de 60% votaram contra facilitar a entrada de imigrantes no país.

Essa atitude do atual governo é muito ilustrativa do que deverá ser a política externa e a política migratória do país nos próximos anos, o que pode vir, mais uma vez, a instaurar instrumentos jurídicos limitantes, bloqueios de fronteira e reforços para forças políticas, que promovem a segregação e a discriminação, apoiados por discursos midiáticos negativos. Uebel (2016), em uma análise das mudanças sofridas na política externa e migratória brasileira mais recentemente, toma por base o caso dos imigrantes haitianos, que possivelmente se replicam para outros grupos destacados, como de sírios e senegaleses, para demonstrar os desafios e pontos de convergência entre essas políticas. Para o autor, além das incongruências decorrentes da problemática migratória interna, os anseios de inserção estratégica externa do governo brasileiro, entre 2010 e 2015, explicam em grande medida o movimento recente na política nacional em relação à migração.

O autor destaca que os movimentos migratórios internacionais reassumiram, sobretudo no final dos anos 1980, importância crescente no cenário mundial com as grandes transformações econômicas, sociais, políticas, culturais e ideológicas, caracterizadas por desigualdades regionais acentuadas, pela manifestação crescente de conflitos diversos, bem como pela constituição de mercados integrados como o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA), a União Europeia e o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL).

Nesse sentido, é necessário compreender a distinção entre refugiados e imigrantes, já que os primeiros são considerados migrantes internacionais forçados, que cruzam as fronteiras nacionais de seus países de origem em busca de proteção, fugindo de situações de violência, como conflitos internos, internacionais ou regionais, perseguições em decorrência de regimes políticos repressivos, entre outras violações de direitos humanos. Para Uebel (2016), questões étnicas, culturais e religiosas, desigualdade socioeconômica, altos níveis de pobreza e miséria e, sobretudo, instabilidade política estão no cerne dos fatores, que levam a migrações de refugiados.

A intensificação desses processos, no final do século passado, explica em certa medida, porque nos anos 1990 tenha sido aprovada a Lei nº 9.474/1997 (BRASIL, 1997), que trata especialmente da situação dos refugiados, deixando outros aspectos em relação aos demais migrantes por conta do Estatuto ainda do Regime Militar. A Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados, também conhecida como Convenção de Genebra de 1951, define o que é um refugiado e estabelece os direitos dos indivíduos, aos quais é concedido o direito de asilo, bem como as responsabilidades das nações concedentes. Ainda, segundo Uebel (2016), apesar de a definição de refugiados, de acordo com a Convenção, referir-se àqueles que se encontram fora do seu país por causa de fundado temor de perseguição, por motivos de raça, de religião, de nacionalidade, de opinião política ou de participação em grupos sociais, e que não podem (ou não querem) voltar para casa, posteriormente, definições mais amplas passaram a considerar também as pessoas obrigadas a deixarem seu país devido aos conflitos armados, violência generalizada e violação massiva dos direitos humanos.

Nesse sentido, o Brasil, a partir do governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), vinha tomando posições no cenário internacional, que indicavam para uma imagem positiva do país, como aquele que adota políticas generosas, responsáveis e solidárias em questões humanitárias. A solidariedade interposta na sua ação, por meio da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH) é um exemplo disso. Durante os governos dos presidentes Lula e Dilma Rousseff, o Brasil se mostrou bastante flexível em adotar uma política favorável ao estrangeiro, embora ainda utilizasse como base legal o Estatuto do Estrangeiro do período ditatorial, lei que somente foi revogada em 2017, pelo presidente Michel Temer, após o impeachment da presidente Dilma.

