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Práxis Educativa

versión impresa ISSN 1809-4031versión On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.15  Ponta Grossa  2020  Epub 02-Sep-2020

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.15.15336.060 

Artigos

Trabalho docente, gênero e políticas neoliberais e neoconservadoras: uma leitura crítica da Base Nacional Comum de formação de professores da Educação Básica

Teaching work, gender and neoliberal and neoconservative policies: a critical reading of the Common National Base for teacher training of Basic Education

Trabajo docente, género y políticas neoliberales y neoconservadoras: una lectura crítica de la Base Nacional Común de Formación de Profesores de la Educación Básica

Maria Cláudia Dal’Igna* 
http://orcid.org/0000-0002-0566-9606

Renata Porcher Scherer** 
http://orcid.org/0000-0003-2331-1453

Miriã Zimmermann da Silva*** 
http://orcid.org/0000-0002-4885-4756

*Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: <mcdaligna@hotmail.com>.

**Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSul). Doutora em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). E-mail: <renatapscherer@gmail.com>.

***Coordenadora Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de Morro Reuter/RS. Doutoranda em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). E-mail: <miriazimm@gmail.com>.


Resumo

Este artigo identifica, descreve e analisa transformações no trabalho docente no contexto brasileiro atual frente ao avanço de políticas neoliberais e neoconservadoras. Para tanto, assume-se como objeto privilegiado de análise a Proposta para Base Nacional Comum de Formação de Professores da Educação Básica (BNCFP - BNC Formação - BNC Professores). A leitura crítica é fundamentada nos estudos em docência, nos estudos de gênero e na teoria social contemporânea, especialmente naquelas abordagens relacionadas ao capitalismo cognitivo e ao neoliberalismo como racionalidades organizadoras dos modos de vida e das relações de trabalho. As análises apontam para a intensificação de uma agenda educacional voltada de forma cada vez mais expressiva para a constituição de uma docência padronizada, generalista e polivalente. Ao mesmo tempo, torna-se possível multiplicar os sentidos produzidos pela BNCFP para criar alternativas pedagógicas a partir de novas formas de interpretar a docência no século XXI, definindo-a como um exercício de amor pedagógico.

Palavras-chave: Trabalho docente; Gênero; Base Nacional Comum

Abstract

This paper identifies, describes and analyzes changes in teaching work in the current Brazilian context in the face of the advancement of neoliberal and neoconservative policies. For that, the proposal for a Common National Base for Teachers Training of Basic Education (CNBTT - CNB Training - CNB Teachers) is assumed as a privileged object of analysis. Critical reading is based on teaching studies, gender studies and contemporary social theory, especially in those approaches related to cognitive capitalism and neoliberalism as organizing rationalities of ways of life and work relationships. The analyzes point to the intensification of an educational agenda directed in an increasingly expressive way towards the constitution of a standardized, generalist and multipurpose teaching. At the same time, it becomes possible to multiply the meanings produced by the CNBTT to create pedagogical alternatives based on new ways of interpreting teaching in the 21st century, defining it as an exercise of pedagogical love.

Keywords: Teaching work; Gender; Common National Base

Resumen

Este artículo identifica, describe y analiza transformaciones en el trabajo docente en el contexto brasileño actual frente al avance de políticas neoliberales y neoconservadoras. Para ello, se asume como objeto privilegiado de análisis la Propuesta para Base Nacional Común de Formación de Profesores de la Educación Básica (BNCFP - BNC Formación - BNC Profesores). La lectura crítica se fundamenta en los estudios en docencia, en los estudios de género y en la teoría social contemporánea, especialmente en aquellos abordajes relacionados al capitalismo cognitivo y al neoliberalismo como racionalidades organizadoras de los modos de vida y de las relaciones de trabajo. Los análisis apuntan para la intensificación de una agenda educacional orientada de forma cada vez más expresiva para la constitución de una docencia estandarizada, generalista y polivalente. Al mismo tiempo, se vuelve posible multiplicar los sentidos producidos por la BNCFP para crear alternativas pedagógicas partiendo de nuevas formas de interpretar la docencia en el siglo XXI, definiéndola como un ejercicio de amor pedagógico.

Palabras clave: Trabajo docente; Género; Base Nacional Común

Políticas neoconservadoras e neoliberais: o trabalho docente em foco

Ao considerarmos a ampliação e o fortalecimento de políticas neoconservadoras e neoliberais na educação nacional e internacional, necessitamos expandir nosso foco investigativo para compreendermos os desdobramentos de tais políticas nos diferentes contextos educacionais. Ainda que, nas políticas contemporâneas, as ações neoliberais e neoconservadoras tenham sido mobilizadas de forma articulada, de uma perspectiva analítica e didática, torna-se importante distinguir essas ações para compreender seus efeitos. Antonio Viñao (2016), ao analisar a realidade das políticas educacionais na Espanha, explica que, enquanto as estratégias neoliberais têm como centrais os princípios da “[...] desregulação, supressão ou redução do setor público, livre escolha das escolas, privatização, disputa entre as instituições em um mercado educacional, mercantilização, subjetivação das responsabilidades e conversão de alunos em clientes” (VIÑAO, 2016, p. 41, tradução nossa), as estratégias neoconservadoras buscariam estabelecer uma

[...] Regulação detalhada de um currículo baseado principalmente na aprendizagem de alguns conteúdos específicos, controle, ordem, padronização, prestação de contas e controle de resultados, predomínio de ideias e formas de pensar tradicionais, hierarquização, burocratização, fortalecimento de estruturas e modos autoritários de governo. (VIÑAO, 2016, p. 42, tradução nossa).

Poderíamos, então, ser levados a questionar se tais princípios, que parecem operar a partir de visões tão divergentes - uma positiva e otimista com relação ao sujeito, e outra negativa e pessimista, atuando de forma autoritária e conservadora -, possibilitam interpretar as ações das políticas educacionais brasileiras, entendendo-as como duas faces da mesma moeda. Contudo, Viñao (2016) provoca-nos a pensar que “[...] a moeda teria uma aparência exterior neoliberal, mas seu conteúdo não aparente seria conservador” (VIÑAO, 2016, p. 42, tradução nossa).

Ao analisarem políticas educacionais em Portugal, Paulo Marinho, Carlinda Leite e Preciosa Fernandes (2019) apontam para um diagnóstico convergente; todavia, analisam como a proposição de algumas políticas com foco na autonomia docente e na flexibilização curricular parece constituir-se como uma contracultura, o que o autor e as autoras nomeiam como GERM infeccioso. Essa expressão é utilizada para referir-se às lógicas de padronização que têm influenciado políticas educacionais em vários países por meio do comando de políticas curriculares e de avaliações internacionais que se inserem em uma agenda global de reforma educacional chamada de Global Education Reform Movement (GERM).

Em vez de desenvolver a analítica de uma política em si, trata-se de compreendê-la como produto de uma agenda global hegemônica liderada por organismos internacionais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Banco Mundial. Com apoio no trabalho de Marinho, Leite e Fernandes (2019), pode-se afirmar que a adoção dos sistemas de ensino de políticas que objetivam alcançar bom desempenho nas avaliações internacionais, além de produzir práticas de ensino e de aprendizagem empobrecidas, contribui para induzir escolas e docentes a desenvolverem modos cada vez mais extremados de exercer controle sobre suas próprias ações.

Ao examinarem o avanço das políticas neoconservadoras no cenário brasileiro, Iana Lima e Álvaro Hypólito (2019, p. 13) afirmam que o “[...] globalismo neoconservador continua a avançar e padronizar a educação, por meio de sistemas de avaliação, de reformas curriculares e exames globais”, e que tal padronização permite uma ação diretiva das organizações neoconservadoras e neoliberais na garantia de seus interesses. Ao analisarem a expansão do neoconservadorismo na educação brasileira, tomando como objeto privilegiado o Movimento Escola Sem partido e sua participação na elaboração e nas definições de documentos como o Plano Nacional de Educação (PNE) e BNCC, a autora e o autor salientam o interesse cada vez mais amplo na atuação e na definição da agenda educacional pelo pensamento neoconservador. Em suas palavras, “[...] o campo do currículo é um campo em disputa. As disputas em torno da BNCC deixaram clara a importância e o interesse que os grupos conservadores e neoliberais manifestaram quanto às definições curriculares e da agenda educacional do país” (LIMA; HYPÓLITO, 2019, p. 13).

