SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.15O projeto educativo conservador no Uruguai no alvorecer do século XXI: avanço privatizador e tutela ministerialPrograma Criança Feliz: um salto histórico para o passado índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Práxis Educativa

versão impressa ISSN 1809-4031versão On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.15  Ponta Grossa  2020  Epub 17-Set-2020

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.15.15357.085 

Seção Temática: Políticas conservadoras na Educação Básica

A lógica conservadora da relação público-privada na educação que contrapõe a gestão democrática e a qualidade do ensino público

The conservative logic of public-private relationship in education that counters democratic management and the quality of public education

La lógica conservadora de la relación público-privada en la educación que contradice a la gestión democrática y a la calidad de la enseñanza pública

Sílvia Cristina Conde Nogueira* 
http://orcid.org/0000-0001-6800-5615

Nayara Ferreira Costa** 
http://orcid.org/0000-0001-6015-8916

Daiana Karen Alves Santiago*** 
http://orcid.org/0000-0002-5641-5788

*Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Faculdade de Educação (FACED), Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE). Doutora em Educação. E-mail: <silviaconde@ufam.edu.br>.

**Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Faculdade de Educação (FACED). Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFAM. E-mail: <nay.ped@hotmail.com>.

***Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Faculdade de Educação (FACED). Graduada em Pedagogia. E-mail: <daianasantiago02@gmail.com>.


Resumo:

Este artigo visa analisar a relação público-privada estabelecida entre a Secretaria Municipal de Educação de Manaus (SEMED/Manaus) e o Instituto Ayrton Senna (IAS) no que tange à gestão democrática e à melhoria da qualidade da educação. As categorias teórico-metodológicas do materialismo histórico-dialético - totalidade, mediação e contradição - engendraram a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental, a observação, a organização e a análise das informações coletadas. Os marcos legais e políticos do princípio constitucional da gestão democrática do ensino público, a análise das políticas educacionais e as concepções da qualidade da educação foram mediados pelas concepções e pelas abordagens de Gadotti (2014), Gentili (2018), Peroni, Oliveira e Fernandes (2009), Cabral Neto e Silva (2001). A análise revelou que o conservadorismo, presente na política brasileira, possibilitou retrocessos às conquistas da Educação Pública e que a qualidade da educação, sob os parâmetros da parceria SEMED/Manaus e IAS, é uma mercadoria que propicia acesso individualizado e distribuição excludente de serviços.

Palavras-chave: Manaus e IAS; Gestão democrática; Qualidade da educação

Abstract:

This paper aims to analyze the public-private relationship established between the Manaus Municipal Education Secretariat (SEMED-Manaus) and the Ayrton Senna Institute (IAS) with regard to democratic management and improving the quality of education. The theoretical-methodological categories of historical-dialectical materialism - totality, mediation and contradiction - engendered the bibliographic research, documentary research and the organization and analysis of the collected information. The legal and political frameworks of the constitutional principle of Democratic management of Public Education, the analysis of education policies and the conceptions of the quality of education were mediated by the conceptions and approaches of Gadotti (2014), Gentili (2018), Peroni, Oliveira and Fernandes (2009), Cabral Neto and Silva (2001). The analysis revealed that conservatism, present in Brazilian politics, allowed regressions to the achievements of public education and that the quality of education, under the parameters of SEMED-Manaus and IAS partnership, is a commodity that provides individualized access and exclusive distribution of services.

Keywords: Manaus and IAS; Democratic management; Quality of education

Resumen:

Este artículo busca analizar la relación público-privada establecida entre la Secretaría Municipal de Educación de Manaus, Brasil (SEMED/Manaus) y el Instituto Ayrton Senna (IAS) con respecto a la gestión democrática y a la mejora de la calidad de la educación. Las categorías teórico-metodológicas del materialismo histórico-dialéctico - totalidad, mediación y contradicción - engendraron la investigación bibliográfica, investigación documental y organización y análisis de las informaciones recopiladas. Los marcos legales y políticos del principio constitucional de la Gestión democrática de la Educación Pública, el análisis de las políticas educativas y las concepciones de la calidad de la educación estuvieron mediadas por las concepciones y por los enfoques de Gadotti (2014); Gentili (2018); Peroni, Oliveira y Fernandes (2009); Cabral Neto e Silva (2001). El análisis reveló que el conservadurismo, presente en la política brasileña, permitió la regresión a los logros de la Educación Pública y que la calidad de la educación, bajo los parámetros de la asociación SEMED-Manaus e IAS, es una mercadería que proporciona acceso individualizado y distribución excluyente de servicios.

Palabras clave: Manaus y IAS; Gestión democrática Calidad de la educación

Introdução

A política educacional brasileira, nos últimos 30 anos, teve de sintetizar as contradições entre os avanços possíveis, conquistados pela classe trabalhadora1 na Constituição Federal (BRASIL, 1988), e o imperativo neoliberal. Entre os avanços, destacamos a Educação como direito social e a definição de algumas garantias para a realização desse direito como: a responsabilidade do Estado, a vinculação e a subvinculação2 de recursos em proporção mínima a uma receita de impostos e o princípio da gestão democrática do ensino público. Entretanto, sob o contexto das relações sociais capitalistas, a ofensiva neoliberal vai impondo recuos conservadores, pois o “[...] o conservadorismo é, e sempre será, alimento imprescindível da reprodução do capital [...]” (BOSCHETTI, 2015, p. 637).

São desdobramentos desses recuos as ações propostas pelas Secretarias Municipais ou Estaduais de Educação que articulam a melhoria da qualidade da educação brasileira à execução de políticas educacionais forjadas em relações entre o Estado, o setor privado e a sociedade civil. Schlesener (2019) discute o papel do Estado como agente que fomenta e intensifica as ações dos lobbies dos interesses privados dentro do setor público, de modo que possam atuar em defesa dos seus interesses de classe.

