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Práxis Educativa

versión impresa ISSN 1809-4031versión On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.15  Ponta Grossa  2020  Epub 02-Sep-2020

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.15.15408.061 

Artigos

Governamentalidade neoliberal fascista e o direito à escolarização*

Fascist neoliberal governmentality and the right to schooling

Gubernamentalidad neoliberal fascista y el derecho a la escolarización

**Professora do Instituto de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande. Doutora e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq - Categoria 2. E-mail: <kamila.furg@gmail.com>.


Resumo

Este texto discute a configuração atual de uma governamentalidade neoliberal fascista, a qual mantém princípios do neoliberalismo, mas, ao mesmo tempo, coloca em operação tanto um fascismo molar (estatal) quanto molecular (microfascismos do cotidiano). A partir disso, problematiza-se como tal governamentalidade incide sobre o direito à escolarização de todos no tempo presente. Analisa-se, assim, a escolarização doméstica, por meio de Projetos de Lei em trâmite na Câmara de Deputados. Frente ao material empírico, apontam-se dois movimentos analíticos: 1) a articulação da escolarização doméstica com os princípios neoliberais da liberdade individual e de responsabilização dos sujeitos; 2) a constituição da exclusão como um direito que produz dois processos: a exclusão por reclusão da outridade e a exclusão por proteção da mesmidade. Por fim, aponta-se o espaço comum da escola como algo inapropriável que pode produzir formas de resistir e de reexistir no e com o mundo.

Palavras-chave: Escolarização doméstica; Direito à escolarização; Governamentalidade

Abstract

This text discusses the current configuration of a fascist neoliberal governmentality, which has kept principles from neoliberalism while putting into operation a kind of fascism that is both molar (state) and molecular (daily micro-fascisms). From that, the text problematizes the way that such governmentality has affected everyone’s right to schooling in the present time. Thus, homeschooling is analyzed through Bills now pending in the House of Deputies. Regarding the empirical material, two analytical movements have been pointed out: 1) the articulation of homeschooling with the neoliberal principles of individual freedom and accountability; 2) the constitution of exclusion as a right that triggers two processes: exclusion for otherness reclusion and exclusion for sameness protection. Finally, the shared school setting has been evidenced as something non-appropriable that can produce ways of resisting and re-existing in and with the world.

Keywords: Homeschooling; Right to schooling; Governmentality

Resumen

Este texto discute la configuración actual de una gubernamentalidad neoliberal fascista, que mantiene los principios del neoliberalismo, pero al mismo tiempo pone en operación tanto un fascismo molar (estatal), como molecular (microfascismos de lo cotidiano). A partir de esto, se problematiza cómo dicha gubernamentalidad incide sobre el derecho a la escolarización de todos en el tiempo presente. Se analiza, así, la escolarización doméstica por medio de Proyectos de Ley en trámite en la Cámara de Diputados. Frente al material empírico, se señalan dos movimientos analíticos: 1) la articulación de la escolarización doméstica con los principios neoliberales de libertad individual y de responsabilización de los sujetos; 2) la constitución de la exclusión como un derecho que produce dos procesos: la exclusión por reclusión de la otredad y la exclusión por protección de la mismidad. Finalmente, se señala el espacio común de la escuela como algo no apropiable que puede producir formas de resistir y de re-existir en y con el mundo.

Palabras clave: Escolarización doméstica; Derecho a la escolarización; Gubernamentalidad

O contexto de produção do texto

Vivemos em um Estado Suicidário! É abril de 2020 e enfrentamos uma das maiores crises globais dos últimos tempos. A pandemia do Coronavírus (Covid-19) coloca em xeque a “eficácia” do neoliberalismo na gestão da vida da população; evidencia que o empresariamento da sociedade nada mais é do que a precarização da existência humana; e expõe o viés fascista de um Estado cuja primazia da economia faz, da (des)valorização de algumas vidas, uma forma de governar na crise.

Vários pensadores contemporâneos têm analisado esse momento histórico sob diferentes ângulos. Gilles Lipovetsky (2020) anuncia que o Coronavírus é um sintoma da hipermodernidade, um bom embaixador da globalização, uma vez que se expande por todas as partes do globo, quebrando fronteiras graças à conexão imediata do planeta. Judith Butler (2020), por sua vez, afirma que o vírus não discrimina ninguém. Ele “[...] nos trata por igual, nos põe igualmente em risco de adoecer, perder alguém próximo e viver em um mundo de permanente ameaça” (BUTLER, 2020, p. 60). Entretanto, a autora continua: “[...] o vírus por si só não discrimina, porém, nós humanos seguramente o faremos, modelados como estamos pelos poderes entrelaçados do nacionalismo, do racismo, da xenofobia e do capitalismo” (BUTLER, 2020, p. 62). Nessa mesma direção, Slavoj Žižek (2020) diz que a propagação contínua da epidemia do Coronavírus também desencadeou grandes epidemias de vírus ideológicos, entre eles as explosões de racismo.

Como podemos perceber, no contexto contemporâneo, a presença dessas explosões de racismo? Poderíamos pensar, apoiados em Foucault, em uma reconfiguração ou atualização do Racismo de Estado, em nossos dias? Como podemos analisar o funcionamento de um tipo de racismo que anuncia o valor de algumas vidas e não de outras?

Essas formas de racismo contemporâneo podem claramente ser visualizadas por meio da circulação de determinados discursos que povoam, não só o cenário brasileiro, mas também o cenário mundial. Os discursos de Donald Trump sobre a “guerra” travada para aquisição das máscaras e dos equipamentos, que segundo ele devem direcionar-se primeira e prioritariamente aos americanos, retomam enunciados bastante presentes em seu Governo: America First! (Primeiro a América!). Já, no Brasil, Bolsonaro insiste em propagar discursos contra o isolamento social, afirmando constantemente que o Coronavírus não passa de uma “gripezinha” que matará “apenas” idosos e pessoas com morbidades. Vemos aqui a presença dessas explosões de racismo que desqualificam e desvalorizam determinadas vidas como se elas pudessem ser perdidas, já que talvez não ocupem uma posição produtiva na engrenagem econômica. Assim, a morte parece ser reduzida a efeito colateral do necessário funcionamento da economia (SAFATLE, 2020), e o racismo apresenta-se, nesse contexto contemporâneo, não como algo que produz a morte diretamente, mas como algo que ameaça a vida constantemente.

