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vol.15MAINARDES, J.; STREMEL, S. (Eds.). Education Policy research: epistemological and theoretical issues. Curitiba: Brazil Publishing, 2020. 270 p.ADDOR, Nicolas. Qualis periódicos: a regulação da pesquisa no Brasil. Curitiba: Íthala, 2019. 218 p. índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
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Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.15  Ponta Grossa  2020  Epub 02-Set-2020

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.15.15341.055 

Resenhas

SCHNEIDER, Marilda Pasqual; NARDI, Elton Luiz. Políticas de accountability em educação: perspectivas sobre avaliação, prestação de contas e responsabilização. C. Ijuí: Ed. da Unijuí, 2019. 120 p.

Aline Bettiolo dos Santos** 
http://orcid.org/0000-0001-8933-3845

Michele Luciane Blind de Morais*** 
http://orcid.org/0000-0002-0251-0608

**Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), Linha de Pesquisa Educação, Políticas Públicas e Cidadania. E-mail: <a.bettiolo.santos@unoesc.edu.br>.

***Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), Linha de Pesquisa Educação, Políticas Públicas e Cidadania. E-mail: <micheleblind10@yahoo.com.br>.


O livro Políticas de accountability em educação: perspectivas sobre avaliação, prestação de contas e responsabilização, lançado em 2019 pela Editora da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí), foi produzido com base em investigações sobre políticas de regulação e de avaliação educacional, realizadas ao longo de sete anos. Nessa trajetória, o professor Almerindo Janela Afonso foi um importante interlocutor dos autores na discussão dessa temática.

A obra de Marilda Pasqual Schneider e Elton Luiz Nardi contém três capítulos, com dez subseções, cujos enfoques envolvem a ação do Estado relacionada à regulação e à gestão no campo educacional; elementos para o debate teórico-conceitual da accountability; e ainda, a accountability na Educação Básica brasileira. Ambos são professores titulares da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), docentes permanentes do Programa de Pós-Graduação em Educação e pesquisadores do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais (Nupe) e do Grupo de Pesquisa Educação, Políticas Públicas e Cidadania (GEPPeC).

O debate sobre políticas de accountability em educação promovido na obra articula-se ao da regulação educacional, tendo em vista a centralidade da ação do Estado nessas frentes. Sob a preponderância do neoliberalismo, com traços neoconservadores verificados a partir da crise estrutural, nas décadas finais do século XX, é possível destacar que os conceitos de accountability e o de regulação se complexificam. Assim, importa considerar as redefinições do papel do Estado em decorrência de reajustes no nível macro para o debate em torno desses conceitos. Nesse sentido, Almerindo Janela Afonso ressalta, no prefácio, que a transição para as agendas globais hoje dominantes implicou mudanças profundas no Estado, nas políticas públicas e nos pilares da regulação social.

O primeiro capítulo refere novas formas de regulação e de gestão no campo educacional, tendo em vista a ação do Estado. A seção inicial trata da reestruturação, do reordenamento do Estado, em um contexto de transformações econômicas e políticas no fim do século XX. Sob o lume do ideário neoliberal e neoconservador, as reformas promovidas vieram acompanhadas de impactos no campo social e, disso, a educação não saiu ilesa. O conceito de regulação, nesse contexto, é exemplo de que houve transformações na sua concepção e nas próprias práticas pertencentes a um modelo. Com base nas contribuições de João Barroso, entre outros autores, Schneider e Nardi discutem a regulação como um fenômeno multifacetado que envolve mais do que a intervenção estatal na condução das políticas públicas. Envolve a produção de “regras do jogo”, por parte de autoridades públicas e de uma diversidade de atores, e a interação entre a regulação de controle, institucional, e a regulação autônoma, isto é, reivindicada de baixo, que configura uma regulação conjunta. Nas palavras dos autores, “[...] em um sistema social a regulação compreende processos múltiplos, contraditórios e, não raro, conflituosos de definição de condutas e regras” (SCHNEIDER; NARDI, 2019, p. 25).

