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Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.15  Ponta Grossa  2020  Epub 26-Mar-2020

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.15.14407.014 

Artigos

A ferramenta metodológica das pretensões de validade: uma contribuição para tratamento de dados nos estudos educacionais críticos

The methodological tool of the validity claims: a contribution to data analyzing in critical educational studies

La herramienta metodológica de las pretensiones de validez: una contribución para procesamiento de datos en estudios educativos críticos

Luís Armando Gandin* 
http://orcid.org/0000-0002-8219-2004

Ricardo Boklis Golbspan** 
http://orcid.org/0000-0002-6697-9405

*Doutor em Educação pela University of Wisconsin-Madison, Estados Unidos, e Professor Titular da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. E-mail: <luis.gandin@ufrgs.br>.

**Doutorando em Educação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: <ricardo.golbspan@gmail.com>.


Resumo:

Este artigo discute as contribuições da ferramenta metodológica das pretensões de validade para a pesquisa educacional crítica. Essa ferramenta de análise de dados foi formulada por Jürgen Habermas e rearticulada para o campo da pesquisa educacional crítica por Phil Francis Carspecken. Este texto introduz as pretensões de validade, discute conceitos dessa ferramenta e explora um caso de sua utilização. Nesse caso, a ferramenta funciona como chave de leitura de dados coletados em questionários sobre como alunos de escolas desiguais em Porto Alegre julgam a qualidade de sua educação. Argumenta-se que essa perspectiva constitui um referencial teórico-metodológico possível para análises críticas e que a própria incorporação formal de perspectivas analíticas de modo geral contribui para o debate da área no Brasil.

Palavras-chave: Pretensões de validade; Pesquisa crítica; Metodologia

Abstract:

This article discusses the contributions of the methodological tool of validity claims to critical educational research. This data analysis tool was formulated by Jürgen Habermas and rearticulated into the field of critical educational research by Phil Francis Carspecken. This text introduces the validity claims, discusses core concepts of this tool and explores a case in which the tool was used. In this case, the tool is presented as a key to reading data collected by questionnaires on how students from unequal schools in Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brazil, judge the quality of their education. It is argued that this perspective constitutes a possible theoretical-methodological framework for critical analysis and, furthermore, that the formal incorporation of analytical perspectives by itself contributes to the debate and research of the area in Brazil.

Keywords: Validity claims; Critical research; Methodology

Resumen:

Este artículo discute las contribuciones de la herramienta metodológica de las pretensiones de validez para la investigación educativa crítica. Esta herramienta de análisis de datos fue formulada por Jürgen Habermas y rearticulada para el campo de la investigación educativa crítica por Phil Francis Carspecken. El texto introduce las pretensiones de validez, discute conceptos de esta herramienta y explora un caso de su utilización. En este caso, la herramienta funciona como una clave de lectura de datos recopilados en cuestionarios sobre cómo alumnos de escuelas desiguales en Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, juzgan la calidad de su educación. Se argumenta que esta perspectiva constituye un marco teórico-metodológico posible para análisis críticos y que la propia incorporación formal de perspectivas analíticas de modo general contribuye para el debate del área en Brasil.

Palabras clave: Pretensiones de validez; Investigación crítica; Metodología

Introdução

O objetivo deste trabalho é discutir as possíveis contribuições da incorporação da ferramenta metodológica das pretensões de validade para a análise de dados na pesquisa educacional crítica no cenário brasileiro. Essa perspectiva foi formulada inicialmente por Jürgen Habermas como ferramenta teórico-metodológica de análise de intersubjetividades na comunicação (HABERMAS, 1984; NIEMI, 2005), sendo extensivamente discutida em campos como a filosofia (ver, por exemplo, HEATH, 1998), a comunicação (ver, por exemplo, GOLDKUHL, 2000) e a ciência política (ver, por exemplo, HERDY, 2009). No campo da pesquisa educacional, Phil Francis Carspecken apresenta essa teorização como ferramenta potente também para relacionar essas intersubjetividades com as ações comunicativas dos ambientes escolares (CARSPECKEN, 1996, 2011).

A reflexão sobre essa abordagem metodológica pode ser relevante no contexto brasileiro da pesquisa educacional crítica por pelo menos dois motivos. O primeiro relaciona-se a uma ausência recorrente de perspectivas analíticas de tratamento de dados claramente anunciadas nas pesquisas do campo, que apontem a chave de leitura que o autor ou a autora utiliza para examinar seus dados. Uma varredura por artigos em cinco das principais revistas brasileiras1 do campo da educação qualificadas como A1 no quadriênio 2013-2016, publicados em 2018, por exemplo, indica que nenhum dos artigos consultados apresenta formalmente uma ferramenta metodológica de codificação ou tratamento de dados2. Jacks et al. (2016) defendem a ideia de que:

A pesquisa qualitativa no Brasil, muitas vezes, é tratada sob uma forma que pode, segundo alguns autores, ser chamada de “impressionista” (Cano, 2012). Essa abordagem metodológica, além de ser normalmente vista como oposta à abordagem quantitativa (que, supostamente, seria carregada de defeitos epistemológicos de raiz, como seu alegado “positivismo”), é tratada, em muitas universidades, tanto no ensino quanto na pesquisa, como uma “arte” ou um “olhar”, mais do que como um trabalho sistemático e rigoroso de indução e dedução entre teoria e empiria. Como resultado, em geral, temos uma pesquisa repleta de evidências empíricas com uma desconexão com a fundamentação teórica. (JACKS et al., 2016, p. 50).

Ainda que possa haver algum exagero e generalização nessas afirmações, considera-se necessário atentar para esse alerta. Desse modo, ainda que o pesquisador ou a pesquisadora da área não opte especificamente pelas pretensões de validade em sua investigação, ou que opte por manter implícita sua ferramenta de análise, uma reflexão sobre o tema pode contribuir para mais debate sobre como temos procedido ao nos debruçarmos sobre os dados que coletamos ou produzimos. Argumentamos, portanto, que conhecer as pretensões de validade pode ser uma forma de qualificar o debate em torno de maneiras mais rigorosas teoricamente de realizar análise nos estudos educacionais críticos. Um segundo motivo, mais diretamente ligado às pretensões de validade, refere-se à possibilidade concreta de operar com uma ferramenta metodológica de tratamento de dados para a pesquisa sobre o chamado “chão da escola” (PEREIRA, 2017) - ou seja, relacionadas às vidas reais de pessoas que frequentam a escola, em relação às estruturas sociais mais amplas. As pretensões de validade, reforçamos, não são a única e não são a maneira necessariamente ideal de tratar todos e quaisquer dados crítica e qualitativamente, mas compartilhamos, neste texto, a forma como elas têm sido operadas e como têm sido crucial na organização da análise de uma pesquisa em andamento, uma investigação que busca estabelecer relações entre julgamentos de alunos sobre a qualidade de sua educação e o contexto social em que se encontram.

Para que se realize, então, a tarefa de apontar as contribuições possíveis dessa ferramenta metodológica, este trabalho apresenta, em primeiro lugar, os conceitos principais que ajudam a definir as pretensões de validade de acordo com Habermas (1984) e Carspecken (1996, 2011). Em segundo lugar, procuramos exemplificar como é possível colocar em prática essa chave metodológica em uma pesquisa sociológica da educação, iniciando-se com uma sessão a respeito de bases teóricas e conceituais e, em seguida, partindo-se para a apresentação da operacionalização da ferramenta.

