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Práxis Educativa

versión impresa ISSN 1809-4031versión On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.15  Ponta Grossa  2020  Epub 02-Sep-2020

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.15.15340.078 

Artigos

Tensionamentos revelados no trabalho de professoras da Educação Básica orientado pelas políticas educacionais neoliberais

Tensions revealed in teachers’ work in Basic Education guided by neoliberal education policies

Tensiones reveladas en el trabajo de maestras de Educación Básica orientado por las políticas educativas neoliberales

Luciana Pereira de Sousa* 
http://orcid.org/0000-0002-4498-9047

Vanessa Sena Tomaz** 
http://orcid.org/0000-0002-4903-6405

*Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação, Conhecimento e Inclusão Social na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FAE/UFMG). Membro do Grupo de pesquisa Cultural-historical Activity Theory in Education Research Group (CHATER). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (Capes). E-mail: <lucianaworm@gmail.com>.

**Doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Programa de Pós-Graduação Conhecimento e Inclusão Social em Educação. Membro do Grupo de pesquisa Cultural-historical Activity Theory in Education Research Group (CHATER). E-mail: <vanessastomaz@gmail.com>.


Resumo

Este artigo analisa as tensões na atividade de trabalho de professoras dos anos iniciais pela regulação das políticas para Educação Básica do estado do Tocantins orientadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A pesquisa foi realizada por meio de observação participante das aulas e das reuniões de planejamento e de entrevistas com quatro professoras nas turmas de 4º e 5º anos do Ensino Fundamental. As análises foram feitas sob a perspectiva histórico-cultural e evidenciou as tensões que ocorrem na atividade quando elas atendem às demandas externas da Secretaria da Educação, cujas políticas educacionais estão alinhadas ao modelo neoliberal de Educação. Os resultados revelam que tais políticas alteram o cotidiano das professoras e provocam sobrecarga de trabalho, na medida em que elas precisam reestruturar a organização pedagógica. Apontam, também, como as docentes enfrentam as imposições de reprodução do modelo neoliberal por meio de alternativas de ensino não hierarquizadas pelo sistema.

Palavras-chave: Atividade de trabalho de professoras; Educação Básica; Políticas educacionais

Abstract

This article analyses the tensions in the teachers’ work activity on the regulation of policies for Basic Education in the state of Tocantins, Brazil, guided by the Organization for Economic Cooperation and Development (OECD). The research was developed through participant observation of classes and pedagogical planning meetings and interviews with four teachers in the 4th and 5th grade classes of the Elementary School. The analysis is based on the historical-cultural perspective and highlighted the tensions that occur in the activity when teachers face external demands from the Education Department, whose education policies are aligned with the neoliberal model of Education. The results reveal that such policies change teachers’ daily lives and cause work overload as they need to restructure their pedagogical work. They also point out how teachers face the impositions of reproducing the neoliberal model through teaching alternatives that are not hierarchized by the system.

Keywords: Teachers’ work activity; Basic Education; Education policies

Resumen

Este artículo analiza las tensiones en la actividad laboral de maestras de los años iniciales por la regulación de las políticas de Educación Básica en el estado de Tocantins, Brasil, orientadas por la Organización para la Cooperación y Desarrollo Económico (OCDE). La investigación se llevó a cabo por medio de la observación participante de las clases y de las reuniones de planificación y de entrevistas con cuatro maestras de grupos de 4º y 5º grado de la Educación Básica. Los análisis se realizaron bajo la perspectiva histórico-cultural y mostraron las tensiones que ocurren en la actividad cuando éstas satisfacen las demandas externas de la Secretaría de Educación, cuyas políticas educativas están alineadas con el modelo neoliberal de Educación. Los resultados revelan que tales políticas alteran el cotidiano de las maestras y provocan sobrecarga de trabajo, en la medida en que ellas necesitan reestructurar la organización pedagógica. Apuntan, también, cómo ellas enfrentan las imposiciones de reproducción del modelo neoliberal, por medio de alternativas de enseñanza no jerarquizadas por el sistema.

Palabras-clave: Actividad laboral de maestras; Educación Básica; Políticas educativas

Introdução

Neste estudo, trazemos o recorte de uma pesquisa de Doutorado em andamento , que analisa como professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental aprendem a reorganizar o trabalho pedagógico frente às diferentes demandas de atuação em uma escola comunitária no estado do Tocantins. Na referida pesquisa, por meio de observação participante, percebemos que um dos aspectos que tensionam a atividade de trabalho das professoras são as ações da Secretaria de Educação, orientadas pelas políticas definidas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O enfrentamento dessas tensões provoca constantes reestruturações do planejamento e da própria prática docente, mas também gera o empreendimento de resistências às imposições do sistema e evidencia aprendizagens dessas professoras.

Na escola pesquisada, conveniada com a Rede Estadual de Educação, o cotidiano das professoras é preenchido por acontecimentos diversos, com uma parcela significativa não prevista no Projeto Político Pedagógico (PPP), o que atravessa a rotina da sala de aula. Muitas das demandas estão alinhadas às orientações de políticas educacionais nacionais e internacionais envolvendo parcerias entre a Secretaria de Educação do Tocantins e instituições públicas ou privadas (Departamento de Trânsito/TO; Instituto de Natureza/TO; Serviço Nacional da Indústria/TO; Ministério do Trabalho/DRT/TO) para desenvolver projetos e programas , tais como: Programa Circuito Campeão, de autoria do Instituo Ayrton Senna; Projeto Escravo Nunca Mais, de autoria do Ministério do Trabalho; Olimpíadas Brasileiras de Matemática das escolas Públicas (OBMEP); programas de avaliação, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e as avaliações externas de desempenho, como Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) e Provinha Brasil. Particularmente, as avaliações de desempenho escolar, previstas no Plano Estadual de Educação (PEE) de Tocantins (TOCANTINS, 2015), buscam alcançar as metas nacionais do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) , estabelecidas pelo Programa Internacional de Avaliação de estudantes (Pisa) , que, por sua vez, são definidas pelas diretrizes internacionais da OCDE, organismo do qual o Brasil é um dos parceiros.

É nesse cenário de eventos constantes, sendo muitos não planejados inicialmente pelas docentes, que, neste artigo, analisamos as tensões que ocorrem na atividade de trabalho das professoras pela regulação das políticas para a Educação Básica do estado de Tocantins orientadas pela OCDE. Para tanto, a discussão proposta, neste estudo, está organizada em cinco seções. Na primeira, apresentamos as principais diretrizes das políticas educacionais da OCDE para a Educação Básica que repercutem nas políticas do estado do Tocantins, bem como na atividade de trabalho das professoras. Na segunda, situamos a atividade de trabalho na perspectiva histórico-cultural da atividade humana e caracterizamos as demandas de trabalho que são impostas às professoras no cotidiano escolar. Na terceira seção, apresentamos o contexto da pesquisa e as professoras participantes. Descrevemos, também, o material empírico e as ferramentas de análise teórico-metodológicas. Na quarta seção, caracterizamos a unidade de análise “sistema de trabalho das professoras” e analisamos as tensões que surgem na atividade das professoras face à regulação das políticas educacionais. Na última seção, apresentamos as considerações finais, destacando os resultados e as contribuições teóricas e metodológicas deste estudo.

