SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.15La epistemología de Paulo Freire en la formación de pedagogas(os) durante las Pasantías Curriculares SupervisadasEntre la espera y la urgencia: propuestas educativas a distancia para niños con Síndrome Congénito del Virus del Zika durante la pandemia de COVID-19 índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Práxis Educativa

versión impresa ISSN 1809-4031versión On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.15  Ponta Grossa  2020  Epub 10-Mayo-2021

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.15.17096.104 

Artigos

Ecologia de saberes, para adiar o fim da escola

Ecology of knowledge, in order to postpone the end of school

Ecología de saberes, para posponer el fin de la escuela

* Doutor em Pós-Colonialismos e Cidadania Global pelo Centro de Estudos da Universidade de Coimbra. Integrante da Universidade Popular dos Movimentos Sociais (UPMS). E-mail: <fabioandredm@hotmail.com>.

** Doutora em Educação. Professora do Colégio de Aplicação e do Programa em Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Líder do grupo de Pesquisa Conversas entre professores: alteridades e singularidades (ConPAS). Apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). E-mail: <francodasilvareis@gmail.com>.

*** Pós-Doutora em Currículo pela Universidade British Columbia, Canadá. Líder do Grupo de Pesquisa Práticas Educativas e Formação de Professores (GPPF). Professora e Vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (PPGEdu/UNIRIO). Primeira Secretária da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd). Coordenadora do Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE). Bolsista de Produtividade/CNPq. Cientista do Nosso Estado/FAPERJ. E-mail: <mluizasussekind@gmail.com>.


Resumo:

Este artigo foi escrito durante o período de pandemia do Coronavírus e desloca a noções de mundo e de fim de mundo, com apoio dos contos de Deszö Kosztolányi e Julio Cortázar e das perspectivas de expansão e de invenção do presente no diálogo com as teorias de Michel de Certeau, Boaventura de Sousa Santos e Ailton Krenak. Nesse sentido, tece-se forte crítica anticapitalista e argumenta-se que as criações de praticantes dos currículos são conhecimentos-solidariedades que abalroam as linhas abissais do ocidente capitalista, patriarcal e colonial, criando possibilidades de outros mundos adiando seu fim. Conclui-se que há resistência e criação na arte e nos cotidianos a partir de situações trazidas dos cotidianos na escola e na Universidade Popular dos Movimentos Sociais.

Palavras-chave: Currículo; Descolonização; Fim do mundo; Ecologia de saberes.

Abstract:

This article was written during the Coronavirus pandemic period and displaces notions of the world and the end of the world, with support from Deszö Kosztolányi and Julio Cortázar’s tales and the perspectives of expansion and invention of the present in the dialogue with the theoretic framework of Michel de Certeau, Boaventura de Sousa Santos and Ailton Krenak. In this sense, strong anti-capitalist criticism is weaved, and it is argued that the creations of curriculum practitioners are knowledge-solidarities that run into the abysmal lines of the capitalist, patriarchal and colonial West, creating possibilities of other worlds postponing its end. It is concluded that there is resistance and creation in art and everyday life from situations brought from everyday school life and the Popular University of Social Movements.

Keywords: Curriculum; Decolonization; End of the world; Ecology of knowledge.

Resumen:

Este artículo fue escrito durante el período de la pandemia del virus Corona y desplaza las nociones del mundo y de fin del mundo, con apoyo de los cuentos de Deszö Kosztolányi y Julio Cortázar y las perspectivas de expansión y de invención del presente en el diálogo con las teorías de Michel de Certeau, Boaventura de Sousa Santos y Ailton Krenak. En este sentido, se teje una fuerte crítica anticapitalista y se argumenta que las creaciones de practicantes de los currículos son conocimientos-solidaridades que se encuentran en las abismales líneas del occidente capitalista, patriarcal y colonial, creando posibilidades de otros mundos posponiendo su fin. Se concluye que hay resistencia y creación en el arte y en lo cotidiano a partir de situaciones traídas de lo cotidiano en la escuela y en la Universidad Popular de los Movimientos Sociales.

Palabras-clave: Currículo; Descolonización; Fin del mundo; Ecología de saberes.

Linhas de um mapa abissal

Em 2018, quando estávamos na eminência de ser assaltados por uma situação nova no Brasil, me perguntaram:Como os índios vão fazer diante disso tudo?Eu falei:Tem quinhentos anos que os índios estão resistindo, eu estou é preocupado com os brancos, como que vão fazer para escapar dessa. (KRENAK, 2019, p. 31, grifos do autor).

A citação de Krenak conta-nos que há 500 anos os indígenas brasileiros vêm resistindo a diversas situações que lhes são impingidas desde a chegada dos portugueses ao Brasil: catequese, escravidão, exploração da mão de obra, doenças... Isso acontece porque, na lógica desse mundo ocidental em que vivemos, outras formas de ser, de viver e de estar no mundo “[...] são transformadas não só em diferentes, mas em carentes, arcaicas, primitivas, tradicionais, pré-modernas” (LANDER, 2005, p. 34). Isso significa que a civilização moderna se autointitula como mais desenvolvida e superior, e, como parte desse processo civilizatório, compreende-se que, se necessário for, deve-se exercer a violência (DUSSEL, 2005). Essa dominação produz vítimas em virtude de diferentes formas de violência civilizatória, interpretada como um ato inevitável e sacrificial, pois é feito em nome da emancipação. Esses são os custos da modernização. Esses “custos” têm sido constantemente postos em prática com mais força ainda a partir do golpe de 2016, com a chegada ao poder do presidente Jair Bolsonaro, culminando com a falta das políticas públicas, o que, em período de pandemia de COVID -19, abandonou a própria sorte as aldeias indígenas brasileiras, além de outros povos subalternizados.

Segundo Frantz Fanon (1968), o racismo impede que as anunciadas liberdades e a igualdade fossem alcançadas substancialmente ao entender que “[...] o suor e os cadáveres dos negros, dos árabes, dos índios e dos amarelos” (FANON, 1968, p. 116-7) compõem esse processo de exclusão e violência impostos. Essa estrutura instituída pelo colonialismo e perpetuada pela colonialidade deixou o legado, para a população negra brasileira do não acesso a direitos sociais básicos como educação, saúde e trabalho digno. Nesse sentido, dedicados à tarefa de compreender, para poder “romper com lógicas opressoras” (RIBEIRO, 2016, p. 13), procuramos valorizar alternativas e práticas de resistência fomentadas nos espaços de aprendizado que aqui apontamos em situações do cotidiano escolar e da Universidade Popular dos Movimentos Sociais (UPMS).