Hypólito (2019), em outro estudo sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), homologada no Brasil em 20 de dezembro de 2017, defende a existência de

[...] uma agenda global que vai se estruturando localmente, a partir de grupos hegemônicos, nem sempre coesos, ora mais liberais, ora mais ultraliberais, ora neoconservadores e autoritários, mas que têm obtido sucesso em impor sua agenda que assume formas múltiplas de atender os ditames do mercado e dos interesses conservadores. (HYPÓLITO, 2019, p. 199).

Mobilizando premissas como padronização, descentralização e responsabilização, políticas curriculares como a BNCC - e, no caso deste artigo, a política de formação BNCFP - atendem a um conjunto de interesses econômicos e religiosos que contribuem para modificar profundamente a formação docente brasileira e para intensificar as formas de controle e de regulação da docência .

Feito esse diagnóstico inicial, passamos a identificar, descrever e analisar transformações no trabalho docente no contexto brasileiro atual frente ao avanço de políticas neoliberais e neoconservadoras. Para tanto, assumimos como objeto privilegiado de análise a Proposta para Base Nacional Comum de Formação de Professores da Educação Básica (BNCFP - BNC Formação - BNC Professores). A leitura crítica que desenvolveremos a seguir está ancorada nos estudos em docência, nos estudos de gênero e na teoria social contemporânea, especialmente nas abordagens relacionadas ao capitalismo cognitivo e ao neoliberalismo como racionalidades organizadoras do trabalho docente exercido por mulheres e homens na atualidade. Importa explicarmos também que, neste artigo, mobilizamos resultados parciais de três pesquisas realizadas na região sul do Brasil, sendo duas de Doutorado, vinculadas a uma pesquisa mais abrangente, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) .

BNCFP e a agenda neoliberal: apontamentos para uma leitura crítica

Nesta seção, dirigimos nossa atenção ao documento denominado Proposta para Base Nacional Comum de Formação de Professores da Educação Básica (BNCFP), lançado no ano de 2018 pelo Ministério da Educação (MEC), e às suas articulações com uma agenda neoconservadora e neoliberal . O documento encontra-se dividido em quatro capítulos principais: I- Estado da arte da formação de professores, II- Visão sistêmica da formação, III- Matriz de competências profissionais e IV- Limites e indicações.

As competências gerais e específicas encontram-se detalhadas no Capítulo III e estão organizadas por três grandes eixos. O primeiro eixo refere-se ao conhecimento profissional. Nesse eixo, estariam envolvidas as relações dos professores com o domínio dos objetos de conhecimento e as melhores estratégias para ensiná-los aos discentes. Ainda nesse eixo, encontrar-se-ia a necessidade de conhecer o contexto de vida dos estudantes e a estrutura dos sistemas educacionais. O segundo eixo tem como foco o desenvolvimento da prática profissional. Aqui, encontrar-se-iam ações voltadas ao planejamento de ensino que resultem em efetivas aprendizagens. No último eixo, denominado como engajamento profissional, estão ações voltadas ao comprometimento do docente com o seu próprio desenvolvimento profissional, o comprometimento com a aprendizagem dos estudantes, a participação no Projeto Pedagógico da escola e, finalmente, um engajamento profissional com as famílias e a comunidade com vistas à melhoria do ambiente escolar.

Para ficar claro, não questionamos a importância de nenhuma dessas dimensões para a qualidade da formação de professores. O foco de nossas análises está na articulação contemporânea entre neoliberalismo e trabalho docente na BNCFP. Interrogamos de que modos essa articulação pode tornar-se produtiva e perversa para o fortalecimento de uma agenda educacional voltada de forma cada vez mais expressiva para a constituição de uma docência padronizada, generalista e polivalente. Ao mesmo tempo, procuramos multiplicar os sentidos produzidos pela BNCFP, para criar alternativas pedagógicas a partir de novas formas de interpretar a docência no século XXI, definindo-a como um exercício de amor pedagógico.

Stephen Ball (2012, p. 44), ao analisar as consequências das recentes reformas educacionais para a docência, explicita ao menos duas dimensões centrais a serem afetadas. A primeira diria respeito à relação entre professores e alunos, na qual “[...] o compromisso com a aprendizagem é substituído pelas metas de desempenho” (BALL, 2012, p. 44). A segunda dimensão envolveria a relação de docentes com colegas de trabalho, em que a luta e o debate “[...] são substituídos pela conformidade e o silêncio” (BALL, 2012, p. 44). Nas palavras do autor, “[...] esta esquizofrenia estrutural individual dos valores e dos fins, o potencial para a não autenticidade e a falta de significado constituem, cada vez mais, uma experiência cotidiana para todos nós” (BALL, 2012, p. 44).

O exercício analítico pressupõe interrogar as racionalidades que operaram na construção e na proposição do presente documento (BNCFP) e as possíveis implicações para os modos de compreender e exercer o trabalho docente. Para tanto, em termos analíticos, optamos por focalizar o terceiro eixo, denominado engajamento profissional.

Vejamos alguns trechos em destaque:

Se a sociedade do conhecimento trouxe a educação para a sua agenda estratégica, as análises dos dados de avaliação trouxeram o professor para sua agenda estratégica da educação como um dos elementos de maior importância para que a aprendizagem dos alunos aconteça.

Fonte: Proposta da BNCFP (BRASIL, 2018, p. 6).

A centralidade do tradicional processo de ensino e de aprendizagem não está mais na atividade-meio do repasse de informações, mas [na] atividade-fim do zelo pela aprendizagem dos alunos, uma vez que a finalidade primordial das atividades de ensino está nos resultados de aprendizagem. [...].
São simples, mas não triviais, as incumbências do professor: trabalho de equipe, planejamento, ensinar cuidando com que o aluno aprenda, tratar com atenção maior os que têm dificuldade para aprender, dar aulas e outras atividades previstas na proposta pedagógica e em seu plano de trabalho, e ajudar na relação da escola com a família e a comunidade.

Fonte: Proposta da BNCFP (BRASIL, 2018, p. 27).

Competências Específicas do Engajamento Profissional.
Comprometer-se com o próprio desenvolvimento profissional. [...]. Engajar-se em práticas e processos de desenvolvimento de competências pessoais, interpessoais e intrapessoais necessárias para se autodesenvolver [...]. Assumir a responsabilidade pelo seu autodesenvolvimento e pelo aprimoramento da sua prática [...]. Engajar-se profissionalmente, com as famílias e com a comunidade.

Fonte: Proposta da BNCFP (BRASIL, 2018, p. 55).

A concepção de engajamento tem sido utilizada de forma bastante significativa nos ambientes corporativos, especialmente no universo dos recursos humanos, estando atrelada a valores como: comprometimento, alinhamento de propósitos, valores e interesses em comum. A palavra possui origem etimológica no termo francês engager, remetendo à importância de estar comprometido com algo. O marketing, ao apropriar-se da expressão “engajamento”, conferiu-lhe novos significados, buscando envolvimento, interação e relacionamento. Assim, podemos encontrar a palavra “engajamento” sendo traduzida tanto como comprometimento quanto como envolvimento. Nessa perspectiva, comprometer-se e envolver-se poderiam constituir-se em duas ações para o desenvolvimento da formação de uma professora engajada, a partir do documento da BNCFP.

Pierre Dardot e Christian Laval (2016, p. 326) mostram que uma das características fundantes do pensamento neoliberal consistiria na “[...] homogeneização do discurso do homem [= ser humano] em torno da figura da empresa”. Diversas técnicas têm sido utilizadas para a fabricação de um novo sujeito unitário, que os autores nomearão como “neossujeito”. Com essa conceituação, Dardot e Laval (2016) destacam uma diferença na organização do trabalho e na constituição da subjetividade do trabalhador. Não mais organizada pela coerção com vistas a “[...] adestrar os corpos e a dobrar os espíritos para torná-los mais dóceis” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 326), cada subjetividade é governada de forma a desejar “[...] participar inteiramente, engajar-se plenamente, entregar-se por completo a sua atividade profissional” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 326). Sob tal perspectiva, as novas técnicas de gestão estabelecer-se-iam a partir de um governo lacaniano, chegando ao cúmulo da alienação justamente ao objetivarem suprimir qualquer forma de alienação. Explicando melhor, seria uma espécie de governo pelo desejo. Assim, o efeito almejado pelas novas práticas de fabricação e gestão seria “[...] fazer com que o indivíduo trabalhe para empresa como se trabalhasse para si mesmo” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 327).