Ainda, de acordo com Uebel (2016), no governo Lula, a política externa passou por ajustes de programa, com alterações significativas que estiveram mais relacionadas àênfase e aos meios buscados para inserção do país no cenário internacional do que propriamente ao conteúdo dos objetivos perseguidos. A principal modificação consistiu em diversificar as opções adotadas, compondo uma estratégia denominada de autonomia pela diversificação. As diretrizes de política externa mantiveram, assim, o multilateralismo, a cooperação, a defesa dos direitos humanos, a construção da paz, a adesão aos regimes, o respeito às organizações internacionais e a priorização aos países da região, especialmente do MERCOSUL.

O autor destaca que, além da cooperação Sul-Sul, também foi enfatizada a aproximação com países em desenvolvimento e emergentes, a fim de obter vantagens políticas e econômicas, participação na formação do G20 e na composição dos BRICS. A liderança regional passou a ser exercida de forma mais assertiva, embora sem adotar uma postura ostensiva ou confrontadora. A América Latina foi tratada como prioridade, tendo buscado assumir a posição de intenção de administrar as crises humanitárias e arbitrar os conflitos políticos na região, com vistas a assegurar a estabilidade regional. Merece destaque a postura ativa que teve o governo brasileiro nesse período, intermediador de conflitos e promotor da integração regional latino-americana, no âmbito da União de Nações Sul-americanas (UNASUL), em especial, no que se refere à política migratória: “La cooperación en materia de migración, con un enfoque integral, bajo el respeto irrestricto de los derechos humanos y laborales para la regularización migratoria y la armonización de políticas." (UNASUL, 2008).

A educação dos imigrantes no Brasil

O número de matrículas de alunos de outras nacionalidades em escolas brasileiras mais do que dobrou em oito anos, considerado o período entre 2008 e 2016. Em 2008, foram 34 mil matrículas registradas de imigrantes ou refugiados, enquanto em 2016 o dado saltou para quase 73 mil, isso em um universo de cerca de 50 milhões de estudantes. As informações são do levantamento feito pelo Instituto Unibanco com base nos dados do Censo Escolar (BRASIL, 2016), que é realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao Ministério da Educação.

Segundo o levantamento, a rede pública de ensino é a que mais acolhe esses estudantes: 64% do total. Os dados do censo também mostram que os latinos representam mais de 40% dos alunos estrangeiros no Brasil, concentrando-se principalmente na rede pública, seguidos pelos europeus, asiáticos e norte-americanos5.

As redes de ensino ainda oferecem poucas orientações de caráter pedagógico ou relacionadas ao recebimento dos imigrantes aos profissionais das escolas. A barreira da língua é considerada a primeira grande dificuldade, ainda mais, se considerar que o Brasil é o único país que fala português na América. A legislação determina que estrangeiros têm direito ao acesso à educação da mesma forma que as crianças e os adolescentes brasileiros, conforme expresso pela Constituição Federal (artigos 5° e 6°), pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (artigos 53° ao 55°), pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (artigos 2° e 3°) e pela Lei da Migração (artigos 3º e 4º). A Lei dos Refugiados (Lei nº 9.474/1997) garante, ainda, que a falta de documentos não pode impedir o acesso ao ensino.

Ainda, de acordo com o Censo Escolar, São Paulo é o Estado que mais recebe matrículas de alunos de outras nacionalidades: 34,5% do total do país, seguido do Paraná, com 10,7% e Minas Gerais, com 10,6%. Em São Paulo, os estudantes se dividem em mais de 80 nacionalidades. Segundo os dados do Cadastro do Aluno da Secretaria Estadual da Educação de São Paulo, em novembro de 2017, a rede contabilizava 10.298 estrangeiros matriculados. Dentre eles, estão mais de 4 mil bolivianos, 1,2 mil japoneses, cerca de 550 angolanos e 540 haitianos6.