Em contraponto a esses interesses, temos o princípio constitucional da gestão democrática do ensino público que, de modo geral, consiste no protagonismo dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola. No ato das assinaturas dos termos de Convênio de Cooperação Técnica3, tal princípio dá lugar às possibilidades de intervenções e de adoção de metodologias próprias, adotadas por entes alheios ao poder público, como alternativas relacionadas à qualidade de ensino. Nosso estudo aponta para uma tendência de transferência de responsabilidades do setor público para o setor privado com o uso da estrutura pertencente ao Estado e, ainda, com a destinação do Fundo Público às entidades privadas. Ademais, aborda que essa realidade rompe a relação intrínseca entre a qualidade do ensino público e a gestão democrática.

Diante disso, o foco da pesquisa que resultou neste trabalho se deu em torno da parceria entre a Secretaria Municipal de Educação de Manaus (SEMED/Manaus) e o Instituto Ayrton Senna (IAS) que, desde 2014, vem desenvolvendo, na Rede Municipal de Ensino, ações que visam uma suposta melhoria da qualidade da educação pública. Por tratar-se de uma parceria institucional entre o poder público e o setor privado, emerge a seguinte problematização: De que maneira essa parceria contrapõe o princípio constitucional da gestão democrática do ensino público e a qualidade do ensino?

Nesse sentido, visamos analisar a parceria estabelecida entre SEMED/Manaus e IAS no que tange à gestão democrática e à qualidade da educação. Os procedimentos que viabilizaram tal análise foram: pesquisa bibliográfica, pesquisa documental, observação, organização e análise das informações coletadas. O primeiro procedimento permitiu o levantamento e a análise das obras que serviram de suporte para as concepções e as abordagens acerca dos conceitos centrais do estudo: gestão democrática e qualidade da educação. O segundo permitiu identificar a configuração de mecanismos de gestão democrática do ensino público a partir destes documentos: a Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996); a Lei Nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001 (BRASIL, 2001); Lei Nº 13.005, de 25 de junho de 2014 (BRASIL, 2014a); Documentos finais das Conferências Nacionais de Educação (BRASIL, 2010, 2014b).

No que tange à configuração da parceria entre SEMED-Manaus e o IAS, o documento denominado Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (MARE4, 1995) propiciou a qualificação da natureza dessa parceria. O papel do IAS e as diretrizes dos programas desenvolvidos por esse Instituto na SEMED-Manaus foram identificados por meio do termo de Convênio de Cooperação Técnica (MANAUS, 2014a); Contrato de Empréstimo (MANAUS; BID, 2017); Termo de Convênio de Cooperação Técnica (MANAUS, 2019b); e o Relatório Anual de Resultados (IAS, 2014). A observação de protocolos relativos à organização e a procedimentos5, exclusivamente relacionados à execução das ações do IAS em uma escola de Manaus, propiciou a identificação das estratégias, que, de modo geral, estavam pontuadas nesses documentos. O último procedimento consistiu no tratamento dos dados a partir das categorias de análise da Totalidade, Mediação e Contradição.

Cumpre destacarmos a ponderação de Mainardes e Carvalho (2019, p. 129) acerca da responsabilidade do pesquisador em considerar “[...] as questões éticas envolvidas desde a formulação do projeto até a disseminação dos seus resultados”. Nesse sentido, ressaltamos que a defesa intransigente pelo direito à educação a todos os cidadãos brasileiros e a importância de vinculação de recursos públicos, exclusivamente, para instituições públicas são valores éticos que fundamentam nossas análises. Entendemos que o Poder Público, especialmente as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação - garantidos os recursos orçamentários e financeiros necessários para condições favoráveis aos processos de ensino-aprendizagem, garantido o padrão de qualidade socialmente referenciado, em contraposição aos critérios quantitativos e meritocráticos -, tem em seus quadros servidores públicos que, sob o princípio constitucional da gestão democrática do ensino público, podem responder pelo desafio histórico da qualidade da educação6.

Quanto à estrutura da abordagem, iniciamos pautando sobre a construção de processos democráticos no ensino público a partir da Constituição Federal de 1988 e as referências a esse princípio nos marcos legais e políticos, que dão materialidade à política educacional brasileira. Na sequência, ressaltamos os aspectos da parceria estabelecida entre a SEMED/Manaus e o IAS e como as ações são desenvolvidas em uma escola de Manaus. Concluímos apontando os elementos que evidenciam que a parceria entre a SEMED/Manaus e o IAS é uma política conservadora, voltada à Educação Básica, que contrapõe a gestão democrática e a qualidade da educação.

Marcos legais e marcos políticos do princípio constitucional da gestão democrática do ensino público

A partir da introdução do princípio da gestão democrática do ensino público na Constituição Federal de 1988, surgiram diversos documentos que serviram como horizonte das lacunas deixadas pelo enunciado constitucional. Caracterizamos esses documentos como marcos legais e políticos que estabelecem diretrizes, princípios e normas para a gestão democrática, que ficou restrita ao ensino público. Destacamos como marcos legais a Lei Nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996) - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), e os Planos Nacionais de Educação (PNE) aprovados, respectivamente, pela Lei Nº 10. 172/2001 (BRASIL, 2001) e pela Lei Nº 13.005/2014 (BRASIL, 2014a). Os marcos políticos são: as Conferências Nacionais de Educação (CONAEs), ocorridas em 2010 e 2014, cujas deliberações constam como Documento final (BRASIL, 2010, 2014b).

A Lei Nº 9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases para a educação nacional, delega aos sistemas de ensino a definição de normas para a gestão democrática conforme os seguintes princípios, definidos nos incisos I e II do Art. 14: “I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola” e “II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes” (BRASIL, 1996, n.p.).

No PNE, aprovado pela Lei Nº 10. 172/2001 (BRASIL, 2001), a gestão democrática é referenciada em dois momentos. Inicialmente, no que se refere à formação de professores e à valorização do magistério, como princípio dos cursos de formação. Posteriormente, quando trata sobre financiamento e gestão da educação. Dentre as diretrizes do financiamento e a gestão da educação, que estão no PNE de 2001, acerca da gestão democrática, ficou assegurado que

[...] no exercício de sua autonomia, cada sistema de ensino há de implantar gestão democrática. Em nível de gestão de sistema na forma de Conselhos de Educação que reúnam competência técnica e representatividade dos diversos setores educacionais; em nível das unidades escolares, por meio da formação de conselhos escolares de que participe a comunidade educacional e formas de escolha da direção escolar que associem a garantia da competência ao compromisso com a proposta pedagógica emanada dos conselhos escolares e a representatividade e liderança dos gestores escolares. (BRASIL, 2001, n.p.).