Para levar adiante tal entendimento, os estudos de Michel Foucault (1999) mostram a sua atualidade. No Curso em Defesa da Sociedade, o autor francês destaca que o racismo é “[...] a condição da aceitabilidade de tirar a vida numa sociedade de normalização” (FOUCAULT, 1999, p. 306). Entretanto, ele é ainda mais preciso: “[... ] por tirar a vida não entendo simplesmente o assassínio direto, mas também tudo o que pode ser assassínio indireto: o fato de expor à morte, de multiplicar para alguns o risco de morte ou, pura e simplesmente, a morte política, a expulsão, a rejeição, etc.” (FOUCAULT, 1999, p. 306). Eis o Estado suicidário, que não mata diretamente, mas expõe, constantemente, determinadas parcelas da população à morte, seja por meio da expulsão, da rejeição ou do seu desaparecimento social.

Se trago, aqui, tal contextualização do momento atual não é para defini-lo como ponto originário da produção e da disseminação desses discursos racistas, sexistas e fascistas. A crise da Convid-19 talvez exponha tais discursos de forma mais acentuada, mas eles já se faziam fortemente presentes antes da crise e encontravam eco em uma governamentalidade neoliberal fascista em consolidação no Estado Brasileiro. Argumento que tal governamentalidade mantém alguns princípios neoliberais, mas articula a eles a face grotesca e ubuesca de um fascismo, ao mesmo tempo estatal e cotidiano, ao mesmo tempo molar e molecular.

A partir dessa perspectiva, este texto divide-se em duas grandes partes. Em um primeiro momento, busco refletir sobre alguns deslocamentos que podemos evidenciar na racionalidade política contemporânea e na sua articulação com uma espécie de fascismo macro e micropolítico que materializa práticas de exclusão daqueles sujeitos e grupos que não respondem a um modelo instituído de vida e de ordem. A partir disso, proponho analisar como tal racionalidade vem incidindo sobre o direito à escolarização de todos no tempo presente. Para isso, tomo como materialidade empírica alguns Projetos de Lei sobre escolarização doméstica que se encontram em trâmite na Câmara de Deputados, desde1994, mas que ganham força e maior destaque nos últimos anos, especialmente no Governo Bolsonaro.

Uma governamentalidade neoliberal fascista: possibilidades para pensar o presente

Grotesco: adjetivo e substantivo masculino

[...] diz-se de ou categoria estética cuja temática ou cujas imagens privilegiam odisforme, oridículo, oextravaganteetc. Derivação: por extensão de sentido. que ou o que se presta aorisoou àrepulsapor seu aspecto inverossímil,bizarro,estapafúrdiooucaricato. (HOUAISS, 2009, p. 326, grifos nossos).

Quando recorro à palavra “grotesco”, não é na intensão do insulto, mas na ordem do que Foucault chama o sentido rígido ou sério do conceito. (SARDINHA, 2019, p. 92).

Inicio esta seção trazendo para o debate um termo que tem sido amplamente utilizado para caracterizar e, ao mesmo tempo, desqualificar o Governo de Jair Messias Bolsonaro. Se considero possível afirmar que o Governo Bolsonaro é grotesco, o faço apoiada nas palavras de Diogo Sardinha (2019, p. 92), quando afirma que não se trata de um insulto, mas de um conceito. Foucault (2001) ajuda-nos a compreender tal conceito como uma categoria precisa de análise histórica-política, a partir da qual se pode visualizar a maximização dos efeitos do poder a partir da desqualificação de quem o produz. Para o autor francês, o poder ubuesco ou a soberania grotesca não é um acidente na história do poder, mas parte das suas engrenagens e dos seus mecanismos. Para ele, “[...] a engrenagem do grotesco na mecânica do poder, é antiquíssima nas estruturas e no funcionamento político das nossas sociedades” (FOUCAULT, 2001, p. 15). O autor cita o Império Romano, o Nazismo e o Fascismo como exemplos dessa materialidade. Ele destaca ainda que o “[...] grotesco de alguém como Mussolini estava absolutamente inscrito na mecânica do poder. O poder se dava essa imagem de provir de alguém que estava teatralmente disfarçado, desenhado como um palhaço, como um bufão de feira” (FOUCAULT, 2001, p. 16). Assim, o grotesco para Foucault não está relacionado a uma categoria de injúrias que desqualifica aquele que governa e por extensão limita os efeitos do poder. Sobre isso, ele diz que:

Mostrando explicitamente o poder como abjeto, infame, ubuesco ou simplesmente ridículo, não se trata, creio, de limitar seus efeitos e descoroar magicamente aquele a quem é dada a coroa. Parece-me que se trata, ao contrário, de manifestar da forma mais patente a incontorbanilidade, a inevitabilidade do poder, que pode precisamente funcionar com todo o seu rigor e na ponta extrema da sua racionalidade violenta, mesmo quando está nas mãos de alguém efetivamente desqualificado (FOUCAULT, 2001, p. 17).

Parece-me ser esse o caso do que estamos a assistir no Brasil contemporâneo. Trata-se de uma forma de poder ubuesca, de uma soberania grotesca que se enseja na mecânica própria de um poder que mostra sua inevitabilidade. No caso do momento específico que vivemos no Brasil, essa figura do poder ubuesco é acionada no interior de uma governamentalidade que, ao mesmo tempo, pauta-se por princípios neoliberais que fortalecem o discurso das liberdades individuais e, por consequência, da responsabilização de si. Contudo, articula-se a esses princípios neoliberais um viés fascista que mostra sua face violenta no desprezo ao outro e a determinadas formas de vida. É essa governamentalidade, como uma racionalidade que articula princípios neoliberais e fascistas, que gostaria de abordar.

Para compreendermos a configuração contemporânea dessa governamentalidade atual, inicialmente torna-se importante esclarecermos esse conceito a partir das contribuições de Michel Foucault (2008b). Para ele, a governamentalidade pode assumir múltiplas formas. Ela pode ser definida como a forma de ser do pensamento político, econômico e social de uma época. Ela pode ser entendida como a linha de força que nos conduziu, em todo o Ocidente, a uma forma de poder que tem como alvo a população e como dispositivo os mecanismos de segurança. Ela pode ainda ser compreendida como o ponto de articulação entre o governo dos outros e o governo de si, entre as formas como somos governados e como nos governamos.