No cenário do final da década de 1980, a governança tornou-se referência para estruturas e dinâmicas da administração e algumas de suas repercussões são anotadas na seção seguinte do capítulo. A ideia de governança reforça uma novidade, bem como uma transição, em que modelos tradicionais de regulação, de ordem burocrático-profissional, cedem lugar a modelos pós-burocráticos. A esse respeito, Barroso (2005), Lessard (2000) e Maroy e Dupriez (2008) são alguns dos interlocutores. Dentre os elementos destacados, relacionados ao campo educacional, enfatizamos: a avaliação externa e em larga escala; a obrigação de resultados quantitativos expressa na linguagem dos indicadores e de padrões de desempenho; a diminuição dos investimentos em educação; e, ainda, a ascensão do paradigma da aprendizagem a despeito do ensino. Esses aspectos caracterizam novos modelos de regulação, como as políticas de quase-mercado e a governança por resultados - estamos, em ambos, ou mesmo na combinação deles no campo da prática, ante o chamado Estado-avaliador.

A reconfiguração do Estado e as decorrentes implicações na gestão pública e na educacional estão relacionadas aos princípios da New Public Management, entendida como a forma política do neoliberalismo. É na perspectiva da Nova Gestão Pública que as bases pós-burocráticas se situam e se tornam instrumentos do modelo gerencial, com ênfase na redução de custos e no aumento da eficácia e da produtividade. Ainda nesta seção, os autores distinguem, com base em Abrucio (1997), três tendências do modelo gerencial, a saber: o modelo gerencial puro, emergente na década de 1980 e princípios dos anos de 1990; o Consumerism, cujo início data a partir de meados da década de 1980; e o Public Service Oriented, tendência que marca debates mais recentes sobre o tema. Embora no campo da prática seja possível haver combinações entre as três, além de confluências, consoante os autores, uma questão relevante é analisar a travessia para as bases pós-burocráticas e as relações que se estabelecem entre Estado, gerencialismo e políticas educacionais, de modo especial, as políticas de regulação e de avaliação.

As relações entre ação do Estado e sociedade, incluindo o campo da política educacional, seguem articuladas ao debate. No caso do segundo capítulo, o foco consiste na accountability, de modo que os autores dissertam sobre elementos para o debate teórico-conceitual do tema. A accountability refere um conceito amplo, polissêmico e em expansão, que implica um rol de elementos, entre os quais é possível enfatizar democracia, participação e controle social, transparência, justificação e obrigação de uma pessoa ou instituição responder pelo que faz. No plano mais geral, o conceito relaciona-se à possibilidade de escolha dos governantes, sendo o voto um significativo mecanismo para o controle, embora apresente limites, pois não é suficiente a ponto de assegurar que os governantes se comprometam com uma atuação responsável. Todavia, é preciso considerar as dimensões integrantes, as múltiplas determinações que caracterizam o conceito, bem como as distintas perspectivas teórico-metodológicas para se realizar o debate.

Se, por um lado, o tema é situado no contexto das chamadas novas democracias e das experiências de redemocratização em países da América Latina dos anos 1980 e início dos 1990; por outro, as reformas sustentadas pelos princípios da New Public Management promoveram reconfigurações nos conceitos de democracia, participação, controle social, representação e nos contornos da accountability, além de repercutirem nas relações entre Estado e sociedade e no próprio campo educacional. Na esteira do controle pelos resultados, a noção de accountability é levada para a esfera privada como uma resultante da tendência atual de privatização. Assim, assiste-se a um duplo movimento: o de ampliação de oportunidades de participação, com dispositivos de accountability que poderiam constituir mecanismos para melhorar a qualidade da democracia; e o de uma eficiência menor das instâncias, no que se refere ao controle das ações dos governantes e dos representantes da sociedade. Esse movimento associa-se à ideia de governança proclamada por organismos multilaterais, como o Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que ganha cena e que é expressão de alterações na estrutura política e na administração pública dos países ocidentais, desde o final dos anos de 1980.