A ênfase na criação de conselhos evidencia que as decisões colegiadas são estratégias importantes para implementação e consolidação de uma gestão adjetivada como democrática. Os conselhos são espaços públicos privilegiados para adoção da democracia como princípio e como método. Como princípio, significa adotá-la equivalentemente ao princípio da igualdade, de modo a garantir a participação de todos como interlocução válida. Como método, a democracia deve garantir que cada um dos participantes possa intervir e decidir (ADRIÃO; CAMARGO, 2002). Quanto aos objetivos/às metas do financiamento e à gestão da educação, ficou estabelecido que as normas para a gestão democrática do ensino público serão definidas por cada sistema de ensino com a participação da comunidade (BRASIL, 2001). Nesse sentido, assim como feito na LDBEN, foi delegada a regulamentação dessa inovação constitucional aos sistemas de ensino.

No PNE, aprovado pela Nº 13.005/2014 (BRASIL, 2014a), dentre as diretrizes, está a promoção da gestão democrática do ensino público. Ademais, a gestão democrática é referenciada em quatro momentos entre diretrizes, metas e estratégias. Em princípio, o PNE destaca que é responsabilidade dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a aprovação de leis específicas para os seus sistemas de ensino, disciplinando a gestão democrática nos respectivos espaços de atuação (BRASIL, 2014a). Dentre as metas do PNE para a educação, a gestão democrática recebe outras três referências. Duas delas estão relacionadas às estratégias para a qualidade da Educação Básica em todas as etapas e modalidades, e a outra diz respeito à meta de assegurar, no prazo de dois anos, condições para a efetivação da gestão democrática da educação, prevendo recursos e apoio técnico da União.

Cumpre destacarmos que tanto a LDBEN como os PNEs restringiram-se a delegar aos sistemas de ensino a tarefa de definir normas para a implementação da gestão democrática do ensino público. O último PNE avançou no sentido de admitir que é necessário garantir condições para a efetivação de tal princípio. Entretanto, entendemos que é no campo das contradições que emergem os limites de tal princípio e a necessária luta pela sua defesa, pois: Como estabelecer normas para a gestão democrática em estruturas tão hierárquicas, compostas por cargos preenchidos, eminentemente, por indicações? Em contrapartida, quais estratégias podem ser estabelecidas para que se garanta que as pessoas que assumem tais cargos exerçam suas funções de modo republicano e, quiçá, voltados à Educação como direito de todos? Nesse sentido, entendemos que os marcos políticos, ao serem definidos a partir da participação mais ampliada da população, podem enunciar tais estratégias, que, se não forem assumidas pelas comunidades locais, perdem a força, pois “[...] não se consegue melhorar a qualidade da educação sem a participação da sociedade na escola [...]” (GADOTTI, 2014, p. 1).

Como marcos políticos, abordaremos aqui as Conferências Nacionais de Educação (CONAEs), realizadas em 2010 e 2014. As CONAEs são precedidas por conferências municipais, intermunicipais, estaduais e distritais, que reúnem, também, diferentes segmentos, setores e profissionais interessados na melhoria da qualidade da educação. Essas conferências contribuem para a discussão da educação, pois asseveram o resultado de lutas históricas e de embates e debates democráticos. Ademais, as CONAEs, ao indicarem responsabilidades e corresponsabilidades, atribuições concorrentes, complementares e colaborativas entre os entes federados e os sistemas de ensino, objetivam contribuir com a política nacional de educação. Essas conferências são espaços fundamentais para a consolidação da participação ampla e para a efetivação de políticas de estado no país. Os documentos finais das CONAEs são, portanto, frutos de um rico processo de construção coletiva.

Na CONAE 2010, o tema foi “Construindo o Sistema Nacional Articulado de Educação: O Plano Nacional de Educação, diretrizes e estratégias de ação”. A Conferência foi realizada em Brasília/DF, no período de 28 de março a 1° de abril de 2010. O documento final da CONAE 2010 (BRASIL, 2010) está estruturado em seis eixos temáticos. Dentre eles, o Eixo II “Qualidade da educação, gestão democrática e Avaliação” traz os aspectos e os mecanismos que traduzem/caracterizam a gestão democrática como fator de melhoria na qualidade da educação.

Esse documento ratifica o princípio da gestão democrática da educação assegurado na Constituição Federal de 1988, destacando que, para além do ensino público, esse princípio deve ser estendido ao setor privado. Ademais, a gestão democrática - ao ser entendida como espaço de deliberação coletiva - envolve a participação de estudantes, profissionais da educação, mães, pais ou responsáveis e precisa ser assumida como melhoria da qualidade da educação, aprimoramento e continuidade das políticas educacionais. Além disso, pensar a gestão democrática em uma perspectiva ampla, que considera não só os níveis de ensino, as etapas e as modalidades, mas também considera as instâncias e os mecanismos de participação coletiva. Defende-se uma perspectiva ampla de gestão democrática, perspectiva que seja capaz de envolver os sistemas e as instituições educativas públicas e privadas. Nesse processo, alguns aspectos são fundamentais, como: a autonomia didático-científica, administrativa, pedagógica e de gestão financeira, a representatividade social e a formação da cidadania (BRASIL, 2010).

Ao considerarmos a gestão democrática como princípio, há a necessidade de discutirmos permanentemente os processos de organização e de gestão das instituições e dos sistemas de ensino, de modo a refletir os conceitos e as práticas que as direcionam, garantindo ações concretas para que se tenha uma educação de qualidade. Além disso, há urgência em definir mecanismos institucionais e diretrizes gerais que concretizem o princípio da gestão democrática regulamentando o Art. 206 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2010).