Em 2010, no último ano de governo do presidente Lula, a Revista Nova Escola7 publicou uma matéria sobre os imigrantes nas escolas brasileiras. Na abertura da reportagem, a Revista justificava a relevância da temática pelo acréscimo de estrangeiros que chegavam ao país, sendo atraídos pelo fato de que naquele momento o Brasil apresentava taxas de crescimento econômico na faixa dos 7% ao ano e um regime democrático consolidado. Nesse período, a taxa de desemprego no país passou de dois dígitos para apenas um, atingindo o menor índice da série histórica do IBGE, 4,3%. Assim, o país se tornou interessante para estrangeiros em busca de empregos e chances de uma nova vida, um destino atraente para imigrantes de países em desenvolvimento. A Revista informa que, naqueles últimos dez anos, a população de chineses havia triplicado, a de coreanos dobrado e a de bolivianos aumentado em 70%. No fim de 2009, quase 895 mil estrangeiros viviam no país em situação regular e outros 60 mil sem documentação.

Os dados do Censo Escolar comprovam isso, já que, entre 2007 e 2009, 10 mil novos alunos estrangeiros passaram a frequentar as salas de aula das escolas brasileiras, totalizando 38 mil estudantes na Educação Básica da rede pública. Naquele momento, já se reconhecia que o aumento representava um desafio para as instituições, que recebem os imigrantes. Muitos sofrem com preconceito ebullyinge têm dificuldade para fazer amigos e se integrar à cultura brasileira. Os pais que estão em situação irregular têm medo de serem descobertos e vergonha de se expor às outras famílias8.

Em 2015, os haitianos lideraram o ranking de chegada ao país pelo segundo ano consecutivo. De acordo com os dados da Polícia Federal, foram 14.535 haitianos registrados naquele ano. A nacionalidade é a que mais se destaca pelo crescimento nos últimos anos. Em 2011, segundo a Polícia Federal, apenas 481 haitianos deram entrada no país, ou seja, houve um aumento de mais de 30 vezes em um período de menos de 5 anos. Dado a esse crescimento, a migração de haitianos ganhou destaque nas estatísticas e na imprensa brasileira mais recentemente. Tal situação ocorreu após a crise humanitária no Haiti, em decorrência do terremoto de 2010, bem como a instabilidade econômica e política do país.

Os bolivianos também mantiveram a posição de 2014 para 2015, ocupando o segundo lugar na lista dos imigrantes. Foram 8.407 registros no país em 2014, o que representou uma queda de 32% em relação aos dados de 2011, quando 12.465 bolivianos entraram no Brasil. Em 2015, eles foram seguidos pelos colombianos (7.653), argentinos (6.147), chineses (5.798), portugueses (4.861) paraguaios (4.841) e norte-americanos (4.747)9.

Em um relatório da International Organization for Migration, intitulado Diálogo Internacional sobre la Migración em 2014, Movilidad humana y desarrollo: Tendencias emergentes y nuevas oportunidades para establecer alianzas, é destacado que ainda que a migração sul-sul não seja um fenômeno recente, constata-se que há pouco tempo tem sido suscitada maior atenção por parte dos pesquisadores, economistas e especialistas sobre desenvolvimento. Os dados demonstram que a magnitude dos deslocamentos Sul-Sul (82,3 milhões de migrantes em todo o mundo) é praticamente igual a das correntes Sul-Norte (81,9 milhões). Uma considerável porcentagem da migração dentro do Sul global é de caráter intrarregional.

De acordo com Bartlett, Rodríguez e Oliveira (2015), essa população não tem recebido atenção suficiente da literatura acadêmica. Os migrantes Sul-Sul têm maior probabilidade que os migrantes Sul-Norte de estarem sem documentos e, portanto, de serem trabalhadores com contratos temporários; eles são frequentemente excluídos dos serviços sociais, de saúde e de educação; e estão vulneráveis ao abuso por redes de tráfico humano; entre outros.

Em recente artigo, essas autoras tentaram oferecer uma contribuição para a teorização das relações entre migração e educação, com foco na América Latina e no Caribe. Com base em um referencial conceitual da antropologia da migração e educação, procuram demonstrar que é necessário compreender outras dimensões dessa questão, já que a maioria dos estudos existentes sobre a migração tem se concentrado nas remessas econômicas; não se tem dado atenção suficiente às políticas sociais e, especialmente, às políticas educacionais para aqueles afetados pela migração.