As principais ideias das pretensões de validade

Em publicação introdutória à obra de Carspecken no âmbito da pesquisa educacional crítica brasileira, Mainardes e Marcondes (2011) apontam para a contribuição que a abordagem do pesquisador estadunidense pode trazer para fortalecer a sustentação metodológica da área:

Os trabalhos de Carspecken e seu grupo de orientandos e pesquisadores da Universidade de Houston enfatizaram a etnografia crítica em seus aspectos metodológicos, sem o objetivo de convencer os demais pesquisadores a endossarem tal metodologia. O objetivo desse autor e seu grupo era tornar explícita a falta de uma metodologia comum e definir o significado do adjetivo crítica nesse tipo de pesquisa e, ainda, estimular o debate e discussão sobre a questão teórica e metodológica da etnografia crítica. (MAINARDES; MARCONDES, 2011, p. 429).

É nesse sentido que, em artigo de 2011, publicado na revista Educação & Realidade, intitulado Pesquisa Qualitativa Crítica: conceitos básicos, Phil Francis Carspecken oferece mais do que um mapeamento da pesquisa qualitativa crítica no cenário educacional (o que já é uma importante contribuição). Ali o autor apresenta um modelo epistemológico geral para análise de dados na pesquisa educacional crítica. Dentre os principais conceitos socioteóricos destacados por Carspecken nesse modelo, um deles, em função de suas propriedades, pode ser entendido como uma ferramenta de análise de dados, as pretensões de validade. Ainda que o autor apresente um modelo estruturado em seis conceitos fundamentais, a opção por focalizar um deles se justifica nas próprias palavras de Carspecken: “Usualmente um delineamento de pesquisa enfocará relações entre apenas alguns dos componentes acima ou, no caso de uma etnografia descritiva, enfocará um único componente (como sentido)” (CARSPECKEN, 2011, p. 401). Também, mesmo que as pesquisas sociológicas que realizamos não se enquadrem automaticamente no conceito de uma etnografia descritiva (o tipo de pesquisa que o autor toma como exemplo), seu modelo permite que pesquisas em educação com vinculações de diversos tipos à teoria crítica possam, mesmo que implicitamente, colher frutos de suas contribuições. Nesse sentido, pode-se levar em consideração outro comentário do autor neste texto:

A maior parte dos conceitos básicos explicados neste artigo é utilizada por outros pesquisadores qualitativos, autoidentificados como críticos ou não, mas articulados e explicados diferentemente do que será aqui encontrado. Minha definição a respeito da teoria metodológica crítica é que consiste em um esforço de trazer à luz e discutir rigorosamente conceitos básicos inevitáveis que toda pesquisa social deve, pelo menos, implicitamente empregar. (CARSPECKEN, 2011, p. 398).

O autor, dessa forma, rejeita que seu modelo deva ser tratado com rigidez esquemática pelo pesquisador crítico, entendendo que os conceitos que apresenta podem ser rearticulados a partir de diferentes perspectivas teóricas. Oferecendo ao pesquisador essa autonomia para operar com as ferramentas que apresenta, Carspecken (2011) permite que recortes de sua teorização possam ser propostos. Desse modo, há uma legitimidade, oferecida pelo próprio autor, e uma utilidade, como defendemos a seguir, em se analisar a contribuição de Carspecken (2011) específica das pretensões de validade, a partir de Habermas, na educação - desde que vinculada a uma matriz sociológica crítica.

É fundamental, justamente para compreender essa ferramenta, ressaltarmos inicialmente o conceito de “estruturas comunicativas e sentido” (CARSPECKEN, 2011, p. 399), que o autor introduz para poder comentar as pretensões de validade. Ao detalhar esse conceito, Carspecken (2011) remonta-se às situações comunicativas básicas, segundo Habermas (CARSPECKEN, 2011). Estas consistem em situações em que duas ou mais pessoas compartilham uma situação objetiva, em um ambiente de normas comuns aos sujeitos, em que cada um se encontra em seu próprio estado subjetivo. Dessa forma, nessas situações comunicativas, há três domínios distintos: a objetividade, a subjetividade e a normatividade. Para o autor, mesmo em situações comunicativas mais avançadas, as comunicações feitas em sociedade são, simultaneamente, compostas desses três tipos de pretensões: objetivas, subjetivas e normativas (CARSPECKEN, 2011). O sentido de uma certa comunicação encontra-se justamente no agrupamento, ou na relação, das pretensões desses três tipos. O exemplo citado pelo autor pode ser elucidativo:

[I]magine que você e eu estamos assistindo juntos a uma palestra e o palestrante diz que a teoria da evolução deve estar errada porque, se estivesse certa, então nós, humanos, não seríamos nada mais do que macacos avançados. [...]. Imaginemos que você e eu estejamos nessa palestra e, depois que o palestrante faz esta afirmativa, você olha para mim e eu levanto minhas sobrancelhas e faço uma expressão facial que significa Essa é uma afirmativa boba, ridícula. [...]. As afirmações subjetivas que eu estou fazendo incluem um sentimento como aversão que estou sentindo por alguém ter podido fazer uma afirmativa como essa. É subjetiva porque é um sentimento que estou tendo. Sendo meu sentimento não é algo a que você tenha acesso da maneira que eu tenho e, assim, é subjetivo porque estados subjetivos são estados a que somente uma pessoa possui acesso direto. As afirmações objetivas transmitidas por minhas sobrancelhas levantadas incluem muitas coisas, porém uma delas seria a implicação de que existem evidências objetivas para a teoria da evolução. Todo mundo, em princípio, poderia ter tido o mesmo tipo de acesso a esse tipo de evidência, como evidências fósseis e genéticas apoiando a teoria evolucionária. As afirmações objetivas se referem a fatos e eventos que podem ser acessados por todas as pessoas das mesmas maneiras. Normativamente eu, implicitamente, declaro que é adequado que eu aja dessa maneira para com você nessa hora. (CARSPECKEN, 2011, p. 404-405).

Nesse caso, percebemos que o sentido do ato comunicativo ficou estabelecido justamente na conexão entre algumas pretensões objetivas, subjetivas e normativas desveladas pelo autor. Essas pretensões são chamadas de Afirmações ou pretensões3 de validade, pois são a base do significado da comunicação. Para Carspecken, os três tipos de pretensões de validade podem ser assim definidos:

Afirmações e pressupostos subjetivos pertencem às experiências que somente uma pessoa pode acessar diretamente. Todos os atos comunicativos levam consigo algumas afirmações e pressupostos subjetivos. Afirmações e pressupostos subjetivos podem ser explicitados com palavras e expressões como “Sinto isso e isso”, “você/ele/eles sentem isso e isso”, “eu/você/ela/pretendem isso e isso”. Afirmações objetivas pertencem a aspectos do mundo físico a que todos os humanos têm acesso. Afirmações e pressupostos objetivos podem ser explicitados com palavras e expressões como “Há/havia/haverá um estado de coisas observáveis assim e assim”, “Quando x, y, z ocorrem então a, b, c resultam”, sendo as referências estruturadas por múltiplos acessos e localizadas em relações espaciais/temporais. Normas sobre o que é certo, errado, adequado, inadequado e assim por diante são declaradas e pressupostas em todos os atos comunicativos. As afirmações normativas podem ser explicitadas com afirmativas usando palavras como “deveria”, “não deveria”, “dever”, “obrigação”, “proibição”, “certo”, “errado”, “responsabilidade” e outras. (CARSPECKEN, 2011, p. 406).