A segunda Conferência Nacional de Educação, realizada no período de 19 a 23 de novembro de 2014, também em Brasília/DF, teve como tema central “O PNE na Articulação do Sistema Nacional de Educação: Participação Popular, Cooperação Federativa e Regime de Colaboração”. O Documento final (BRASIL, 2014b) está estruturado em sete eixos. O Eixo V diz respeito à gestão democrática.

Para que se adote o princípio da gestão democrática nos sistemas de ensino e para que se proporcione o fortalecimento dos vários segmentos da comunidade escolar, é preciso romper com as práticas autoritárias e centralizadoras que ainda estão presentes na cultura política da sociedade e demarcada pelas desigualdades sociais. O rompimento com essas práticas garantirá autonomia aos gestores, à comunidade escolar, aos profissionais da educação e à toda a comunidade escolar que decidirá democraticamente por meio da participação coletiva (BRASIL, 2014b).

Para a garantia de novos mecanismos de organização e gestão, é necessário construir, ampliar, efetivar e aperfeiçoar espaços democráticos de controle social e de tomada de decisão que favoreça a interlocução e o diálogo entre os setores da sociedade. A participação é uma das bandeiras fundamentais para implementar uma política educacional, no âmbito nacional, que almeje objetivos formativos libertadores e emancipatórios. Além disso, é necessário garantir meios e condições para que os processos de gestão sejam construídos coletivamente. Nesse sentido, é possível criar espaços de intervenção que possibilitem a participação coletiva, de modo a buscar novas respostas a problemas sociais e educacionais, objetivando a superação das desigualdades sociais (BRASIL, 2014b).

Entendemos que esses documentos finais das CONAEs (BRASIL, 2010, 2014b), ao registrarem as discussões e as deliberações dessas Conferências, se constituem em verdadeiros marcos políticos que vão qualificando os permanentes processos de construção necessários para a materialização do princípio constitucional da gestão democrática do ensino, sem restrição à esfera pública. Vão apontando para a necessidade de democratização para além dos muros das escolas, para isso é preciso democratizar os sistemas para que possamos referendar as decisões coletivas que possibilitarão mudanças necessárias.

Todavia, não podemos desconsiderar que as mudanças necessárias, almejadas pela classe trabalhadora na esfera pública educacional, esbarram na agenda privada mercantil que se impõe à educação pública. Essa agenda encontra no processo de escolarização um modo de remediar suas crises tornando o Estado um consumidor direto e facilitador de ações monopolistas de empresas dominantes, cuja ação nas escolas visa a (con)formação da força de trabalho (GAWRYSZEWSKI; MOTTA; PUTZKE, 2017).

Não podemos subestimar, portanto, o conservadorismo presente na sociedade brasileira que se manifesta, conforme a Ciência Política, por meio de ideias e de ações contrárias às forças inovadoras, para a manutenção e os modos de funcionamento do sistema político vigente (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998). São essas ideias que permeiam os embates e as sínteses possíveis do conjunto da legislação brasileira. É justamente esse conjunto que dá o suporte para a adoção de políticas que representam verdadeiros retrocessos à luta em defesa da Educação Pública, como, por exemplo, a previsão legal para as parcerias entre instituições do Poder Público e entidades privadas voltadas às ações como a melhoria da qualidade da educação. Esse é objeto da próxima seção.

SEMED/Manaus e Instituto Ayrton Senna: parceria para melhoria da qualidade da educação. Qual qualidade?

A política educacional brasileira, na década de 1990, sintetizou os anseios das conquistas possíveis para a escola pública e a ofensiva neoliberal, adotada para “resolver” a crise que era/é, antes de tudo, estrutural. São expressões desse contexto, dentre outras, as políticas referentes à reformulação curricular embasada nos Parâmetros Curriculares Nacionais, a ação estatal focalizada no Ensino Fundamental, a desarticulação entre Ensino Médio e Educação Profissional e as mudanças nos cursos de formação de professores. Ao escrever sobre, e nesse período, Gentili (2018) destacou que

[...] o neoliberalismo ataca a escola pública a partir de uma série de estratégias privatizantes, mediante a aplicação de uma política de descentralização autoritária e, ao mesmo tempo, mediante uma política de reforma cultural que pretende apagar o horizonte ideológico de nossas sociedades a possibilidade mesma de uma educação democrática, pública e de qualidade para as maiorias [...] que, em suma, pretende negar e dissolver a existência mesma do direito à educação [...]. (GENTILI, 2018, p. 229).

Cumpre destacarmos que essas estratégias privatizantes foram/são possíveis pela reforma do estado brasileiro, expressa no documento Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (MARE, 1995), que implantou a administração pública gerencial. Nesse tipo de administração, o Estado Gerencial continua responsável pelos direitos básicos; no entanto, passa a expressar “[...] os direitos individuais, assegurados pelo Estado, mas viabilizado pelo mercado” (PERONI, 2003, p. 63). Nesse sentido, o Estado viabiliza a parceria entre o setor público e o ente privado, para atender ao cidadão-cliente, valorizando-se mais o mercado em vez de enaltecer o sujeito de direito. Isso consiste na transferência de responsabilidades para o setor privado de atividades que passariam a ser controladas pelo mercado (MARE, 1995).

Para a implantação desse estado gerencial, foi necessário, também, uma nova modalidade de propriedade, a propriedade pública não estatal. Conforme o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (MARE, 1995), nessa modalidade, as organizações sem fins lucrativos atendem diretamente ao interesse público e podem atuar nos setores não exclusivos do Estado. Nesse documento, a definição de serviços não exclusivos é:

SERVIÇOS NÃO EXCLUSIVOS. Corresponde ao setor onde o Estado atua simultaneamente com outras organizações públicas não-estatais e privadas. As instituições desse setor não possuem o poder de Estado. Este, entretanto, está presente porque os serviços envolvem direitos humanos fundamentais, como os da educação e da saúde, ou porque possuem “economias externas” relevantes, na medida que produzem ganhos que não podem ser apropriados por esses serviços através do mercado. As economias produzidas imediatamente se espalham para o resto da sociedade, não podendo ser transformadas em lucros. São exemplos deste setor: as universidades, os hospitais, os centros de pesquisa e os museus. (MARE, 1995, p. 41-42, grifo nosso).