Entretanto, diante dessas múltiplas formas de entendimento do conceito, para este artigo, destaco apenas o primeiro sentido atribuído por Foucault a essa noção. Trata-se de compreendê-la como uma forma de racionalidade, uma forma de ser do pensamento político, econômico e social que organiza as práticas de governo desenvolvidas em um determinado tempo e em uma determinada sociedade. “A racionalidade supõe a existência de certa lógica que opera tanto nas instituições quanto na conduta dos indivíduos e nas suas relações sociais e políticas. Tal racionalidade age como um programa que orienta o conjunto da conduta humana” (MARÍN-DIAZ, 2009, p. 11). Pode-se entendê-la como certa lógica que coloca em funcionamento determinadas técnicas que objetivam direcionar as condutas dos sujeitos e das populações. Trata-se, portanto, de como pensamos a ação de governar ou, ainda, de como as tecnologias de governo são empreendidas a partir de uma racionalidade política que as coloca em operação em uma época dada. De acordo com Avelino (2010, p. 22): “Por racionalidades Foucault entendia os conjuntos de prescrições calculadas e razoáveis que organizam instituições, distribuem espaços e regulamentam comportamentos; nesse sentido as racionalidades induzem uma série de efeitos sobre o real”.

Com base nisso, entendemos que as práticas, os procedimentos e as tecnologias utilizadas para governar são produzidos e orientados por uma determinada forma de racionalidade ao mesmo tempo que a sustentam e a modificam. Parece ser esse o movimento que temos vivenciado nos últimos tempos: uma certa modificação de alguns pilares que dão sustentação a essa forma de ser da racionalidade política, econômica e social contemporânea. Se, por um lado, vemos continuidades de uma racionalidade neoliberal; por outro, inaugura-se um viés fascista em que o grotesco e o ubuesco assumem centralidade. É nesse bojo que gostaria de argumentar que estamos vivenciando alguns deslocamentos nessa governamentalidade contemporânea, daquilo que poderíamos chamar, apoiando-nos nos estudos de Foucault e Gallo, de governamentalidade neoliberal democrática, para o que denomino aqui de governamentalidade neoliberal fascista. Tal deslocamento pauta-se na legitimação de discursos antidemocráticos, explicitamente discriminatórios, excludentes e autoritários, veiculados principalmente a partir das últimas eleições. Cruz e Macedo (2019, p. 14) destacam que talvez estejamos vivendo um período pós-democrático ou ainda de de(s)mocratização, o que afeta também o campo educacional.

A hipótese de que estaríamos vivenciando deslocamentos em uma governamentalidade contemporânea foi construída, a partir da análise de um período histórico ancorado em uma racionalidade política, que Silvio Gallo (2017a) denominou de governamentalidade democrática. Travava-se, segundo ele, de um período histórico “[...] centrado na afirmação e na promoção da cidadania, evidenciando uma governamentalidade democrática como maquinaria posta em curso no Brasil desde meados dos anos 1980, azeitada pela constituição de cidadãos” (GALLO, 2017a, p. 89, grifo nosso) . Nessa chave de leitura, poderíamos dizer: “[...] é preciso constituir a todos como cidadãos para que possam ser governados. Fora da cidadania não há governo democrático possível; por essa razão, as pedras de toque são duas: cidadania e inclusão. Todos devem ser cidadãos, todos precisam estar incluídos” (GALLO, 2017b, p. 1508, grifos do autor). A partir da noção de governamentalidade, proveniente dos estudos foucaultainos, Silvio Gallo demonstra como, em um dado momento histórico, temos uma racionalidade, uma forma de ser do pensamento político, econômico e social que toma a noção de democracia e, portanto, a noção de sujeito de direito, como o fundamento da ação governamental. Essa ação governamental parecia se sustentar em um imperativo central: a não exclusão! A não exclusão como regra máxima de um governo neoliberal é apresentada por Foucault (2008a) em seu Curso Nascimento da Biopolítica:

[...] a sociedade inteira deve ser permeada por esse jogo econômico e o Estado tem por função essencial definir as regras econômicas do jogo e garantir que sejam efetivamente bem aplicadas. [...] cabe à regra do jogo imposta pelo Estado fazer que ninguém seja excluído desse jogo. (FOUCAULT, 2008a, p. 277-278).

A não exclusão e a constituição de todos os sujeitos como cidadãos tornaram-se as estratégias fundamentais para governar a população em uma racionalidade neoliberal democrática. Constituir a todos como sujeitos de direito é justamente o que permite ao Estado torná-los governáveis. “O cidadão do Estado democrático é o cidadão governável. Somos constituídos como cidadãos para que possamos ser governados” (GALLO, 2017b, p. 1506).

No entanto, tal premissa parece não se manter presente nessa governamentalidade atual, a qual ainda carrega princípios neoliberais, mas aglutina a isso uma agenda conservadora que nos permite pensar em processos de exclusão dos sujeitos que, por não responderem a determinados modelos impostos como melhores, não são foco das ações do Estado. Essa governamentalidade contemporânea pauta-se em formas de fascismo contemporâneo que excluem, menosprezam ou desconsideram determinadas formas de vida, colocando em xeque a regra da não exclusão apresentada por Foucault ao definir o neoliberalismo e expondo, da forma mais escancarada possível, as violências presentes nessa forma grotesca de governar.

Para compreendemos que entendimento de fascismo embasa este texto, é preciso esclarecer a distinção feita por Gallo (2009) entre fascismo molar e fascismo molecular. O autor esclarece que o molar se refere ao nível da macropolítica, das segmentaridades duras, enquanto o molecular é do nível da micropolítica, flexível, do cotidiano. De acordo com Saraiva e Lockmann (2019),

[...] os segmentos molares são as linhas duras das macropolíticas, das políticas de Estado, que tendem ao binarismo. O molar está relacionado com sistemas de representação, com movimentos de territorialização. Já os segmentos moleculares são as linhas flexíveis das micropolíticas, da política das massas, que tendem à multiplicidade. Não se referem a sistemas de representação, mas a fluxos de desejos e crenças, com movimentos de desterritorialização. (SARAIVA; LOCKMANN, 2019, p. 219-220).

Isso nos ajuda a compreender que o fascismo não necessariamente precisa estar relacionado às macroestruturas de uma política de Estado. Quando falamos em fascismo, não falamos apenas na sua versão historicamente situada na Itália de Mussolini. Também podemos nos referir a um fascismo como fenômeno de massa, molecular que estende, rizomaticamente, seus tentáculos pela teia social (GALLO, 2009). Trata-se de uma espécie de virtualidade dos microfascismos do cotidiano que se fazem presentes em focos moleculares cuja materialização encontramos em diferentes instâncias do social e em cada um de nós. Para Deleuze a Guatarri (1996),

[...] fascismo é inseparável de focos moleculares, que pululam e saltam de um ponto a outro, em interação, antes de ressoarem todos juntos em um Estado nacional-socialista. Fascismo rural e fascismo de cidade ou de bairro, fascismo jovem e fascismo ex-combatente, fascismo de esquerda e de direita, de casal, de família, de escola e de repartição: cada fascismo se define por um microburaco negro, que vale por si mesmo e comunica com os outros, antes de ressoar num grande buraco negro central generalizado. (DELEUZE; GUATARRI, 1996, p. 91).