Interrogamos se a ênfase na constituição do engajamento como um dos eixos centrais para a composição dos currículos nos cursos de Licenciatura poderia objetivar uma espécie de governo lacaniano dos docentes brasileiros, o que produziria, além de intensificação do trabalho docente, também novas formas de precarização e alienação. Tratar-se-ia, pois, de investir na constituição de docentes engajados tanto em sua formação profissional, quanto na aprendizagem de seus alunos e da comunidade escolar como um todo, lançando mão de novas técnicas de gestão e buscando maior eficácia e desempenho, com baixos investimentos? Dessa perspectiva analítica, torna-se necessário questionar as implicações da associação instituída pela BNCFP entre trabalho docente e resultados obtidos (desempenho de alunos e alunas em avaliações de larga escala).

No final do século XX, Andy Hargreaves (1998, p. 131) já diagnosticava que “[...] as responsabilidades dos professores são cada vez maiores e os seus papéis mais difusos”. É preciso problematizar como as políticas nacionais mais contemporâneas têm voltado suas ações estrategicamente à docência. Podemos citar aqui o trabalho de Michael Apple e Kenneth Teitelbaun (1991) que examina de que formas o controle sobre o trabalho docente feminino produz desqualificação e intensificação do trabalho docente e como isso implica uma perda considerável de autonomia, pois professoras têm suas atribuições redefinidas e os processos de trabalho passam a ser controlados por avaliações externas que estabelecem padrões de desempenho desejados. Os autores ressaltam, também, uma diminuição do trabalho intelectual das docentes. Ainda em consonância com esses estudos, destacamos trabalhos brasileiros, como os de Dalila Oliveira (2004) e Maria Manuela Garcia e Simone Anadon (2009), que têm se dedicado à análise de políticas educacionais e de seus novos mecanismos de regulação do trabalho escolar e docente em curso no Brasil a partir da última década do século XX. Contribuindo para esta análise, tais estudos, com matrizes teóricas distintas, apontam para um duplo movimento de intensificação e autointensificação do trabalho docente, o que produziria formas distintas de degradação das relações de trabalho (alargamento das funções docentes e acréscimo de novas atribuições, diminuição do tempo para criação e para formação, reformulações abruptas e verticais dos planos de carreira, perda de direitos, cansaço crônico, frustrações e desencantos, entre outros).

Para sistematizar as reflexões que desenvolvemos até aqui, apresentamos, a seguir, quatro pontos a serem considerados em investigações que tenham como foco o trabalho docente, de acordo com os estudos de Maurice Tardif e Claude Lessard (2014a, 2014b).

O primeiro ponto refere-se às transformações do trabalho docente. Para os autores, precisamos interrogar os modelos de gestão e de realização desse trabalho, pois é possível “[...] dizer que a escola e o ensino têm sido historicamente invadidos e continuam ainda a sê-lo, por modelos de gestão e de execução do trabalho oriundos diretamente do contexto industrial e de outras organizações econômicas hegemônicas” (TARDIF; LESSARD, 2014a, p. 25). Conforme os autores, a configuração do campo educacional, a partir dos modelos advindos do trabalho tecnológico, instrumentalizaria a caracterização do ensino como tratamento de informação. O mesmo aconteceria com as novas abordagens do trabalho, fazendo com que expressões como “flexibilidade”, “competência”, “responsabilidade”, “eficácia” e “necessidade de resultados” passem a compor a pauta pedagógica contemporânea. O problema dessa tradução dos modelos de gestão e de execução do trabalho para a docência consistiria no fato de que tais procedimentos e expressões são utilizados “[...] sem se dar ao trabalho de questionar sua validade e sobretudo de avaliar seu impacto sobre os conhecimentos escolares, o ensino e a aprendizagem dos alunos” (TARDIF; LESSARD, 2014a, p. 25).

Um segundo ponto concerne aos investimentos em educação, que diminuíram a partir dos anos de 1980 e se tornaram cada vez mais escassos a partir dos anos de 1990. De acordo com os pesquisadores Tardif e Lessard (2014b, p. 10), “[...] as ondas de restrições orçamentárias para a educação atingiram duramente os professores, que tiveram de enfrentar desafios e problemas sempre mais numerosos com recursos menores”. As principais mudanças relativas à docência estariam no plano qualitativo, em que diferentes fatores estariam contribuindo para torná-la cada vez mais complexa e difícil: “[...] os grupos de alunos são mais heterogêneos do que antes e suas necessidades são mais diversificadas” (TARDIF; LESSARD, 2014b, p. 10).

O terceiro ponto a ser considerado quando pensamos na docência diz respeito à modificação na forma como a própria educação é percebida pela sociedade. Se, durante muito tempo, foi considerada um serviço público, hoje, cada vez mais, ela é considerada um investimento:

O que se traduz por medidas e exigências novas em relação aos professores: eles devem ter ótimo desempenho e visar excelência; aderir a um profissionalismo caracterizado por um engajamento apaixonado, uma exigência elevada e uma ética do serviço prestado aos seus ‘clientes’. Essa evolução colide, até certo ponto, com as antigas formas de solidariedade e de defesa internas ao corpo docente, a começar pelo sindicalismo, mas também com as visões mais sociocomunitárias e politicamente engajadas do ofício de docente. (TARDIF; LESSARD, 2014b, p. 10).

Um quarto ponto, que ainda precisamos elencar, refere-se ao contexto de crise generalizada relacionada ao valor do saber e dos conhecimentos. Considerando que a docência é uma “[...] profissão no centro mesmo da transmissão dos saberes escolares e de sua aquisição pelas novas gerações” (TARDIF; LESSARD, 2014b, p. 11), tal crise opera mudanças na forma como a sociedade compreende o que significa ser docente e a função dessa profissão. Importa, ainda, registrar que essa não é uma crise relativa à produção de conhecimentos, “[...] mas a crise do seu valor no seio do mundo social, comunitário e individual” (TARDIF; LESSARD, 2014b, p. 11).

Para darmos um passo à frente em nossa leitura crítica da constituição da docência engajada no contexto da BNCFP e de suas implicações para a precarização do trabalho docente, questionamos se os sentidos de precarização da docência que aqui estamos compondo poderiam estar relacionados a um novo contexto de feminização do trabalho, que tem sido descrito contemporaneamente pela sociologia do trabalho, em articulação com uma discussão dos estudos de gênero.

Cristina Morini (2008) analisou a feminilização do trabalho no capitalismo cognitivo; segundo a pesquisadora, há vários anos o conceito de feminilização do trabalho tem feito parte, de forma bastante consistente, das análises das transformações do mercado de trabalho relacionadas aos novos percursos da economia global. Esse conceito contemplaria duas questões centrais: (1) o aumento quantitativo de população feminina ativa na sociedade; e (2) características qualitativas e constitutivas que passam a ter maior valorização no interior dos novos contextos de produção. Nas palavras da autora, a feminilização do trabalho como conceito “[...] pretende não apenas sublinhar o papel que as mulheres desempenham no seio da economia contemporânea, mas também extrair o caráter paradigmático desta menção” (MORINI, 2008, p. 247).

Ao tomar o capitalismo cognitivo como matriz de análise para compreender a feminilização do trabalho, Morini (2008) mostra que o capitalismo se apropriou da polivalência, da multiatividade e da qualidade do trabalho feminino, buscando explorar a experiência das mulheres na histórica realização de suas tarefas nas esferas do trabalho reprodutivo e do trabalho doméstico. Logo, características como ser maleável e hiperflexível passam a ser elementos constitutivos do trabalho, independentemente do gênero. Também vale ressaltar que, quando nos referimos à feminilização do trabalho no capitalismo cognitivo, cabe mais um entendimento do processo, além do âmbito exclusivo da produção, pois, “[...] sempre que dizemos ‘trabalho’ no capitalismo cognitivo, entendemos cada vez menos uma porção precisa e delimitada da nossa vida, e cada vez mais um agir global” (MORINI, 2008, p. 250).

É com base nessas reflexões que Morini (2008) levanta a hipótese de uma tendência à desgenerificação do trabalho. Para a pesquisadora, o capitalismo cognitivo, em sua forma contemporânea, parece impor um único e homogêneo dispositivo de comando sobre o trabalho: “[...] são as próprias diferenças, e a exploração dessas diferenças, que se traduzem em um surplus de valor” (MORINI, 2008, p. 250, grifo da autora). Assim, as dicotomias produção/reprodução e trabalho masculino/trabalho feminino passariam a perder significado, e poderíamos pensar apenas em um trabalho que tem se constituído cada vez mais de forma desgenerificada.