Interface entre políticas educacionais da OCDE e as políticas de educação no Tocantins

Para entender a discussão que faremos neste artigo sobre o tensionamento na atividade de trabalho das professoras em função da implementação de políticas públicas educacionais do estado de Tocantins, é necessário situar o contexto nacional das políticas educacionais para a Educação Básica como parte do processo de globalização que se alinha aos modelos neoliberais. Esses modelos desenvolvem políticas voltadas à privatização dos serviços públicos, da valorização da propriedade privada e do livre mercado (TEODORO; JEZINE, 2012; ROBERTSON, 2012; HARVEY, 2005). No campo da educação, as políticas neoliberais são implementadas particularmente por meio dos projetos de educação global da OCDE, que, por sua vez, orientam as ações dos sistemas de ensino, como observamos na rede de ensino pública do estado do Tocantins.

A OCDE é uma ampliação da Organização Europeia de Cooperação Econômica (OECE), que foi criada em 1947, mediante articulações políticas e econômicas em um contexto polarizado pela Guerra Fria. Nesse cenário, os países europeus, membros da OECE, apostaram na colaboração e na mutualidade entre eles para a recuperação econômica. Em 1961, deu-se a entrada dos Estados Unidos da América (EUA) nesse organismo, após a aprovação do Plano Marshall, que restabeleceu ligeiramente a economia dos países europeus, impulsionada pelo comércio livre de barreiras com os EUA, o que também garantiu a esse país uma forte liderança dentro da organização.

Atualmente, a OCDE é composta por 36 países membros e cinco países parceiros estratégicos , sendo o Brasil um deles. Essa organização opera sobre diversas áreas, tais como economia, saúde, ciência, tecnologia, emprego, mercado financeiro, comércio, agricultura e educação. Por meio de um monitoramento constante de informações disponibilizadas pelos membros e parceiros, são feitas análises, discussões e orientações aos países, emitindo relatórios estatísticos e resultados de pesquisas. Essas informações são transformadas em indicadores, que, por sua vez, servem para subsidiar a implementação de “reformas” nas diversas áreas, entre elas a educação, que é o nosso campo de estudo.

No que tange às políticas educacionais, a OCDE, desde 1990, tem fortalecido suas ações tomando medidas que vão além do campo pedagógico, atingindo estruturas de poder global. Como apontam os estudos de Afonso (2009, 2014), Barroso (2006) e Freitas (2009), a OCDE recomenda e propaga orientações produzindo diferentes formas de regulação e de controle das políticas educacionais dos países membros e parceiros.

Desde a sua fundação, essa organização já analisava e disseminava dados educacionais, porém, nos anos de 1980, eles criaram o Centro para Pesquisa e Inovação em Educação (CERI, sigla em inglês para Centre for Educational Research and Innovation), com a função de elaborar indicadores e realizar a avaliação dos sistemas, para que, assim, pudessem gerar resultados norteadores de reformas para melhoria da qualidade educativa no âmbito do Programa de Indicadores de Sistemas Educativos (INES, sigla em inglês para Indicators of Education Systems). Desde 1991, publica-se anualmente o relatório Education at a Glance (Panorama da Educação), com uma visão geral sobre o cenário da educação em todo o mundo. Entre as informações, o relatório fornece dados sobre a estrutura, finanças e desempenho dos sistemas educacionais nos países da OCDE e em várias economias parceiras, como o Brasil (INEP, 2019). Além de apresentar resultados das instituições de ensino, esses relatórios medem o impacto da aprendizagem; o acesso, a participação e a progressão na educação e os recursos financeiros investidos especificamente na formação dos professores, no ambiente de aprendizagem e na organização das escolas.

A partir desses estudos, a OCDE estabelece uma política de indicadores internacionais que não partilha somente estatísticas, ela cria um sistema de classificação e comparação entre países, delineando um padrão educacional universal. De modo geral, a OCDE fortalece um discurso próprio sobre o desenvolvimento de programas e projetos que visam atender às demandas da sociedade do conhecimento. Seu projeto OECD Future of Education and Skills 2030 (OCDE, 2018, p. 2) é apresentado como um instrumento para “[...] ajudar a desenvolver o máximo do potencial, de cada aluno, moldando as suas vidas”. Entretanto, do ponto de vista da política educacional, esses indicadores definem a formação desejada por essas organizações, expressando os interesses do capital no cenário internacional e reforçando “[...] a concepção de gestão público-privada e ascensão das reformas empresariais” (FREITAS, 2014, p. 387).

No Brasil, o alinhamento com as políticas da OCDE é evidenciado no Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024 - Lei 13.005, de 25 de junho de 2014 (BRASIL, 2014), por exemplo na Meta 7, que diz respeito à criação do Ideb como um indicador de melhoria da qualidade da Educação Básica, seguindo as estratégias de aferição do Pisa. Outro alinhamento diz respeito à instituição do “Compromisso Todos pela Educação” no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), em 2007, firmado pelo MEC e setor empresarial, sinalizando às redes de ensino e às escolas públicas o fortalecimento das parcerias público-privadas na gestão da educação.

A aferição da qualidade da educação é feita pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), que é o órgão responsável pelo tratamento, envio e revisão dos dados nacionais na publicação - como os do Censo Escolar e da Educação Superior e outros dados e estatísticas oficiais. Nesse sentido, é o órgão que elabora o programa de avaliação e mensuração das habilidades nas áreas de Português e Matemática adquiridas pelas crianças do terceiro ano do Ensino Fundamental, por meio da Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA) e a Avaliação Nacional de Rendimento Escolar, conhecida como Prova Brasil.

É importante registrar também que, como parte da agenda de reformas das políticas educacionais no Brasil, mudanças foram feitas nas diretrizes curriculares nacionais, resultando no documento Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que trata da “[...] referência nacional para a formulação dos currículos dos sistemas e das redes escolares dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das propostas pedagógicas das instituições escolares [...]” (BRASIL, 2018, p. 8). Com um claro alinhamento à pauta da agenda de reformas efetuadas pelo Brasil sob a influência da OCDE, os fundamentos pedagógicos da BNCC focam no desenvolvimento de competências (BRASIL, 2018). Produzido à revelia da comunidade científica e acadêmica em Educação, sua implementação tornou-se um processo de lutas e de enfrentamentos, em que várias instituições , reconhecidas nacionalmente, se posicionaram contra a maneira como a BNCC foi sistematizada.

Como já mencionamos, o estado do Tocantins vem se mobilizando para destacar-se no cenário nacional em busca de melhores índices de desempenho escolar, como previsto no seu Plano Estadual de Educação, na meta 23, que trata da melhoria da qualidade da Educação Básica, cujo alinhamento com o Pisa está expresso na estratégia 23.8 do PEE/TO.

23.8. melhorar o desempenho dos estudantes da educação básica nas avaliações da aprendizagem, no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes - PISA, tomado como instrumento externo de referência internacionalmente reconhecido, de acordo com as seguintes projeções:

PISA 2015 2018 2021
Média dos resultados em matemática, leitura e ciências 438 455 473
Tocantins (2012)375 411 438 466

(TOCANTINS, 2015, n.p.).

(TOCANTINS, 2015, n.p.).