Como retratos provisórios de um presente em movimento, neste artigo ensaístico, denunciamos também permanências e tempos longos. O racismo que permeia a sociedade brasileira aumenta a exposição das pessoas indígenas e negras ao vírus, pois reduz sua capacidade de obter atendimento de qualidade, o que poderia mitigar os efeitos das formas graves da doença e até mesmo evitar a morte. Esse paradigma constitui o que Santos (2010, p. 33) define como linhas abissais, base da “[...] invisibilidade das distinções entre esse e o outro lado da linha”, e a impossibilidade da copresença dos dois lados da linha (SANTOS, 2010). Dividindo o mundo humano do sub-humano, as linhas abissais tornam inexistentes os grupos ditos como socialmente desimportantes, o que “[...] suprime nossa humanidade justamente porque nos nega o direito de ser sujeitos não só do nosso próprio discurso, senão da nossa própria história” (GONZALEZ, 2011, p. 14). A produção da não-existência pela invisibilidade das violações de direitos que atingem as populações vulneráveis complementa-se configurando a violência e o racismo nas políticas curriculares, de saúde e de segurança (GOMES; SÜSSEKIND, 2019). Por fim, assumir o compromisso que Santos (2018, p. 59) advoga ao pontuar que “[...] a produção das presenças acontece quando nos centramos no estudo e na análise dos fragmentos da experiência social não reconhecidos pela ciência eurocêntrica” é rota alternativa para estabelecermos redes de solidariedade entre nós.

Boaventura de Sousa Santos defende que, em países como o caso do Brasil, “[...] a verdade é que a efetividade da proteção ampla dos direitos de cidadania foi sempre precária na grande maioria dos países” (SANTOS, 2013, p. 22). Dessa forma, entendemos que “[...] no quadro das profundas desigualdades raciais existentes no continente, se inscreve, e muito bem articulada, a desigualdade sexual [...] justamente porque este sistema transforma as diferenças em desigualdades” (GONZALEZ, 2011, p. 17).

Este artigo, escrito durante o período de pandemia do Coronavírus, desloca a noções de mundo e de fim de mundo, com apoio dos contos de Deszö Kosztolányi e Julio Cortázar e das perspectivas de expansão e invenção do presente no diálogo com as teorias de Michel de Certeau, Boaventura de Sousa Santos e Ailton Krenak. Tece-se forte crítica anticapitalista e argumenta-se que as criações de praticantes dos currículos são conhecimentos-solidariedades que abalroam as linhas abissais do ocidente capitalista, patriarcal e colonial.

Em uma escrita ensaística, desdobra-se este texto em três partes: inicialmente, apresentamos três cenários de fim do mundo fazendo uso dos contos de Deszö Kosztolányi e Julio Cortázar e da teoria do pensamento abissal, apresentando a ideia de que o mundo que vivemos já estava no fim, esgotado em suas possibilidades de criar futuros possíveis, para, em seguida, argumentar que é possível adiar o fim do mundo ao deslocar seu centro capitalista-europeu-patriarcal e reconhecer outras formas de viver, de estar e de pensar o mundo. A ampliação do presente por meio do reconhecimento de presentes possíveis esvazia de poder o futuro único e adia o fim do mundo. Em seguida, apresentamos a ecologia de saberes em duas situações de criação curricular em uma escola pública de Educação Básica e nas oficinas da UPMS, reforçando a ideia de que é possível criar outros mundos possíveis. Por fim, concluímos que, diante da pandemia que agrava e banaliza a morte, em uma sociedade necropolítica, é preciso resistir e apostar nas tessituras de redes de conhecimentos-solidariedade para adiar o fim do mundo.

O mundo já estava no fim?

O sistema capitalista é baseado na distribuição desigual da oportunidade de viver e de morrer”, diz Mbembe. “Essa lógica do sacrifício sempre esteve no coração do neoliberalismo, que deveríamos chamar de necroliberalismo. Esse sistema sempre operou com a ideia de que alguém vale mais do que os outros. Quem não tem valor pode ser descartado. (BERCITO, 2020, n.p.).

O indivíduo não sabia que era uma peste ambulante, uma guerra bacteriológica em movimento, um fim de mundo; tampouco o sabiam as vítimas que eram contaminadas. (KRENAK, 2019, p. 37)

Outras catástrofes já foram vividas por outros povos; no entanto, a COVID-19 “atacou” a sociedade que se pensava “evoluída” no mundo. As ideias, os sujeitos e as coisas tinham lugar certo, havia um caminho “natural” a ser seguido e que caminhava para “a evolução”. A sociedade, tal qual a conhecemos, e que está assentada nos ideais da modernidade, que diminuiu ou subtraiu outras realidades existentes no mundo ao mesmo tempo que expandiu este mundo de possibilidades idealizadas de acordo com as suas próprias regras e compreensão, está sob suspeita.

Essas idealizações repousam sobre a ideia de progresso, segundo a qual o desenvolvimento social e o científico caminham juntos e inevitavelmente em direção a mais conhecimento e mais bem-estar e são discutidas por Boaventura de Sousa Santos na proposta da sociologia das emergências. “O contemporâneo é reduzido àquilo que ocorre conforme o padrão de desenvolvimento reconhecido como atual, como o nível ‘certo’ de evolução e progresso civilizatório” (REIS, 2016, p.1338)

Assim, o mundo que conhecemos e que, portanto, existe, passa a ser apenas aquele que se encaixa nesse modo de compreensão. Essa versão que é abreviada foi tornada possível por uma concepção do tempo presente que o reduz a um instante fugaz entre o que já não é e o que deve ser (SANTOS, 2004) impossibilitando que diversas experiências sejam percebidas, expressando uma arrogância que não permite que se pense em um futuro outro apenas porque este não estaria dentro de uma razão que podemos identificar e valorizar, pois essa “razão indolente” (SANTOS, 2000) reivindica-se como única forma de racionalidade e, por isso, não se aplica a descobrir outros tipos de racionalidades que estão a circular nos diversos espaçostempos. A superação das lógicas/monoculturais ou modos de produção de inexistências propostos por uma sociologia das ausências (SANTOS, 2004) parece-nos ser um caminho para a revalorização dessas experiências que, a partir do seu compartilhamento, podem ser ampliadas e tornadas concretas como projeto de futuro. Gallo (2003, p. 71), a partir de seus estudos sobre Antonio Negri, diz que “[...] mais importante do que anunciar o futuro, parece ser produzir cotidianamente o presente para possibilitar o futuro”. Nessa perspectiva, o futuro é o espaço do “ainda-não’ (SANTOS, 2004). Para o autor, é “[...] uma categoria complexa porque exprime o que existe apenas como tendência, como movimento latente que inscreve no presente uma possibilidade incerta, mas não neutra. Essa incerteza faz com que toda mudança tenha um elemento de acaso, de perigo” (SANTOS, 2002, p. 255). É também o espaço do porvir, do devir, pois, ao conhecer melhor as condições de possibilidades da esperança, podemos coletivamente, dentro de princípios relacionados à ideia de comunidade - como espaço de cooperação -, definir princípios de ação que promovam a realização dessas condições.