Nesse sentido, as mesmas autoras buscam nos fundamentos da antropologia uma abordagem, que conceitua a cidadania não só como situação jurídica, mas também como a capacidade de exercer uma série de direitos, incluindo os direitos civis, políticos, sociais e culturais (tais como: o direito de manter sua filiação linguística, cultural e de grupo). Para elas, é necessário desenvolver estratégias interpretativas, que permitam considerar a política cultural envolvida na disseminação e no fortalecimento de representações estáticas e hierárquicas de imigrantes e culturas nacionais ou ideologias específicas por meio de políticas, da mídia e das instituições do Estado, incluindo as escolas.

De acordo ainda com Bartlett, Rodríguez e Oliveira (2015), a maioria dos países das Américas professa o respeito pelo direito do migrante à educação; entretanto, o seu acesso é geralmente limitado, e o apoio às crianças (i)migrantes, raro. Lamentavelmente, não parece ser diferente o caso do Brasil que, mesmo nos momentos em que mais se avançou em uma agenda educativa voltada para o acolhimento da diversidade, o imigrante continuou como um sujeito ausente.

As políticas educativas no Brasil e a agenda da diversidade

São muitos os desafios enfrentados pela cidadania, na sociedade brasileira, no que se refere às dificuldades históricas de expansão dos direitos sociais. Considerando a concepção moderna de cidadania, em que os direitos civis, políticos e sociais são prerrogativas básicas para garantir a integração e a participação plenas na sociedade (MARSCHAL, 1967), a busca de maior equidade vem no sentido de evitar os processos de destituição ou desfiliação como aponta Castel (1999). Para ele, a desfiliação é a perda de raízes sociais e econômicas, remete-se aos que foram desligados, desatados, desamarrados, transformados em sobrantes, em inúteis, desabilitados socialmente. (CASTEL, 1999, p. 57). A promoção de políticas que possam resgatar esses indivíduos e recuperar seus laços sociais, por meio de uma condição cidadã, são de extrema importância para a integração social. Nesse contexto, inserem-se os estudantes imigrantes, mas dadas as condições desiguais persistentes historicamente, nem mesmo a totalidade dos cidadãos brasileiros têm de fato asseguradas as condições básicas para uma vida digna.

As políticas de inclusão entram para a agenda educativa no Brasil justamente buscando corrigir os desequilíbrios de uma política universal que, historicamente, veio excluindo numerosos segmentos da população. Por inclusão social é possível compreender um conjunto de meios e de ações que combatem a exclusão aos benefícios da vida em sociedade. Essa pode ser provocada pela falta de condições resultantes da origem de classe, de sexo e de gênero, de localização geográfica, de nacionalidade, de educação, de idade, de existência de deficiência ou de preconceitos raciais, estéticos e de outras ordens. As políticas de inclusão social devem estar dirigidas a oferecer aos mais necessitados as oportunidades de acesso a bens e serviços, dentro de um sistema que beneficie a todos e não apenas aos mais favorecidos, como no sistema meritocrático. Portanto, a inclusão social se orienta por um sentido de justiça equitativa, que busca corrigir os desvios de um padrão universal de política.

No plano internacional, no que se refere à educação, as políticas inclusivas têm seu marco na Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, Tailândia, em março de 1990, sob os auspícios dos organismos internacionais vinculados à ONU, com especial destaque para a Unesco, e contando com a participação de mais de 150 chefes de Estado. O principal lema dessa Conferência foi a educação para a equidade social. A partir desse evento, o reconhecimento de diversidade entrou para a agenda da educação global.