Além disso, a Secretaria de Educação do estado do Tocantins (Seduc/TO), conforme informação em seu site (TOCANTINS, 2019), também lançou, em 2017, o selo “Quem educa faz”, com a finalidade de “[...] reconhecer o mérito de educadores pela contribuição dada à melhoria da qualidade da educação básica” (TOCANTINS, 2019, n.p.). O selo consiste na seleção e na premiação de práticas pedagógicas divididas em categorias. A primeira categoria é o Ideb alcançado, podendo o prêmio ser atribuído às Diretorias Regionais de Educação (DRE); escolas estaduais; Secretarias Municipais de Educação/escolas municipais; aos professores de Língua Portuguesa e/ou Matemática de 5º ao 9º ano do Ensino Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio. A segunda categoria consiste na premiação pelo desenvolvimento de projetos nos diferentes níveis, da Educação Infantil ao Ensino Médio, ou pelas iniciativas pedagógicas dos servidores da escola.

O alinhamento das políticas do estado de Tocantins com as políticas educacionais nacionais que se orientam pelas diretrizes da OCDE também se apresenta por meio das parcerias entre a Seduc/TO e diversos institutos e fundações privados. A parceria com o Instituto Ayrton Senna (200-, n.p.), que tem como missão “Produzir conhecimento e experiências educacionais inovadoras capazes de inspirar práticas eficientes, capacitar educadores e propor políticas públicas com foco na educação integral”, se estabelece por meio de três programas: Se Liga Tocantins, Acelera Brasil e Circuito Campeão.

O projeto Circuito Campeão é desenvolvido nas escolas dos anos iniciais, entre elas a que foi campo desta pesquisa. Há, ainda, um termo de cooperação da Fundação Lemann com o estado, para “[...] apoiar e formar as equipes gestoras para garantir a aprendizagem de seus alunos” (LIMA, 2017, n.p.), e com a Fundação Itaú Social, responsável pela operacionalização do “Programa de tutoria pedagógica”, que tem como objetivo definir estratégias para a resolução de problemas educacionais enfrentados pelos gestores escolares do Ensino Médio. Além das parcerias com institutos e fundações privadas, a Seduc/TO faz parcerias com entidades e órgãos públicos, fortalecendo a política de bem-estar social. Esse é mais um aspecto que reforça como as políticas educacionais do estado estão alinhadas aos objetivos da OCDE, ou seja, a adesão do estado à lógica neoliberal para a Educação Básica.

Discutiremos a seguir como a atividade de trabalho das professoras é tensionada e sofre regulações pela implementação dessas políticas de aferição da qualidade da educação, dando relevância à obtenção do índice de excelência medido pelo Ideb; bem como de premiação e classificação pelo desenvolvimento de projetos fruto das parcerias público-privadas e reforçadas nas parcerias com os órgãos públicos.

A atividade de trabalho das professoras: conhecendo as demandas

Nesta seção, caracterizamos o que nominamos “atividade de trabalho das professoras”, pois entendemos que a atividade desenvolvida pelas participantes desta pesquisa não se reduz a um conjunto de ações para o cumprimento do currículo escolar, refletindo na relação de ensino-aprendizagem. Outrossim, diz respeito ao trabalho docente, à medida que se caracteriza por “[...] atividades e relações presentes nas instituições educativas, extrapolando a regência de classe” (OLIVEIRA, 2010, p. 1). Em face ao cenário da Educação Básica contemporânea, enxergamos que o trabalho docente também é atravessado por condições de emprego - contratação, remuneração, carreira e estabilidade (OLIVEIRA; ASSUNÇÃO, 2010). Neste artigo, o foco está na atividade de ensino das professoras que se situam em uma “[...] zona de fronteira entre o trabalho e a vida” (CUNHA, 2010, p. 3). Esta tem implicações diretas ou indiretas nas relações de trabalho que são tecidas no contexto escolar, tensionadas pela exigência de atenção aos indicadores de qualidade da educação do modelo vigente.

A nosso ver, o trabalho das professoras pode ser caracterizado como ‘Atividade’ na perspectiva de Leontiev (1981), ou seja, um grupo de pessoas (sujeitos) engajado em um mesmo propósito, com uma direção específica para o objeto da experiência coletiva e social do grupo envolvido. As atividades constituem-se de ações suscitadas por motivos (desejos/necessidades) e realizadas de acordo com as condições as quais determinam as operações. As ações estão subordinadas a objetivos que representam passos intermediários na sua realização. Os motivos da atividade podem ter a função de formação de sentido ou de estimulação de outras ações.

Baseado nos estudos de Marx, Leontiev (1981) estruturou a atividade humana em atividades coletivas, mostrando como a “[...] divisão do trabalho foi importante para diferenciar uma ação individual e uma ação coletiva” (ENGESTRÖM, 2016, p.14). É nesse sentido que retomamos o conceito de trabalho abordado por Marx para entender dialeticamente as relações que compreendem o trabalho e a atividade docente no contexto investigado.

Para Marx (1985, p. 212), o trabalho pode ser compreendido como o processo em que o homem transforma a natureza e concomitantemente transforma a si mesmo, o que o autor considera de “atividade humana”. A partir das ideias de Marx sobre trabalho, Leontiev (1981, p. 123) aponta que “[...] o trabalho humano é um precursor da atividade humana”, em que o homem se orienta a partir dos seus objetivos e, posteriormente, planeja intencionalmente suas ações de acordo com o que pretende alcançar. Para Leontiev (2009, p. 84), a atividade é “[...] um sistema que tem estrutura, suas próprias transições e transformações internas em seu desenvolvimento”; é, assim, um processo que medeia as relações entre o sujeito e o objeto.

De modo geral, a atividade de trabalho das professoras articula várias ações como: planejamento dos conteúdos, elaboração de tarefas e avaliações, registro no diário escolar, aplicação das atividades avaliativas, desenvolvimento dos projetos pedagógicos, preparação para avaliações externas de desempenho escolar, reunião de pais, atendimento e atenção às condições de vulnerabilidades das crianças, entre outras que compõem o fazer de professor. Durante a pesquisa de campo, identificamos demandas de trabalho atribuídas às professoras que entendemos ter estreita relação com a implementação das políticas educacionais do sistema público de ensino do Tocantins, que estão em consonância com as políticas neoliberais da OCDE. Nessa perspectiva, como afirmam Ribeiro e Araújo (2018, p. 412), há de considerarmos que a atividade de “[...] trabalho docente incide e define no(o) perfil social da força de trabalho que será engendrada nas relações sociais”.

Tais demandas refletem o conservadorismo dessas políticas na tentativa de controle do cotidiano de professores, que, como apresentado no relatório Trabalho docente na Educação Básica no Brasil: Fase II (GESTRADO, 2015, p. 119), sofre um “grau de controle”. No caso das professoras participantes desta pesquisa, como observamos no seu cotidiano, as metas e os objetivos da Secretaria em função das políticas educacionais implementadas regulam e definem as escolhas dos conteúdos, os métodos de ensino, bem como a organização do tempo e do trabalho pedagógico.

A rotina das aulas é moldada pelas demandas já previstas porque fazem parte do planejamento anual, seja porque é um programa adotado em toda a Rede Estadual, por exemplo, o protocolo do Programa Circuito Campeão, seja porque são projetos que fazem parte do seu PPP, tais como: Sarau Cultural, Bazar Solidário, Todo Dia é Dia de Consciência Negra. Contudo, há um rol de projetos externos e pontuais, não previstos no planejamento ou no PPP, que vão chegando para a escola, alterando a sua rotina e inflacionando o trabalho das professoras.