Ao pensarmos em outras narrativas e outras epistemologias que nos ajudam a adiar o fim do mundo, criando outras formas de viver, conviver e pensar este mundo, aproximamo-nos da noção de multidão (NEGRI, 2004) a partir da potência que esta possibilita. Segundo Negri (2004, p. 15), “[...] multidão é o nome de uma imanência, é um conjunto de singularidades”. Para ele, a maneira como o conceito de povo foi delineado por autores de tradição hegemônica moderna, tais como Hobbes, Rousseau e Hegel, é assentada na ideia de “transcendência do soberano” (NEGRI, 2004, p. 15), ou seja, o Estado é superior, absoluto e inatingível e distante do homem comum. Ele é quem determina a relação entre o individual e o universal. Para o autor, “[...] a multidão era considerada como caos” (NEGRI, 2004, p. 15). Segundo Negri, essa forma de pensar o conceito de povo opera de forma bipolar, de um lado abstrai “[...] a multiplicidade das singularidades, unificando-a transcendentalmente no conceito de povo, e dissolvendo, por outro lado, o conjunto de singularidades (que constitui a multidão), para formar uma massa de indivíduos” (NEGRI, 2004, p. 15).

Marilena Chauí (1983, p. 17 apudARROYO, 2010, p. 55) aponta a distinção romana entre povo e plebe. Povo é considerado como instância jurídico-política, legisladora, soberana e legitimadora, e a plebe como dispersão de indivíduos desprovidos de cidadania, multidão anônima que espreita o poder e reinvindica direitos táticos. Assim, por meio dessa cisão, são cidadãos apenas aqueles capazes de viver de acordo com o que está legitimado como ordem, cabendo aos outros, a plebe, diferentes rótulos: são os violentos, os bárbaros, os incivilizados... Nesse sentido, muitos estudos têm mostrado que há uma cidadania negada e que esse é um traço de nossa história (GENTILLI; FRIGOTTO, 2002; PATTO, 2009; ARROYO, 2009; OLIVEIRA, 2003).

A cidadania estaria [...] condicionada ao aprendizado das letras, dos saberes escolares ou condicionada à moralização de hábitos de ordem, de trabalho, de submissão. Ou uma subcidadania. O povo pensado como subcidadão porque atolado no atraso, no misticismo, na ignorância e na violência. (ARROYO, 2010, p. 92).

Para Seffner e Parker (2016), a questão é, como um regime que se fundamenta sobre os processos vitais, pode saber o limite que separa o equilíbrio entre a ingerência sobre a vida e a condenação à morte? E acrescentam que “[...] um dos sintomas mais evidentes da facilidade em deixar morrer é a ausência de luto produzida pelas mortes dos outros” (SEFFNER; PARKER, 2016, p. 297).

De acordo com Negri (2004, p. 15), “[...] a teoria da multidão exige [...] que os sujeitos falem por si mesmos: trata-se muito mais de singularidades não-representáveis que de indivíduos proprietários”. Ele aponta que a multidão é um conceito de classe produtiva e em movimento constante, ou seja, é explorada pela produção; ou, ainda, é explorada, na medida em que contribui para o desenvolvimento da cooperação social para a produção e serve para

[...] qualificar toda uma vasta gama de trabalhadores: formais, informais, precários, sem carteira assinada, do trabalho material e do imaterial; enfim, o conjunto de trabalhadores que estão hoje no trabalho sob a rede do capital, que produzem valor para o capital. Ora, utilizado nesse sentido, o termo multidão assume um conteúdo de “classe”. A multidão, em ação nos movimentos, se transforma em um conjunto de insurgências e de singularidades, tornando-se uma força que se opõe à exploração do capital. Quando, para qualificar o novo proletariado se fala de multidões, se fala, pois, de uma pluralidade de sujeitos, de um movimento no qual operam singularidades que cooperam. Essa multidão deve partir da formação de militantes ligados aos movimentos sociais e dentro de uma perspectiva de união entre eles. (IHU ON-LINE, 2008, n.p.).

A modernidade ocidental entende a multidão como sinônimo de caos e de desordem e é exatamente isso o que nos interessa mostrar, pois, para além de qualquer forma hegemônica de reconhecer-se o mundo, há formas de vivê-lo que são plurais e que operam em cooperação e que dizem respeito ao direito do colonizado de definir-se e localizar-se. Assim, propomos questionar o colonizador por meio da substituição do conhecimento-regulação pelo conhecimento-emancipação (SANTOS, 2000). Este entende a trajetória da ignorância ao conhecimento como sendo do colonialismo (negação do outro) à solidariedade, aceitando um certo nível de caos como aquele que é representado pela noção de multidão. O desequilíbrio está na transformação da ordem na forma hegemônica de saber e do caos na forma hegemônica da ignorância. “A emancipação esgotou-se na própria regulação, a ciência se tornou a forma de racionalidade hegemônica e o mercado, o único princípio regulador moderno” (REIS, 2014, p. 68).

A ordem, o ponto extremo do conhecimento regulação, passou a ser a forma hegemônica de conhecimento, e o caos a forma hegemônica de ignorância. Como a sequência lógica da ignorância para o saber é, também, a sequência temporal do passado para o futuro, as sociedades coloniais, assim como a solidariedade, passaram a ser concebidas como caos e, para que possam caminhar no sentido da civilização, precisam ser apropriadas por práticas desumanas. Aqui não podemos nos furtar a pensar o quanto essa concepção de mundo é excludente.

Julio Cortázar, em um de seus muitos cenários distópicos, fala do “Fim do mundo do fim” (CORTÁZAR, 1998), em que “[...] cada vez mais os países serão compostos por escribas e por fábricas de papel e de tinta, os escribas de dia e as máquinas de noite para imprimir o trabalho dos escribas” (CORTÁZAR, 1998, p. 69). Funcionários do estado cuja função de registrar é tão importante que se torna única, uma multidão de escribas produz enfurecidamente o fim do seu próprio mundo. Um mundo de tons necropolíticos, como o nosso que termina assim:

Na terra vive precariamente a raça dos escribas, condenada a extinguir-se, e no mar estão as ilhas e os cassinos, isto e, os transatlânticos onde se refugiaram os presidentes das repúblicas, e onde se celebram grandes festas e se trocam mensagens de ilha a ilha, de presidentes a presidentes, e de capitão a capitão. (CORTÁZAR, 1998, p. 71).

Segundo Santos (2000), o princípio da comunidade e a racionalidade estético-expressiva poderiam colaborar para a construção de um novo pilar emancipatório. O princípio da comunidade em função de suas duas dimensões fundamentais: a participação e a solidariedade e por ser o mais bem-“[...] colocado para instaurar uma dialética positiva com o pilar da emancipação” (SANTOS, 2000, p. 75); e a racionalidade estético-expressiva por ser aquela que mais ficou fora do alcance da colonização. Nesse sentido, ouvir e trocar experiências têm nos ajudado a pensar que as experiências que carregam práticas solidárias e com possibilidades de participação efetiva dos estudantes ao serem compartilhadas geram um diálogo em torno delas em que todos têm a ganhar.