Em nossas pesquisas, esse processo tem sido denominado de desfeminização da docência (DAL’IGNA; SCHERER; SILVA, 2019; SCHERER, 2019). Dedicamo-nos a identificar, descrever e analisar alguns discursos pedagógicos das décadas de 1980 e 1990, pioneiros do movimento em prol da profissionalização do trabalho docente (crítica às professoras por realizarem transferências de práticas e referências trazidas do convívio familiar para o ambiente escolar; contaminação de práticas). Ao privilegiarem e defenderem uma prática pedagógica pautada por saberes oriundos do campo pedagógico em detrimento de saberes relativos ao cuidado infantil provenientes de um espaço privado, esses discursos operaram na constituição do que aqui denominamos como desfeminização da docência.

Nossas pesquisas têm proposto, ainda, uma interpretação crítica e contemporânea do conhecido movimento chamado Feminização do Magistério e da associação produzida entre mulheres e docência. Para que a profissão não se tornasse um desvio das tarefas do casamento e da maternidade, o magistério passou a assumir atributos tradicionalmente associados às mulheres, tais como: amor, cuidado, paciência e atenção. Dessa forma, a docência pôde ser reconhecida como uma profissão que as mulheres poderiam exercer sem se desviar do seu suposto destino. A crítica ao processo de feminização e o desenvolvimento de um movimento em prol da profissionalização do trabalho docente produziram, dentre outros efeitos, uma separação: de um lado, o trabalho docente e os saberes oriundos dessa tarefa; de outro, os atributos de amor e de cuidado, entre outros que passaram a ser tidos como características que prejudicariam o trabalho pedagógico e contribuiriam para a desvalorização da profissão (a polarização da docência versus amor, como vamos analisar e problematizar na última seção deste artigo).

Em uma pesquisa sobre gênero, vulnerabilidade e políticas sociais públicas de inclusão social, Dagmar Meyer, Carin Klein, Maria Cláudia Dal’Igna e Luiz Fernando Alvarenga (MEYER et al., 2014) desenvolvem uma análise sobre o que nomeiam de feminização da inclusão social. Ancorada em referencias teóricos distintos, a perspectiva analítica das autoras e o autor vão aproximar-se em alguma medida da perspectiva de Morini (2008). Lançando mão de uma analítica de gênero, sob uma perspectiva pós-estruturalista, as pesquisadoras e o pesquisador mostram como algumas competências ligadas a uma suposta natureza feminina - por exemplo, capacidade de lutar frente às condições precárias de trabalho, fazer muito com pouco, doar-se ou resignar-se - são apresentadas como competências tácitas para trabalhar por gestores e técnicos de serviços de saúde, educação e assistência social envolvidos com a implementação de políticas públicas de inclusão social.

Tal conceito - competências tácitas -, utilizado por Meyer et al. (2014), conforme indicado na pesquisa, provém do estudo desenvolvido por Daniele Kergoat (1989). A referida autora descreve-o como um conjunto de elementos que estariam implícitos na atuação de profissionais, incluindo comportamentos e atitudes que, articulados a conhecimentos e a técnicas específicas, se tornariam indispensáveis para um trabalho ser realizado. De acordo com Dagmar Meyer e Carin Klein (2013), em outra abordagem sobre o conceito, “[...] mulheres ocupariam determinadas posições no mercado de trabalho e desenvolveriam determinadas funções e tipos de trabalho, não porque foram bem formadas para elas pelo sistema educacional” (MEYER; KLEIN, 2013, p. 3), “[...] mas porque são bem formadas pelo conjunto de trabalho reprodutivo para o qual são educadas” (KERGOAT, 1989 apud MEYER; KLEIN, 2013, p. 3). Nas palavras de Meyer et al. (2014), as mulheres são nomeadas e posicionadas

[...] como centrais, nesse mercado do cuidado, tanto as/os profissionais que atuam nos serviços da saúde, educação e assistência social quanto as mulheres-mães - como provedoras, protetoras, cuidadoras e educadoras “naturais” das crianças. Elas necessitam absorver as tarefas necessárias e de menor valor de remuneração e valorização, em contextos locais ou em comunidades específicas. (MEYER et al., 2014, p. 893).

Com relação às chamadas competências tácitas, ainda ressaltamos a análise desenvolvida por Dal’Igna, Scherer e Silva (2018) sobre a constituição da docência em tempos de uma nova composição do trabalho docente. As autoras e o autor mostram como os processos de flexibilização e generificação agem na conformação de uma “[...] Docência S/A, que convoca as professoras e professores a acionarem novas competências exigidas pelo mercado para exercerem a docência e se constituírem empregáveis, num mundo de aumento da precariedade do trabalho docente” (DAL’IGNA; SCHERER; SILVA, 2018, p. 71). Operando com o conceito de gênero para analisar a docência, as autoras e o autor concluem que:

Para promover uma educação customizada, a professora e o professor devem acionar determinadas competências, que podem, por um lado contribuir para uma noção de docência associada à maternidade como instinto ou destino natural da mulher, e, por outro lado, feminizar o trabalho docente de tal modo que a mulher-professora e o homem-professor, independentemente de suas condições feminina e masculina, devem ser capazes de ter flexibilidade e jogo de cintura, trabalhar com a heterogeneidade e a diversidade, atender às necessidades individuais de cada estudante, assumir a função de facilitador da aprendizagem, exercer a docência desempenhando múltiplas atividades, gerindo os escassos recursos e as condições precárias da profissão. (DAL’IGNA; SCHERER; SILVA, 2018, p. 70-71, grifo das autoras e do autor).

Com base nos diferentes resultados apontados pelas pesquisas descritas anteriormente (MORINI, 2008; MEYER et al., 2014; MEYER; KLEIN, 2013; DAL’IGNA; SCHERER; SILVA, 2018), podemos inferir que o trabalho docente, dentro de um contexto de capitalismo cognitivo, parece estar acionando diferentes competências tácitas - aquelas formadas pelo conjunto de trabalho reprodutivo no qual as mulheres têm sido educadas tradicionalmente -, que acabam posicionando-as, assim como aos homens, em determinadas funções e implicando a constituição de uma forma específica de desempenhar esse trabalho.

Acreditamos que a centralidade na noção de engajamento apontada pela BNCFP parece operar no contexto da racionalidade neoliberal, envolvendo novas formas de se exercer o trabalho docente na Contemporaneidade. Articulando os estudos relacionados à sociologia do trabalho e os estudos de gênero, questionamos se essa docência engajada proposta pela BNCFP não se constituiria em mais uma estratégia de precarização e intensificação da docência para mulheres e homens, a partir dos imperativos do envolvimento e do comprometimento.

Considerando-se a análise já apresentada sobre a generificação da docência, que, em nosso entendimento, implicaria desfeminização, podemos questionar, ainda, o modo como as diferenças são exploradas pelo capital na Contemporaneidade. Em uma cultura que chancela a polivalência como atributo feminino - pois mulheres parecem nascer sabendo não só conciliar as funções maternas, o trabalho doméstico, a relação amorosa e a carreira, como também desempenhar várias atividades ao mesmo tempo -, o engajamento associado à docência e ao gênero pode posicionar mulheres professoras como parceiras do Estado (DAL’IGNA, 2011). Seus esforços diários para ensinar e obter os resultados de aprendizagem desejados, independentemente das condições precárias de trabalho e de salário, da falta de financiamento da educação pública e da diminuição das políticas e dos programas de formação inicial e continuada, acarretam maior sobrecarga para essas mulheres professoras, uma vez que a elas é atribuída a responsabilidade por solucionar problemas de toda ordem (física, emocional, cognitiva). A professora precisa agir para controlar (reduzir) os riscos de um possível fracasso e, para isso, deve “[...] engajar-se profissionalmente, com as famílias e com a comunidade” (BRASIL, 2018, p. 55, grifo nosso), pois ela é posicionada pela BNCFP como “[...] um dos elementos de maior importância para que a aprendizagem dos alunos aconteça” (BRASIL, 2018, p. 6, grifo nosso), como nos mostram os trechos destacados da proposta da BNCFP.

Para Jan Masschelein e Maarten Simons (2014), a profissionalização do trabalho tem sido uma técnica para domar o professor e tem uma longa história. Os autores apontam três variantes dessa estratégia. A primeira teria como objetivo principal “[...] substituir a chamada sabedoria da experiência do professor por especialização ou competência” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 137). A segunda variante “[...] enfatiza a fundamentação ‘[...] realista’ mais do que um ideal científico” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 139). A experiência do professor seria traduzida como competência; assim, conhecimentos, habilidades e atitudes devem ser utilizados na realização de tarefas específicas. A terceira e última variante descrita pelos filósofos tem relação com as duas anteriores: “[...] profissionalização através da pressão da responsabilidade” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 141). Para os autores, nas duas variáveis anteriores, a educação é tida como uma prestação de serviço, considerando-se o professor como

[...] alguém que está a serviço de algo ou alguém, e mais especificamente, é alguém guiado pela demanda. Isso pode variar da centralidade no aluno para a centralidade no mercado de trabalho para um foco em atingir determinados objetivos (impostos por um governo em nome das expectativas sociais). (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 142).