Tivemos a oportunidade de acompanhar a chegada e o desenvolvimento de um desses projetos durante a pesquisa de campo: o Projeto Escravo Nunca Mais. Esse foi um projeto que compôs uma ação do Ministério do Trabalho, em parceria com a Seduc/TO, para desenvolver, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, para o combate ao trabalho escravo infantil no estado. Outras demandas que atravessam significativamente o cotidiano das professoras são as avaliações externas de desempenho escolar (ANA, Saeb) e os programas vindos do MEC, como as Olimpíadas Brasileiras de Matemática da Escola Pública, também abarcadas pela Seduc/TO com o objetivo de destacar-se no cenário nacional.

Da perspectiva da CHAT (sigla em inglês para Cultural-Historical Activity Theory) (ENGESTRÖM, 1987, 2008), torna-se relevante analisar as tensões que surgem na atividade das professoras participantes desta pesquisa, que parecem viver conflitos entre o que elas idealizam para a qualidade da educação dos seus alunos e as demandas externas de atuação que confrontam com seus próprios ideais.

Engeström (1987) utiliza o termo “atividade”, de Leontiev, tomando-o como um fenômeno coletivo em uma comunidade na qual os indivíduos podem sempre realizar ações dentro de um sistema mais amplo de atividades coletivas. Nessa perspectiva, um sistema de atividades pode ser descrito como um acontecimento de duração longa capaz de gerar ações e outros acontecimentos, e que se desenvolve em um extenso período de tempo sócio-histórico. É uma formação coletiva e que tem uma complexa estrutura mediacional (ENGESTRÖM, 2008). Por um lado, há uma relação estreita entre atividade e sistema de atividades, pois, segundo o autor, a atividade cotidiana pode ser vista como um sistema de pelo menos duas outras atividades interconectadas. Por outro lado, qualquer sistema de atividades que tem um objeto compartilhado pode ser visto como uma atividade. Assim, dada a complexidade da atividade de trabalho das professoras, envolvendo diferentes contextos e seus sujeitos, consideramos nossa unidade de análise como um “sistema de atividades”, descrito por Engeström (1987, 2008).

É nesse labirinto de demandas de atuação que compõe o trabalho das professoras que ampliamos nossas lentes de análise, como orienta Engeström (1987, 2001), para um sistema de atividades de trabalho, conectado à estrutura social em que está inserido e a uma multiplicidade de vozes e de contextos interculturais. Compreendemos a atividade docente dentro de um sistema de atividades, desenhando um movimento no qual as atividades de ambos os níveis (micro e macro) se relacionam interativamente. Desse modo, a análise micro está focada nas ações dos sujeitos (professoras) em sala de aula, ensinando crianças em situação de vulnerabilidade social; e a análise macro está focada em um coletivo que engloba diferentes atores - professoras, alunos, Escola, Seduc, institutos e programas parceiros, pais e outros membros da comunidade local.

Adotamos a perspectiva histórico-cultural da atividade (CHAT) porque consideramos que é uma ampla lente para analisar o sistema de atividade de trabalho das professoras na sua historicidade e devido à proeminência das tensões, em que eclode a contradição, como um conjunto de forças impulsionadoras de questionamento do modelo vigente, podendo promover mudanças no sistema de atividades (ENGESTRÖM, 1987). Engeström (2001) explica que atividades são sistemas abertos constituídos por uma multiplicidade de vozes, histórias e culturas. Quando perspectivas diferentes entram em contato (DAVID; TOMAZ; FERREIRA, 2014) surgem tensões estruturais - conflitos e problemas - dentro e entre sistemas de atividades que historicamente acumuladas se avolumam e evidenciam a manifestação da contradição. A CHAT possibilita a análise das ações das professoras e, também, do sistema de ensino, evidenciando áreas de interações que transitam desde o processo de ensino-aprendizagem em sala de aula ao campo das políticas educacionais.

A metodologia e o contexto da pesquisa

A pesquisa de campo foi realizada em uma escola comunitária, mantida por meio de convênio entre a comunidade, o município de Palmas, que se responsabiliza pelo custeio da Educação Infantil, e o estado do Tocantins, responsável pelos anos iniciais do Ensino Fundamental. A escola “Menino do Mato” está localizada em uma região periférica da cidade de Palmas, Tocantins, região Norte do Brasil. A gestão da escola é feita por um conselho composto por membros da comunidade. Dada a situação de vulnerabilidade socioeconômica do público que atende, o PPP da escola é afinado com os interesses da comunidade mantendo um intenso diálogo e parceira na realização dos projetos locais. O acolhimento da diversidade de demandas, muitas delas não previstas no planejamento anual, provoca uma sobrecarga de tarefas e afeta as relações de trabalho, porém são os convênios com as redes públicas de ensino que garantem os recursos financeiros para o funcionamento da escola.

Em contrapartida, a escola tem alcançado índices nas avaliações externas de desempenho escolar que a coloca em posições de destaque no estado. Em 2017, o Ideb da escola alcançou média de 6,2, situando-se dentro da faixa de escolas classificadas pelo Inep como de bom nível -escolas cujo índice é igual ou superior a 6 (INEP, 2017). Essa média é superior à projeção estabelecida com base no exame anterior (6,1), o que contribuiu para elevar a classificação do Estado no cenário nacional.

Além disso, como acompanhado durante a observação, a escola também tem se mostrado sempre aberta a acolher projetos propostos pela secretaria estadual, que vê, nessa parceria, um espaço promissor de realização de projetos educacionais que possam ser bem-sucedidos. O bom desempenho nas avaliações externas, segundo os critérios do INEP, e a diversidade de projetos que desenvolve, associados à intensa participação na vida da comunidade, fazem com que a escola seja bem vista tanto aos olhos dos parceiros quanto da comunidade.

O material de pesquisa foi composto por notas de campo e registros em áudio de aulas em duas turmas de 4º e 5º anos (matutino e vespertino) e das reuniões de planejamento pedagógico, obtidos por meio da observação participante e de entrevistas individuais com as professoras, também gravadas em áudio. Acompanhamos quatro professoras dos anos iniciais, Catarina e Jeanne (5º ano) e Elza e Cecilia (4º ano), de agosto a dezembro de 2018. Todas eram formadas em Pedagogia, com especialização na área de Educação e com experiência média de dez anos em docência. As professoras Catarina e Jeanne eram servidoras concursadas e atuavam na escola por mais de quatro anos, enquanto as professoras Elza e Cecília eram professoras contratadas em regime temporário e atuavam na escola havia dois anos.

Durante as observações, além de atender às demandas vindas da Secretaria, percebemos que as professoras criavam alternativas para desenvolver o conhecimento das crianças a partir de experiências científicas, sociais e culturais, demonstrando o seu comprometimento com a redução da vulnerabilidade social das crianças e da comunidade.

Trabalhamos inicialmente o material de pesquisa transcrevendo os áudios das aulas, reuniões e entrevistas; posteriormente, selecionamos excertos que permitiram-nos estabelecer as relações entre o trabalho das professoras e os ordenamentos que configuram as políticas educacionais neoliberais da OCDE, formando o conjunto de dados que é analisado neste artigo, de modo a olhar sempre os sujeitos-em-ação dentro de um contexto social contemporâneo mais amplo do que a própria sala de aula.