Fugindo da concepção de escola idealizada, escola única, criada a partir de uma metanarrativa moderna que faz parte de um pensamento hierárquico e totalizante, nosso interesse é situar os movimentos sociais e as escolas com as quais trabalhamos como “territórios coloniais”, “[...] uma metáfora daqueles que entendem [mesmo que não claramente, mas que se colocam nesse lugar ao relatarem suas histórias e práticas vividas] as suas experiências de vida como ocorrendo do outro lado da linha” (SANTOS, 2010, p. 42), lugar-metáfora onde a luta por justiça social está ligada à luta pela justiça cognitiva, buscando, assim, outras formas possíveis de pensarmos as escolas e os saberes que ali circulam, por meio da ampliação das experiências e de sua contribuição à justiça cognitiva.

Em nossa experiência cotidiana, acostumamo-nos a pensar o fim do mundo como uma hipótese distante e mesmo absurda. Quando muito, preocupamo-nos em garantir recursos para não comprometer a qualidade de vida das gerações futuras. Do ponto de vista ocidental, o fim do mundo é, no máximo, um problema a ser enfrentado pelos que virão depois de nós. No entanto, para muitos povos, grupos e comunidades que lutam contra a opressão e a injustiça, o fim do mundo é uma ameaça do presente e não do futuro. É a ameaça real do fim de suas línguas, culturas, cosmovisões, práticas e saberes, é a ameaça do fim de seus territórios, de suas identidades e da dignidade que os torna humanos, é, no limite, a perturbadora ameaça do fim de seus próprios corpos. Com a pandemia e a dança macabra da morte se tornando cotidiana, mesmo banalizada, a ideia de que o mundo que conhecemos tem fim se torna palpável também para os que não são escribas.

Como evitar o fim destes tantos mundos que o mundo é? Terão a educação e, mais especificamente, os currículos escolares alguma contribuição para evitar o desperdício de tanta experiência? Na contramão dos currículos herméticos, universais e arrogantes, impostos de cima para baixo de forma massiva e descontextualizada, na próxima seção abordamos a construção coletiva de outros currículos possíveis que se negam a desperdiçar as experiências do mundo.

É possível adiar o fim do mundo?

Inúmeras têm sido as invenções cotidianas, que alteram as propostas curriculares [e] redesenham as relações professor-aluno. (OLIVEIRA, 2001, p. 186).

- Você costuma sonhar com o fim do mundo? Perguntou-me Kornél Esti. - Então, você também costuma. Eu, em média cinco a seis vezes por ano, acabo com o mundo nos meus sonhos [...]. Parece que precisamos disso. (KOSZTOLÁNYI, 2010, p. 119).

De que invenções a autora está nos falando? Daquelas que alteram as propostas curriculares, redesenhando as relações de aprendizagem/ensino, pois “[...] enredam valores, saberes e novas possibilidades de intervenção” (OLIVEIRA, 2001, p. 186), que dizem respeito ao como os conteúdos e currículos são “trabalhados”. O uso das notícias de jornal que trazem a Geografia do mundo para dentro da sala de aula, as sucatas em Matemática... - essas são formas particulares e criativas que professores buscam para “enriquecer” os processos de aprendizagem/ensino, para além do que vemos nos textos oficiais.

Muitos outros materiais e abordagens possibilitam uma infinidade de aprenderes que vão além dos textos oficiais, pois professores apropriam-se das ocasiões e das possibilidades encontradas nas escolas e tornam-se autores, autônomos e legítimos produtores de conhecimentos nos espaços das diferentes escolas por onde passam. Produzem, cotidianamente, currículos aproveitando as diferentes ocasiões que aparecem em suas salas de aula para criar o que a circunstância pede e possibilita.

Nos espaçostempos das criações cotidianas, que são as conversas curriculares nas escolas e nas universidades, não há divisas, ou limites. Há um dentrofora (ALVES, 2010) que está imbricado nas produções curriculares e nos convida a pensar os currículos como produção cotidiana singular e coletiva, constituída de saberes pessoais, sociais e culturais, e enredados, colocando diferentes conhecimentos em diálogo, em conversa, enfrentando a monocultura do saber formal que está na base das injustiças cognitivas e sociais (REIS, 2016; SUSSEKIND, 2019).

Criar currículos sem abrir mão do compromisso com a desinvisibilização das múltiplas experiências curriculares, singulares e comuns, é uma forma de criar nossos mundos possíveis e, também, de acabar com o mundo que rejeita as conquistas curriculares que fogem a essa lógica. Pode-se compartilhar produções curriculares que mostram que a produção cotidiana curricular está para além dos modelos prescritivos e prescritos. Dessa forma, o presente pode ser expandido e re-significado, saindo do lugar das metanarrativas que são somente uma idealização porque narram o que é pensado, e não o que existe.

O compartilhamento de narrativas permite também buscar coletiva e localmente soluções, mesmo provisórias, que ajudam na compreensão de que o universal e o global não são os únicos critérios válidos. Essa busca de soluções, se narradas e compartilhadas, pode transformar-se em modos de produção mais solidários.

Pensando que as narrativas são vividas por sujeitos sociais e singulares, “[...] cuja diferença não pode ser reduzida à uniformidade, uma diferença que se mantém diferente” (HARDT; NEGRI, 2005, p. 139), abre-se a possibilidade de expandir no presente uma gama de soluções locais que podem ser multiplicadas, desafiando a razão indolente e o desperdício de experiências que têm caracterizado a compreensão monocultural do mundo moderno.

Na prática desses compartilhamentos narrativos, busca-se dar outro sentido ao que Benjamin (1994) aponta como um esvaziamento da experiência que está relacionada à perda da capacidade de narrar, pois narrar experiências, ouvir o outro como legítimo, entender que, nessa partilha, pode-se tecer uma prática coletiva é um movimento potente, esperançoso, freiriano. Viver o presente, construindo nele, cotidianamente, uma educação solidária e democrática, educando na cidadania, na solidariedade, pode nos permitir viver uma educação solidária e democrática.

Como forma de valorizar os cotidianos, sugerimos aqui que as criações curriculares são formas de adiar o fim do mundo do fim, criando outras possibilidades de presente e de futuro. Para tanto, trazemos a narrativa da professora Carla Faria retirada de Reis (2009), em que a conversa com os currículos suspende o céu e desloca, por exemplo, a dicotomia residente em tantas injustiças escolares: o certo-errado.