Para o autor, são, portanto, a subjetividade, a objetividade e a normatividade os tipos de pretensão de validade que estão presentes em todos os “atos significativos” (CARSPECKEN, 2011), que são os atos em que ocorre a comunicação. Importa considerarmos, assim, refletindo sobre a pesquisa crítica em educação, como essas pretensões podem ser identificadas e organizadas para o procedimento de análise. Pretensões subjetivas, desse modo, são fonte de compreensão sobre o que os sujeitos investigados apontam em relação a condições de si mesmos. No exemplo a seguir, procuramos examinar como essas pretensões podem ser articuladas à noção de “estruturas de sentimento”, trazendo vinculações subjetivas às condições sociais analisadas. Pretensões objetivas ajudam a identificar condições materiais registradas a partir da escuta dos sujeitos da pesquisa, permitindo que se enfatize as condições estruturais registradas, como os espaços das escolas, os locais de trabalho, as posições no mundo do trabalho, por exemplo. Enfim, as pretensões normativas apontam para aquilo que, nos textos a serem analisados, é indicado como código ou regra de como as coisas devem ou não ser; como no caso das pretensões de normatividade indicadas por alunos sobre a forma de sua participação na escola, sobre a presença de bons professores ou sobre seu lugar no mundo do trabalho que a seguir demonstramos.

Ademais, Carspecken (2011) também destaca que é possível que, em algumas situações comunicativas, outro tipo de pretensões venha a aparecer: as pretensões de valores. Em certos casos, é possível que haja pretensões valorativas do sujeito comunicante intrínsecas no ato comunicativo. As pretensões valorativas são “[...] afirmações a respeito do que é bom, ruim, bonito, valioso e assim por diante” (CARPSECKEN, 2011, p. 406), o que se diferencia das pretensões de normatividade, que se referem ao que é tido como correto ou errado. Esse tipo complementar de pretensões de validade pode também ser importante para o exercício analítico na pesquisa educacional crítica. O aspecto valorativo, afinal, pode ser uma chave para a compreensão dos juízos de valor dos sujeitos em um determinado contexto social, o que pode auxiliar uma pesquisa que leve em conta as significações operadas por sujeitos escolares no cotidiano.

Conecta-se, assim, o conceito metodológico de Carspecken com objetivos de diferentes perspectivas dos estudos educacionais críticos, sendo aquele útil para uma operacionalização da prática analítica. Carspecken (2011) ainda conceitua também um quinto tipo de pretensão, a de identidade. No entanto, esta não é tão centralmente considerada no exemplo de aplicação apresentado a seguir, dado o nosso foco, aqui, em um estudo voltado mais a entender a normatividade e os julgamentos destacados nos atos comunicativos dos alunos do que a questão de identidade desses sujeitos. Outro destaque importante feito pelo autor, e que origina seu conceito metodológico de “horizontes de validade” (CARSPECKEN, 2011), é que: “As afirmações de validade transmitidas por atos significativos são afirmadas ou presumidas em níveis diferentes; possuem locais diferentes em um contínuo de altamente evidente para profundamente firmadas em algo passado” (CARSPECKEN, 2011, p. 407).

Esse aspecto da ferramenta metodológica é implicitamente utilizado no exemplo a seguir, uma vez que se trabalha com diferentes níveis de pretensão em certos momentos. Para esse debate, o conceito de hegemonia é utilizado (HALL, 2003; WILLIAMS, 2000), colocando a teoria metodológica de análise de dados em contato com o arcabouço teórico-conceitual do estudo, em composição com aquilo que se toma como propriedade importante desta teoria de tratamento dos dados: a possibilidade de enxergar cada ato significativo, ou cada expressão comunicativa dos alunos, como um agrupamento de pretensões objetivas, normativas, subjetivas e ainda valorativas. É na relação dessas pretensões de cada ato comunicativo com conceitos teóricos fundamentais de cada pesquisa que está a chave de leitura que aqui se propõe. Assim, como o próprio Carspecken (2011) coloca como uma possibilidade metodológica, os diferentes níveis das pretensões de validade não são, no exemplo a seguir, ignorados, mas intrinsecamente incorporados a partir de outros referenciais da própria pesquisa crítica.

Da mesma forma como se conduziu no exemplo que segue, é possível que outros referenciais teóricos críticos sejam utilizados em outras análises; eles podem igualmente ser articulados a uma perspectiva analítica, e particularmente com as pretensões de validade. A seguir, então, explica-se como se aplicou a perspectiva analítica no caso apresentado, a partir de dados de pesquisa coletados em campo, e como isso contribuiu para o processo de análise dos dados.

Um exemplo de utilização das pretensões de validade: campo empírico e referenciais teóricos utilizados

A pesquisa aqui discutida trata de uma análise sobre julgamentos de alunos nos anos finais de Ensino Fundamental de Porto Alegre sobre o significado de qualidade na educação. A opção por se pesquisar os julgamentos dos alunos sobre a “qualidade” da sua educação decorre de que “qualidade” tem sido considerada o eixo fora do qual não tem sido possível o diálogo sobre avanços educacionais, independentemente do que signifique (ENGUITA, 1995). Além disso, trata-se de uma análise de julgamentos de alunos de duas escolas: uma escola de classes médias e médias altas de região central da cidade e uma escola municipal pública de periferia.

A opção pelo termo julgamento como referência às percepções dos alunos sobre o que é a qualidade remonta-se ao entendimento de Bourdieu (2006) sobre o conceito, em A Distinção. O conceito de julgamento de Bourdieu permite que as concepções dos alunos sejam analisadas não de maneira isolada por escola, mas em relação, de acordo com o olhar proposto por Bourdieu (2006). Bourdieu (2006) vê o julgamento como uma prática distintiva, e não universalizante. Para o autor, o consenso no julgamento não é algo possível, mas paradoxal (FERGUSON, 2007). Um tipo de julgamento - seja de gosto, seja estético, seja qualquer outro - não se separa, afinal, de um determinado grupo social com suas próprias incorporações de pertencimento (ou do que o autor chamaria de habitus). O julgamento seria parte do processo distintivo de cada um desses grupos, sendo, assim, os tipos de julgamento excludentes entre si. Uma versão de julgamento exige, de acordo com o pensamento de Bourdieu, que as outras versões sejam não apenas vistas como diferentes, mas, em uma luta simbólica constante, também codificadas moral e normativamente - como “bom” e “ruim”, ou “certo” e “errado” (FERGUSON, 2007). Desse modo, um exemplo desse raciocínio poderia ser o julgamento que um determinado grupo de alunos faz de que ir à aula vestindo calças jeans é sinal de bom gosto. Isso implica não apenas em um julgamento de que vestir calças jeans é de bom gosto, mas também em um julgamento moral negativo sobre um outro grupo de alunos que não considere vestir calças jeans sinal de bom gosto.