A lente teórica da CHAT alicerçou a estruturação do “sistema de atividade de trabalho das professoras”, nossa unidade de análise. Destacando os componentes desse sistema, como propõe Engeström (1987), identificamos as tensões que ocorrem quando as professoras são demandadas a agir para garantir os bons índices nas avaliações de desempenho escolar, em sintonia com os documentos das diretrizes das políticas educacionais do estado, e a desenvolver projetos que também estão alinhados às metas educacionais da OCDE, contrastando com o planejamento feito por elas, que apontavam outras prioridades.

A análise do sistema de atividades considera a multiplicidade de contextos com os quais as professoras precisam interagir para realizar seu trabalho, envolvendo relações assimétricas de poder entre os membros participantes e os órgãos reguladores. Nesse sentido, situamos essa atividade dentro de uma constelação de sistemas de atividades, circunstância que nos permite fazer diferentes movimentos de zoom in (para baixo e para dentro) e zoom out (para cima e para fora) no sistema mais amplo (ENGESTRÖM, 1987). Por um lado, ao posicionar a lente de análise para cima e para fora, é possível enxergar o sistema de atividades das professoras interconectado por uma rede de duas ou mais atividades; por outro lado, ao mover a lente para dentro e para baixo, é possível analisar uma atividade em particular e/ou questões relacionadas às subjetividades das professoras, como comprometimento, emoções e identidade. Assim, como pesquisadoras, temos a possibilidade de “[...] aumentar ou diminuir o zoom, entendendo os diferentes movimentos da atividade (TOMAZ; DAVID, 2015, p. 459).

Nesses diferentes contextos, as professoras estavam diante do desafio de ensinar orientadas pela busca do desenvolvimento humano - “[...] mediado pela cultura e constituído pelas relações sociais entre os sujeitos” (VIGOTSKI, 1987, p. 33) - das crianças versus ensinar para atender a critérios de excelência definidos pelas políticas educacionais do estado. Por trás desse desafio, percebemos a manifestação persistente da contradição primária do capitalismo na educação: para as professoras, a educação é usada no enfrentamento das desigualdades sociais (valor de uso); enquanto para a Secretaria, a educação visa atender a critérios de excelência definidos pelos indicadores educacionais, reforçando um modelo que aprofunda as desigualdades sociais (valor de troca).

Essa é a forma como a contradição primária do capitalismo do valor de uso versus valor de troca se manifesta nesta atividade, pois, “[...] no capitalismo, a contradição adquire a forma geral de mercadoria”. Mercadoria é o objeto que possui valor (ou seja, valor de troca) e não apenas, nem principalmente, valor de uso (ILIENKOV, 1982, apudENGESTROM, 2016, p. 112).

A atividade de trabalho das professoras: revelando os tensionamentos

Como já anunciado, nossa unidade de análise é o sistema de atividades de trabalho das professoras, compreendendo que os sujeitos são as professoras participantes, direcionando suas ações para o ensino, objeto da atividade, mediadas por artefatos culturais. Entre esses artefatos de mediação, destacamos os projetos de diferentes origens e temáticas, manuais e testes para as avaliações externas, fichas de controle do programa Circuito Campeão, tarefas avaliativas, entre outros. Há regras e normas que regulam e controlam as ações. Algumas são impostas pelo sistema ‒ fazer o planejamento anual de acordo com o PPP da escola; alinhar o planejamento da escola com o Plano Estadual de Educação, bem como com o Plano Nacional de Educação e a Base Nacional Curricular; atingir altos índices no Saeb, tomando os indicadores nacionais e internacionais como referência; desenvolver os projetos que são fruto de acordos estabelecidos entre a Seduc/TO e instituições públicas/privadas.

Outras regras são estabelecidas entre as próprias professoras na busca pelo desenvolvimento humano das crianças: criar situações que garantam a aprendizagem das crianças em variados aspectos intelectuais, não só nas áreas priorizadas pela Seduc/TO; realizar os projetos a partir da realidade da comunidade de modo a viabilizar o acesso das crianças aos espaços de cultura, lazer e etc. Por trás dessas regras, há uma comunidade que compartilha o ensino dado às crianças, formada por membros de diferentes esferas, públicas e privadas, de acordo com a atividade à qual pertencem: outras professoras, pais, líderes comunitários, gestores da escola e outros servidores, gestores da Seduc, gestores do MEC, elaboradores de políticas da OCDE, empresários etc. Esse amplo espectro de membros na comunidade esboça uma hierarquia de poder, o que evidencia a divisão de trabalho na atividade, repercutindo as funções, os papéis e a autoridade entre os diferentes atores da comunidade e desses com os sujeitos.

Esse complexo trabalho das professoras envolvendo diferentes demandas está estruturado por uma rede de sistemas de atividades conectados entre si, ou como um conjunto de ações de uma demanda específica que, por sua vez, também pode ser analisado como um sistema de atividades. Nesse sistema, posicionamos nossa lente de análise sobre as ações das professoras em sala de aula, direcionadas pelo alinhamento das políticas do estado de TO com as políticas neoliberais para a Educação Básica global na busca por altos índices de excelência na educação.

A busca de excelência pelo sistema reverbera na atividade de trabalho das professoras gerando tensões, pois elas se veem impelidas a agir segundo princípios e valores com os quais nem sempre concordam, além de gerar uma sobrecarga de trabalho para elas. A professora Catarina, que acompanhamos ao longo desta pesquisa, revela um incômodo em relação a ter de treinar as crianças para os exames específicos. Ela verbaliza que outras capacidades dos alunos em outras áreas do conhecimento deixam de ser avaliadas nesse tipo de teste e se contrapõe a essa visão restrita dos exames avaliativos.

De certa forma, a gente é manipulada para isso; esses índices, eles não condizem com o desenvolvimento como um todo da criança. Eu olho para isso [ter de preparar os alunos para a prova], vou treinar esses meninos para fazer Prova Brasil [fala irritada sobre a cobrança de treinar os alunos], a vida deles é isso? [indignada]. O que é esse índice diante da vida desses meninos? Diante de um leque de coisas que eu deveria estar trabalhando e desenvolvendo neles... Por exemplo, todos os anos eu penso de levar eles para conhecer a usina hidrelétrica, mas pergunta se o conteúdo chegou na geração de energia! (Professora Catarina. Entrevista, gravada em áudio, 13 dez. 2018).

O desconforto demonstrado pela professora revela a tensão entre os sujeitos (professora) e a comunidade face às regras que, de um lado, são postas para garantir metas de desempenho da Seduc/TO e, em outro, são vistas pela professora como pouco eficazes ou incapazes de contribuir para a mudança na vida dos seus alunos, dada a condição de vulnerabilidade social. Para definir suas ações frente às crianças, parece que a professora vive um conflito: por um lado ela está preocupada em ensinar conteúdos que abrangem outras áreas do conhecimento e que julga importantes para entender as questões que surgem para as crianças no cotidiano, mas, por outro lado, a orientação da Seduc/TO é que o ensino priorize as disciplinas que atendem aos processos avaliativos de desempenho escolar. Isso gera um tensionamento, identificado entre esses dois componentes do sistema de atividades (sujeito e comunidade), refletindo nos papéis exercidos na divisão de trabalho: a professora é a agente da ação, porém a sua ação está condicionada ao controle estabelecido pelas regras impostas pela instituição (comunidade) com a qual estabeleceu contrato de trabalho. Essa instituição, por sua vez, adota regras que estruturam uma política educacional neoliberal que não se mostra capaz de romper com as desigualdades sociais a que os alunos da escola estão sujeitos.