Isso significa dizer que fascismo e estado totalitário não mantém entre si uma relação de dependência. Há fascismos sem estados totalitários e há estados totalitários não fascistas. Lembremos novamente a frase de Virilo citada por Deleuze e Guattarri (1996, p. 113): “[...] no fascismo, o Estado é muito menos totalitário do que suicidário”. É claro que os fascismos moleculares podem se articular, sustentar e reforçar um fascismo estatal, mas não dependem dele para existir. O fascismo estatal é molar, enquanto os microfascismos do cotidiano são moleculares e é justamente essa “[...] potência micropolítica ou molecular que torna o fascismo perigoso, porque é um movimento de massa: um corpo canceroso mais do que um organismo totalitário” (DELEUZE; GUATARRI, 1996, p. 113). Da mesma forma, o fascismo molar pode apoiar-se em microfascimos moleculares para se fortalecer e encontrar respaldo para suas ações de violência, exclusão, racismo e recusa de determinadas formas de vida.

Parece ser essa articulação perigosa - entre fascismos do cotidiano (moleculares) e fascismos estatais (molares) - que visualizamos no Brasil atualmente. Os microfascismos do cotidiano com seus focos moleculares encontram respaldo nos organismos estatais, em suas segmentalidades duras e se veem representados em discursos oficiais, em determinadas políticas e programas propostos pelo Governo Federal. Da mesma forma, o fascismo estatal e seus focos molares encontra eco nos microfascismos do cotidiano, apoiado que está pelos movimentos conservadores de massa. Assim, não se trata de optar por uma forma de fascismo para operar neste texto, mas compreender que a governamentalidade que emerge no presente articula fascismos moleculares e molares, formas de agir que se espalham pelo tecido social, mas que também se ensejam nas estruturas do Estado e de suas políticas.

Então, a partir de tais discussões argumento que a governamentalidade neoliberal fascista apoia-se em pelo menos dois elementos: um próprio do neoliberalismo - a liberdade individual e sua correlata responsabilização -; o outro próprio do fascismo - a imposição de um modelo de vida e de subjetividade e sua correlata negação da outridade. Isso não significa uma separação entre neoliberalismo e fascismo. Pelo contrário, o que vemos é a junção dessas agendas. Em seu último livro, Fascismo e Revolução: o neoliberalismo em chave estratégica, Lazzarato (2019, p. 40) destaca que esse novo fascismo é ultraliberal: “Ele é a favor do mercado, da empresa, da iniciativa individual, mesmo se quer um Estado forte para reprimir as minorias, os estrangeiros, os delinquentes, etc.”.

É justamente no bojo da junção entre essas faces aparentemente distintas que vemos entrar em operação as políticas conservadoras ensejadas pelo Governo Federal brasileiro e materializadas em propostas como a escolarização doméstica que será tematizada na próxima seção.

A escolarização doméstica: um debate sobre o direito à escolarização

Nesta seção, proponho analisar como a governamentalidade neoliberal fascista vem incidindo sobre o direito à escolarização de todos no tempo presente. Para isso, escolho analisar a escolarização doméstica, como uma proposta educativa que se encontra em consonância com o pensamento conservador vigente, no Brasil e em boa parte do mundo. Para que esse exercício analítico fosse possível, buscou-se no site da Câmara de Deputados Projetos de Lei que tematizassem a educação domiciliar, ensino domiciliar ou a escolarização doméstica . Foram selecionados sete Projetos de Lei que materializam o discurso de defesa a essa proposta. Vemos que há uma intensificação desses projetos a partir de 2010, fenômeno que pode ser compreendido a partir de Rosa e Camargo (2020, p. 4, grifo das autoras) quando afirmam que, no Brasil, “[...] o homeschooling difundiu-se, principalmente, a partir do ano de 2010, com a criação da Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED), em Belo Horizonte”. Assim os Projetos de Lei analisados foram os apresentados no Quadro 1 a seguir.

Quadro 1 Projetos de Lei sobre Escolarização Doméstica 

Projeto de Lei Autor Ementa
PL 6001/2001 Ricardo Izar - PTB/SP Dispõe sobre o ensino em casa. (BRASIL, 2001, n.p.).
PL 3179/2012 Lincoln Portela - PR/MG Acrescenta parágrafo ao art. 23 da Lei nº 9.394, de 1996, de diretrizes e bases da educação nacional, para dispor sobre a possibilidade de oferta domiciliar da educação básica. (BRASIL, 2012, n.p.).
PL 3261/2015 Eduardo Bolsonaro Autoriza o ensino domiciliar na educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio para os menores de 18 (dezoito) anos, altera dispositivos da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. (BRASIL, 2015, n.p.).
PL 10185/2018 Alan Rick - DEM/AC Altera a Lei nº 9.394, de 1996, de diretrizes e bases da educação nacional, e a Lei nº 8.069, de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, para dispor sobre a possibilidade de oferta domiciliar da educação básica. (BRASIL, 2018, n.p.).
PL 2401/2019 Poder Executivo Dispõe sobre o exercício do direito à educação domiciliar, altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, e a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. (BRASIL, 2019a, n.p.).
PL 5852/2019 Pastor Eurico - PATRIOTA/PE Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para permitir o ensino da educação básica por meio de tutores autônomos. (BRASIL, 2019b, n.p.).
PL 3262/2019 Chris Tonietto - PSL/RJ Bia Kicis - PSL/DF Caroline de Toni - PSL/SC Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para incluir o parágrafo único no seu art. 246, a fim de prever que a educação domiciliar (homeschooling) não configura crime de abandono intelectual. (BRASIL, 2019c, n.p.).

Fonte: Adaptada de Corrêa (2019, p. 2).