O maior problema dessas variantes, segundo os filósofos, estaria relacionado com uma “cultura de prestação de contas” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 142), que acaba sendo criada, orientando o trabalho das professoras. Desenvolver-se-ia nos docentes, então, mais do que uma simples necessidade, “[...] um desejo de se manter responsável por indicadores de qualidade predefinidos” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 142).

O engajamento, como eixo estruturante da BNCFP, poderia levar o movimento de profissionalização do magistério a operar no sentido de responsabilização individual dos professores e guiar o exercício da docência pela lógica do mercado? Precisamos, como pesquisadores e pesquisadoras no campo da educação, estar atentos para compreender e problematizar como a racionalidade neoliberal e neoconservadora tem operado na proposição da agenda de políticas educacionais no contexto atual, mas também precisamos propor caminhos possíveis para seguirmos acreditando e defendendo a docência, a escola e a educação como campos políticos importantes e, por isso, carregados de sentidos e disputas. O exercício analítico que estamos propondo aqui pode permitir o questionamento dessa associação entre engajamento, docência e mulheres. Ao mesmo tempo, tal desnaturalização pode criar condições para podermos positivar o engajamento, sem conferir a ele um sentido de atributo natural das mulheres, mas entendendo-o como uma dimensão da competência profissional de sujeitos docentes trabalhadores que lhes permite construir uma identidade individual e coletiva, de tal maneira que seu exercício docente seja marcado pelo engajamento em um sentido profissional, ético e pedagógico.

Parece-nos cada vez mais necessário estudar, analisar, escrever e falar sobre a docência ou, melhor dizendo, sobre os modos de exercer a docência, em um contexto latino e brasileiro, mobilizando expressões como “ambivalência” e “coexistência”. Significa, portanto, que as categorizações da docência e do trabalho docente, embora sejam didáticas, permitindo certo jeito de organizar e analisar o objeto, precisam ser colocadas constantemente sob suspeita para que não incorramos, de forma equivocada, na simplificação de modos de ser, estar e existir de mulheres e homens, professores e professoras, sujeitos complexos, constituídos e constituintes de uma profissão atravessada por aspectos históricos, sociais, culturais e políticos que são múltiplos e, por vezes, divergentes.

Nesta terceira parte do artigo, queremos ensaiar uma maneira de pensar a docência e o trabalho docente que nos permita, minimamente, certo deslocamento para compreender que a docência passível de ser exercida na Contemporaneidade é profundamente marcada por este tempo vivido, cujas características apontamos na seção anterior, mas também é reinventada e recriada. Buscamos definir como compreendemos a docência e, a partir da produção recente do campo dos estudos em docência, indicamos uma conceituação da expressão amor; propomos uma articulação entre docência e amor, expressa por determinado modo de ser e estar com o que envolve a profissão, que necessita de rigor metodológico, científico e didático, e também de uma presença docente marcada pelo olhar, pelo gesto, pela fala, pelo movimento. A junção desses aspectos, como procuraremos mostrar, traduz-se em uma responsabilidade pedagógica, assumida pelo professor, a qual só é possível na articulação com certo amor.

Docência, amor e responsabilidade pedagógica

A docência é compreendida como profissão e como conceito. Conforme Elí Fabris e Maria Cláudia Dal’igna (2017, p. 57), seja como conceito, seja como profissão, refere-se à ação de ensinar, “[...] ao exercício da ação de um professor, de uma professora [...]” e “[...] à condição exercida pelo professor, comprometido com o processo de ensino e com as possíveis aprendizagens promovidas a partir dele”. Com Maria do Céu Roldão (2007), podemos afirmar que a docência possui uma natureza, que é o ensino, e uma função, que é ensinar.

Isso significa pensar a docência em seus múltiplos aspectos, como afirma Selma Pimenta (2008), como a identidade profissional (PIMENTA, 2008); como os saberes da docência (TARDIF, 2012); e como o processo de vir a ser professor de cada um e cada uma de acordo com Marcos Pereira (2016). Também implica, em nossa compreensão, que a docência se articula a subjetividades e singularidades, de forma que os modos de ser docente e de exercer a profissão são atravessados por uma identidade coletiva e por nuances da trajetória histórica, cultural e social da profissão, mas não podem ser capturados e categorizados como “a docência”, encerrando em afirmações categóricas o que dela pode ser dito e como pode ser compreendida. Trata-se, aqui, de contrapor a concepção de docência técnico-instrumental proposta pela BNCFP para a formação inicial e continuada de professores, tecida em uma racionalidade sistêmica e de feição prescritiva, pois a formação do estudante de licenciatura/futuro docente e do professor em exercício deve estar alinhada à BNCC.

Trata-se, ainda, de contrapor os sentidos pejorativos atribuídos historicamente à docência, quando professoras são responsabilizadas, única e exclusivamente, pelos baixos resultados da avaliação de estudantes em testes padronizados. Por fim, trata-se de contrapor um modelo de formação que contribui para a dissociação entre teoria e prática ao atribuir maior valor à prática e criticar o caráter eminentemente teórico dos cursos de Licenciatura brasileiros (em alguns trechos da BNCFP, encontramos afirmações contundentes sobre como os cursos não preparam docentes para a prática profissional).

Roldão (2007) compreende que, mesmo com as mudanças ocorridas ao longo do tempo, “[...] o caracterizador distintivo do docente [...] é a acção de ensinar” (ROLDÃO, 2007, p. 94, grifos da autora). Para ela, ainda que o entendimento de “[...] ensinar como sinónimo de transmitir um saber” (ROLDÃO, 2007, p. 94, grifos da autora) tenha perdido valor devido à difusão das informações nas sociedade atuais e tenha sofrido críticas por seu caráter de “mão única” (só o professor detém o saber), ser professor é “[...] ser um profissional do ensino, legitimado por um conhecimento específico exigente e complexo” (ROLDÃO, 2007, p. 102). É válido dizer também que, para a autora, a mediação é uma característica importante do processo educativo atual, juntamente àquilo que ela chama de dupla transitividade, sendo que nenhuma das características substitui a função de ensinar, mas ambas a caracterizam. Nas palavras da autora, “[...] ensinar configura-se assim, nessa leitura, essencialmente como a especialidade de fazer aprender alguma coisa [...] a alguém” (ROLDÃO, 2007, p. 95, grifos da autora).

A tarefa da docência, portanto, compreende as crianças e jovens com função ativa na educação, mas não deixa de ocupar-se da condução e do ensino desses sujeitos, a fim de que o mundo onde estão sendo iniciados e que já existia antes deles fale com eles e eles, a partir daí, possam “[...] estar presente[s], encontrar, aprender e descobrir.” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 98).

Gert Biesta tem se dedicado a (re)pensar a tarefa dos professores e especialmente a redescobrir e recuperar o ensino, como vem se referindo em suas publicações mais recentes. A partir da afirmação de que o ensino importa (BIESTA, 2018), o autor procura articulá-lo a uma concepção democrática e emancipatória da educação, propondo uma terceira via, “[...] onde o ensino é posicionado no lado progressista do espectro e é (re)conectado com as ambições emancipatórias da educação” (BIESTA, 2018, p. 25). Essa terceira opção proposta por ele busca afastar-se da construção binária de ensino e de educação e apoia-se na “[...] ideia de que liberdade não é o oposto de autoridade ou uma fuga da autoridade” (BIESTA, 2016, p. 376, tradução nossa) . O autor retoma uma questão fundamental, levantada pelas críticas feitas à Pedagogia Tradicional, sobre a (im)possibilidade de os estudantes existirem como sujeitos na relação professor-aluno e trabalha com o conceito de sujeito e de subjetividade a partir de pensadores como Michel Foucault e, especialmente, Emmanuel Levinas. Com base nesses autores, Biesta (2018, p. 27) sugere que “[...] o ser humano não é um animal que pode aprender, mas, sim, um ser que pode ser ensinado e que pode receber (um) ensinamento”.