Na escola em que eu trabalhava, só tinham duas turmas no turno da tarde, uma turma de alfabetização e uma de segunda série. Nós, eu e a professora da C.A., resolvemos fazer com eles um projeto de jogos cooperativos. A ideia era a de unir as turmas. O bom dos jogos cooperativos é que eles jogam uns com os outros, ao invés de uns contra os outros. Nesse caso, crianças de diferentes idades se misturaram e trabalharam juntas.

Eles fizeram várias atividades, dentre elas uma que é da dança das cadeiras. A gente vai tirando as cadeiras, como na brincadeira original, mas ninguém sai do jogo e eles têm que dar um jeito de se ajudar para que ninguém fique sem sentar. Olha que interessante!!! Eles se juntaram e ninguém podia sair da posição, porque estavam ligados entre si pelo toque dos corpos, como se fossem um só.

Neste outro caso aqui (brincadeira do arco no chão), a ideia é basicamente a mesma. Eles têm que mudar de arco e procurar salvar quem ficou de fora. Ninguém pode sobrar sozinho.

O interessante desses jogos é que a solução nunca é a que a gente espera. A gente imagina que vá acontecer de uma forma e eles buscam novas formas de fazer o que é proposto.

Quando eles não conseguiam resolver um problema, a gente parava o jogo e conversava com eles. Eles iam falando:

- Não deu certo porque fulano não fez a sua parte, ou eu não consegui fazer a minha.

A gente discutia sobre o que havia dado errado e aí, não era mais problema na etapa seguinte. Eles iam tentando descartar o que não dava certo. E iam buscando soluções.

Outra coisa boa desses jogos, eu acho, é que na sala eles podem começar a perceber que não tem um jeito certo de fazer as coisas, têm vários jeitos, eles podem ir tentando resolver as questões que aparecem de várias formas, que o bom está em tentar, não só em acertar e que nem sempre a solução está em fazer igual ao do outro. Ah, acho que dá pra olhar o mundo de outras formas, de jeitos que eles ainda não tinham olhado antes, sei lá. (REIS, 2009, p. 95-96).

Ecologia de saberes para outros mundos possíveis

Ao apostarmos que a educação pode sim contribuir para evitar o fim dos muitos mundos que o mundo é, trazemos também como exemplo a experiência da Universidade Popular dos Movimentos Sociais (UPMS), que, apesar de não ser propriamente uma proposta de educação escolar, seus princípios, seus métodos e sua pedagogia, quando compartilhados, podem inspirar outras práticas curriculares.

A UPMS nasceu em janeiro de 2003, durante a 3ª edição do Fórum Social Mundial (FSM), a partir da identificação de uma ausência de conhecimento recíproco entre movimentos sociais, organizações não governamentais e academia e da necessidade de superar o isolamento das alternativas para promover uma política intermovimentos baseada no diálogo e na articulação da diversidade contra hegemônica do mundo. O seu objetivo é, portanto, promover a partilha de saberes para ampliar, articular e fortalecer as lutas sociais.

É compreensível que a UPMS possa causar estranhamento, dado que praticamente nada nela lembra a educação convencional. Estamos a falar de uma experiência educativa que não tem professores nem alunos; não possui sede física nem quaisquer bens em seu nome; não tem grades curriculares nem conteúdos programáticos; não oferece aulas, disciplinas ou quaisquer cursos de formação, e a condição para participar de suas atividades é o ativismo social e não o mérito acadêmico. Funcionando no modelo de oficinas temáticas, que duram de dois a três dias e que consistem em reuniões presenciais de trabalho intensivo com períodos de discussão, estudo, trabalho sempre coletivo, lazer e socialização, a UPMS tem demonstrado ser uma experiência pedagógica, epistemológica e política de aprendizagem recíproca, de produção coletiva de conhecimentos contra hegemônicos e de articulação da diversidade de saberes e práticas que se erguem a favor da dignidade e contra a opressão e a injustiça.

Tendo nascido no FSM, a partir da identificação de uma ausência de conhecimento recíproco entre os movimentos, a UPMS foi concebida de forma ousada e inovadora, por meio do que tem vindo a ser chamado de “Pedagogia da Articulação” (MERLADET, 2020)1, um conjunto de metodologias subversivas pedagogicamente orientadas para a aprendizagem recíproca e a construção da unidade na diversidade, comprometidas com a criação de alianças para a transformação social e construídas ao longo dos anos em interlocução com toda a pluralidade que nela tem lugar. Desde nosso ponto de vista, essas metodologias têm vindo a contribuir para “empurrar o céu para cima” e “adiar o fim do mundo” (KRENAK, 2019), daí que as escolas e os educadores progressistas possam ter nelas grande interesse.

Há nas oficinas da UPMS muita abertura para a experimentação, o que leva a uma grande profusão de ideias e de criatividade metodológica, abrindo espaço para propostas ousadas baseadas nas realidades e nos contextos específicos de cada nova atividade desenvolvida, uma verdadeira ecologia de práticas educativas. O que se faz em uma oficina necessariamente terá de ser feito de modo diferente na oficina seguinte, e isso, longe de ser uma debilidade, se apresenta como uma das mais fecundas inovações da UPMS, induzindo a emergência de múltiplas e de diversificadas experiências contra hegemônicas de aprendizagem.

A pluralidade metodológica da UPMS não é uma fraqueza epistemológica, mas, pelo contrário, uma demonstração de sua riqueza, de respeito aos diferentes processos e projetos, bem como de combate ao pensamento único também na teoria do conhecimento. (GADOTTI, 2009, p. 14).

Assim como não existe uma teoria única capaz de traduzir a imensa heterogeneidade de experiências contra hegemônicas, não há, tampouco, uma metodologia única e, muito menos, um currículo único, capaz de dar conta de todos os processos de construção do conhecimento. O que precisamos é de um universalismo negativo (SANTOS, 2008, p. 60) também para os métodos que utilizamos para produzir e transmitir o conhecimento, em outras palavras, um acordo geral sobre o fato de que nenhum conjunto de métodos e currículos em particular tem a receita infalível para conceber outro mundo possível e muito menos para torná-lo realidade. Dessa pluralidade metodológica defendida e posta em prática pela pedagogia da articulação, destacamos algumas das contribuições que, em nosso entender, a experiência da UPMS pode oferecer à educação escolar.

Para identificar, promover e credibilizar os saberes, as práticas e as alternativas que existem no presente ou que podem vir a existir no futuro, a UPMS utiliza-se da “sociologia das ausências e das emergências” (SANTOS, 2002). Enquanto a sociologia das ausências se move no campo das experiências sociais, valorizando aquilo que foi ignorado por ser considerado não-existente, a sociologia das emergências move-se no campo das expectativas sociais, valorizando aquilo que foi ignorado por ser considerado impossível. Não por acaso, Santos, Araújo e Baumgarten (2016, p. 16) afirmam que “[...] na dor e na luta, desigualmente distribuídas pelo mundo, cabem uma multiplicidade de conhecimentos invisibilizados e desperdiçados pela modernidade”.