A análise dessa materialidade empírica pautou-se no entendimento de que os enunciados presentes em tais documentos se ligam a uma forma de ser do pensamento político, econômico, social e educacional de uma época. Essa compreensão parte da assertiva foucaultiana cujo entendimento nos faz perceber os documentos como monumentos, os quais materializam a atmosfera de um tempo histórico, os rastros deixados pelos homens e as relações com certos acontecimentos e discursos considerados verdadeiros. Para o autor francês, a história tradicional se dispunha a memorizar os monumentos do passado e transformá-los em documentos, entendidos como matéria inerte que tenta reconstruir o que os homens fizeram ou disseram (FOUCAULT, 2002). Essa forma de compreender os documentos pauta-se em uma História dos grandes ídolos e deuses, uma história que busca interpretar o documento e determinar se ele diz a verdade. Entretanto, Foucault vai apontar uma mutação importante, destacando que a história mudou a sua posição acerca do documento: deixa de transformar monumentos em documentos para compreender os próprios documentos como monumentos. O que isso significa? Que não parte dos grandes acontecimentos, dos monumentos já construídos pela história para vê-los descritos dos documentos, mas, sim, ao contrário: toma os ditos dos documentos, sua materialidade intrínseca como monumentos que visibilizam a relação dos enunciados ali materializados “[...] com acontecimentos de uma ordem inteiramente diferente (técnica, econômica, social, política)” (FOUCAULT, 2002, p. 33). Para o autor: “Fazer aparecer, em sua pureza, o espaço em que se desenvolvem os acontecimentos discursivos não é tentar restabelecê-lo em um isolamento que nada poderia superar; não é fechá-lo em si mesmo; é tornar-se livre para descrever, nele e fora dele, jogos de relações” (FOUCAULT, 2002, p. 33).

Apoiando-me em tal entendimento, é que busco realizar uma análise de tais documentos/monumentos e suas relações com a racionalidade política do tempo presente, especialmente sobre a forma como os traços dessa governamentalidade neoliberal fascista podem incidir sobre o direito à escolarização. Para isso, desenvolvo duas unidades de análise que me parecem importantes para compreender e problematizar a lógica que sustenta essas propostas de escolarização doméstica.

Em um primeiro ponto, busco evidenciar sua articulação com os princípios neoliberais da liberdade individual e da responsabilização dos sujeitos. Pautando-se em discursos que enunciam o direito dos pais e responsáveis de educar os seus filhos em casa, os Projetos de Lei sobre escolarização doméstica evocam a liberdade de escolha individual dos pais, mas, ao mesmo tempo, os responsabilizam por essa escolha, transformando tanto os estudantes quanto seus responsáveis em homens endividados.

Em um segundo momento, destaco o caráter fascista que se faz presente nessas propostas, uma vez que evidenciamos as violências presentes em um direito que produz exclusão. Argumento que essa exclusão produz dois movimentos. Um que chamei de exclusão por reclusão da outridade, por meio do qual as crianças e jovens que não se encontram no modelo de normalidade instituído, tem seu direito de não ir à escola reforçado. E outro que chamei de exclusão por proteção da mesmidade, o qual evidencia discursos que apontam a escola como lugar inapropriado para determinados sujeitos “normais” que podem ter seus gestos, suas crenças, seus valores e seus modos de vida corrompidos ao frequentarem o espaço indesejável da escola.

Iniciamos pelo primeiro movimento que nos permite perceber a articulação que tal proposta nutre com uma racionalidade neoliberal, cuja materialidade pode ser visualizada na manutenção do direito à liberdade individual, como visualizamos nos excertos do PL 2401/2019 e do PL 3261/2015 que seguem:

Art. 2º Os pais ou os responsáveis legais têm prioridade de direito na escolha do tipo de instrução que será ministrada a seus filhos. § 1º É plena a liberdade de opção dos pais ou dos responsáveis legais entre a educação escolar e a educação domiciliar, nos termos do disposto nesta Lei. (BRASIL, 2019a, p. 1, grifo nosso).

A opção de pais e responsáveis pela adoção de ensino domiciliar perpassam por vários motivos, sejam ideológicos, sociais, morais, éticos, de crença entre tantos outros, os quais são postulados como direito fundamental e que, por isso, não deveriam ser mitigados pelo Estado. (BRASIL, 2015, p. 8, grifo nosso).

Ao mesmo tempo que a noção de direito se mantém presente, ela é individualizada e transformada em uma escolha pautada pelo princípio da liberdade do sujeito. Tal argumento encontra sustentação nas discussões de Dardot e Laval (2016), em seu livro A Nova Razão do Mundo. Para os autores franceses, a partir do neoliberalismo, os direitos universais à vida, isto é, à saúde, à educação, à integração social e à participação política, são transformados no resultado de um cálculo que provém de escolhas individuais e obedecem ao próprio desejo do sujeito - nesse caso, o desejo dos pais ou responsáveis de educarem seus filhos em casa. Esse movimento encontra-se em consonância com racionalidade política neoliberal. Contudo, ao transformar o direito em uma escolha do sujeito guiada por seus desejos, o neoliberalismo também responsabiliza o sujeito pelo resultado de suas escolhas, pelos riscos que podem provir delas. Obedecer ao próprio desejo é correr riscos, é assumir os riscos das suas escolhas individuais. Assim, Dardot e Laval (2016) destacam que, no neoliberaslimo, a gestão dos riscos está ligada a decisões estritamente privadas. “A nova norma em matéria de risco é a da individualização dos destinos. [...]. Esse risco é cada vez menos ‘risco social’, assumido por determinada política do Estado Social, e cada vez mais um risco ligado à existência” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 349). Trata-se de uma privatização dos riscos ou, como os autores denominam, um “microrisco personalizado”.

Isso significa que, ao transformar os direitos universais em escolhas individuais, também se está deslocando o cidadão, antes sujeito de direitos, para a posição de homem endividado, aquele que deve um retorno futuro sobre suas escolhas e precisa se responsabilizar por elas. Esse homem endividado, “[...] em contraste com o que se passa nos mercados financeiros, não deve reembolsar em dinheiro local, mas em comportamentos, atitudes, maneiras de agir, projetos, engajamentos subjetivos (LAZZARATO, 2011, p. 81). Essa dívida que o sujeito que escolhe assume é, portanto, uma dívida moral e não financeira. Ela deve ser paga por meio de comportamentos adequados e resultados eficientes. Podemos perceber que a dívida produzida pela escolarização doméstica recai sobre os pais e responsáveis, assim como sobre os estudantes. É deles que se exige determinados compromissos, condutas e resultados, conforme aponta o PL 2401/2019 a seguir:

Art. 2º § 2º É dever dos pais ou dos responsáveis legais que optarem pela educação domiciliar assegurar a convivência familiar e comunitária, nos termos do disposto no caput do art. 227 da Constituição e no caput do art. 4º da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente.

[...]

Art. 4º A opção pela educação domiciliar será efetuada pelos pais ou pelos responsáveis legais do estudante, formalmente, por meio de plataforma virtual do Ministério da Educação, em que constará, no mínimo:

[...]

III - termo de responsabilização pela opção de educação domiciliar assinado pelos pais ou pelos responsáveis legais;

IV - certidões criminais da Justiça Federal e da Justiça Estadual ou Distrital;

V - plano pedagógico individual, proposto pelos pais ou pelos responsáveis legais; e

VI - caderneta de vacinação atualizada.