A opção pelo termo, portanto, faz com que a análise não seja apenas um exame das visões dos alunos neutra ou isoladamente. Consideramos central, também, a relação existente dos julgamentos do grupo de alunos de uma escola com a outra, e suas implicações para a maneira como os alunos articulam suas visões educacionais sobre si mesmos, mas também sobre a realidade social em que se inserem - uma realidade desigual, conforme podemos perceber pela caracterização do Colégio Oswaldo Aranha e da Escola Bento Gonçalves4.

O Colégio Oswaldo Aranha, como chamaremos a escola privada, foi fundado em 1922, atendendo apenas ao nível primário5. A escola inicialmente funcionava em uma casa no bairro Bosque Verde6, próximo ao centro de Porto Alegre. Em 1938, a sede foi transferida para dentro de um centro comunitário no mesmo bairro, em vizinhança predominantemente de classe média da cidade. De acordo com um documento da escola, “a sua imagem até a década de quarenta era de escola de bairro, dona de um ambiente muito acolhedor e afetivo”. Em meados da década de 40, o Oswaldo Aranha contava com professores intelectuais combativos à ditadura e às perseguições religiosas comuns à época no Brasil. Nesse período, o colégio passou a ter como meta aumentar seu número de alunos, pois seus professores estavam “preocupados em criar uma escola para todos” naquele ambiente político desfavorável à democracia em que se encontrava o país. Assim, a comunidade escolar cresce e passa a batalhar por uma sede mais espaçosa, conquistando-a ainda ao final da década, no bairro vizinho de Santo Inácio, e prontamente criando vagas para o curso ginasial7. Em consequência disso, a Escola passou de 156 alunos, em 1945, para 254 alunos, em 1947, o que ocasionou a aquisição de novos terrenos, a construção de ambientes ainda maiores e de um ginásio - até hoje utilizado para atividades recreativas, pedagógicas e também para eventos importantes da escola. Desde meados do século passado, o Oswaldo Aranha conservou-se no mesmo terreno, investindo em melhorias nas suas instalações e em constante atualização pedagógica, além de ter ao longo do tempo crescido, contando hoje com 115 professores e 739 alunos. Os valores humanistas da escola, que aparecem desde seu surgimento, mantêm-se atuais, como indica, por exemplo, este trecho de sua missão:

O Colégio Oswaldo Aranha elege a educação para a Paz e a busca constante pela excelência de ensino com vistas à formação de cidadãos preparados para a vida e para a construção de uma sociedade plural.

Aliada a uma busca por excelência de ensino, a escola posiciona valores como a paz, a preparação para a vida e o pluralismo como centrais em sua missão institucional. Isso indica que a escola se compromete com uma formação que não se restrinja aos resultados quantitativos de incorporação de conteúdos escolares - engloba também uma esfera cultural relacionada ao ensino deliberado de valores importantes para a convivência em sociedade. A excelência de ensino pretendida na missão pode ser relacionada aos índices de sucesso escolar apresentados pelos alunos da escola. Ao mesmo tempo que se compromete com uma formação mais humanista, a escola apresenta um envolvimento, bem-sucedido, com o ensino dos conteúdos escolares e preparação para o acesso à universidade. Conforme a própria visão da diretora da escola, em entrevista: “Há muito tempo, o Rio Grande do Sul perdeu os melhores lugares na educação. Então, não adianta ser uma das melhores de Porto Alegre. Precisamos nos alinhar às novas tendências no mundo”.

Já a escola pública, chamada aqui de Escola Bento Gonçalves, atende à comunidade da Vila Jardim Seco, na zona sul de Porto Alegre. O Jardim Seco começou a ser povoado na década de 1950, com loteamentos de pequenas chácaras. A urbanização mais intensa nessa área tem acontecido nos últimos 15 anos, com a construção de vários condomínios para classe média e do próprio desenvolvimento de novas vizinhanças populares. Os alunos da escola são em grande parte moradores dessas vizinhanças. Em 1985, a escola estadual que existia no local foi transferida. Após sua transferência, os pais dos alunos e demais moradores do Jardim Seco, em um movimento de intensa participação coletiva, não permitiram o desmanche do antigo prédio e reivindicaram junto ao poder público municipal a permanência de uma escola na comunidade. Procuraram autoridades, fizeram abaixo-assinados e consertaram os dois prédios que restaram da antiga escola. Relatou a coordenadora pedagógica, em depoimento em visita, que esse espírito de esperança na coletividade dos moradores da vila, desde o início, é uma inspiração para a proposta pedagógica central da escola de ser uma escola para todos, sem desistir de ninguém. Em 1986, a Prefeitura assumiu definitivamente a escola, que passou a funcionar como Escola Municipal de Ensino Fundamental Bento Gonçalves. Em 1989, com o início da Administração Popular em Porto Alegre e o projeto de educação contra-hegemônica da Escola Cidadã (GANDIN, 2002), iniciativas docentes para intervir em dificuldades de aprendizagem e de permanência dos alunos passaram a ocorrer, endereçando-se a uma preocupação presente desde o início do funcionamento da Bento Gonçalves. Nesse sentido, aponta o Projeto Político-Pedagógico (PPP) da escola:

Mudanças significativas nas práticas avaliativas - que privilegiavam a leitura de interesses e necessidades dos alunos, a investigação permanente das condições de cada aluno e de cada grupo e a valorização dos avanços obtidos - geraram novas propostas de práticas pedagógicas, alterando as rotinas da escola, envolvendo e promovendo todos os indivíduos da comunidade escolar.

Apesar dessas mudanças, várias dificuldades permaneceram. Em 1993, os professores das séries iniciais principiaram uma etapa transformadora na escola. Preocupados em relação ao tratamento da questão disciplinar dos alunos no ambiente familiar, e em possíveis consequências dessas questões para os maus resultados dos alunos em termos de permanência e aprendizagem, os professores propuseram-se a entrevistar alguns pais e responsáveis, para entender melhor as diferenças das concepções sobre a questão entre os professores e as famílias. O resultado foi que os professores também terminaram por conhecer mais a comunidade, originando-se, assim, uma ênfase do trabalho pedagógico em reconhecer o saber da comunidade como legítimo, e que vem orientando o trabalho desde então. Essa participação da comunidade passou a ocorrer cada vez mais organicamente na escola. Um dos principais motivos para isso foi a realização de um projeto de pesquisa assessorado por pesquisadores da UFRGS para mais conhecimento por parte da escola sobre seus alunos e para, a partir disso, repensar a escola como pertencente à comunidade. Ao final, tem sido essa reorientação considerada um dos motivos para a maior permanência dos alunos e os melhores resultados que passaram a apresentar, endereçando-se, assim, com relativo sucesso ao problema original da escola.