A sociologia das ausências e a sociologia das emergências são o estudo das utopias possíveis no nosso tempo, daí que constituam uma sociologia da esperança - o estudo dos saberes, das práticas, das alternativas, das experiências, das ideias, dos sonhos e dos desejos, reais ou imaginados, que apontam para um outro mundo possível e que podem alcançar sua plena realização se nós a elas nos dedicarmos, impedindo que sejam descartadas e desqualificadas antes de se desenvolverem e demonstrarem o seu potencial.

Para criar conhecimentos outros, de forma horizontal e colaborativa a partir da diversidade de formas de conceber a vida, o ser humano e o mundo, a UPMS aposta na ecologia de saberes. De acordo com Santos (2012, p. 77), a ecologia de saberes consiste em um “[...] conjunto de práticas que promovem uma nova convivência ativa de saberes no pressuposto que todos eles, incluindo o saber científico, se podem enriquecer nesse diálogo [...]” e implica “[...] reconhecimento da copresença de diferentes saberes e a necessidade de estudar as afinidades, as divergências, as complementaridades e as contradições que existem entre eles” (SANTOS, 2018, p. 8).

Parafraseando Roberto Lyra Filho (1995) e José Geraldo Sousa Júnior (1990), que defendem a existência de um “Direito achado na rua”, podemos afirmar que há uma enorme diversidade de “saberes achados na rua”, uma rica e extraordinária diversidade de conhecimentos que são produzidos nas ruas, nas praças, nos espaços públicos, nas comunidades periféricas, nas reivindicações das populações marginalizadas e nos movimentos sociais que lutam por um outro mundo possível. Essa diversidade segue sendo sistematicamente ignorada, invisibilizada e descredibilizada pelos currículos escolares. É preciso, portanto, “estender pontes” (CASTRO-GÓMEZ, 2007, p. 80) rumo a um diálogo transcultural de saberes, um “complô de pensamentos outros” (WALSH 2007, p. 33) capazes de criarem solidariamente e partilharem criativamente o conhecimento.

Ramón Vera Herrera (1997) utiliza a metáfora da “noite estrelada” para referir-se à formação de “constelações de saberes”. Por que não construir constelações de saberes nas escolas e universidades promovendo a participação democrática de uma ampla diversidade de formas de conhecer, em vez de seguir com o desperdício de experiências provocado pela insistência na reprodução, na intencionalidade e no controle das aprendizagens visto nas políticas de currículos com ênfase exclusiva e inquestionável na ciência moderna, nos produtos e nos índices? Contrariamente às pedagogias convencionais, que retiram sua força do saber exclusivo que transmitem, a UPMS demonstra que as experiências educativas podem retirar a sua força da exclusividade da configuração de saberes que proporcionam. Eis aqui a prática da ecologia de saberes.

Para construir inteligibilidade recíproca entre essa constelação de saberes, a UPMS desenvolve o trabalho da tradução, no esforço de maximizar a solidariedade com as lutas por um outro mundo possível. O trabalho da tradução é o procedimento encontrado pela pedagogia da UPMS para criar relações de diálogo, aprendizagem e articulação entre as lutas sociais, buscando noutros saberes e noutras práticas as respostas que não se encontram dentro dos limites de uma dada experiência.

Em uma outra direção, nas escolas, nas universidades e nos currículos, é comum haver a promoção de um multiculturalismo conservador (PINAR, 2009) que advoga a preservação das culturas e a tolerância com o diferente.

Os binarismos que estruturam o canibalismo e o genocídio culturais do colonialismo podem ter sido reinscritos nas culturas pós-coloniais. Na academia norte-americana, esta reinscrição tem sido alcançada por meio do estabelecimento - visível nos excessos - de políticas de identidades. (PINAR, 2009, p. 150).

Apesar de seu caráter pluralista e celebrador da diversidade, o seu conservadorismo reside no entendimento das culturas como sistemas fechados, imutáveis e autossuficientes, conduzindo à guetificação das diferenças e à essencialização das identidades. Essa concepção conservadora das identidades culturais como sistemas fechados e radicalmente separados necessita ser combatida por um multiculturalismo emancipatório, capaz de conceber as identidades como sistemas de significação abertos, projetos incompletos que se transformam a todo instante e realizam intercâmbios constantes com tudo o que existe ao seu redor. Esse é o mundo de escribas fadado ao fim que queremos colocar em suspensão, respirar e inventar outras possibilidades de presente.

É a partir de outra concepção de identidade cultural que podemos pensar a tradução como um trabalho que pretende reinventar a nossa experiência confrontando-a com a imensa variedade de formas de estar no mundo que desconhecíamos ou ignorávamos a existência. Todas as culturas são incompletas, daí a necessidade de enriquecimento mútuo por meio das aprendizagens recíprocas com outras experiências.2 Tendo como premissa a diversidade potencialmente infinita de saberes e formas de produzir conhecimento (conhecimentos vivos, pulsantes, profundos e que, no entanto, são sistematicamente ignorados pela educação escolar), a UPMS propõe que a aprendizagem seja recíproca e que o saber seja construído coletivamente por muitas vozes e muitas mãos, o que exige uma difícil desaprendizagem de muito do que os currículos escolares e o conhecimento científico convencional nos ensinaram como verdades únicas e universais. Um verdadeiro processo partilhado de deseducação, pois, ao mesmo tempo que há saberes novos que merecem ser conhecidos, os saberes que geram ou permitem a opressão, a exclusão e o sofrimento humano injusto devem ser desaprendidos e abandonados.

A UPMS provoca os currículos escolares a praticar a sociologia das ausências e das emergências e fazer um uso pragmático da tradução intercultural, concebendo-a como uma ferramenta para construir novas e plurais concepções de emancipação social. O desafio é tornar para professores e estudantes a diversidade do mundo visível, aceitável e cada vez mais disponível para o diálogo e a solidariedade, adiando, assim, o fim do mundo já que a emancipação não é fim, mas processo permanente.

Concluímos na pandemia?

Não tem fim do mundo mais iminente do que quando você tem um mundo do lado de lá do muro e um do lado de cá, ambos tentando adivinhar o que o outro está fazendo. Isso é um abismo, isso é uma queda. Então a pergunta a fazer seria: “Por que tanto medo assim de uma queda se a gente não fez nada nas outras eras senão cair?”. (KRENAK, 2019, p. 33).

Para além do que podemos aprender uns com os outros, é preciso avançar para as ações e as transformações que podem ser levadas adiante, tornando escolas, universidades e movimentos sociais espaços de construção de ações comuns na busca por outros mundos possíveis. Tal desafio é particularmente complexo em um contexto de ascensão de movimentos reacionários no campo da educação, que classificam como doutrinação ideológica tudo o que não condiz com a doutrinação conservadora que eles próprios querem impor às escolas.