Essa Conferência teve importância capital na agenda da educação brasileira, a partir dos anos 1990, em especial, porque o Brasil passou a fazer parte do Education For All. Assim, as políticas de inclusão foram inseridas na agenda da educação brasileira, a princípio como uma forma de intervenção estatal, que se propunha a compensar as desigualdades de origem, concentrando os recursos em públicos-alvo específicos. Essas surgem como políticas focalizadas para os mais pobres entre os pobres, no bojo das reformas de Estado dos anos 1990 (OLIVEIRA, 2010; SALAMA; VALIER, 1997).

Essas políticas focalizadas foram realizadas, a partir da definição de um padrão mínimo de atendimento que, apesar de ter promovido algum ganho por parte dos atendidos, não teve a capacidade de retirar essas populações do nível de destituição social que se encontravam. Isso porque, como afirma Gluz (2011, p. 342): "Estas políticas se fundaron en el principio de equidad, concebida como no dar lo mismo a quienes no son iguales". Nesse sentido, tais políticas não obtiveram muito êxito em promover a integração de segmentos que, historicamente, estiveram excluídos de importantes espaços sociais.

Assim, o Brasil chega ao Século XXI com uma enorme dívida social com amplos setores da sociedade e com uma absurda concentração de riqueza. É um país extremamente desigual e está localizado na região mais desigual do Planeta, a América Latina. Em 2014, os 10% mais ricos da população latino-americana tinham ficado com 71% da riqueza da região, segundo dados da Oxfam (2017).

Com a chegada do Presidente Lula ao poder em 2003, observa-se uma reorientação da política. Analisando o período, que compreende a primeira década do século XXI, constata-se que o país conseguiu diminuir de forma significativa a pobreza. Um conjunto de fatores contribuiu para essa mudança, mas fundamentalmente algumas políticas sociais no campo educativo fizeram a diferença. Pode-se considerar que teve início uma nova onda de políticas sociais compensatórias, direcionadas a uma perspectiva de inclusão, que buscou corrigir brechas sociais históricas (Oliveira, 2014).

No setor educacional, foram muitas as políticas públicas desenvolvidas nesse período. Nos 13 anos de governos democrático-populares (Lula e Dilma Rousseff), a educação como política social sofreu mudanças, que marcaram definitivamente a sociedade brasileira. Importantes iniciativas foram desenvolvidas no sentido de ampliar e assegurar o direito à educação, especialmente, no que se refere à universalização da educação básica, incluindo setores que, historicamente, estiveram às margens do sistema escolar, e à democratização do acesso à educação superior. Merecem especial destaque: o Programa Bolsa-Família (PBF), criado por meio da Lei Federal nº 10.836, de 09 de janeiro de 2004; a criação da Secretaria de Educação Continuada e Diversidade do Ministério da Educação (Secad) em 2004, transformada em 2011, em Secretaria de Educação Continuada, Diversidade e Inclusão (SECADI); o Programa Mais Educação (PME), instituído pela Portaria Interministerial nº 17/2007 e regulamentado pelo Decreto nº 7.083/2010; a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), por meio de uma Emenda Constitucional, a nº 53, de 19/12/2006. Esse Fundo, com duração prevista para 14 anos, representou uma importante ampliação em relação ao financiamento anterior, a instituição do Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN), por meio da Lei nº 11.738, de 2008, e a ampliação da obrigatoriedade escolar, por meio da Emenda Constitucional nº 59, de 11/11/2009, que alterou os artigos 208, 211, 212 e 214 da Constituição Federal brasileira, estabelecendo a obrigatoriedade e a gratuidade da Educação Básica para os indivíduos entre 4 e 17 anos de idade, assegurando inclusive sua oferta gratuita para todos os que a essa não tiveram acesso na idade própria, e, por fim, o novo Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado como Lei nº 13.005, em 25 de junho de 2014, composto por 20 metas a serem cumpridas nos dez anos subsequentes (Oliveira, 2014).