Temos, portanto, duas escolas que apresentam propostas e esforços constantes para uma educação de qualidade para seus alunos, ainda que estejam em contextos sociais desiguais. A pesquisa mais ampla que vem sendo realizada tem procurado endereçar essa produção e reprodução da desigualdade na própria forma como se constrói sentido ou significado para a busca por maior qualidade em realidades de radical desigualdade. Nesse sentido, foi fundamental pensar a influência de Bakhtin (2006) na obra de Hall (2003) em relação ao modo como palavras são fundamentais indicadores das condições ideológicas de contextos sociais específicos, o que pode ser pensado em relação a essas escolas. Dessa forma, o significado de “qualidade” não poderia ser simplesmente tomado como consensual, mas seria preciso pensar como ele comunica o que é percebido como desejável ou mesmo possível para uma escola, de formas distintas de acordo com as diferentes condições sociais. Assim, a discussão sobre esses significados indicaria a própria aprendizagem desses alunos sobre o que a escola é e pode ser, e sobre o que eles são e podem ser, mais amplamente.

Para ajudar a fazer este tipo de estudo, categorias relacionadas à teoria de hegemonia, segundo Hall (2003), Williams (2000) e suas leituras de Gramsci, foram fundamentais. Um deles é definido por Skeggs (2002) como entitlement. Este seria explicado como uma confiança tácita, atribuída normalmente às classes médias e altas, de que suas posições devem estar asseguradas (SKEGGS, 2002). As pesquisas educacionais relacionadas às desigualdades de classe (BALL, 2003; SKEGGS, 2002) têm observado que essa noção pode ser relaciona àquilo que Williams (2000) define como “estrutura de sentimento”, em seu estudo sobre a formação de hegemonia. Para o autor britânico, tal estrutura relaciona-se à

[...] finalidade de acentuar uma distinção a respeito dos aspectos mais formais “concepção do mundo” ou “ideologia”. Não se trata somente de que devamos ir mais além de crenças sistemáticas e formalmente sustentadas, ainda que sempre devamos as incluir. Trata-se de que estamos interessados nos significados e valores tais como são vividos e sentidos ativamente. [...]. Estamos falando dos [...] elementos especificamente afetivos da consciência e das relações, e não sentimento contra pensamento, mas pensamento tal como é sentido e sentimento tal como é pensado. (WILLIAMS, 2000, p. 154-155).

A concepção de estrutura de sentimento de Williams ajuda a posicionar os sentimentos não como algo isolado do que é racionalmente constituído ou do campo das ideias, mas como elementos relacionados àqueles que sustentam a ideologia e o pensamento. Skeggs (2002), ao posicionar o sentimento de entitlement verificado entre as classes médias como parte de uma estrutura de sentimento, indica como a sua análise não pode ser isolada de elementos constituintes da racionalidade e da ideologia - pelo contrário, compreender tal sentimento pode ser uma forma de entender como a ideologia é concretamente operada a partir das experiências individuais de sujeitos. Assim, ao descrever sua experiência pessoal, como mulher de classe popular, de acessar a universidade, a autora faz uma leitura explicativa de como se constitui esse sentimento entre as classes médias:

Se eu não tivesse ido à universidade, não teria conhecido tanto sobre a classe média (a não ser via representações). Minhas redes de contato simplesmente não os incluía (devido a fatores geográficos, educacionais e culturais). Na universidade, eu aprendi sobre o poder das redes de contato da classe média. Muitas das pessoas que conheci não precisam se candidatar a empregos; independente do que fizessem, seus futuros estavam assegurados. A maioria tinha acesso a empregos lucrativos em um mercado de trabalho do qual eu ainda era excluída. Aprendi o que significava as pessoas não precisarem se preocupar com dinheiro. Conheci aqueles cuja confiança em si mesmos parecia absoluta e aqueles que não tinham dúvidas de que sua cultura e sua política estava certa. Conheci aqueles cujas “estruturas de sentimentos” não eram baseadas nas políticas emocionais da ansiedade e da dúvida, mas naquelas da segurança e da confiança. Foi este meu posicionamento íntimo com “outros” que me permitiu ver diferenças e sentir a desigualdade. Pessoas de classe média podem operar com um sentimento de entitlement para recompensas sociais e econômicas que estariam além da compreensão daqueles de classe trabalhadora, para quem limitação e constrangimento moldam a movimentação social. Meu acesso à classe média permitiu-me construir ferramentas inteiramente diferentes para entender minha posição no espaço social: as possibilidades abriram e eu tentei começar a construir entitlements. Foi a partir desse momento que eu comecei a ter problemas com minha família e meus amigos de classe trabalhadora, que viram minha adoção de disposições de classe média como sinais de arrogância ou de ter pretensões. (SKEGGS, 2002, p. 136-137).

Esta confiança tácita atribuída às classes médias de que suas posições devem estar asseguradas associam-se a casos exemplificados por algumas falas dos alunos do Oswaldo Aranha. Atitudes e sentimentos que indicam pertença a posições de privilégio são articulados pelos alunos, e o mesmo não aparecerá nos julgamentos feitos por alunos da Bento Gonçalves. Essa noção de entitlement será, como procuramos apontar a seguir, crucial teoricamente para ir além de noções formais de ideologia, em que o significado de uma educação de qualidade seria associado à uma racionalidade meramente “verdadeira” ou “falsa”. Ela permite ao pesquisador identificar como pessoas em condições escolares desiguais podem não apenas ser coagidas a pensar de certa maneira, mas a “construir ferramentas inteiramente diferentes” para produzir significado para sua escola, seu mundo e seu futuro. Hegemonia, nesse sentido, é um conceito que foi utilizado também para as análises aqui propostas, em diálogo com as noções de estrutura de sentimento e entitlement. Para Williams:

A hegemonia constitui todo um corpo de práticas e expectativas em relação com a totalidade da vida: nossos sentidos e doses de energia, as percepções definidas que temos de nós mesmos e do nosso mundo. É um sistema vívido de significados e valores - fundamentais e constitutivos - que na medida em que são experimentados como práticas parecem conformar-se reciprocamente. (WILLIAMS, 2000, p. 131).

Hegemonia, nesse sentido, refere-se à criação de consensos não apenas racionalmente organizados, mas sobre a própria definição do que é ou não possível de se imaginar para o mundo a nossa volta. Relaciona-se, mais do que a argumentos falsos ou verdadeiros, aos constrangimentos sociais que possibilitam o que e como se imagina, raciocina, comunica e é - em termos de consciência, mas também viscerais (WILLIAMS, 2000). Dessa maneira, no caso a seguir apresentado, tratamos de um momento de análise em que mobilizamos o conceito de entitlement e o conceito de hegemonia para examinar a relação entre os julgamentos de alunos sobre a qualidade de sua escola e a desigualdade social. Entendemos que o uso da ferramenta de análise de dados das pretensões de validade auxiliou na forma como organizamos e procedemos com a análise, e procuramos apontar algumas dessas contribuições a seguir, bem como alguns dos desafios que permanecem.

Um exemplo de utilização das pretensões de validade: operando com a ferramenta em dois momentos de análise

Em uma das etapas procedimentais de coleta de dados desta pesquisa, os alunos das duas turmas pesquisadas foram conduzidos ao laboratório de informática de suas respectivas escolas, em horário de aula nos dois casos, para responder a um questionário online com 10 perguntas sobre a qualidade de sua educação. A seguir, reproduzimos as perguntas, marcando em negrito aquelas cujas respostas serão exploradas a seguir:

Q1: Como seria a melhor escola do mundo? Descreva.

Q2: Por que as características que você descreveu acima são boas?

Q3: E como seria a pior escola do mundo? Descreva.

Q4: Por que as características que você descreveu acima são ruins?