Os autores retomam algumas características das matrizes epistemológicas da accountability no campo da administração pública, já que nele o conceito ganhou notoriedade e porque esse campo tem inspirado reformas na educação. Conforme sublinham, os paradigmas científicos, quais sejam o tradicional, o gerencial e o da nova administração pública, estão articulados aos modelos de accountability difundidos e praticados, e aos de regulação, seja ela burocrática ou pós-burocrática.

É no contexto das reformas de Estado no início da década de 1990 que ocorre a instituição de formas de accountability na educação. A despeito de diversas perspectivas, é possível ressaltar a preponderância do modelo gerencial, cujos aspectos de eficiência, redução de custos e qualidade da prestação de serviços são elementos fulcrais. Ainda nessa direção, os autores assinalam a atuação dos organismos multilaterais como mentores teórico-políticos e ideológicos das mudanças educacionais, especialmente em países em desenvolvimento. Para os organismos se faz necessário criar indicadores para medir e avaliar o rendimento dos alunos, de modo a assegurar os resultados educacionais almejados. A centralidade das avaliações externas ancora-se, portanto, nas mudanças ocorridas nos modos de regulação, de governação, e a uma accountability educacional que vem sendo apropriada por correntes ideológicas neoconservadoras e neoprodutivistas.

A tônica do terceiro capítulo, por sua vez, focaliza a temática da avaliação em abrangência nacional, visando analisar confluências, especificidades e questões acerca de um modelo de accountability na Educação Básica brasileira. Conforme é destacado, o modelo tende a assentar sua base em pressupostos defendidos por organismos multilaterais, cuja ideia central é a “[...] potencialização de um sistema de avaliação de aprendizagens e formulação de standards educacionais [...]” (SCHNEIDER; NARDI, 2019, p. 82). A potencialidade desse sistema, segundo um tipo específico de accountability, por conseguinte, está atrelada ao argumento da necessidade de melhoria da educação nos países latino-americanos.

É possível captar mostras das tendências desse modelo na definição apresentada pelo Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina e Caribe (Preal), quanto às condições fundamentais para adoção de um modelo completo de accountability. A primeira condição refere-se à necessidade de standards educacionais gerais, de conteúdo e de desempenho, que estabeleçam o que é suficiente e insuficiente, em cada etapa escolar, em termos de conhecimentos. A segunda diz respeito ao acesso a um conjunto de informações confiáveis sobre o desempenho dos alunos e das escolas. A terceira está relacionada à existência de consequências acerca da prestação de contas realizada pelas escolas, e a quarta condição evidencia a necessidade de atribuir autoridade às escolas, comunidades locais e responsáveis legais para a tomada de decisões. Na lógica do Preal, essas condições visam à melhoria dos processos e dos resultados dos sistemas educacionais dos países da América Latina, além de serem elementos fundamentais à instituição da accountability. Assim, caso uma dessas condições seja frágil, estará comprometida a possibilidade de se desenvolver uma boa educação.

Nesse sentido, a accountability é tida como gerenciamento da força de trabalho dos profissionais da educação. Funcionários são responsabilizados pelo serviço oferecido e os professores e dirigentes institucionais, pelos resultados obtidos nas avaliações externas. Pela forma predominante de como essas iniciativas estão a ganhar corpo no Brasil, são duvidosas as abordagens que prometem outras finalidades de accountability, que não o controle, pelo Estado, dos resultados educacionais e a culpabilização do professor e dos funcionários pela performance em avaliações. No cenário brasileiro, embora se apregoe a salvaguarda da democracia, a accountability com acepção democrática é obstaculizada e se articula ao caráter instrumental das políticas de participação, a utilização conservadora dos mecanismos de accountability, bem como ao surgimento de um Estado-avaliador e regulador condicionado pela racionalidade econômica.