O grifo revela que a educação está entre os serviços não exclusivos em que a ação das organizações sem fins lucrativos é permitida. Eis a porta de entrada para a educação ser objeto da parceria entre o Poder Público e um ente privado. Sob o horizonte de defesa da educação pública é importante ressaltar a ponderação de Dourado (2006, p. 283): “[...] o embate entre o público e o privado, no campo educacional, revela a persistência de forças patrimoniais na educação, favorecendo, dessa forma, várias modalidades de privatização do público”.

Ao analisarem a crise demarcada no ano de 2008, Peroni, Oliveira e Fernandes (2009) ponderam que o capitalismo continua em crise, desde os anos de 1970, e suas principais estratégias para superá-la implicam a redefinição do papel do Estado. Para as autoras, o neoliberalismo e a terceira via sustentam que o responsável pela crise é o Estado, mas propõem estratégias diferentes de superação: o primeiro defende o Estado mínimo e a privatização; assim, repassa para o mercado a responsabilidade de superar a crise, as falhas do Estado; a segunda propõe a reforma do Estado reduzindo o seu papel na execução das políticas sociais por meio da parceria com o terceiro setor - sociedade civil sem fins lucrativos (PERONI; OLIVEIRA; FERNANDES, 2009).

As autoras afirmam que o Estado, ao repassar para a sociedade civil a execução de políticas sociais, focaliza essas políticas nos mais pobres e tem a responsabilidade de repassar o financiamento. Para Gawryszewski, Motta e Putzke (2017), essa prática, fomentada desde os anos 1990, criou condições favoráveis à implementação da agenda privada-mercantil por meio da regulamentação das ações de organizações sociais na esfera pública. Assim, diante da redefinição do Estado, a terceira via remete à sociedade civil, ou seja, ao terceiro setor a responsabilidade pela implantação de políticas sociais, visando à superação da crise. Muitos municípios brasileiros buscam no terceiro setor parcerias para a execução de políticas educacionais com o pretexto de suposta superação dos problemas educacionais e modernização da gestão escolar (PERONI; OLIVEIRA; FERNANDES, 2009).

Em Manaus, uma das parcerias vigentes foi firmada entre a SEMED/Manaus e o IAS. De acordo com Estatuto Social do Instituto Ayrton Senna (IAS, 2016), o instituto é uma associação civil de caráter filantrópico e sem fins lucrativos. Conforme o endereço eletrônico7, o IAS tem como objetivo ampliar as oportunidades de crianças e de jovens por meio da educação, levando para redes públicas de ensino do país uma educação de qualidade. Em 2014, a SEMED/Manaus e o IAS assinaram o convênio de cooperação técnica com o objetivo de definir estratégias e análises necessárias para a implementação de “soluções educacionais” relativas ao Ensino Fundamental. Consta, ainda, como objeto desse convênio a intervenção do IAS - por meio da utilização dos conhecimentos e das metodologias como os Programas Se Liga, Acelera e Fórmula da Vitória - na proposição de soluções alternativas voltadas ao aprimoramento da qualidade educacional da Rede Municipal de Ensino (MANAUS, 2014a). O recurso para a execução dessa parceria estava previsto no financiamento contraído pela Prefeitura de Manaus, junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID (MANAUS, 2015a); entretanto, o contrato de empréstimo só foi celebrado em julho de 2017 (MANAUS; BID, 2017).

Esse contrato de empréstimo trata do Projeto de Expansão e Melhoria Educacional da Rede Pública Municipal de Manaus (PROEMEM), que é composto pelos seguintes componentes: expansão da cobertura da Educação Infantil e Ensino Fundamental; melhoria da qualidade da educação; gestão, monitoramento e avaliação da administração do projeto. As ações do IAS são referentes ao componente “melhoria da qualidade da educação”. Como itens financiáveis desse componente temos:

(i) o desenho e a implementação dos programas de aceleração da aprendizagem e do reforço escolar com o apoio do Instituto Ayrton Senna para os alunos com maior distorção idade/ano e com pior resultado acadêmico, respectivamente; (ii) o apoio ao redesenho dos concursos para seleção de novos professores, assim como a revisão do estágio probatório pelo qual passam os professores contratados por meio do sistema de “coaching” e a implementação dos processos de avaliação destes; (iii) revisão do processo de seleção de formadores da SEMED, responsáveis pela capacitação dos professores e gestores da rede municipal e atividades de formação e capacitação dos profissionais de educação; e (iv) projetos escolares para a melhoria do desempenho educacional e da gestão escolar, selecionados por meio de um fundo competitivo de projetos (MANAUS; BID, 2017, p. 39).

Inferimos, a partir desses itens financiáveis, que a concepção de qualidade da educação, compactuada pelo IAS, BID e pela SEMED/Manaus no Contrato de Empréstimo (MANAUS; BID, 2017), refere-se aos princípios da qualidade total transferidos do campo empresarial para a área educacional, estratégia hegemônica na política educacional brasileira, desde a década de 1990. Nesses itens, emergem os seguintes focos que identificam tal transferência: princípios, ideias e práticas voltados à qualidade humana dos sujeitos do processo educacional; à qualidade funcional das atividades técnicas, pedagógicas e administrativas; à qualidade técnica dos instrumentos e das metodologias (CABRAL NETO; SILVA, 2001).

A materialidade desses focos está nas ações previstas na parceria IAS e SEMED/Manaus, estabelecida desde a celebração do Termo de Convênio de Cooperação Técnica nº 17 em 28 de novembro de 2014 (MANAUS, 2014a) e renovada pelo Termo de Convênio de Cooperação Técnica nº 02, assinado em 20 de fevereiro de 2019 (MANAUS, 2019b). Essas ações referem-se à implementação dos programas Se Liga, Acelera, Fórmula da Vitória, Gestão da Alfabetização, Para Saber Mais, e envolvem encontros denominados de formação (MANAUS 2014b, 2015b, 2016, 2017a, 2017b, 2018, 2019a) e acompanhamento das metodologias propostas por tais programas. Esses programas estão voltados ao treinamento de pessoas e reúnem um conjunto de métodos e de técnicas que, se bem aplicados, segundo seus elaboradores, contribuem para a qualidade da educação. Tudo se resume em planejamento e gestão do processo ensino-aprendizagem, conforme podemos confirmar nos documentos do IAS:

[...] desde o início da nossa atuação, quando o Brasil ainda estava distante de estabelecer metas para a qualidade da educação, já adotávamos estratégias de intervenção baseadas na definição de metas, gestão de processos, formação de profissionais e acompanhamento de resultados para qualificar a aprendizagem dos alunos e prepará-los para os desafios da escola e da vida. (IAS, 2014, p. 3, grifo nosso).