Q5: Se sua escola fosse ganhar um prêmio de educação, seria pelo quê? Por que você acha isso?

Q6: Se você fosse o(a) diretor(a), o que você mudaria na escola? Por quê?

Q7: Cite um lugar (instituição, serviço, ...) que você acha que faz um bom trabalho. Explique por quê.

Q8: Quais são as 3 principais características de uma boa educação escolar?

Q9: Qual das características que você listou acima é a mais importante para você? Por quê?

Q10: Agora é com você! Comente livremente o que você pensar ou sentir sobre o tema!

Iniciamos este debate apresentando julgamentos de alunos da escola privada, significativos para esse aspecto, ao serem desafiados a dizer que instituição, fora a escola, consideram fazer um bom trabalho, no intuito do pesquisador de relacionar esses julgamentos a uma concepção sobre a qualidade educacional. Ao apresentarmos esses dados, já discutimos também como as pretensões de validade foram operadas para sua análise. Tomemos, pois, os seguintes julgamentos de alunos do Colégio Oswaldo Aranha sobre “boas” instituições:8

Eu faço voluntariado, acho uma maravilha compartilhar o que eu tenho, compartilhar a felicidade com as pessoas que mais precisam. ADMIRO MUITO essas pessoas que se dispõe a ajudar essas pessoas.

Certamente não tenho UMA instituição somente, mas todas que conseguem se manter, conseguem conseguir voluntários e conseguem, principalmente ajudar aquele que precisa.

O meu curso de inglês fora do colégio faz um bom trabalho, pois acho legal o jeito que eles ensinam, me deixa interessada. O colégio até que não é dos piores na questão de o aluno ser identificado apenas pela nota.

É possível percebermos, nesses exemplos em específico, como pode-se pensar à luz do sentimento de entitlement entre os alunos e seus julgamentos sociais. No entanto, a maneira como esses dados se relacionam com a teoria, nesse caso, pode ser estabelecida de variadas formas. As pretensões de validade, assim, ajudam o pesquisador a esquematizar o tratamento dos dados e proceder com a análise. As falas dos alunos podem ser, dessa forma, posicionadas ao operarmos a ferramenta:

Pretensões de validade objetivas [Oswaldo Aranha]: os alunos apontam instituições que acessam posições de privilégio como instituições que fazem um bom trabalho.

Pretensões de validade subjetivas [Oswaldo Aranha]: os alunos supõem que é apriorístico o contexto social de privilégio que os constrange.

Pretensões de validade normativas [Oswaldo Aranha]: os alunos veem como normal a posição de privilégio que ocupam nas instituições citadas. Não aparece uma instituição que ofereça emprego como uma instituição que faça um bom trabalho em suas falas.

Ao organizar os dados dessa forma, podemos “destrinchar” as falas analisadas e perceber como as formas pelas quais os alunos enxergam as outras instituições a sua volta também apontam, afinal, aquilo que não enxergam e aquilo que enxergam sobre si próprios. Os alunos associam-se às posições privilegiadas nos dois casos de forma implícita, pois não aparece como questionável ou ameaçada à posição associada àqueles que fazem o trabalho voluntário ou àqueles que são os alunos do curso de inglês. Essa é uma posição diferente daquela que os alunos da escola Bento Gonçalves se colocam quando pensam em uma instituição que faz um bom trabalho, servindo as pretensões de validade como ferramenta metodológica que organiza, nesse caso, uma análise de desigualdade de classe. Apresentamos, então, como a mesma questão aparece nas falas desses alunos da escola Bento Gonçalves:

Projovem, lá tinha uma professora muito legal que o nome dela é Jurema e as “aulas” eram bem aproveitadas tinha aula de educação física que a professora dava varias aulas diferentes e legais tinha aulas de educação ambiental e no final do ano tinha festa de formatura mais no outro ano você podia fazer de novo e te encaminhava para trabalhos dependendo da idade.

Pra mim o pão dos pobres por que nesse lugar tem atividades gratuitas, sem pagar nada.

pra mim é a rede mac simionato, pois eles te dão bastante oportunidade e por cima ainda tu ganha bem.

Novamente, para a análise, procuramos iniciar organizando os dados a partir da ferramenta das pretensões de validade, conforme o exercício:

Pretensões de validade objetivas [Bento Gonçalves]: os alunos apontam projetos filantrópicos que acessam em posição de beneficiários e a loja que oferece bons empregos como instituições que fazem um bom trabalho.

Pretensões de validade subjetivas [Bento Gonçalves]: os alunos supõem que é subentendida consensualmente a sua condição desfavorável como parte de uma realidade educacional.

Pretensões de validade normativas [Bento Gonçalves]: os alunos veem como normal a posição de beneficiário que ocupam nos projetos filantrópicos citados e de empregados de lojas.

As pretensões de validade desses alunos, em comparação às pretensões de validade dos outros alunos, permitem que se examine como, nesses casos, diferentemente dos estudantes da escola privada, os alunos se sentem beneficiados por conseguirem acessar aos serviços das instituições filantrópicas citadas ou por acessarem empregos em uma loja de materiais de construção. Novamente, o sentimento aparece articulado às condições materiais dessas realidades desiguais: o curso privado de inglês ou a posição de voluntário - e não de assistido - não fazem parte da realidade da maioria dos alunos pesquisados da escola pública, o que também implica outras estruturas de sentimento (WILLIAMS, 2000). Não há posições de privilégio sentidas como asseguradas para esses alunos, mas um sentimento de gratidão por conquistarem os benefícios desses projetos sociais e empregos, relacionados às condições fundamentais para o que Charlot (2002) chama de uma “vida normal”. Sobre isso, Charlot (2002) afirma:

Aproximadamente 75% a 80% dos alunos [de classes populares] estudam para mais tarde ter um bom emprego. É uma questão de realismo o qual se torna ainda mais realista se pensado na lógica de que para se ter um bom emprego se deve ter um diploma e, para se ter um diploma, se deve passar de uma série para outra. Deve-se ter diploma para ter emprego, deve-se ter emprego para ter dinheiro e deve-se ter dinheiro para ter uma vida normal. Na Sociologia muitas vezes se diz que eles não têm projeto. Evidentemente eles têm um projeto, não um projeto de classe média, mas pretendem ter uma vida normal. Nossos filhos quase têm a certeza de que terão uma vida normal. E nosso projeto é para que subam na escala social. Para quem nasce num bairro popular francês, numa favela, aqui, ter uma vida normal é uma conquista, não é uma coisa dada no nascimento. O projeto é ter uma vida normal e para isso só a escola ajuda. Pode-se ganhar dinheiro de outras formas, seja no Brasil seja na França, com o tráfico de drogas, por exemplo, mas este não proporciona uma vida normal e eles sabem disso pois tiveram a oportunidade de ver colegas mortos na rua. Para ter uma vida normal, para quem nasceu numa família popular, o único jeito é ser bem-sucedido na escola e as famílias sabem disso. (CHARLOT, 2002, p. 27).