Os alunos também questionam o desgaste que é fazer o volume excessivo de avaliações, de modo que as professoras são chamadas a explicar a eles o motivo de tantas avaliações de Português e Matemática. Por exemplo, durante uma aula, a professora Elza justificou aos alunos que, apesar de os conteúdos cobrados nas avaliações bimestrais serem próximos das diferentes avaliações externas ou do Circuito Campeão, as notas alcançadas por eles nesses testes não podem ser utilizadas nas provas do bimestre, mesmo que seja para as mesmas disciplinas.

Profa. Elza: Vocês estão percebendo; essa provinha nossa do bimestre, boa parte dela será de fração, né?

Pedro: E a gente já viu esse conteúdo no começo do ano.

Profa. Elza: Sim, Pedro, nós já vimos sim, mas como é conteúdo de prova externa, temos que revisar, de novo. Vocês acabaram de fazer a provinha de matemática do Circuito Campeão com conteúdo muito próximo dos que caíram na nossa prova, mas, como não foi autorizado a contabilizar a nota dessa prova de Português e Matemática como substituta do bimestre, nós faremos prova normalmente.

Pedro: Neste semestre, nós fizemos muitas provas! Ave Maria! Ninguém tem dó.

Profa. Elza: É, gente, é canseira para todo mundo. Foram muitas provas, é desgastante, mas precisamos fazer. (Transcrição de aula de Matemática 4º ano, 13 nov. 2018).

Essa tensão é evidenciada nesse sistema de atividades entre os sujeitos (professoras) e a comunidade (protagonizada pelos alunos e pela própria Seduc-TO), mediada pelos artefatos (testes avaliativos) que também reverbera na divisão de trabalho. Se, de um lado, os conteúdos das avaliações externas se aproximam dos conteúdos das avaliações de aprendizagem; de outro, as notas alcançadas nas primeiras não podem ser aproveitadas na segunda. Nesse caso, o tensionamento também repercute na divisão do trabalho entre alunos e professoras, revelando que, embora compartilhem o processo educacional escolar, nenhum deles exerce autoridade para definir o uso das notas no processo avaliativo. Nesse momento, a autoridade é da instituição gestora. Todavia, as professoras resistem a somente reproduzir as orientações e os testes em sala de aula, criando outras possibilidades de amenizar a sobrecarga de trabalho dos alunos. Elas elaboram trabalhos e projetos de pesquisa que contemplam outras áreas do conhecimento e adotam outros critérios avaliativos que não se reduzem a testes de habilidades em Português e Matemática. Esse é um dos exemplos de como as professoras lidam com as tensões, que, mesmo se submetendo a essa sobrecarga de trabalho, não abrem mão de suas prioridades e dos valores que realmente consideram importantes, ou seja, a autoridade das professoras nem sempre está sujeita a negociações.

A insatisfação com as demandas de trabalho recebidas da Seduc/TO é reiterada nas entrevistas com as professoras, quando falam sobre como elas articulavam os conteúdos dos descritores das avaliações externas com os conteúdos previstos no currículo, de modo a contemplar todas as áreas do conhecimento, outra forma de enfrentar as tensões na atividade adotadas por elas. Particularmente, as professoras do 5º ano deixaram claro que é necessário fazer escolhas e que, nessas escolhas, alguns conteúdos são priorizados.

Então, tem alguns conteúdos que ficam prejudicados. Esse ano, mesmo, foi um ano que ficou. Todos os anos fica de alguma forma porque a gente precisa priorizar os conteúdos que são abordados nas avaliações, normalmente Português e Matemática. (Professora Catarina. Entrevista individual, 13 dez. 2018).

Às vezes, dá pra substituir o conteúdo, porque são os mesmos, mas às vezes também a gente prioriza de acordo com as provas externas. Este ano as provas chegaram tarde e falaram que tínhamos que fazer, aí tivemos que revisar os conteúdos específicos; alguns já tinham sido estudados no começo do ano. Ano passado foi mais organizado, [tinha] a previsão de datas, então a gente planejou melhor. (Professora Jeanne. Entrevista individual,13 dez. 2018)

Olhando com cautela os efeitos do modelo global de política educacional nos programas e projetos que são desenvolvidos na escola “Menino do Mato”, vimos que eles repercutem na atividade de trabalho das professoras, uma vez que o trabalho, por meio de programas e de projetos na escola, tem de acolher todas as dimensões da educação, na perspectiva desenhada pelo PEE/TO:

Meta 22. Estratégia 22.10.

II - consolidação de uma educação, com base nos parâmetros de qualidade e valorização profissional, como referência para o desenvolvimento da cidadania plena, por meio de ações e projetos educacionais que contemplem todas as dimensões do processo educativo e as particularidades socioculturais, regionais, ambientais e étnico-raciais, garantindo uma educação integral, pautada na superação de todas as formas de violência, discriminação e preconceito [...]. (TOCANTINS, 2015, n.p.).

No desenvolvimento dos projetos, fruto das parcerias público-privadas, como mencionado, o controle da atividade de trabalho das professoras é reforçado pela política de premiação e classificação das escolas da rede - a formação de talentos.

[...] os melhores trabalhos serão agraciados com placas e certificados; participação em intercâmbios culturais educacionais, estadual e interestadual; participação na cerimônia de premiação, em 2020, após a divulgação do Ideb; bonificação para os profissionais das escolas e publicação dos projetos selecionados. (TOCANTIS, 2019, p. 1).

Esses critérios, previstos nas políticas educacionais do estado, estão alinhados aos programas da OCDE, que, ainda que apresentem uma preocupação com a dimensão humana e bem-estar do indivíduo nos diversos contextos educacionais, focalizam no esforço individual.

Para navegar por essa incerteza, os alunos precisarão desenvolver curiosidade, imaginação, resiliência e autorregulação; eles precisarão respeitar e apreciar as ideias, perspectivas e valores dos outros; e eles precisarão lidar com o fracasso e a rejeição e avançar diante das adversidades. A motivação deles será mais do que conseguir um bom trabalho e uma alta renda; eles também precisarão se preocupar com o bem-estar de seus amigos e familiares, suas comunidades e o planeta. (OCDE, 2018, p. 3, tradução nossa).

Nesse contexto, é exigido das professoras que desenvolvam “[...] competências e habilidades capazes de responder as demandas da sala de aula bem como do cotidiano da atividade de trabalho docente” (RIBEIRO; ARAÚJO, 2018, p. 415). Como nos alerta Freitas (2012), à medida que as parcerias entre o público e o privado progridem no campo da educação, fortalece o discurso de eficiência e eficácia oriundo da lógica empresarial orientando um modelo de educação que atenda às demandas do mercado.

As parcerias entre Seduc/TO e as instituições apontadas revelam mais uma tensão na atividade de trabalho das professoras (sujeito) e o ensino (objeto) que vão colocar em prática. Como argumenta Engeström (1987), o objeto de uma atividade pode ser expresso como preocupação, motivação, esforço e significado, estando esse predominantemente relacionado à produção de um resultado, que não é necessariamente o real motivo da atividade. No entanto, como não podemos descartar as necessidades e os motivos individuais em uma atividade, considerando os motivos individuais das professoras, abrem-se possibilidades de fazer a distinção entre o objeto da atividade coletiva e os motivos dos sujeitos, por exemplo, entre os motivos das professoras, dos parceiros e da Seduc/TO. A tensão na atividade evidencia-se quando as professoras se mobilizam para ensinar buscando o desenvolvimento humano das crianças em meio a uma sociedade extremamente desigual, fazendo-se necessário inclusive desenvolver projeto na escola para combater o trabalho escravo infantil. Por outro lado, essas professoras priorizam o ensino de conteúdos específicos, impelidas a atender às demandas do mercado de trabalho, que valoriza a meritocracia e destaca os talentos, em alinhamento às diretrizes dos documentos das políticas educacionais traduzidas pelas políticas estaduais de Tocantins nos projetos em parceria com a iniciativa privada e fundações.