Em 2017, foi possível observar a execução de parte do pacote adquirido pela SEMED/Manaus em uma escola de Manaus e que revelaram tais estratégias. A partir das observações sistemáticas, constatamos: formação de turmas específicas para os alunos dos programas “Se liga” e “Acelera”; atividades exclusivas para essas turmas; presença semanal de uma tutora, que é responsável por quatro ou mais escolas. Em relação ao planejamento das atividades, baseadas no estabelecimento de metas a serem atingidas no processo ensino-aprendizagem, identificamos as ações mensais junto à Secretaria e quinzenais na Divisão Distrital Zonal correspondente.

Ademais, essa escola tinha 28 turmas, das quais apenas duas faziam parte dos programas do IAS - uma turma no turno matutino e outra no turno vespertino, que tinham atividades e rotinas diferenciadas. Nessas turmas, havia uma quantidade de alunos menor em relação às outras turmas, o número máximo era de 25 alunos, e os alunos com alguma deficiência não participavam dos programas. Desse modo, as soluções da iniciativa privada para o setor público perpassam pela seletividade e pelo controle de pessoas e de condições.

No que tange ao controle, Adrião e Peroni (2011), ao abordarem as parcerias firmadas entre alguns municípios brasileiros e o IAS, concluem que houve influência na gestão do sistema educacional e na gestão escolar; modificação do desenho institucional, na legislação e nas concepções acerca de gestão. As autoras apontam, ainda, as consequências de tal influência e mudanças, como o estabelecimento de hierarquias e a inviabilidade da possibilidade de liberdade de ensino devido ao controle de metas e rotinas de todos os sujeitos envolvidos. Ademais, atestaram que, em alguns casos, mesmo com o término da parceria, houve a continuidade das normativas; em outros casos, a permanência das rotinas; e houve, ainda, casos em que o Projeto Político Pedagógico absorveu a lógica implementada pelo IAS.

Em contrapartida a essa situação, é necessário resgatarmos as potencialidades da gestão democrática na constituição de um espaço público de direito, que promova condições de igualdade e liberdade, que contribua para a superação do sistema educacional seletivo e excludente. A gestão democrática constitui-se em horizonte para o rompimento com práticas centralizadoras, ainda presentes na cultura política da sociedade (BRASIL, 2010, 2014b).

A qualidade proposta na parceria IAS e SEMED/MANAUS contrapõe-se, portanto, ao princípio da gestão democrática do ensino público por duas razões. Em primeiro lugar, porque o pacote da “qualidade”, a ser entregue, está pronto para ser executado, pois se refere à Gestão da Qualidade Total em Educação. Em segundo, porque o pacote pronto é uma mercadoria que inviabiliza o princípio da participação da comunidade escolar e local, negando que a “[...] qualidade da educação é um direito inalienável de todos os cidadãos, sem distinção” (CABRAL NETO; SILVA, 2001, p. 19).

À título de conclusão: não existe qualidade da educação sem gestão democrática do ensino público

Com o propósito de analisar a parceria estabelecida entre a SEMED/Manaus e o IAS, no que tange à gestão democrática e à qualidade da educação, abordamos os seguintes aspectos: o delineamento do princípio constitucional da gestão democrática nos últimos 30 anos e a identificação da concepção de qualidade do ensino latente nos termos e nas ações que legitimam tal parceria. Em relação ao primeiro aspecto, destacamos que o conservadorismo possibilitou retrocessos aos avanços conquistados por aqueles que defendem uma educação democrática. Quanto ao segundo aspecto, ressaltamos que a qualidade da educação, sob os parâmetros daquela parceria, é uma mercadoria que propicia acesso individualizado e distribuição excludente de serviços educacionais.

Isso permitiu caracterizarmos essa parceria como uma política conservadora que contrapõe a gestão democrática e a qualidade da educação. Duas razões fundamentam essa caracterização: a primeira diz respeito ao não rompimento com a lógica da participação restrita, pois a natureza da parceria IAS/SEMED-Manaus não garante o compartilhamento das decisões e de poder. A segunda razão refere-se ao fato da impossibilidade da criação de espaços de deliberação coletiva, que é um dos pressupostos para a melhoria da qualidade da educação e das políticas educacionais (GADOTTI, 2014).

Os termos da parceria IAS/SEMED-Manaus - abordados aqui por meio de documentos e de ações - revelam que, em nome da melhoria da qualidade da educação, a participação dos gestores e professores se refere à execução das tarefas, a serem supervisionados, avaliados e treinados para a proposição de projetos fomentadores do desempenho educacional e da gestão escolar. Nesses termos, a participação é restrita porque não há espaço para deliberações coletivas sem o risco de tornar-se um mecanismo legitimador de decisões já tomadas.

O papel atribuído ao IAS nessa parceria, que, supostamente, visa à melhoria da qualidade do ensino, resume-se ao planejamento e à gestão dos processos ensino-aprendizagem, materializados em cursos de formação, adoção de metodologias para alcance de metas cujos pressupostos evidenciam os princípios da qualidade total no campo educacional e viabiliza a privatização da educação na modalidade de transferência de recursos públicos para entidades privadas.