Essa constatação de Bernard Charlot é fundamental para que se possa entender a diferença do sentido de qualidade constituído entre alunos de classes populares e classes médias, ou altas. No cenário aqui desenhado, o sucesso escolar também é uma meta para as classes populares, mas não se refere à obtenção de privilégio ou distinção, mas à obtenção das premissas fundamentais para uma vida com condições básicas. Esse elemento mostra como se configura, apesar das desconfianças à promessa da escola, um investimento real dessas famílias em nome da promoção social de seus filhos. As pretensões de validade, assim, ajudam a esquematizar e examinar a agência dos sujeitos, nesse caso, os julgamentos dos alunos, permitindo que a análise passe de uma perspectiva mais “intuitiva” (JACKS et al., 2016) para aspectos específicos dos dados coletados, em conexão com a teoria, como a discussão proposta por Charlot (2002).

Um outro momento de análise sobre o sentimento de entitlement em que se pode ilustrar a maneira como as pretensões de validade ajudaram a organizar a análise referiu-se a como os alunos responderam sobre o que mudariam na escola caso fossem diretoras ou diretores. Assim responderam os alunos do Colégio Oswaldo Aranha, a escola privada:

Eu com certeza mudaria varios dos professores, metade deles ou nao sabe ensinar direito, ou nao sabe controlar uma turma... Acho que isso seria uma das principais coisas que eu mudaria. Eu tambem mudaria o bar, pois la eles sao muito desorganizados. Acho que eu tambem seria mais rigida em relacao aos estudos... pois o colegio esta meio fraco em relacao a isso e isso e importante, temos que comecar a realmente aprender e nao somente fingir mas e claro que para isso precisariamos que os professores colaborassem... Eu escutaria mais os alunos do colegio para ver o que eles nao estao gostando e como poderiamos melhorar, pois eu acho muito importante que os alunos tenham um lugar para opinar, acho importante que isso aconteca, pois tambem temos que ouvir os oputros e nao decidir tudo sozinhos. eu trocaria os cadernos pelos computadores e tablets pois eu acho que a escola deveria ser uma preparacao pra op nosso futuro, e eu acho que cadernos nao fazem muita parte dele

eu trocaria alguns professores, tiraria aqueles que ensinam mal e chatos, e colocaria professores mestres. mudaria também o estilo do ensino, pois acho que atualmente o Oswaldo ensina pro vestibular, queria também que ensinassem pra vida. Queria estudar para viver, e não viver para estudar. Os alunos que não mostrassem interesse pelos estudos e que fossem mal nas provas deveriam ser dispensados, pois tem gente querendo vaga na escola e seria um aluno muito melhor do que os que são vagabundo.

Bom.. ser diretor é uma pessoa tão grandiosa, tão poderosa em uma escola. Na minha opinião acho que despediria vários professores, que não tem a qualidade de poder ensinar em um escola como essa. Também certamente teria mais respeito com os estudantes, iria ouvir suas reclamações e aceita-las. Obviamente, mudaria um pouco da infraestrutura do colégio.

Seu eu fosse a diretora, eu já teria expulsado/suspenso muitas pessoas da escola pois muitas pessoas daqui não tem o menor respeito pelos professores e acham os maravilhosos. Mudaria também a educação que seria trocar alguns professores porque não ensinam muito bem. Mudaria também a comida do restaurante porque essa da nojo. Mudaria também a estrutura da escola, e mudaria as cores da escola pois com cores mais vibrantes os alunos teriam mais vontade de vir para a escola.

O sentimento de entitlement, nesses casos, pode ser analisado por meio do uso da ferramenta, especialmente a partir da identificação de pretensões de validade objetivas e subjetivas:

Pretensões de validade objetivas [Oswaldo Aranha]: os alunos sugerem mudanças organizacionais quando perguntados sobre o que mudariam na escola.

Pretensões de validade subjetivas [Oswaldo Aranha]: os alunos sentem que podem ter opiniões quanto a questões estratégicas do funcionamento de uma escola. Ainda que não diretamente nessas falas, eles também indicam pensar que merecem ser escutados quanto a essas percepções. Esses sentimentos estão presentes na medida em que os alunos indicam sentir que é devido a eles uma melhor educação.

A partir desse detalhamento dos dados coletados no Colégio Oswaldo Aranha, a análise começa a se desenhar. Há um exercício que os alunos fazem de propor reformas estruturais na escola: a partir de trocas de professores, mudança de orientação pedagógica, estabelecimento de canais de participação dos alunos ou outras propostas. Isso pode ser analisado especialmente se comparamos essas respostas a algumas dos alunos da Bento Gonçalves à mesma questão:

eu melhoraria a qualidade a sala de informática da escola pois não esta em uma situação muito boa e a questão da internet porque quando os alunos estão na informática a secretaria não tem internet

Eu melhoraria a comida, dava um suco descente junto com ela. Colocaria um cardápio da semana para os alunos saberem o que teria na semana. Colocaria música no recreio.

Na verdade eu não sei direito porque sou apenas um aluno e não tenho o conhecimento que eles tem, mas pelo meu ponto de vista eu em vestiria no alimento dos alunos pois a comida está um pouco sem sal e aqueles alunos que na maioria das vezes esperam para comer no colégio acabam não comendo, porque preferem morrer de fome do que come a comida do colégio que é uma...

mudaria o lanche da escola, eu ia lutar para conseguir a quadra, liberaria festa na escola, conseguiria passeios muito legais, ia colocar computadores novos, colocaria internet sem fio, e material adequado para cada matéria.

Eu faria uma campanha para arrecadar dinheiro de algum jeito e reformaria a escola, por que a verba da prefeitura não seria capaz de financiar de tao pouca que é. E daria castigo rígidos para os que destruissem a escola.

Botaria wifi liberado para os alunos, liberaria o celular na sala de aula, teria uma tabela de votação para ver o que os alunos gostariam de lanchar e almoçar pela semana, seja um hamburguer com batata frita, com algo para tomar, pois seria melhor ate pra digerir o alimento.

Ao organizarmos as falas dos alunos da escola pública em pretensões de validade, podemos apresentar a seguinte esquematização:

Pretensões de validade objetivas [Bento Gonçalves]: os alunos sugerem melhores condições básicas de alimentação e estrutura física quando perguntados sobre o que mudariam na escola.

Pretensões de validade subjetivas [Bento Gonçalves]: os alunos sentem legitimidade para falar de questões mais materiais e menos organizacionais da escola, como a internet, as quadras esportivas ou a alimentação. Não indicam se sentirem legitimados para questões pedagógicas ou estratégicas. Como diz um aluno: “eu não sei direito porque sou apenas um aluno e não tenho o conhecimento que eles têm, mas pelo meu ponto de vista eu [investiria] no alimento dos alunos”.

As respostas dos alunos da Bento Gonçalves possuem, assim, outras características. Ainda que também respondam diretamente às perguntas, seus argumentos são construídos de outra maneira e possuem outro conteúdo. A maneira com que constroem sua argumentação, nesse caso, pode ser vinculada a um estilo mais concreto e objetivo de se responder, diferentemente das respostas mais amplas e com maior grau de abstração dadas pelos alunos do Oswaldo Aranha. Os alunos da Bento Gonçalves, em vez de apontarem para reformas mais estratégicas, concentram-se em aspectos mais restritos e que não se relacionam com as práticas pedagógicas, mas com suas experiências pessoais como alunos. Podemos conectar esse tipo de resposta dada pelos alunos da Bento Gonçalves à discussão sobre as expectativas das famílias de classes populares estarem conectadas a uma noção de “eficácia escolar” (THIN, 2006), em que o trabalho braçal e a objetividade instrumental costumam ser mais valorizados, e há menos legitimação de atividades mais abstratas ou sem objetivos específicos.