[...]

§ 4º O cadastro na plataforma virtual de que trata o caput será renovado anualmente pelos pais ou pelos responsáveis legais, com a inclusão do plano pedagógico individual correspondente ao novo ano letivo e dos demais documentos que forem necessários.

[...]

Art. 5º Os pais ou os responsáveis legais que optarem pela educação domiciliar manterão registro periódico das atividades pedagógicas do estudante.

Art. 6º O estudante matriculado em educação domiciliar será submetido, para fins de certificação da aprendizagem, a uma avaliação anual sob a gestão do Ministério da Educação.

[...]

Art. 10. Caberá aos pais ou aos responsáveis legais, durante o processo de ensino e de aprendizagem, monitorar de forma permanente o desenvolvimento do estudante, conforme as diretrizes nacionais curriculares. (BRASIL, 2019a, p. 1-3, grifos nossos).

A partir desses excertos retirados do Projeto de Lei 2401/2019, fica evidente o processo de responsabilização dos pais ou responsáveis pelo desenvolvimento de uma série de tarefas pedagógicas que exigem conhecimentos específicos da área da Educação, a saber: a construção de plano pedagógico individual, o registro periódico das atividades pedagógicas do estudante, assim como o monitoramento de forma permanente do seu desenvolvimento. É preciso destacar que essas ações exigem conhecimento pedagógico, pois não se trata apenas de acompanhar o estudo do filho, mas de pensar ações, propor atividades, construir um plano pedagógico. Compreende-se assim que a responsabilização dos pais ou responsáveis por tarefas próprias do professor fragiliza esse campo de conhecimentos e a própria profissão docente. Trata-se de uma domesticação da profissão docente!

Além dessa responsabilização, também se observa uma cobrança que recai sobre os pais e os estudantes pelos resultados de sua escolha. Ao optarem pela escolarização doméstica, os pais e os estudantes deverão apresentar resultados por meio de avaliações que serão aplicadas. Com isso, percebemos que o risco de escolher por uma escolarização doméstica é transferido para o próprio sujeito que escolhe, o qual será cobrado pelo desempenho do estudante nas avaliações em larga escala.

Até esse ponto vemos claramente a imbricação de uma racionalidade política neoliberal com a proposta de escolarização doméstica aqui analisada. Pautada no princípio da liberdade individual dos sujeitos, ela desenvolve um processo de responsabilização desses mesmos sujeitos, privatizando, assim, o gerenciamento dos riscos, os quais são compreendidos como resultados de uma escolha individual. Dentro desse quadro, argumento que o direito universal se transforma em uma escolha a ser tomada pelo sujeito calculador e empreendedor da sua própria existência.

Todavia, é importante destacar que, mesmo que seja possível perceber uma modificação na noção de direito, ela jamais desaparece do discurso que defende a escolarização doméstica. Pelo contrário, tal proposta se funda e se sustenta “[...] na alegação de ser a liberdade - um princípio básico dos direitos humanos -, e a liberdade de escolha - um direito dos pais sobre a educação de seus filhos” (VASCONSCELOS, 2017, p. 126). Talvez resida aí a grande perversidade de uma proposta como essa. Ela transforma a não participação dos sujeitos na escola em um direito humano. Essa é a maior justificativa para essa proposta partir do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e não do Ministério da Educação. Nas palavras de Damares Alves (MORENO, 2019, n.p.), “[...] decidir sobre a educação dos seus filhos, é uma questão de direitos humanos. Então, a iniciativa sai deste ministério sob esta vertente. É uma questão de direitos humanos também”.

A partir de tal assertiva, gostaria de argumentar que a escolarização doméstica não nega a noção de direito. Ela parece produzir um duplo movimento de torção dessa noção. Em um primeiro momento, como vimos anteriormente, o direito à educação escolar, antes direito universal, agora pode ser percebido como resultado da escolha individual dos pais ou responsáveis. Além disso, em um segundo momento, tal proposta transforma o fato de não estar na escola, de não frequentar o espaço público, comum e democrático da escola, de não ter acesso a uma educação organizada por profissionais com expertise pedagógica, transformam a exclusão da escola em um direito individual das famílias. A própria exclusão é transformada em um direito - o direito das famílias de optarem ou não pela educação escolar. Talvez resida aí a maior perversidade das práticas de exclusão contemporâneas. Elas não negam o direito, mas transformam a própria exclusão em um direito.

Talvez seja difícil compreender essa face excludente da escolarização doméstica, uma vez que tal proposta se apoia na liberdade individual e no direito (humano) das famílias em escolher sobre o destino da escolarização dos seus filhos. Contudo, concordo com Casanova e Ferreira (2020, p. 6) quando destacam que, nessa proposta, se esconde “[...] um procedimento excludente de interdição da criança e seu aprisionamento nos interesses somente familiares, sejam eles quais forem. [...]. Um domínio sobre o pensamento e a alma das crianças e dos jovens”. É sobre esse processo de exclusão das crianças da escola, materializado como um direito na proposta de escolarização doméstica que gostaria de discutir nesse momento.

Vejo que a efetivação da exclusão como direito se manifesta em dois conjuntos de práticas que puderam ser observadas nos discursos analisados. Um movimento que chamarei aqui de exclusão por reclusão da outridade, e outro que denominei de exclusão por proteção da mesmidade. O primeiro movimento pode ser visualizado no discurso da Ministra Damares Alves, em entrevista à Radio Gaúcha, quando diz:

Os pais das crianças com deficiência, pais de crianças com autismo, esse é um grupo muito grande que tem conversado com esse Ministério, eles gostariam de educar os filhos em casa. Muitos deles entendem que os filhos não estão se adaptando na escola, tem criança com autismo que sofre mais indo para escola do que ficando em casa, então(a proposta)também vem para atender essa parcela significativa da população. (GAÚCHA ZH, 2019, n.p.).

Discursos como esses escancaram o viés fascista e violento que uma proposta como essa pode produzir, mesmo quando se apresenta como um direito humano. Tal discurso nos leva a pensar na escolarização doméstica como uma forma de evitar que a outridade chegue à escola e compartilhe desse tempo e espaço junto aos demais. Trata-se de uma estratégia de impedimento do convívio com o outro, e aqui especialmente desse outro que não responde a uma normalidade que institui e conduz a maior parte das práticas desenvolvida pelos currículos escolares. Anúncio que essa exclusão, a qual funciona pela reclusão dos sujeitos com deficiência em suas casas, evidencia um retrocesso de conquistas históricas do campo educacional e das lutas de distintos grupos sociais pelo reconhecimento do seu direito à escolarização. Volta-se ao passado e às práticas de reclusão doméstica que pautam a história da Educação Especial.