Em contrapartida a essa lógica conservadora, entendemos que a luta pela qualidade da educação fundamenta-se na defesa da Educação Pública, da gestão democrática e dos requisitos sintetizados por Cabral Neto e Silva (2001): qualidade para poucos é privilégio; qualidade não é uma mercadoria; qualidade da educação é um direito intransferível de todos e para todos. Ademais, não podemos esquecer que as políticas conservadoras para a Educação Básica, como essa que prevê a parceria entre o IAS/SEMED-Manaus, precisa negar a viabilidade de uma gestão democrática, porque a participação e a transparência são nocivas à gestão dos recursos destinados para a realização das ações propostas. Sem gestão democrática, cabe a alguns, por exemplo, as decisões acerca da aplicação dos recursos da ordem de vinte e seis milhões, duzentos e sessenta mil dólares (MANAUS; BID, 2017) previstos para custear o componente “melhoria da qualidade da educação”. Uma vez que a lógica mercadológica, embutida na Qualidade Total da Educação, é seletiva, não há qualidade da educação, de modo pleno, sem Gestão Democrática do Ensino Público.

1As políticas sociais são importantes na agenda de luta dos trabalhadores quando viabilizam ganhos para os trabalhadores e alguns limites para o capital (BEHRING; BOSCHETTI, 2010).

2 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB).

3 O termo de Convênio de Cooperação Técnica pode ser um dos documentos que celebram os ajustes das relações estabelecidas entre os entes públicos e privados.

4 MARE - Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado.

5 Atendendo ao disposto por Creswell (2007apudMAINARDES; CARVALHO, 2019), evidenciamos a preocupação de destacar o cuidado ético em ter o consentimento da instituição para a observação das rotinas, o empenho para que esses registros ficassem restritos aos protocolos estabelecidos para a organização e os procedimentos referentes às ações do IAS na escola.

6 Os apontamentos feitos por Gewirtz (2007) foram basilares para o anúncio dos valores éticos que perpassam o processo de investigação e a exposição dos resultados.

Referências

ADRIÃO, T.; CAMARGO, R. B. A gestão democrática na Constituição Federal de 1988. In: OLIVEIRA, R. P.; ADRIÃO, T. (orgs.). Gestão, financiamento e direito à educação: análise da LDB e da Constituição Federal. 2.ed. São Paulo: Xamã, 2002. p. 69-88. [ Links ]

ADRIÃO, T.; PERONI, V. M. V. Consequências da Atuação do Instituto Ayrton Senna para a Gestão da Educação Pública: observações sobre 10 estudos de caso. Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 6, n. 1, p. 45-53, jan./jun. 2011. DOI: https://doi.org/10.5212/PraxEduc.v.6i1.0004Links ]

BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. Política social: fundamentos e história. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2010. [ Links ]

BOBBIO, N.; METTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de política. Tradução Carmem C. Varrialle et al. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. [ Links ]

BOSCHETTI, I. Expressões do conservadorismo na formação profissional. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 124, p. 637-651, out./dez. 2015. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.043Links ]

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, [1988]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 abr. 2020. [ Links ]

BRASIL. Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Presidência da República , Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, [1996]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 20 abr. 2020. [ Links ]

BRASIL. Lei Nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional da Educação e dá outras providências. Brasília: Presidência da República , Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, [2001]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LEIS_2001/L10172.htm. Acesso em: 6 maio 2020. [ Links ]

BRASIL. Conferência Nacional de Educação: Documento final. Brasília: MEC, 2010. Disponível em: http://conae.mec.gov.br/images/stories/pdf/pdf/documetos/documento_final_sl.pdf. Acesso em: 7 maio 2020. [ Links ]

BRASIL. Conferência Nacional de Educação: Documento final . Brasília: MEC , 2014b. Disponível em: http://conae2014.mec.gov.br/images/pdf/doc_referencia.pdf. Acesso em: 7 maio 2020. [ Links ]

BRASIL. Lei Nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional da Educação e dá outras providências. Brasília: Presidência da República , Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, [2014a]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm. Acesso em: 6 maio 2020. [ Links ]

CABRAL NETO, A.; SILVA, J. G. da. A construção histórica do paradigma da qualidade total no campo empresarial e a sua transplantação para o campo educacional. Contexto & Educação, Rio Grande do Sul, v. 16, n. 62, p. 7-30, abr./jun. 2001. DOI: https://doi.org/10.21527/2179-1309.2001.62.7-30Links ]

CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. Tradução Luciana Oliveira da Rocha. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. [ Links ]

DOURADO, L. F. O público e o privado na agenda educacional brasileira. In: FERREIRA, N. S. C.; AGUIAR, M. A. S. (orgs.). Gestão da educação: impasses, perspectivas e compromissos. São Paulo: Cortez , 2006. p. 281-293. [ Links ]

GADOTTI, M. Gestão democrática com participação popular no planejamento e na organização da educação nacional. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO - Conae, 2014, Brasília. Anais eletrônicos [...]. Brasília: MEC , 2014. Disponível em: http://conae2014.mec.gov.br/images/pdf/artigogadotti_final.pdf. Acesso em: 6 maio 2020. [ Links ]

GAWRYSZEWSKI, B.; MOTTA, V. C.; PUTZKE, C. K. Gestão privada das escolas públicas da educação básica: um novo mercado sob a tutela do Estado. Práxis Educativa , Ponta Grossa, v. 12, n. 3, p. 728-748, set./dez. 2017. Acesso em: 5 maio 2020. DOI: https://doi.org/10.5212/PraxEduc.v.12i3.003Links ]

GENTILI, P. Adeus à Escola Pública: a desordem neoliberal, a violência do mercado e o destino da educação das maiorias. In: GENTILI, P. (org.). Pedagogia da exclusão: crítica ao neoliberalismo em educação. 19. ed. 3. reimp. Petrópolis: Vozes, 2018. p. 215-237. [ Links ]

GEWIRTZ, S. A reflexividade ética na análise de políticas: conceituação e importância. Práxis Educativa , Ponta Grossa, v. 2, n. 1, p. 7-12, jan./jun. 2007. Disponível em: https://www.revistas2.uepg.br/index.php/praxiseducativa/article/view/298. Acesso em: 30 jun. 2020. [ Links ]