Consoante os apontamentos dos autores da obra, a introdução de um sistema de accountability na educação brasileira está conectada ao Índice de Desenvolvimento Educacional Brasileiro (Ideb), que “[...] traduziu a pretensão de providenciar a qualidade da Educação Básica brasileira” (SCHNEIDER; NARDI, 2019, p. 97). Ainda que o índice sinalize a chamada melhoria educacional com a conjugação de esforços de todos os entes federados, para os autores, “[...] a responsabilização pelos resultados educacionais recai de forma indelével sobre escolas e redes públicas de ensino. Afinal, os indicadores que conformam o índice são aferidos a partir de dados dos alunos de cada escola [...]” (SCHNEIDER; NARDI, 2019, p. 97). Dessa forma, a escola passa a ser responsável pela produção dos índices de desempenho, respondendo pelos resultados alcançados e pela visibilidade da escola na comunidade. Tem sido privilegiada a associação entre a accountability educacional e os procedimentos de avaliação vincados em testes padronizados, com ampla divulgação dos resultados. Em nome da qualidade, são evocados dispositivos de avaliação e de responsabilização como elementos indispensáveis para alcançar uma determinada qualidade.

De fato, na experiência brasileira, sobressai um modelo de índice que considera os pilares que compõem um sistema abrangente de accountability, quais sejam: avaliação, prestação de contas e responsabilização. Todavia, o pilar da avaliação possui pressupostos da lógica do mercado, com papel de controle e legitimação das políticas públicas. O pilar da prestação de contas pode assumir conotação negativa nas políticas de accountability, na medida em que lhe é atribuída função unilateral e instrumental. Nessa função, os professores prestam contas sobre os resultados nos testes estandardizados ou sobre o rendimento dos alunos, sem a contrapartida de prestação de contas por parte do Estado acerca dos recursos educacionais. Por fim, o pilar da responsabilização apresenta-se com função de penalizar ou premiar, de acordo com os resultados alcançados nas referidas avaliações.

Embora não seja possível esgotar o conteúdo nesta resenha, ressaltamos que a obra Políticas de accountability em educação: perspectivas sobre avaliação, prestação de contas e responsabilização proporciona ao leitor um significativo mergulho no debate que envolve a ação do Estado relacionada à regulação e à gestão no campo educacional; elementos para o debate teórico-conceitual da accountability; e, ainda, a accountability na Educação Básica brasileira. Sem perder de vista elementos como as novas formas de regulação, o ideário neoliberal e os princípios da New Public Management, a ideia de governança, a influência de organismos multilaterais, o Estado-avaliador, as reformas de Estado, o modelo gerencial e a centralidade das avaliações, os autores oferecem-nos uma valiosa oportunidade de problematizar os conceitos de regulação e de accountability, mostrando que a complexidade que os envolve pode nos impulsionar a discutir esses e outros diversos elementos intrínsecos ao campo da política educacional e a contribuir, dessa forma, para o avanço do conhecimento na área.

Referências

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BARROSO, J. O Estado, a educação e a regulação das políticas públicas. Educação & Sociedade, Campinas, v. 26, n. 92, esp., p. 725-751, out. 2005. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302005000300002Links ]

LESSARD, C. Évolution du métier d’enseignant et nouvelle régulation de l’éducation. Recherche et Formation, Lyon, n. 35, p. 91-116, 2000. DOI: https://doi.org/10.3406/refor.2000.1672Links ]

MAROY, C.; DUPRIEZ, V. Vers une régulation postbureaucratique des systèmes d’enseignement em Europe? Sociologie et Sociétés, Montréal , v. 40, n. 1, p. 31-35, 2008. DOI: https://doi.org/10.7202/019471arLinks ]

SCHNEIDER, M. P.; NARDI, E. L. Políticas de accountability em educação: perspectivas sobre avaliação, prestação de contas e responsabilização. Ijuí: Ed. da Unijuí, 2019. [ Links ]

Received: May 09, 2020; Revised: June 02, 2020; Accepted: June 05, 2020; Published: June 10, 2020

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