É a partir de uma concepção de educação e escola marcadas por um caráter profundamente democrático e público que Fernando Seffner (2016) propõe que o professor tem um conhecimento e uma expertise científicos e que ele é um adulto referência. Ao analisar o contexto brasileiro atual para o exercício da docência, esse pesquisador também compreende que o ensino é função do professor e que este, para cumpri-la, deve colocar em ação uma expertise científica, que engloba os saberes que o professor possui sobre a disciplina e aqueles saberes que o autor nomeia de docentes, conforme Maurice Tardif. Seffner afirma que “[...] o professor não apenas ensina uma matéria, ele é o sujeito que organiza a sala de aula e as atividades com os alunos” (SEFFNER, 2016, p. 53).

Na mesma direção apontada por Biesta, Seffner compreende o ensino profundamente articulado a quem as alunas e os alunos são e ao que eles podem vir a ser. O professor, nesse sentido, é aquele que ensina o conteúdo específico, organizando os processos de ensino e de aprendizagem; ele se preocupa com a formação de seus alunos, tendo “[...] em mente que se está lidando com projetos privados, a realização de cada aluno, mas que isso está imerso no espaço público, que tem regras de convívio entre as diferenças e busca o tratamento igual entre indivíduos” (SEFFNER, 2016, p. 53). Ao abordar o professor como um adulto de referência, Seffner (2016) também procura romper com uma concepção binária de educação e de docência. A partir de Hannah Arendt, o professor possui qualificações e autoridade para apresentar o mundo, como adulto, para aqueles que estão chegando nele, os alunos. Nas palavras do autor, “[...] um adulto de referência deixa claro que sua ação opera dentro de diretrizes fixadas em políticas públicas, sejam elas de gênero [...], de sexualidade [...], de raça e etnia [...], dentre outras políticas públicas e orientações pedagógicas já consolidadas” (SEFFNER, 2016, p. 54).

Com essa definição de docência, lançamos o desafio de atentarmos, ainda que de forma breve, para a relação entre docência e amor, tão presente em nosso contexto brasileiro e denunciada há muitos anos por estudiosas de diferentes perspectivas teóricas. Propomos apresentar um relato, em Daniel Pennac (2008), acerca de uma mulher professora, a fim de evidenciar a complexidade da docência e de seu exercício nos tempos vividos, que chamamos aqui de tempos contemporâneos.

Indicamos de antemão que o exercício aqui é de suspeitar: suspeitar, por um lado, que o amor é bom a priori para a profissão docente; suspeitar, por outro, que a docência é fragilizada pelo discurso amoroso. Será um exercício de dizer de outros modos que a relação docência e amor também produz, também cria, também inventa modos de existir, na qualidade de professoras, no contexto brasileiro e neoconservador, que são ambivalentes e que coexistem.

Sobre Presença

É imediatamente perceptível a presença do professor que habita plenamente a sua sala de aula. Os alunos a percebem desde o primeiro minuto do ano, nós todos temos essa experiência: o professor acaba de entrar, ele está totalmente lá, e isso se vê pela sua maneira de olhar, de cumprimentar os alunos, de se sentar, de tomar posse na mesa. Ele não se dispersou por medo das reações deles, ele não está fechado em si mesmo, não, ele está por dentro do que faz, logo no começo ele está presente, distingue cada rosto, a turma existe sob o seu olhar.

Essa presença eu experimentei novamente, há pouco, na Blan-Mesnil, aonde fui convidado por uma jovem colega que havia mergulhado seus alunos em um de seus romances. Que manhã passei lá! Bombardeado por leitores que pareciam dominar melhor do que eu a matéria do meu livro e a intimidade de meus personagens, que se exaltavam sobre certas passagens e se divertiam em fustigar os meus vícios de escrita. Eu esperava responder a questões bem educadamente redigidas, sob o olhar de um professor discreto, apenas preocupado com a ordem na sala, como me acontece muitas vezes, e eis que eu estava sendo apanhado no turbilhão de uma controvérsia literária em que os alunos me faziam poucas perguntas convencionais. Quando o entusiasmo elevava suas vozes acima do nível de decibéis suportável, a professora me fazia a pergunta, ela mesma, duas oitavas mais baixo, e a turma inteira entrava nessa linha melódica.

Mais tarde, num café onde almoçamos, perguntei como ela fazia para controlar tanta energia vital.

Primeiro, ela foi evasiva:

- Nunca falar mais alto que eles, essa é a coisa.

Mas eu queria saber mais sobre o domínio que ela mantinha sobre aqueles alunos, a felicidade manifesta de estar ali, a pertinência de suas perguntas, a escuta séria deles, o controle do entusiasmo, o controle deles entre si quando discordavam, a energia e a alegria do conjunto [...].

Ela fez o somatório das minhas perguntas, pensou um pouco e respondeu:

- Quando fico com eles, ou com os seus trabalhos, eu não estou em nenhum outro lugar.

E acrescentou:

- Mas, quando fico longe, não estou nem um pouco com eles.

(PENNAC, 2008, p. 105-106).

Marcos Pereira (2016, p. 13), ao investigar a formação do professor, perguntou: “[...] como se vem a ser professor?”. Buscando escapar de marcas identitárias e compreendendo o processo de constituição de si como a produção de diferenças em si mesmo, Pereira mostra que vir a ser professor se dá pela professoralidade, como uma marca e uma condição de ser.

Tornar-se como expressão ou conceito é um estar sendo e um vir a ser, marcados pela trajetória histórica da sociedade e suas práticas, pelas experiências e encontros nos diferentes âmbitos da vida, pelos cursos de formação inicial escolhidos e, principalmente, pelas respostas que vão sendo construídas em cada um desses processos. Tornamo-nos algo diferente do que somos hoje pelas transformações ocorridas na sociedade, pelas mudanças geradas nas e pelas profissões, pelas lutas e disputas dos campos de saber, pelas reformulações das instituições, pelas experiências adquiridas ao longo da trajetória de cada indivíduo e, principalmente, pelas respostas que cada um tem condições de dar a tudo isso. As narrativas que apresentamos aqui podem expressar uma faceta das muitas possibilidades desse tornar-se.

O encontro da professora com sua turma de crianças “de energia vital” pode ser entendido como uma interpelação. A relação estabelecida entre elas era educacional e, por ser uma relação educacional, apresenta um “[...] impacto profundo, transformador e até perturbador” (BIESTA, 2013, p. 50), não apenas na vida da professora e de seus alunos, que se encontram diariamente, mas também na vida do professor visitante, aquele que narra o encontro. O que queremos indicar, com essa primeira narrativa, é a presença do amor na constituição daquela professora e a relação educacional como estruturante de seus modos de ser.

Julio Groppa Aquino (2014) chama a interpelação feita pelo professor na relação com seu aluno de amizade intelectual. Nas palavras do autor, a amizade intelectual é “[...] uma atitude que em nada se assemelha ao comungar, ao aquiescer ou ao dialogar, mas antes ao constranger, ao rivalizar, ao guerrear - sempre em nome de determinadas ideias que mereceriam durar no mundo quando dele já tivermos desertado” (AQUINO, 2014, p. 184). A forma como o narrador é interpelado pela professora, sua turma e a “presença” ali manifesta se dá de tal maneira que ele introduz a narrativa indicando que o exercício da docência também ocorre a partir de algo difícil de nomear, expresso em detalhes, como o olhar, a fala, o movimento físico - o que, mais tarde no mesmo livro, Pennac (2008) vai chamar de amor.

Masschelein e Simons (2014), em seu livro Em defesa da escola: uma questão pública, discorrem sobre a figura do professor amateur, o professor amador. Esse professor é amador porque é um profissional conhecedor e experimentado em seu assunto; ele “[...] ama seu tema ou matéria” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 78) e, somado a isso, exerce sua função “[...] por amor ao aluno” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 78). Para os autores, o professor:

Não só é conhecedor de matemática, mas apaixonado pelo assunto, inspirado por seu trabalho e pelo material. Esse é um entusiasmo que se mostra nas pequenas ações ou gestos precisos, expressões de seu conhecimento, mas também expressões de sua preocupação com o trabalho à mão e seu lugar nele. (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 77).

Nessa perspectiva, pode-se perceber um contraponto a ideia de profissionalização do trabalho docente já referida pela autores e analisada por nós na seção anterior. “O professor é alguém que se coloca a serviço do assunto ou da tarefa. Ele não os vê principalmente como algo a ser explorado para o ganho financeiro, nem como ‘seu’ assunto ou ‘sua’ tarefa, precisamente porque é o assunto ou a tarefa que o cativam e apaixonam.” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 71).