Na escola “Menino do Mato”, o Projeto Escravo Nunca Mais, imposto inicialmente às professoras pela Seduc/TO, transformou-se em uma ação que encontrou um sentido para o trabalho que essas professoras parecem acreditar ter realmente importância naquela comunidade. Conscientes de que a realização do projeto não era uma opção, as professoras foram em busca de planejar ações que atendessem à necessidade de aprendizagem das suas crianças, mais do que as necessidades da Secretaria.

Pra realizar o Projeto Escravo Nunca Mais, eu resolvi pesquisar notícias sobre o trabalho infantil aqui no Tocantins, para ter uma noção dos casos mais comuns. Eu fiquei horrorizada com o tanto de notícias encontradas no Google; é só colocar trabalho infantil do TO notícias... Eu selecionei algumas matérias que eu achei importante e que se aproxima do contexto aqui da nossa escola. (Professora Jeanne. Excerto reunião de planejamento do projeto, 19 set. 2018).

Apesar da gente ser obrigada a fazer esse projeto, que no fim as evidências serão para outro órgão [Ministério do Trabalho], será muito rico para nossos alunos. (Professora Elza. Excerto reunião de planejamento do projeto, 19 set. 2018).

Ao conversar sobre esses projetos durante a entrevista, as professoras reforçaram a insatisfação em relação à maneira como os projetos chegam à escola e relatam como o excesso de projetos afeta o trabalho delas. Contudo, concordam com a importância do tema daquele projeto de combate ao trabalho infantil para seus alunos.

Entendo a importância do projeto e da temática para os nossos alunos, mas eu sinto um descaso em relação à nossa participação nas tomadas de decisões, sendo que os projetos serão desenvolvidos por nós. (Professora Elza. Excerto reunião de planejamento do projeto, 12 set. 2018).

[A imposição de projetos] afeta, afeta muito, é uma coisa que a gente reclama e todos os anos a gente fala sobre isso. O PPP tinha mais ações do que aquilo que você viu, cada ano que passa, parece que eles mandam mais projetos externos, digamos assim, pra gente; então a gente deu uma enxugada no PPP, porque a gente já estava prevendo que isso ia acontecer e é difícil, e o que que acontece? Esse ano mesmo aconteceu: provas externas, projetos externos, acaba consumindo o tempo da gente e você tem que optar. Não é que você tem preguiça de determinado projeto, não é isso, é que a gente sente que é jogado para nós, não tem um planejamento. (Professora Catarina. Entrevista individual, 13 dez. 2018).

Assim, apesar de demonstrar preocupações com os valores éticos, sociais e democráticos em seus documentos; nas práticas neoliberais, a força de trabalho é sacrificada em detrimento dos seus interesses econômicos, com “a promessa de solucionar os problemas futuros” e dar destaque ao que o sistema considera como “boas práticas”, como nos parece na realização dos projetos educacionais a serem desenvolvidos pelas professoras.

Impacta muito, não vou mentir para você, não, porque esse projeto aí [projeto de leitura da escola vinculado ao projeto de letramento da Seduc/TO], eu não vou dizer que ele atrapalhou... Ele é bom? É. É um projeto de leitura? É. Mas gente, a gente já trabalha com leitura o ano inteirinho, o ano inteiro, para que fazer essa culminância desse tamanho. E acabamos de concluir o [Projeto] Escravo Nunca Mais, aí, então, fica muito pesado para a gente. (Professora Jeanne. Entrevista individual, 13 dez. 2018).

Atribuir às escolas da Rede Estadual a realização de projetos em diferentes áreas (trânsito, meio ambiente, alimentação, trabalho escravo infantil, saúde, leitura etc.) impõe às professoras constante reorganização do trabalho pedagógico para atender às demandas do sistema, que mais parecem as demandas de uma empresa, segundo as quais elas precisam preparar as crianças para serem adultos bem-sucedidos, capazes de solucionar os problemas do cotidiano e executar várias tarefas com agilidade e eficácia. Fica a questão: esses problemas dizem respeito a qual cotidiano, das crianças? A pressão exercida sobre as professoras vai ao encontro do discurso proposto pelo Education 2030: The Future of Education and Skills.

As crianças que ingressarem na escola em 2018 precisarão abandonar a ideia de que os recursos são limitados e existem explorados; eles precisarão valorizar a prosperidade, a sustentabilidade e bem-estar social. Elas precisam ser responsáveis e empoderadas, colocando a colaboração acima da divisão e a sustentabilidade acima do ganho a curto prazo. (OCDE, 2018, p. 3, tradução nossa).

As tensões que ocorrem na atividade entre diferentes componentes (sujeito x objeto; sujeito x comunidade; objeto x regras) reverberam na divisão de trabalho, como percebemos na fala das professoras. O discurso das professoras mostra como elas enfrentam as tensões no seu trabalho e como resistem ao papel de simples executoras de tarefas: elas desenvolvem os projetos pautadas em valores éticos e sociais, mas compreendem que essas práticas podem reproduzir estruturas dominantes, disfarçadas sob a promessa de um futuro melhor para todos. A percepção do poder do sistema sobre o trabalho das professoras confirma a premissa de Taylor (2009, p. 230), quando diz que, em uma atividade, “[...] a comunidade não é apenas parte do contexto, ela intervém nos resultados da atividade”, revelando o controle a que o trabalho das professoras é submetido, tal qual suas ações são reguladas, ao mesmo tempo que elas abrem brechas para agir conforme seus próprios princípios e valores.

Já que não temos opção mesmo e o tema é importante para nossos alunos, vamos fazer nosso melhor. Vamos fazer o seguinte: cada uma vai pesquisar sobre esse assunto de acordo com a faixa etária da sua turma. (Professora Jeanne. Excerto reunião de planejamento do projeto, 12 set. 2018).

Olha, quando eu comecei com esses projetos, eu fiquei muito atormentada, mas eu vi muito que as crianças aprenderam com eles, tipo aquele [Projeto] Escravo Nunca Mais; as crianças participaram tanto, sabe? Trouxeram dúvidas... foi bom. O projeto que nós desenvolvemos, esse do final do ano, de leitura e escrita também, é trabalhoso, lógico, é bem trabalhoso, eu não vou mentir pra você e falar “É lindo, é maravilhoso!”. Não; sobrecarrega mesmo a gente, professor. (Professora Elza. Entrevista individual, 13 dez. 2018).

Os tensionamentos revelados na atividade de trabalho das professoras originam-se das imposições sutis ou às vezes nem tanto que são mantidas por trás dos discursos/documentos oficiais sustentados pelo modelo de desenvolvimento global, pautado na economia de mercado, ratificando, como afirma (SAVAGE, 2017apud SILVA; FERNANDES, 2019, p. 274), “[...] a hegemonia das organizações e a educação como um commodity”.