Parece-me, porém, que essa outridade da deficiência não á a única a ser negada e apagada do espaço escolar. A intolerância religiosa, a imposição de um modelo de família, o ataque constante à população LGBT, o racismo explícito aos negros, indígenas, povos ribeirinhos e quilombolas, a exclusão das discussões de gênero e sexualidade, assim como o controle e a regulação dos currículos e do trabalho docente são práticas que estão em consonância com essa onda conservadora e fascista que tem pautando o pensamento brasileiro contemporâneo. Sobre isso, Cecchetti e Tedesco (2020) não nos deixam esquecer que:

Não por acaso, movimentos como o Escola sem Partido e contrários à “ideologia de gênero” também defendem o Homeschooling como modelo ideal de educação, já que ambos se fundamentam no mesmo princípio, qual seja: de que a formação dada pela escola não deve interferir nos princípios e nos valores adotados pela família. (CECCHETTI; TEDESCO, 2020, p. 4).

Esse viés fascista que vemos materializar-se em discursos e práticas que se fortalecem cada vez mais em nosso presente mostram o desprezo ao outro e às formas de vida distintas daquelas preconizadas como melhor. Essa exclusão de temas e de sujeitos do currículo escolar materializa uma exclusão daqueles que são os indesejáveis, os desprezíveis, os anormais, daqueles que compõem um grupo a quem o direito de não estar e de não frequentar à escola é reforçado como garantida para a manutenção da sua condição de exclusão.

Entretanto, essa exclusão pela reclusão da outridade não é a única forma de exclusão que se mostra presente em tal proposta. Ela também nos mostra uma exclusão como proteção da mesmidade. Uma exclusão que oferece o direito aos normais, sujeitos desejáveis que respondem a uma forma de vida instituída como mais adequada, de não frequentarem o espaço indesejável da escola. Nesse caso, não é o sujeito o indesejável, mas, sim, a própria escola e o que ali acontece. Muitos discursos, presentes em diferentes Projetos de Lei demonstram esse desprezo pela escola:

Obrigar a criança e o adolescente a freqüentar a escola é sujeitá-los à confrontação diária com a violência, o uso de drogas e, principalmente, uma orientação pedagógica nem sempre condizente com as convicções filosóficas, éticas e religiosas de determinadas famílias. (BRASIL, 2001, p. 2, grifo nosso).

O que propomos é garantir às famílias a opção de fornecer ensino domiciliar e a convivência social em círculos eleitos por cada uma delas, objetivando a garantia da educação para o desenvolvimento da pessoa humana. (BRASIL, 2015, p. 8, grifo nosso).

A simples convivência em ambiente escolar multisseriado, com a presença de crianças e adolescentes de variadas idades, por si só, enseja preocupação e inquietude em questões relacionadas a violência, drogas, sexualidade precoce, bullying, valores culturais e religiosos etc, dos quais, muitas vezes, notoriamente o Estado não consegue tutelar os alunos na medida desejada pelas famílias. (BRASIL, 2015, p. 8, grifo nosso).

Nosso mandato sempre foi e sempre será em defesa da família! Sempre! (BRASIL, 2019b, p. 2, grifo nosso).

Aqui é a escola o lugar desprezível, indesejável, perigoso que pode corromper aquelas crianças e aqueles jovens que respondem a um modelo instituído de vida e de ordem. A convivência com uma diversidade de valores, de crenças, de modelos de família e de religiões é vista como perigo a ser gerenciado e evitado. Esses contatos com formas de vida distintas podem borrar as fronteiras da normalidade, corromper à identidade e desestabilizar o controle que a antiga geração acredita ter sob a nova geração.

Desse modo, o homeschooling é uma resposta tanto ao “perigo” advindo da diversidade, já que os estudantes na escola são obrigados a conviver com os diferentes, quanto a ideia de que os responsáveis pela educação das novas gerações são os pais, já que o Estado -logo as escolas - não devem educar, mas, sim, apenas ensinar conteúdos. (CECCHETTI; TEDESCO, 2020, p. 9).

Todas essas questões que aparecem nos discursos que defendem a escolarização doméstica e que são vistos como perigosos à formação dos sujeitos “normais” nada mais são do que conquistas históricas de diferentes grupos que, por muito tempo, não se viram representados no currículo escolar. As famigeradas discussões de gênero e de sexualidade, que são apresentadas por essa governamentalidade neoliberal fascista como ideologia de gênero e que devem ser impedidas de serem tematizadas na escola, são resultado de lutas árduas da população LGBT, a qual historicamente sempre ocupou o lugar do silenciamento nos currículos escolares. A obrigatoriedade do ensino da história e da cultura Afro-Brasileira e Indígena, instituída pela Lei No 10.639, de 9 de janeiro de 2003 (BRASIL, 2003), e pela Lei No 11.645, de 10 de março de 2008 (BRASIL, 2008), segue a mesma lógica. São resultados de lutas e disputas na composição de currículos que possam representar a pluralidade presente na sociedade.

Diante do exposto, vale questionar: como um sujeito que se constitui na individualidade do seu lar, convivendo com seus grupos familiares restritos e círculos sociais eleitos pela família a partir do pré-requisito da similaridade, conviverão quando encontrarem o “outro” na esfera pública do social? Esse outro que foi sempre narrado como desprezível, desajustado e anormal? Que equipamentos sociais eles terão desenvolvido para aprender na e com a diferença? Com aquele que age diferente de mim, que pensa diferente de mim, que crê de forma distinta a minha?

Concordo com Penna (2019) quando diz que a escola, essa instituição que todos os cidadãos passam boa parte da sua infância e da sua adolescência, apresenta uma possibilidade muito importante para a proposta de uma educação democrática, qual seja: a pluralidade da sociedade faz-se representar no espaço escolar. Segundo ele, a escola é “[...] um espaço único para se viver experiências positivas com a política e a democracia e inserir processos reflexivos sobre as experiências vividas em outros espaços” (PENNA, 2019, p. 19.). No contexto dos discursos analisados, essa escola, como espaço democrático de encontro com o outro e com a pluralidade, é vista como inapropriada, uma vez que pode corromper os valores, os hábitos, as crenças e os modos de vida da família - ou de um modelo de família que quiçá exista. Esse incômodo produzido pela escola aos conservadores de plantão mostra sua potência na produção de subjetividades e de modos de vida abertos a experiências plurais e incontroláveis que podem surgir nesse espaço e tempo democrático.