Dessa maneira, enquanto vários alunos do Oswaldo Aranha sentem-se legitimados para falar sobre a organização dos fluxos da escola, os da Bento Gonçalves apontam estar preocupados com mudanças mais elementares na escola, relacionadas à comida oferecida pelas escolas e também à estrutura física do espaço escolar. O sentimento de entitlement dos alunos da escola privada, indicado pela propriedade que os alunos apontam sentir para falar sobre questões estratégicas da escola, não aparece como possibilidade para os alunos entrevistados da Bento Gonçalves. A comparação das pretensões objetivas e subjetivas de Validade subjacentes às falas dos alunos possibilita que identifiquemos diferenças quanto ao sentimento sobre sua educação e sobre si mesmos. Os diferentes tipos de legitimidade que sentem para falar sobre sua educação apontam para diferenças quanto às condições de escolarização - a questão da alimentação, por exemplo, aponta para condições essencialmente materiais - e quanto à forma como se comportam como alunos.

As limitações práticas da escola municipal e da vida de classe popular influenciam no que se imagina para a escola: alimentação e um espaço com condições básicas não aparecem como um problema na vida ou na educação dos alunos do Oswaldo Aranha, o que lhes permite pensar além dessas condições fundamentais. Além disso, somente entre alunos do Oswaldo Aranha é comum uma confiança e segurança de enxergar que é legítimo pensar e sugerir mudanças estratégicas na escola. Assim, somente no Oswaldo Aranha há a presença de um sentimento de que uma educação de qualidade é devida a eles, e, por isso, a escola deveria ser melhor.

Nesses trechos de análise, enfim, procuramos apontar como a utilização da ferramenta permitiu que a pesquisa fosse estruturada com rigor pelos pesquisadores, servindo como uma “chave de leitura”, que facilita a produção da análise e a maneira como se apresenta a pesquisa. Foi mobilizando a ferramenta que se pode entender como, ao enxergarem como normal sua posição de privilegiados, os alunos do colégio Oswaldo Aranha não enxergam como normal para si ocupar posições subalternas; e o oposto pode ser dito dos alunos da escola pública: as falas indicam que a posição de privilégio, seja como voluntário ou como aluno de um curso de inglês privado, não fazem parte da realidade cotidiana desse segundo grupo de alunos.

Apesar de não ser o objetivo detalharmos essa discussão teórica aqui, é importante que registremos a relação entre o constrangimento da condição social e educacional dos alunos em cada contexto e aquilo que enxergam como possível ou normal para pensar a qualidade de sua educação. O conceito de hegemonia, assim, aliado ao viés metodológico proposto, ajudou a entendermos como os processos de reprodução, de produção e de legitimação da desigualdade não ocorrem meramente por imposição ou dominação, mas por convencimento (WILLIAMS, 2000). Desse modo, os alunos não são coagidos a sentirem, pensarem ou agirem da forma que o fazem em seus julgamentos, mas têm o próprio campo de possibilidades imagináveis rearticulado por um senso de realidade particular que passa a aparecer como “a realidade” e por uma vigorosa falta de opções além do único caminho que se pode visualizar como razoável (WILLIAMS, 2000). Isso aparece quando falam ou silenciam sobre possibilidades que já aparecem como pré-definidas, para eles e pela percepção deles mesmos, para sua atuação dentro e fora da escola. Assim, há uma relação de seus julgamentos com a hegemonia que pode ser compreendida com a ajuda do método analítico das pretensões de validade.

Esse exemplo, então, foi apresentado para que pudéssemos concretamente visualizar como a opção por uma ferramenta metodológica de análise, particularmente as pretensões de validade, pode contribuir para análises críticas educacionais. Esse é apenas um caso específico, podendo-se utilizá-la em muitos outros casos. A própria ferramenta pode ser rearticulada para outros tipos de dados. Isso não significa que essa “chave de leitura” é uma categoria estabilizada no campo e que a maneira aqui apresentada é a “melhor” forma de se utilizar uma perspectiva analítica de tratamento de dados. O exercício aqui proposto tem muito mais a intenção de trazer para o debate da área a reflexão sobre ferramentas de análise de dados. Cabe, assim, um debate coletivo quanto a utilidade, o potencial e os limites de um uso como o aqui apresentado. Há ainda muito de intuitivo na forma como se procede com tais ferramentas nas ciências humanas (JACKS et al., 2016), inclusive nos estudos educacionais críticos (APPLE, 2000), e não tem sido diferente na pesquisa aqui exposta. No entanto, o convite para que essas novas experiências ocorram é um ensejo que fundamenta este trabalho.

Considerações finais

Com este trabalho, procuramos apresentar as possíveis contribuições das pretensões de validade (HABERMAS, 1984), de acordo com a interpretação de Carspecken (2011), para pesquisas críticas em Sociologia da Educação. Inicialmente, apresentamos os principais conceitos da formulação de Carspecken, destacando os tipos de pretensões de validade: objetivas, subjetivas, normativas e valorativas. Em seguida, apresentamos um exemplo com o objetivo de apontar como essa abordagem analítica pode contribuir com as pesquisas da área, a partir de um estudo que vem sendo realizando, em que os julgamentos que os alunos fazem da qualidade de sua educação podem ser analisados a partir de um procedimento metodológico, pela ferramenta de Carspecken (2006, 2011). De forma geral, a tentativa feita neste texto foi de trazer discussões não apenas em torno desse conceito em específico, mas em torno da forma como se podem realizar análises sérias dos dados coletados em campo nos estudos educacionais críticos (APPLE, 2000). Além disso, mais do que trazer provocações, procuramos apontar caminhos possíveis para pesquisas críticas na área, propondo novas maneiras de refletirmos sobre as estruturas teórico-metodológicas de análise de dados na pesquisa educacional crítica brasileira.

1As revistas consultadas foram: Educação & Sociedade, Cadernos de Pesquisa, Educação e Pesquisa, Educação & Realidade, Revista Brasileira de Educação.

2Procurou-se, na ferramenta de busca, os seguintes termos: “decodificação”, “tratamento”, “perspectiva”, “ferramenta”, “chave de leitura”, “técnica”. Após as poucas localizações desses termos, procurou-se por algum debate em relação ao tema, que se mostraram inexistentes.

3Optamos, neste trabalho, pelo uso do termo pretensão de validade, e não afirmação de validade, por ser a tradução mais usualmente utilizada do termo Validity claim, na obra de Habermas.

4Nomes fictícios.

5Correspondente aos anos inicias do Ensino Fundamental.

6Assim como os nomes das escolas, os nomes dos bairros e vilas são fictícios.

7Correspondente aos anos finais do Ensino Fundamental.

8As respostas dos alunos são reproduzidas exatamente conforme foram digitadas no software em que a pesquisa foi realizada, mantendo-se eventuais erros de gramática.

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Recebido: 31 de Julho de 2019; Aceito: 02 de Outubro de 2019; Publicado: 15 de Outubro de 2019

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