No livro Para além da aprendizagem: educação democrática para um futuro humano, Biesta (2013) diz que uma relação educacional é constituída de três conceitos: confiança, violência e responsabilidade. A confiança, para ele, consiste no fato de que há sempre um risco no que tange à aprendizagem, e “[...] a confiança gira em torno daquelas situações em que não se sabe e não se pode saber o que vai acontecer” (BIESTA, 2013, p. 45). A violência (talvez seja mais potente falar em intervenção e desacomodação) está diretamente vinculada à compreensão do autor de que a aprendizagem não é uma aquisição, mas, sim, uma resposta; para que essa aprendizagem ocorra, é necessário que os professores proponham questões difíceis, que permitem aos estudantes vir ao mundo, desafiando e perturbando quem eles são e onde estão, o que “[...] significa que a educação acarreta uma violação da soberania do estudante” (BIESTA, 2013, p. 49). A responsabilidade diz respeito ao fato de que “[...] envolver-se em relações educacionais, ser um professor ou ser um educador, implica, portanto, a responsabilidade [...] por alguém que não conhecemos e não podemos conhecer” (BIESTA, 2013, p. 51).

Como articular amor e docência, considerando as condições de vida atuais?

Byung-Chul Han (2012) aponta a sociedade contemporânea ocidental como uma sociedade do cansaço. Nela, somos consumidores do exótico, seguindo a palavra de ordem diferença, convertendo-nos em sujeitos do desempenho, superestimulados e informados, cuja atenção é fragmentada pela multitarefa. Como consequência, conforme o filósofo, tornamo-nos sujeitos dopados a fim de dar conta do desempenho.

A mudança de ênfase no trabalho, tendo o trabalho imaterial adquirido mais importância e valor do que o material, também caracteriza a sociedade contemporânea e pode oferecer condições para identificar e analisar as subjetividades docentes destes tempos. Os modos de produção fabris, hegemônicos nos séculos XIX e XX, perderam espaço, do final do século XX para o início do presente século, para outras formas de produção, como a prestação de serviços e o trabalho intelectual e cognitivo. Capitalismo cognitivo e capitalismo das emoções são conceitos cada vez mais estudados, a fim de compreender as extensões do capital e seus modos de produção sobre toda a forma de vida. Nesse contexto, os afetos e as emoções também sofrem alterações, pois passam a ser produzidos, geridos e consumidos.

Eva Illouz (2007) investiga a problemática das emoções na vida social e a posição que desenvolveram na construção do capitalismo em seu livro Intimidades congeladas: las emociones en el capitalismo. Illouz desenvolve o conceito de capitalismo emocional, vinculado a uma linguagem terapêutica psicanalítica que introduz certas técnicas para compreender e administrar as emoções (RAMIREZ, 2008). Essa linguagem ganha força nos estudos da nova administração no início do século XX, configurando

[...] definições da personalidade necessária para o êxito empresarial, o uso técnico de interações em que as emoções são ‘geridas adequadamente’, e com tudo isso, a esfera econômica é habitada por uma linguagem de coordenação e persuasão que, curiosamente, sempre fala de emoções e estilos de gestão de emoções. (RAMIREZ, 2008, p. 292).

Em outra produção, Han (2017) leva adiante os estudos da pesquisadora Eva Illouz em seus escritos recentes. No livro Agonia do Eros, o autor trata do amor e da corrente afirmação de que o amor está desaparecendo. Ele argumenta que a crise do amor e seu possível desaparecimento tem relação com o desaparecimento de outra categoria, o outro, o que, nas palavras do filósofo, “[...] ocorre em todos os âmbitos da vida e caminha cada vez mais de mãos dadas com a narcisificação do si-mesmo” (HAN, 2017, p. 8). Nas palavras do autor:

Hoje em dia, o amor é positivado numa fórmula de fruição. Ele precisa gerar sentimentos agradáveis. Ele não é uma ação, uma narração, nem sequer é mais um drama; antes, não passa de emoção ou excitação inconsequente. Está livre da negatividade da vulneração, do assalto ou da derrocada. [No amor], decair já seria muito negativo. [...]. A sociedade do desempenho, dominada pelo poder, onde tudo é possível, onde tudo é iniciativa e projeto, não tem acesso ao amor enquanto vulneração e paixão. (HAN, 2017, p. 29).

O amor, compreendido pelo autor como negatividade, é encontrado e definido pela expressão eros, como “[...] uma relação com o outro, que se radica para além do desempenho e do poder” (HAN, 2017, p. 25). Não é possível dominar ou possuir o outro, exigindo-se do eu a entrega de si-mesmo, entendida nessa perspectiva não como doação, mas como morte de si mesmo (HAN, 2017).

Michael Hardt e Antonio Negri (2016) abordam o amor como um elemento necessário para aquilo que denominam de bem-estar comum. Para os autores, “[...] o amor é um processo da produção do comum e da produção de subjetividade” (HARDT; NEGRI, 2016, p. 204), não podendo ser compreendido como algo espontâneo e passivo. O aspecto produtivo do amor é fundamental na compreensão de Hardt e Negri, que afirmam que:

O amor é produtivo num sentido filosófico - produtivo de ser. Quando nos engajamos na produção de subjetividade que é o amor, não estamos meramente criando novos objetos nem sequer novos sujeitos no mundo. Em vez disso, estamos produzindo um novo mundo, uma nova vida social. Ser, em outras palavras, não é um pano de fundo imutável contra o qual a vida transcorre, e sim uma relação viva na qual constantemente temos o poder de intervir. O amor é um acontecimento ontológico na medida em que assinala uma ruptura com o que existe e a criação do novo. (HARDT; NEGRI, 2016, p. 205).

Os autores indicam duas “[...] formas corrompidas de amor” (HARDT; NEGRI, 2016, p. 206) as quais nomeiam de “[...] amor do mesmo” e “[...] amor de tornar-se o mesmo” (HARDT; NEGRI, 2016, p. 207). Trata-se de compreensões do amor muito vinculadas à análise de Han, de um amor narcísico, voltado sempre para o eu, em que não há espaço para o outro e/ou para as singularidades.

Na narrativa de Pennac (2008), tanto o amor-presença quanto a ausência que a professora menciona, de quando “está longe”, manifestam-se em sua fala, em seu olhar e na sua relação educativa com os alunos, o que parece caminhar nessa compreensão de amor como eros e como produtivo. Na medida em que o outro da relação educativa não está mais presente, porque o eu dessa relação está longe do outro, não há a possibilidade de entrega do eu-professora, e o amor esmaece, pois só se faz possível na relação com o outro.

O amor produz. Sob essa perspectiva, tratar de docência e amor possibilita-nos certo afastamento de uma compreensão de amor como um sentimento sublime, romântico, traduzido na doação voluntária. O afastamento de tais afirmações leva-nos a pensar no amor em carne viva, que machuca, transgride, provoca e deixa vulnerável, manifesto somente na relação com o outro, diferente do eu, provocando-nos a sair de dentro de nós mesmos.

Retomando o conceito de docência como condição de exercício do professor, tendo como natureza o ensino e como função ensinar, é importante destacar que só é possível que tal condição aconteça na relação com o outro - com as crianças, os jovens, os adultos, o conhecimento; enfim, aquilo que está fora do si-mesmo. A presença da professora é uma presença com o outro, em uma relação educacional:

[...] o professor acaba de entrar, ele está totalmente lá, e isso se vê pela sua maneira de olhar, de cumprimentar os alunos, de se sentar, de tomar posse na mesa. Ele não se dispersou por medo das reações deles, ele não está fechado em si mesmo, não, ele está por dentro do que faz, logo no começo ele está presente, distingue cada rosto, a turma existe sob o seu olhar. (PENNAC, 2008, p. 105).

O amor, que ao longo dos anos segue aparecendo como justificativa de muitos professores e professoras brasileiros para a escolha ou permanência na profissão, parece indicar a coexistência e a ambivalência de modos de ser professor, categorizados em nossas pesquisas como docência S/A (DAL’IGNA; SCHERER; SILVA, 2018), docência terapêutica (SILVA; TOMASEL, 2018), docência design (HORN; FABRIS, 2018), com outros jeitos de existir no mundo que não podem ser categorizados, pois nos escapam.