É importante lembrar que esse contato com a pluralidade e com a diferença é o que permite, segundo os estudos de Hannah Arendt, que nos tornemos sujeitos. Para a autora (apudBIESTA, 2013), o sujeito só pode se constituir na ação, ele é produzido na interação humana e não definido por seus atributos internos. Assim, “[...] o insight crucial apresentado por Arendt [...] é que só podemos ser um sujeito num mundo que partilhamos com outros que não são como nós e que são capazes de suas próprias ações” (BIESTA, 2013, p. 188). Nesse sentido, Biesta (2013, p. 188) destaca que “[...] ser um sujeito tem realmente a dimensão de estar sujeito ao que é imprevisível, diferente e outro”. Portanto, a escola mostra-se como esse espaço da convivência plural e democrática, onde os diferentes se encontram e se tornam sujeitos. Por isso, no lugar de embarcar nos discursos que defendem a escolarização doméstica e apontam a escola como lugar inapropriado, prefiro pensá-la como tempo e espaço “inapropriável”. Como tempo e espaço que não pode ser apropriado ou reproduzido em outros lugares, como em casa ou pela instituição familiar.

Tal argumento apoia-se no conceito de “princípio político do comum” desenvolvido por Dardot e Laval (2017), como uma alternativa de resistência a essa governamentalidade que denomino de neoliberal e fascista. Tal governamentalidade, como vimos, produz um novo direito: o direito à exclusão, o direito a não mais compartilhar um tempo e espaço comum, o direito de viver, da forma mais maximizada possível, a sua individualização. O princípio político do comum pode ser uma forma de resistir, de produzir escapes diante dessa forma de racionalidade pautada por práticas de exclusão, de individualização e de responsabilização dos sujeitos. Os autores destacam vários aspectos que compõem esse princípio, mas, por ora, me parece pertinente destacar apenas a última característica mencionada por eles: trata-se da inapropriabilidade do comum. Ou seja, a forma como o comum não pode ser apropriado por alguém, como uma coisa ou um objeto. Segundo Dardot e Laval (2017, p. 13), “´[...] inapropriável não é aquilo do qual ninguém pode se apropriar, isto é, aquilo cuja apropriação é impossível, mas aquilo do qual ninguém deve se apropriar, isto é, aquilo cuja apropriação não é permitida porque deve ser reservado ao uso comum”.

Ao utilizar o conceito de comum para pensar a educação, considero ser possível sustentar o argumento de que a escola não é esse espaço inapropriado, mas inapropriável! Os processos que ali acontecem não podem ser reproduzidos em outros lugares, simplesmente porque eles se dão em um espaço aberto de criação e de invenção, o qual só pode ser produzido quando diferentes vozes, diferentes sujeitos, diferentes gerações, diferentes etnias, diferentes crenças e formas de vida se encontram.

Talvez seja esse o terror avassalador desse conservadorismo que pauta o Brasil contemporâneo. O seu rosto fascista sabe, lá no fundo, que na escola somos capazes de criar currículos outros, que mantenham viva não só a pluralidade de ideias e de saberes, mas também a pluralidade das formas de ser e de viver no e com o mundo. Nesse espaço-tempo-escolar, compreende-se que a participação na atividade coletiva é uma obrigação política e como tal é capaz de produzir a escola, senão como único, mas talvez o mais potente espaço capaz de sustentar o comum como princípio político.

Não entendo que tal princípio se constitua em um megaprojeto que vá abolir ou destruir essa governamentalidade neoliberal fascista. Penso que ele seja mais produtivo como conjunto de práticas que mobilizem outras formas de existência. Formas que rechacem a individualização, o preconceito, a indiferença, a violência e a exclusão. Resistir nesse sentido é re-existir , existir de novo, de outras formas, diferentes daquelas preconizadas e ajustadas a uma governamentalidade neoliberal fascista. Uma re-existência que tome o princípio político do comum como um modo de vida, que nos permita viver junto ao outro, em conjunto ao outro, compartilhando modos de vida outros, diferentes em suas formas, gestos, relações e intensidades. Que sejamos a resistência, por meio de uma forma própria de re-existência!

* Pesquisa Financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Edital Universal 2018.

1 Expressão utilizada também por Vladimir Safatle (2020) a partir do Paul Virilio, quando diz “[...] no fascismo, o Estado é muito menos totalitário do que suicidário” (VIRILIO apud DELEUZE; GUATARI, 1996, p. 113).

2 Expressão criada pela autora para se referir a esse momento histórico em que se vivencia uma articulação entre princípios neoliberais que continuam ativos e formas molares e moleculares de fascismo. Tal discussão será aprofundada na próxima seção.

3 Com isso não digo que qualquer forma de governamentalidade tenha emergido no Brasil na década de 1980 com a redemocratização, mas uma forma específica de governamentalidade pautada para princípios democráticos. Se tomamos a compreensão de Foucault (2008b) sobre o processo de governamentalização do Estado, percebemos alguns elementos que disparam esse processo, quais sejam: a emergência do conceito de população, a economia política e a transformação do modelo de família. Tais acontecimentos podem ser identificados no período da Primeira República do Brasil, com a emergência de práticas biopolíticas (sobretudo sanitaristas e higienistas), mesmo que ainda incipientes. Esse processo de governamentalização do Estado brasileiro inicia-se na Primeira República e passa por momentos democráticos e por momentos autoritários. O que Gallo faz é articular governamentalidade à democracia, fenômeno que nem sempre esteve presente na história do Brasil. Por isso, escolhe nomear tal governamentalidade de democrática.

4 Disponível em: <https://www.camara.leg.br>.

5 Para este artigo, escolhi utilizar a expressão “escolarização doméstica” no lugar de “educação domiciliar”. Tal escolha está apoiada nos estudos de Penna (2019, p. 10) cuja justificativa é explicada da seguinte maneira: “[...] a palavra escolarização foi escolhida porque [...] permite evitar a confusão entre ‘os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar’ e aqueles que se desenvolvem ‘predominantemente, por meio do ensino, em instituições culturais’ (lei nº 9394 de 1996, art. 1º)”. Já a palavra “doméstica” foi escolhida pelo autor “[...] para evitar a confusão com o regime de exercícios domiciliares (com acompanhamento da escola)” (PENNA, 2019, p. 11).

6 Ministra da Mulher da Família e dos Direitos Humanos do Governo Bolsonaro.

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Recebido: 10 de Maio de 2020; Revisado: 12 de Junho de 2020; Aceito: 13 de Junho de 2020; Publicado: 18 de Junho de 2020

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