Com Krenak (2019) argumentamos que, no mundo da colonização, da escravização, da destruição da natureza e da invisibilização das comunidades e suas epistemologias, as guerras não só são justas, mas são permanentes (KRENAK, 2019). Capitães do mato, soldados da Polícia Militar e do exército, snipers que atiram de helicópteros nas comunidades do Rio de Janeiro, hoje, a ausência de políticas de saúde condenam populações ao genocídio. Estamos diante de políticas que afirmam esse Estado que, deslocado pela aversão ao justo, usa a violência do homicídio como controle da ordem social. Nesse sentido, os corpos das pessoas, de algumas pessoas, são tributo da ordem social na pós-colônia vulneráveis e alvos de violências múltiplas, enredadas e complementares, parte necessária da engenharia colonial/pós-colonial. Esse mundo está mesmo fadado ao fim.

Se o preconceito, a alienação e a apatia social e política são o grau zero da educação, as intervenções coletivas visando transformações sociais concretas são o seu nível mais complexo. Não se trata apenas de compreender as injustiças sociais, mas também de engajar-se contra elas; aprender com o Outro, mas também se oferecer a ele unindo-se às suas causas, nisso reside o potencial mais subversivo da pedagogia da articulação proposta pela UPMS.

Nesse sentido, é inexorável, como instrumento pedagógico, o contato direto com o sofrimento humano injusto que, por meio da realização de atividades nos territórios em que as injustiças ocorrem, desperta a razão quente, a subjetividade rebelde e o sentimento de indignação e revolta, paixões mobilizadoras capazes de provocar uma relação imediata e intensa de solidariedade, afeto e compromisso com as lutas por um outro mundo possível. Estar no território muda tudo porque gera uma compreensão testemunhal da injustiça ao nos possibilitar ver as violações de direitos com os próprios olhos, pisar no espaço em que elas ocorrem e sentir na própria pele o drama vivido pelos oprimidos. Vistas e sentidas a partir do território em que se dão as injustiças sociais, as formas de opressão provocam tomadas de posição apaixonadas, deixam de ser meras abstrações teóricas para assumirem uma concretude tão real quanto inaceitável. Porque é a vida diante de nós que está sendo diminuída, é a humanidade inteira que está sendo lesada quando alguém tem a sua dignidade violada.

Para encerrar, propomos como reflexão a necessidade de descolonizar, de despatriarcalizar, de desmercantilizar e de democratizar tanto as escolas e as universidades quanto seus currículos e os conhecimentos que neles são produzidos e transmitidos. Descolonizar significa combater a discriminação racial, o racismo institucional e a colonialidade do saber produzido ou legitimado pela educação convencional. Despatriarcalizar significa combater o machismo e a desigualdade de gênero que ainda perdura nas escolas, considerando inaceitável toda e qualquer discriminação sexual e todo e qualquer conhecimento que sugira ou resulte na subalternização feminina. Desmercantilizar significa combater o direcionamento que o capital pretende dar à educação, indo na contramão não só das políticas de privatização, mas também de sua orientação exclusiva para a produção de mão de obra para o mercado. Por fim, democratizar significa não apenas popularizar o conhecimento científico de modo a ampliar o acesso à educação, como processo e não resultado, mas, sobretudo, ampliar o cânone dos saberes e das formas de produzir e transmitir conhecimentos, levando a hegemonia da ciência a ser confrontada com a diversidade epistemológica do mundo que ela historicamente deslegitimou, explorou e destruiu.

Parafraseando Carlos Rodrigues Brandão (2007, p. 99), as criações curriculares nas escolas como as experiências da UPMS adiam o fim do mundo ao reforçar que a educação é uma invenção humana, e se, em algum lugar, foi feita um dia de um modo, pode ser mais adiante reinventada de outro, diferente, diverso e até oposto. E se em uma lógica ela serve à reprodução da desigualdade e à difusão de ideias que legitimam a opressão, em outra pode servir à cultura da solidariedade e à criação de conhecimentos que sejam úteis às lutas emancipatórias travadas em defesa da transformação social.

1 Inspirados pela “pedagogia do oprimido” (FREIRE, 2011) e pela “pedagogia do conflito” (SANTOS, 1996), utilizamos, neste trabalho, o termo “pedagogia da articulação” (MERLADET, 2020) para designar a forma específica que assumem as práticas educativas nas oficinas da UPMS. Práticas que têm como objetivo criar pontes de diálogo, interinteligibilidade e solidariedade com as formas de resistência ao sofrimento, à injustiça e à opressão causados pelo capitalismo, pelo colonialismo e pelo patriarcado.

2 As aprendizagens recíprocas, na UPMS, são processos educativos coletivos, horizontais e descentralizados, nos quais os participantes ensinam seus conhecimentos aprendendo os de todos os demais.

Referências

ALVES, N. Redes educativas “dentrofora” das escolas, exemplificadas pela formação de professores. In: SANTOS, L.; DALBEN, Â.; LEAL, J. D. L. (org.). Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: currículo, ensino de Educação Física, ensino de Geografia, ensino de História, escola, família e comunidade. 66. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. p. 49-66. [ Links ]

ARROYO, M. G. Educação e exclusão da cidadania. In: BUFFA, E. et al. (org.). Educação e cidadania: quem educa o cidadão?. 14. ed. São Paulo: Cortez, 2010. p. 35-98. [ Links ]

ARROYO, M. G. O direito à educação ameaçado: segregação e resistência. In: ARROYO, M. G.; ABRAMOWICZ, A. (org.). A reconfiguração da escola, entre a negação e a afirmação de direitos. Campinas: Papirus, 2009. p. 129-159. [ Links ]

BENJAMIN, W. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994. [ Links ]

BERCITO, D. Pandemia democratizou poder de matar, diz autor da teoria da ‘necropolítica’. Folha de São Paulo, Washington, 30 mar. 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/03/pandemia-democratizou-poder-de-matar-diz-autor-da-teoria-da-necropolitica.shtml. Acesso em: 12 nov. 2020. [ Links ]

BRANDÃO, C. R. O que é educação? São Paulo: Brasiliense, 2007. [ Links ]

CASTRO-GÓMEZ, S. Decolonizar la Universidad: La hybris del punto cero y el diálogo de saberes”. In: CASTRO-GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R. (org.). El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores, 2007. p. 79-91. [ Links ]

CORTÁZAR, J. Fim do mundo do fim. In: CORTÁZAR, J. Histórias de cronópios e famas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. p. 69-71. [ Links ]

DUSSEL, E. Europa, modernidade e eurocentrismo. In: LANDER, E. (org.). A colonialidade do saber. eurocentrismo e ciências sociais. Buenos Aires: Clacso, 2005. p. 55-70. [ Links ]

FANON, F. Os condenados da Terra. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1968. [ Links ]

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011. [ Links ]