Essas políticas educacionais aliadas a outras medidas econômicas transformaram a estrutura social do país muito rapidamente. De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a proporção da população vivendo abaixo da linha de pobreza esteve em forte queda a partir de 2003, primeiro ano do governo Lula. Enquanto a renda per capita dos brasileiros, no topo da pirâmide, subiu 16,6% de 2001 a 2011, os mais pobres tiveram um ganho de 91,2%. Essa foi a maior redução das desigualdades documentada no país desde a década de 1960. Ao todo, 21,8 milhões de brasileiros saíram da linha da pobreza no período, sendo que 3,7 milhões apenas entre os anos de 2009 e 2011 (IPEA, 2011).

Mesmo assim, o Brasil não conseguiu reverter seus indicadores de desigualdade ao ponto de superar essa chaga histórica e permanece sendo um dos países mais injustos do mundo. É o 10º pior país do mundo em termos de desigualdade de renda, de acordo com o relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2017). O mesmo relatório destaca que 29 milhões de pessoas foram tiradas da pobreza no período entre 2003 e 2013, mas apresentou um crescimento do índice entre 2014 e 2015, com 4 milhões de indivíduos ingressando nessa faixa. O que é bastante preocupante dado o quadro político brasileiro atual, após o golpe de Estado ocorrido em agosto de 2016, quando foi levado a cabo um processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. O governo de Michel Temer (2016-2018) colocou em marcha uma política de austeridade nunca vista antes. Contando com larga maioria no Congresso Nacional, conseguiu aprovar a Emenda Constitucional (nº 95), que congelou o gasto com políticas sociais para os próximos 20 anos.

O imigrante nas políticas educativas para a diversidade no Brasil: um sujeito ausente

A Secretaria do Ministério da Educação, que se ocupou durante os últimos 15 anos das políticas educacionais dirigidas à diversidade, desenvolveu diversos programas voltados ao acolhimento de diferentes grupos específicos no sistema escolar brasileiro. Foram desenvolvidos programas destinados a grupos étnicos (afrodescedente, indígena), a jovens e adultos, à população carcerária, aos que residem no meio rural, ao tratamento das questões sexual e de gênero (mulher e população LGBTI), à educação especial para pessoas com deficiências. Entretanto, não se identificam programas específicos ao atendimento de imigrantes nas escolas.

Algumas medidas esparsas, não menos importantes, foram implementadas no sentido de promover maior integração regional, coerentemente à posição de liderança buscada pelo governo brasileiro na América Latina nesse período, em que se destaca a preocupação com a implementação do ensino de espanhol. Em 2005, foi sancionada a Lei Federal nº 11.161/2005 (BRASIL, 2005), que assegurava a oferta obrigatória da Língua Espanhola no Ensino Médio. Essa medida expressou uma preocupação bastante presente, nos governos de Lula e Dilma Rousseff, de maior integração regional, sendo considerado o ensino da Língua Espanhola para os brasileiros e do Português para os Estrangeiros uma iniciativa de primeira ordem. A referida Lei estava em conformidade com acordos multilaterais estabelecidos no âmbito do MERCOSUL, do qual o Brasil faz parte como membro fundador, entre os quais está a difusão do ensino de Espanhol e Português como Línguas Estrangeiras dos Estados-membro, conforme o Protocolo de Intenções datado da fundação do bloco, em 1991, e uma série de outros acordos ulteriores relativos à integração acadêmica dos países do bloco. O ensino de Espanhol passou a ser uma prioridade, não somente nas escolas públicas de Educação Básica, mas também em muitas Universidades públicas brasileiras10.

Outra destacável medida desse período foi a criação das Universidades para a integração regional Sul-Sul. A Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) começou a ser estruturada em 2007 pela Comissão de Implantação com a proposta de criação do Instituto Mercosul de Estudos Avançados (IMEA), em convênio com a Universidade Federal do Paraná (UFPR) e a Itaipu Binacional, tendo sido criada definitivamente pela Lei nº 12.189/2010 (BRASIL, 2010).

A Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) nasceu baseada nos princípios de cooperação solidária, com o objetivo de, em parceria com outros países, principalmente os africanos, desenvolver formas de crescimento econômico, político e social entre os estudantes. Foi criada pela Lei nº 12.289, também em 2010, pelo então presidente Lula.

Assim como há um vazio em relação às políticas dirigidas à educação de estrangeiros no Brasil, igualmente se observa com as pesquisas sobre o tema. Muitos estudos indicam que as pesquisas sobre educação e migração no Brasil são escassas (BÓGUS; FABIANO, 2015; MAZZA; NORÕES, 2016; RODRIGUES, 2017; JUBILU; FRINHANI; OPES, 2018). Isso se explica pela pouca relevância numérica da presença de estudantes estrangeiros nas escolas brasileiras e o fato de que se encontram, em certa medida, bastante concentrados em algumas áreas de fronteira ou de maior prosperidade econômica. Entre os estudos encontrados, Schmidt e Volkmer (2016) demonstram que o direito humano à educação está sendo garantido, em que pese as dificuldades de adaptação encontradas, inicialmente, pelos imigrantes e pelos seus filhos em idade escolar. Analisando a situação dos estudantes estrangeiros, nas cidades do Vale do Taquari, as autoras buscaram compreender a questão das imigrações contemporâneas, que estão trazendo novos desafios para a organização da sociedade atual em diversas áreas, e também na prestação da educação por parte do Estado. São cidades que têm recebido um contingente expressivo de imigrantes, atraídos pelas ofertas de emprego e de qualidade de vida. As autoras destacam os desafios encontrados pelos imigrantes no acesso àeducação na localidade.

Souza e Senna (2016), baseadas em duas pesquisas, que retratam a inclusão de imigrantes, em escolas públicas, de duas fronteiras brasileiras, uma na Região Norte do país, na cidade de Bonfim (Roraima) e outra na Região Sul, em Foz do Iguaçu (Paraná), encontram uma realidade velada, principalmente, no que tange àformação de professores para aquela região e a falta de políticas, que reconheçam pluralidade, fomentando o processo de exclusão.

Santos, Santos e Cotinguiba (2017), em seu estudo, demonstram as dificuldades enfrentadas por dois grupos; por um lado, pela equipe pedagógica e por outro, pelas crianças haitianas na cidade de Porto Velho, capital de Rondônia (Região Norte), diante da ausência de políticas públicas concernentes à inserção social de crianças imigrantes no ambiente escolar. Ressaltam que a barreira linguística e a inexistência de uma política migratória são os principais fatores que dificultam a inserção das crianças haitianas, no sistema formal de ensino.

Cunha (2015), discutindo as implicações do processo de escolarização das crianças imigrantes ou filhas de imigrantes no Brasil, nos dias de hoje, com movimentos migratórios recentes, em especial, os bolivianos na cidade de São Paulo e os haitianos que se concentram nas Regiões Sul e Sudeste do país, defronta-se com diversas dificuldades no dia a dia escolar, principalmente, na relação com os colegas brasileiros e na negação da cultura de seus ancestrais. O autor considera que isso gera um choque de cultura e de gerações dentro das famílias de imigrantes, o que atribui à falta de uma política de inclusão voltada para o aluno imigrante na sala de aula, e também na comunidade na qual sua família escolheu para se estabelecer em um novo território. Semelhante é o caso do estudo das autoras Magalhães e Schilling (2012), que busca entender como está sendo realizado o direito humano à educação para os e as imigrantes da Bolívia, que vivem em São Paulo entre a complexidade das migrações internacionais e as tensões relativas à universalização de direitos em sociedades desiguais e discriminatórias.