IAS. Instituto Ayrton Senna. Relatório Anual de Resultados. São Paulo, 2014. Disponível em: https://institutoayrtonsenna.org.br/content/dam/institutoayrtonsenna/documentos/ relat%C3%B3rios-anuais/Instituto-Ayrton-Senna-Relatorio-Anual-de-Resultados-2014.pdf.pdf. Acesso em: 30 abr. 2020. [ Links ]

IAS. Instituto Ayrton Senna. Ata da Assembleia Geral Ordinária. São Paulo, 2016. Disponível em: https://institutoayrtonsenna.org.br/content/dam/institutoayrtonsenna/static_ files/pdf/Estatuto-Social-Instituto-Ayrton-Senna.pdf. Acesso em: 1 maio 2020. [ Links ]

MAINARDES, J.; CARVALHO, I. C. M. Autodeclaração de princípios e de procedimentos éticos na pesquisa em Educação. In: ANPED. Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. (org.). Ética e pesquisa em Educação: subsídios. Rio de Janeiro: ANPEd, 2019. p. 129-132. Disponível em: http://www.anped.org.br/news/comissao-da-anped-apresenta-documento-etica-e-pesquisa-em-educacao-subsidios. Acesso em: 30 jun. 2020. [ Links ]

MANAUS. Extrato. Termo de Convênio de Cooperação Técnica nº. 17/2014, celebrado em 28/11/14. Diário Oficial do Município de Manaus: Manaus, AM, ano XV, ed. 3544, p. 14, 1 dez. 2014a. Disponível em: http://dom.manaus.am.gov.br/pdf/2014/dezembro/DOM%203544%2001.12.2014%20CAD%201.pdf/. Acesso em: 6 maio 2020. [ Links ]

MANAUS. Pedagogos da Semed participam de formação da metodologia do Instituto Ayrton Senna. Manaus, 2014b. Disponível em: http://semed.manaus.am.gov.br/pedagogos-da-semed-participam-de-formacao-da-metodologia-do-instituto-ayrton-senna/. Acesso em: 1 maio 2020. [ Links ]

MANAUS. Instrução Normativa nº 002, de 12 de maio de 2015. Diário Oficial Município de Manaus: Manaus, AM, 13 maio 2015a. Disponível em: http://dom.manaus.am.gov.br/pdf/2015/maio/DOM%203646%2013.05.2015%20CAD%201.pdf/view. Acesso em: 1 maio 2020. [ Links ]

MANAUS. Professores da Semed passam por formação do programa Pit Stop. 2015b. Disponível em: http://semed.manaus.am.gov.br/professores-da-semed-passam-por-formacao-do-programa-pit-stop/. Acesso em: 2 maio 2020. [ Links ]

MANAUS. Servidores da educação municipal têm formação em programas do Instituto Ayrton Senna. 2016. Disponível em: http://semed.manaus.am.gov.br/servidores-da-educacao-municipal-tem-formacao-em-programas-do-instituto-ayrton-senna/. Acesso em: 2 maio 2020. [ Links ]

MANAUS. Educadores dos programas Pit Stop e Fórmula da Vitória passam por formação. 2017a. Disponível em: http://semed.manaus.am.gov.br/educadores-dos-programas-pit-stop-e-formula-da-vitoria-passam-por-formacao/. Acesso em: 2 maio 2020. [ Links ]

MANAUS. Gestores da rede municipal de ensino participam do 1º módulo de formação do Progem. 2017b. Disponível em: http://semed.manaus.am.gov.br/gestores-da-rede-municipal-de-ensino-participam-do-1o-modulo-de-formacao-do-progem/. Acesso em: 2 maio 2020. [ Links ]

MANAUS. Professores da Rede Municipal de Ensino recebem formação do programa Fórmula da Vitória. 2018. Disponível em: http://www.manaus.am.gov.br/noticia/programa-formula-da-vitoria. Acesso em: 2 maio 2020. [ Links ]

MANAUS. Educadores participam de formação dos programas de correção de fluxo ‘Se Liga e Acelera’. 2019a. Disponível em: http://semed.manaus.am.gov.br/educadores-participam-de-formacao-dos-programas-de-correcao-de-fluxo-se-liga-e-acelera/. Acesso em: 2 maio 2020. [ Links ]

MANAUS. Extrato. Termo de Convênio de Cooperação Técnica nº 002/2019. Diário Oficial do Município de Manaus: Manaus, AM, ano XX, ed. 4551, p. 21, 7 mar. 2019b. Disponível em: http://dom.manaus.am.gov.br/pdf/2019/marco/DOM%204551%2007.03.2019%20CAD%201.pdf/view. Acesso em: 6 maio 2020. [ Links ]

MANAUS; BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO (BID) . Contrato de Empréstimo No. 3397/OC-BR entre o Município de Manaus e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Projeto de Expansão e Melhoria Educacional da Rede Pública Municipal de Manaus (PROEMEM). 14 jul. 2017. Disponível em: http://idbdocs.iadb.org/wsdocs/getdocument.aspx?docnum=EZSHARE-2056220512-5044. Acesso em: 6 maio 2020. [ Links ]

MARE. Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. 1995. Disponível em: http://www.bresserpereira.org.br/documents/mare/planodiretor/planodiretor.pdf. Acesso em: 6 maio 2020. [ Links ]

PERONI, V. M. V. Política educacional e papel do Estado: no Brasil dos Anos 1990. São Paulo: Xamã , 2003. [ Links ]

PERONI, V. M. V.; OLIVEIRA, R. T. C.; FERNANDES, M. D. E. Estado e terceiro setor: as novas regulações entre o público e o privado na gestão da educação básica brasileira. Educação & Sociedade, Campinas, v. 30, n. 108, p. 761-778, out. 2009. Acesso em: 25 abr. 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/S0101-73302009000300007Links ]

SCHLESENER, A. H. “Esta mesa redonda é quadrada”: a gestão democrática no contexto da democracia burguesa. Práxis Educativa , Ponta Grossa, v. 14, n. 1, p. 362-376, jan./abr. 2019. DOI: https://doi.org/10.5212/PraxEduc.v.14n1.019Links ]

Recebido: 10 de Maio de 2020; Revisado: 02 de Julho de 2020; Aceito: 03 de Julho de 2020; Publicado: 14 de Julho de 2020

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.