GADOTTI, M. Universidade Popular dos Movimentos Socais: breve história de um sonho possível. 2009. Disponível em: http://www.universidadepopular.org/ media/relatos%20oficinas/Gadotti.pdf. Acesso em: 23 dez. 2018. [ Links ]

GALLO, S. Deleuze e a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. [ Links ]

GENTILI, P.; FRIGOTTO, G. (org.). A cidadania negada: políticas de exclusão na educação e no trabalho. São Paulo: Cortez Editora; Buenos Aires: CLACSO, 2002. [ Links ]

GOMES, A. C. C.; SÜSSEKIND, M. L. Escolas, violências e a presença dos corpos negros ausentes. In: RODRIGUES, A. C. A. A.; SÜSSEKIND, M. L. (org.). Democracia, educação e políticas curriculares nas pesquisas com currículos. Paraíba: Editora UFPB, 2019. p. 1-21. [ Links ]

GONZALEZ, L. Por um feminismo afro-latino-americano. Caderno de formação política do Círculo Palmarino, n. 1, Batalha de Ideias, São Paulo, 2011. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/271077/mod_resource/content/1/Por%20um%20feminismo%20Afro-latino-americano.pdf. Acesso em: 10 set. 2020. [ Links ]

HARDT, M.; NEGRI, A. Multidão: guerra e democracia na era do império. Tradução Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2005. [ Links ]

HERRERA, R. V. La noche estrelada: La formación de constelaciones de saber. Revista Chiapas, n. 5, p. 75-95, 1997. [ Links ]

IHU ON-LINE. Instituto Humanitas Unisinos. Das minorias à multidão. A contribuição de Antonio Negri. Entrevista especial com Luigi Bordin. Revista IHU On-Line, 14 jul. 2008. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/15211-das-minorias-a-multidao-a-contribuicao-de-antonio-negri-entrevista-especial-com-luigi-bordin. Acesso em: 18 set. 2014. [ Links ]

KOSZTOLÁNYI, D. et al. Contos húngaros. São Paulo: Hedra, 2010. [ Links ]

KRENAK, A. Ideias para adiar o fim do mundo. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2019. [ Links ]

LANDER, E. Ciências sociais: saberes coloniais e eurocêntricos. In: LANDER, E. (org.). A colonialidade do saber eurocentrismo e ciências sociais: perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 21-54. [ Links ]

LYRA FILHO, R. O que é direito. São Paulo: Brasiliense, 1995. [ Links ]

MERLADET, F. Pedagogia da Articulação: A Universidade Popular dos Movimentos Sociais e a ecologia de saberes na prática. 2020. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade de Coimbra, Coimbra, 2020. [ Links ]

NEGRI, A. Para uma definição ontológica de multidão. Revista Lugar Comum, n. 19-20, p. 15-26, jan./jun. 2004. [ Links ]

OLIVEIRA, I. B. de. Espaços educativos em imagens. In: OLIVEIRA, I. B. de; SGARBI, P. (org.). Fora da escola também se aprende. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. 33-50. [ Links ]

OLIVEIRA, I. B. de. Currículos Praticados - entre a regulação e a emancipação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. [ Links ]

PATTO, M. H. S. (org.). A cidadania negada, políticas públicas e formas de viver. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2009. [ Links ]

PINAR, W. Multiculturalismo malicioso. Currículo sem Fronteiras, v. 9, n. 2, p. 149-168, jul./dez. 2009. [ Links ]

REIS, G. R. F. da S. Alinhavo de narrativas: práticas curriculares cotidianas e formação de professoras. 2009. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Riio de Janeiro, 2009. [ Links ]

REIS, G. R. F. da S. Por uma outra Epistemologia de Formação: conversas sobre um Projeto de Formação de Professoras no Município de Queimados. 2014. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014. [ Links ]

REIS, G. R. F. da S. Narrativa de experiênciaprática como possibilidade de justiça cognitiva. Revista e-Curriculum, São Paulo, v. 14, n. 4, p. 1332-1357, out./dez. 2016. [ Links ]

RIBEIRO, D. Prefácio à edição brasileira. In: DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016. p. 11-13. [ Links ]

SANTOS, B. de S. Para uma pedagogia do conflito. In: SILVA, L. E. da. (org.). Novos mapas culturais, novas perspectivas educacionais. Porto Alegre: Sulina, 1996. p. 15-40. [ Links ]

SANTOS, B. de S. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. Rio de Janeiro: Cortez, 2000. [ Links ]

SANTOS, B. de S. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista crítica de Ciências Sociais, n. 63, p. 237-280, 2002. DOI: https://doi.org/10.4000/rccs.1285 [ Links ]

SANTOS, B. de S. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. In: SANTOS, B. de S. (org.). Conhecimento prudente para uma vida decente: um discurso sobre as Ciências’ revisitado. São Paulo: Cortez, 2004. p. 777-821. [ Links ]

SANTOS, B. de S. El Foro Social Mundial y la Izquierda Global. El Viejo Topo, n. 2040, p. 39-62, jan. 2008. [ Links ]

SANTOS, B. de S. Para além do Pensamento Abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. de S.; MENESES, M. P. (org.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010. p. 31-83. [ Links ]

SANTOS, B. de S. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2012. [ Links ]

SANTOS, B. de S. Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos. São Paulo: Cortez, 2013. [ Links ]

SANTOS, B. de S. The end of the cognitive empire: the coming of age of epistemologies of the South. Durham: Duke University Press, 2018. [ Links ]

SANTOS, B. S.; ARAÚJO, S.; BAUMGARTEN, M. As epistemologias do Sul em um mundo fora do mapa. Sociologias, Porto Alegre, v. 18, n. 43, p. 14-23, dez. 2016. DOI: https://doi.org/10.1590/15174522-018004301 [ Links ]

SEFFNER, F.; PARKER, R. Desperdício da experiência e precarização da vida: momento político contemporâneo da resposta brasileira à aids. Interface, Botucatu, v. 20, n. 57, p. 293-304, jun. 2016. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-57622015.0459 [ Links ]

SOUSA JÚNIOR, J. G. (org.). O direito achado na rua. Brasília: Editora UnB, 1990. [ Links ]

SÜSSEKIND, M. L. A BNCC e o “novo” Ensino Médio: reformas arrogantes, indolentes e malévolas. Retratos da Escola, v. 13, n. 25, p. 91-107, 2019. DOI: https://doi.org/10.22420/rde.v13i25.980 [ Links ]

WALSH, C. Interculturalidad, colonialidad y educación. Revista Educación y pedagogia, v. 19, n. 48, p. 25-35, maio/ago. 2007. [ Links ]

ZIZEK, S. Multiculturalism, or the Cultural Logic of Multinational Capitalism. New Left Review, n. 225, p. 28-51, 1997. [ Links ]

Recebido: 10 de Setembro de 2020; Aceito: 08 de Novembro de 2020; Publicado: 18 de Novembro de 2020

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.