Considerando a historicidade da atividade, as tensões avolumam-se e percebemos a existência de um objeto contraditório - ensino - e uma manifestação persistente da contradição na educação que é vivida constantemente: ensinar buscando o desenvolvimento humano das crianças que inclui romper com as práticas de exploração que alimentam a desigualdade social versus ensinar para alcançar as metas de eficácia e excelência estabelecidas pelos indicadores das políticas educacionais do estado, arriscando aprofundar a desigualdade e a vulnerabilidade social a que seus alunos estão sujeitos.

Nessa engrenagem, mesmo sabendo da sobrecarga de trabalho, do desgaste emocional, das imposições do sistema educacional, das tentativas muitas vezes frustradas de negociar com os níveis mais altos da gestão escolar e do sistema de ensino, as professoras enfrentam os tensionamentos e empreendem resistências, reestruturando seu trabalho para o desenvolvimento dos projetos atribuídos a elas, movidas pelo objeto da atividade (ensino) e pela responsabilidade social que lhes cabe na aprendizagem das crianças e na promoção de transformações sociais.

Considerações finais

Ao utilizar ferramentas teóricas da perspectiva histórico cultural (LEONTIEV, 1981, 2009; ENGESTRÖM, 1987, 2001), foi possível analisar a atividade das professoras como parte de uma grande estrutura de trabalho composta por outros componentes, como o sistema educacional, as instituições públicas/privadas, organizações internacionais, entre outros. Essa lente teórica possibilitou-nos olhar as ações das professoras no nível micro da sala de aula e no nível macro do sistema, a partir das políticas educacionais e da literatura desse campo de estudo, bem como as inter-relações que acontecem entre o sistema e a sala de aula.

A análise da atividade mostrou como o discurso da OCDE instrui o modo de trabalho das professoras para um tipo de formação que atende a exigências do mercado, reforçando tanto o pensamento interno ao sistema como externo na própria sociedade de que as habilidades individuais são impulsionadoras do desenvolvimento econômico e da redução das desigualdades sociais. Nessa perspectiva, não importa se os estudantes pertencem a grupos sociais em condições de igualdade de disputa, bem como não são consideradas as distinções socioeconômicas dos países, ou mesmo as questões de classe social, raça/etnia e gênero ‒ o que importa é a capacidade individual de desenvolvimento de competências.

Assim, além de elaborar e orientar políticas internacionais para a Educação Básica, a OCDE atua dentro das salas de aula, fortalecendo a hierarquização da gestão pública, definindo os conteúdos que serão ensinados, moldando o tempo e o espaço pedagógico, sustentando o discurso de um futuro melhor para todos. Isso significa que “todos” devem dar o melhor de si; as professoras são sobrecarregadas com o excesso de trabalho, pois sempre que uma nova demanda externa é designada a elas, o trabalho pedagógico precisa ser reorganizado. Em contrapartida, a escola também mantém bons créditos com a comunidade, com as entidades parceiras e com a Secretaria de Educação, e esta celebra os bons resultados e o destaque no cenário nacional, o que sem dúvida traz capital político para os gestores públicos.

Nesse contexto, as relações de trabalho contemporâneas nas quais a escola está inserida são perpassadas pela dimensão do trabalho versus resultados mensurados pelos indicadores das políticas internacionais segundo as quais os sujeitos/grupos (as professoras), por mais que se esforcem e desenvolvam estratégias de subversão do sistema, não podem compartilhar da mesma autoridade de outros membros da comunidade com maior poder de hierarquia. Posto isso, compreendemos que as políticas educacionais neoliberais são carregadas de intencionalidades que impactam diretamente na gestão da escola, na avaliação de estudantes e professores, mas também afeta estreitamente a atividade de trabalho do docente em sala de aula.

Todavia, quando focalizamos a atividade das professoras na sala de aula com crianças que vivem em uma região periférica da cidade, foi possível perceber como elas enfrentam as tensões que ocorrem pela implementação das políticas neoliberais e reestruturam sua atividade, resistindo à imposição da simples reprodução das práticas que fortalecem as desigualdades sociais e limitam o poder de ação das professoras.

Mesmo diante de um contexto educacional em que é cada vez mais difícil se contrapor ao discurso dessas instituições ‒ pois seu principal argumento é de busca da eficácia na qualidade da educação -, as professoras criam alternativas para oportunizar às crianças uma diversidade de experiências sociais não hierarquizadas pelos indicadores de qualidade da educação global. Elas resistem à premissa de que o sucesso ou o fracasso é resultado do esforço dos próprios sujeitos (CONTRERAS, 2012), sejam eles as professoras ou o próprio aluno que “não se esforça o suficiente”.

Tese em andamento no Programa de Pós-Graduação em Educação, Conhecimento e Inclusão Social, sob orientação da Prof.a Dr.ª Vanessa Sena Tomaz, Doutorado em Educação. Pesquisa aprovada no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, Parecer nº 2.616.543, em 24 de abril de 2018.

2 A palavra é usada no feminino pois, na escola investigada, todas as professoras da Educação Infantil e Ensino Fundamental são mulheres.

3 São instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas de professores e alunos, que incluam em sua entidade mantenedora representantes da comunidade, conforma a Lei de Diretrizes e Bases - Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, art. 20, inciso II (BRASIL, 1996).

4 Serão detalhadas na seção “Atividade de trabalho das professoras”.

5 Em relação aos anos iniciais, o resultado do Ideb referente ao ano de 2017, divulgado pelo portal do Inep, a média nacional é de 5,8 e a média do estado do Tocantins é 5,6 (INEP, 2017).

6 O Pisa foi criado no início dos anos 2000 e, em 2018, teve a participação de 79 países, sendo 37 deles membros da OCDE e 42 países/economias parceiras, entre eles o Brasil. O programa avalia as competências dos jovens de 15 anos, com intervalo de três anos, destacando as áreas de letramento em Matemática, Leitura e Ciências.

7 Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, Coreia do Sul, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Islândia, Irlanda, Israel, Itália, Japão, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, México, Nova Zelândia, Noruega, Portugal, Polônia, Reino Unido, República Tcheca, Suécia, Suíça, Turquia.

8 Brasil, África do Sul, Índia, China e Indonésia.

9 Uma interlocução do Ministério da Educação (MEC) com o setor empresarial. Segundo Barão (2009), os patrocinadores Máster do Movimento Todos pela Educação são Gerdau (indústria do aço), Banco Real, DPaschoal, Fundação Bradesco, Fundação Itaú Social, Suzano (indústria de papel e celulose), Instituto Ayrton Senna, Instituto Camargo Correia e Odebrecht. Há ainda as parcerias estratégicas cujo diálogo é com o setor público por meio do Conselho Nacional de Educação (CNE), Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Ministério da Educação, Ministério Público Federal, União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Fundo das Nações Unidas para a Infância é um órgão das Nações Unidas (Unicef), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Instituto Ethos e Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife).

10 As instituições que se posicionaram contrárias à BNCC foram Associação Nacional de Pós‐Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae), Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope) e Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes).

11 Seguimos as recomendações do Comitê de Ética mantendo as identidades em sigilo e utilizando nomes fictícios para as professoras, estudantes e escola investigada.

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Recebido: 12 de Maio de 2020; Revisado: 26 de Junho de 2020; Aceito: 27 de Junho de 2020; Publicado: 03 de Julho de 2020

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