A insistente permanência do amor nessa profissão tão disputada por projetos de poder pode indicar um amor adjetivado de sublime e romântico, mas também um amor adjetivado de pedagógico. E aqui nos encaminhamos para o final deste texto, argumentando que a docência também pode ser atravessada por um amor com qualidade de pedagógico, na medida em que professores e professoras, em seu exercício profissional se ocupam, no processo educativo, da formação de crianças e jovens, assumindo responsabilidade por eles, como adultos referência, apresentando o mundo, o conhecimento àqueles que são os recém-chegados, para usar uma expressão de Hannah Arendt (2005).

Voltando com Masschelein e Simons,

[...] só se pode criar interesse pelo mundo comum mostrando o seu próprio amor por esse mundo. [...]. Ao assumir a responsabilidade pelo o mundo dessa maneira (‘como a geração mais velha, é isso o que achamos valioso’) o professor também assume a responsabilidade pelas crianças e jovens como alunos. (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014, p. 102).

A responsabilidade da docência é adjetivada como pedagógica e dá-se, pelo que vimos demonstrando nesta última parte do texto, a partir da articulação de docência e amor. Tal responsabilidade pode ser uma contrapartida ao engajamento e ao comprometimento propostos pela BNCFP, pois não se fixa em princípios neoliberais. Um professor ou professora, ao assumir certa responsabilidade, não o faz por amor a si mesmo, como empresário de si, mas, como já dissemos aqui, por um amor que o deixa vulnerável, uma vez que está fora dele, possível somente na relação com o outro, matéria, criança, jovem.

À seleção, categorização e classificação dos modos de vida, parece ser impossível escapar. É preciso, no entanto, fazer exercícios de olhar, observar, pensar, falar; enfim, de viver, que temporariamente suspendam certezas, de maneira que possamos multiplicar as possibilidades de estar no mundo. Em particular, no que tange à docência, faz-se necessário exercitar a atenção às ambivalências e às coexistências de modos de ser professor e professora, apostando na potência de vida que se manifesta e se multiplica na presença desse profissional, que é constituído por sentidos em circulação na cultura, tais como os da BNCFP, analisada aqui, e que também age sobre, a partir e além dos próprios sentidos e do documento.

Não negamos a constituição de um modo de ser professor pautado por uma compreensão de amor que fragiliza a profissão. Também não negamos os atravessamentos do neoliberalismo e suas facetas no exercício da docência. Exercitamos, entretanto, a suspeita. Se damos um rosto, um nome, uma história para a docência, somos convocados a afrouxar um pouco nossas afirmações categóricas e a encontrar outros jeitos de narrar e exercer a docência.

Defendemos que, talvez aqui, nesse sentido atribuído à docência, resida uma outra possibilidade de tradução para o engajamento proposto pela BNCFP. Na contramão de uma responsabilização individual das professoras e de uma docência guiada pela lógica do mercado, trata-se de assumir a sua função de apresentadora do mundo. A professora convida-nos a explorar algo do mundo, sem aplicabilidade imediata, com vistas à criação e à transformação. A professora é aquela que está a serviço das novas gerações, a serviço de alunos e alunas que não são seus, mas lhe foram confiados. Desse modo, a professora ensina porque ama sua docência, sua matéria e seus estudantes, sem pedantismo e, acima de tudo, abstendo-se das formas de amor que sufocam, privam ou subestimam a capacidade de alunas e alunos. Assim, o trabalho docente, tão disputado pelos diferentes projetos de poder, luta e vive por meio do que é pedagógico, com rigor, responsabilidade e amor.

1 Ao assumirmos o caráter constitutivo da linguagem e o conceito de gênero como ferramenta teórica e política, adotamos, neste artigo, a flexão de gênero de forma intercalada, com o objetivo de questionar o uso do masculino como norma para fazer referência a mulheres e a homens Desse modo, ora usamos feminino, ora usamos masculino, ora usamos uma expressão genérica - docente ou estudante. Adotamos, também, o uso do nome e do sobrenome de autores e de autoras quando estes/as são citados/as pela primeira vez no corpo do texto, para dar visibilidade a mulheres e a homens a quem nos referimos.

2 Com esta reflexão inicial, afirmamos que as articulações mais contemporâneas entre neoliberalismo e neoconservadorismo merecem ser investigadas com maior detalhamento na BNCFP, entendendo que ambos os movimentos são faces da mesma moeda e operam simultaneamente. Entretanto, por razões de ordem prática, neste artigo, optamos por analisar o capitalismo cognitivo e o neoliberalismo como racionalidades organizadoras do trabalho docente na Contemporaneidade. Não examinaremos, portanto, as relações entre o crescimento de uma forma de neoconservadorismo no contexto brasileiro, em articulação com movimentos como a “Escola Sem Partido” e a chamada “Ideologia de Gênero”, e a proposição de algumas políticas educacionais (BNCC, BNCFP, entre outras). Sobre essa articulação, ver: Lima e Hypólito (2019), Rogério Junqueira (2018), Fernando Penna (2017) e Fernando Seffner e Fernanda Moura (2019).

3 Trata-se da pesquisa A produção de sentidos sobre afeto, amor e cuidado na formação inicial docente sob a perspectiva de gênero (DAL’IGNA, 2017) à qual se vinculam as duas pesquisas de doutorado: (a) Amor e profissionalidade: uma análise da docência brasileira (SILVA, 2019); (b) A desfeminização do magistério: uma análise da literatura pedagógica brasileira da segunda metade do século XX (SCHERER, 2019). Destaca-se, ainda, que as referidas pesquisas receberam apoio financeiro parcial da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

4 Por tratar-se de três pesquisas com documentos, a priori algumas pessoas julgariam desnecessário abordar o tema da ética. No entanto, compreendemos que a ética na pesquisa em educação deve responder duas perguntas, uma voltada ao processo de construção de uma investigação e outra voltada ao processo de formação da pesquisadora e do pesquisador. Claudia Fonseca (2010, p. 62) afirma que se trata (...) de uma inquietação ética que não se resolve com uma cartilha de regras nem se restringe a um só momento da pesquisa”. A resposta à pergunta que a ética nos convoca a responder, portanto, não está dada de antemão. É preciso admitir que ética e pesquisa são indissociáveis e que é necessário, portanto, “(...) perguntar pelos efeitos antes, durante e depois do processo concluído - que efeitos os procedimentos da pesquisa produziram? Como tratar as informações obtidas? Que compromissos são importantes de serem assumidos para divulgar e socializar os conhecimentos produzidos?” (DAL’IGNA, 2014, p. 202).

5 A homologação da BNC-Formação ocorreu por meio da Portaria Nº 2.167, de 19 de dezembro de 2019, publicada no dia seguinte noDiário Oficial da União(D.O.U.). Apesar dessa homologação, ainda não é possível acessar a versão final do documento. Por isso, neste artigo, trabalhamos com sua versão preliminar (BNCFP): documento de 65 páginas elaborado pelo MEC em 2018. Além disso, para leitura crítica desse documento, lançamos mão da Resolução Nº 2, de 20 de dezembro de 2019, do Conselho Nacional de Educação (CNE), e do documento-texto que apresenta a posição da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) sobre essa BNCFP, publicado no site da Associação em outubro de 2019. Ver documentos nos seguintes endereços, respectivamente: <http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-2019-pdf/135951-rcp002-19/file> e <http://www.anped.org.br/news/posicao-da-anped-sobre-texto-referencia-dcn-e-bncc-para-formacao-inicial-e-continuada-de>.

6 Conforme explicam Giuseppe Cocco e Gilvan Vilarim (2009), capitalismo cognitivo é o termo utilizado para descrever um conjunto de transformações na organização das relações com o trabalho na sociedade contemporânea ocorridas na virada do século XX, quando o denominado movimento pós-fordismo atinge a maturidade. “Falar de capitalismo cognitivo não significa dizer que não há mais chão-de-fábrica, mas apontar para o fato que o processo de valorização desse depende dos elementos cognitivos (imateriais) do trabalho e, pois, por um dispositivo de exploração que investe a vida do trabalhador em seu conjunto e não mais pela sua ‘partição’ entre tempo de trabalho e tempo livre.” (COCCO; VILARIM, 2009, p. 149).

7 A expressão utilizada pelo autor no original é re(dis)covery of teaching.

8 No original: “(...) on the idea that freedom is not the opposite of authority or an escape from authority” (BIESTA, 2016, p. 376). Texto The rediscovery of teaching: On robot, vacuum cleaners, non-egological education and the limits of the hermeneutical world view, publicado no periódico Educational Philosophy and Theory.

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Recebido: 12 de Maio de 2020; Revisado: 31 de Maio de 2020; Aceito: 02 de Junho de 2020; Publicado: 18 de Junho de 2020

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