Outra questão importante, no que se refere à educação e migração, tem a ver com os processos migratórios internos que, apesar de terem sido mais intensos em outras épocas, ainda são significativos na atualidade. De acordo com a representante da Unesco no Brasil, os deslocamentos internos (migração do meio rural para o meio urbano e entre regiões do país) também trazem outro desafio educacional para a política educacional brasileira. Na maior parte do mundo, estudantes de área rural, que migram para cidades, acabam tendo uma educação mais regular, ou seja, sem interrupções, abandono e na idade certa. No Brasil, isso é diferente. No Nordeste, especialmente, 25% dos que migraram durante o Ensino Básico passaram a se tornar alunos irregulares; mas entre aqueles que ficaram em seus municípios, o percentual cai para 11%11.

Com base nos argumentos apresentados neste artigo, fundamentados no percurso realizado sobre a legislação e outros documentos concernentes à política de migração no país, bem como aqueles relativos à Educação Brasileira e, mais especificamente, no que se refere à agenda da diversidade, na qual do ponto de vista da pesquisadora, deveria constar a preocupação com os estudantes imigrantes, e ainda buscando suporte nos poucos estudos e pesquisas realizados sobre educação e migração no Brasil, constata-se que o estudante estrangeiro é um sujeito ausente na agenda da educação brasileira, mesmo nos momentos em que mais atenção ocorreu ao acolhimento da diversidade no sistema educacional. As justificativas para isso são várias, desde a pouca incidência que tem o tema da imigração na realidade brasileira, em termos relativos, esses estudantes representam menos de 1% da matrícula, até o fato de que o país enfrenta enormes dificuldades em oferecer serviços básicos aos seus próprios cidadãos nacionais. Entretanto, dada a localização geográfica do Brasil e o surto de desenvolvimento recente que viveu, na primeira década do século XXI, a questão da migração despertou maior interesse, especialmente no campo acadêmico, e da sociedade em geral que passou a conviver, ainda que de forma desigual, mais intimamente com imigrantes, sobretudo, os vindos de outras partes da América Latina. O que se percebe é que há muito a explorar sobre a condição que os estudantes estrangeiros enfrentam nas escolas públicas brasileiras, contudo, o cenário que se anuncia para os próximos anos não é nada animador.

1O Pacto Global para a Migração foi adotado em 10 de dezembro de 2018 por representantes de 164 Governos durante uma conferência internacional em Marrakesh, no Marrocos, em uma decisão histórica descrita pelo chefe da ONU, António Guterres, como um “mapa para evitar sofrimento e caos”. <www.nacoesunidas.org>.

2Conferir: Da BBC News Brasil em São Paulo, 08/01/2019: Em comunicado a diplomatas, governo Bolsonaro confirma saída de pacto de migração da ONU.

3Ver: 25/06/2016 15h20 - Atualizado em 25/06/2016 16h51. Em 10 anos, número de imigrantes aumenta 160% no Brasil, diz PF. Portal G1: <www.portalG1.globo.com>.

4Idem nota 4.

525/06/2016 15h20 - Atualizado em 25/06/2016 16h51. Em 10 anos, número de imigrantes aumenta 160% no Brasil, diz PF. Portal G1: <www.portalG1.globo.com>.

7O desafio das escolas brasileiras com alunos imigrantes: Atraídos pelo crescimento econômico, imigrantes vêm ao país e matriculam os filhos na rede pública. A língua é só o primeiro dos desafios da adaptação. Revista Nova Escola (01/09/2010) <www.novaescola.org.br>.

8Ver. Nova Escola.

10A lei 13.415/2017 (BRASIL, 2017a), em seu artigo 34A, parágrafo 4º, retirou essa obrigatoriedade.

11Unesco: qualificação de imigrantes no Brasil é melhor que a dos brasileiros. Dificuldade de crianças migrantes mundo afora é destaque no documento. 19/11/2018. <www.oglobo.globo.com>.

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Recebido: 05 de Janeiro de 2019; Revisado: 01 de Julho de 2019; Aceito: 03 de Julho de 2019; Publicado: 25 de Julho de 2019

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