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Práxis Educativa

versión impresa ISSN 1809-4031versión On-line ISSN 1809-4309

Práxis Educativa vol.15  Ponta Grossa  2020  Epub 17-Sep-2020

https://doi.org/10.5212/praxeduc.v.15.15445.087 

Seção Temática: Políticas conservadoras na Educação Básica

Programa Criança Feliz: um salto histórico para o passado*

Happy Child Program: a historic leap into the past

Programa Niño Feliz: un salto histórico al pasado

**Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE). E-mail: <zana.c2001@gmail.com>.


Resumo:

Este artigo origina-se de uma reflexão teórica sobre o Programa Criança Feliz, vinculado ao atual Ministério da Cidadania, e tem por objetivo analisar qual papel de família e de Estado são apresentados no citado programa. Para tanto, foi realizada uma análise em documentos normativos e orientadores, de modo a problematizar o que significa esse programa em uma conjuntura de retrocesso de direitos. Nesse sentido, as análises indicam que o citado programa compõe a agenda conservadora do atual Governo Federal e implica não apenas uma regressão na concepção e na execução de políticas de assistência social e educativa, como também é a difusão de uma lógica higienista - disciplinadora destinada às famílias pobres.

Palavras-chave: Políticas públicas para a Educação Infantil; Conservadorismo; Programa Criança Feliz

Abstract:

This article originates from a theoretical reflection on the Happy Child Program linked to the current Ministry of Citizenship and aims to analyze which role of family and State are presented in the mentioned program. To this end, an analysis was carried out on normative and guiding documents, questioning what this program means in a context of setbacks of rights. In this sense, the analyzes indicate that the aforementioned program composes the conservative agenda of the current Federal Government, and implies not only a regression in the conception and execution of social and educational assistance policies, but also the diffusion of a hygienist - disciplinary logic aimed at poor families.

Keywords: Public policies for Early Childhood Education; Conservatism; Happy Child Program

Resumen:

Este artículo se origina en una reflexión teórica sobre el Programa Niño Feliz vinculado al actual Ministerio de la Ciudadanía y tiene como objetivo analizar cuál papel de la familia y del Estado son presentados en el programa mencionado. Para ello, fue realizado un análisis de documentos normativos y orientadores, de modo a problematizar qué significa este programa en un contexto de retroceso de derechos. En este sentido, los análisis indican que el programa mencionado compone la agenda conservadora del Gobierno Federal actual e implica no sólo una regresión en la concepción y en la ejecución de políticas de asistencia social y educativa, sino también es la difusión de una lógica higienista - acción disciplinaria destinada a las familias pobres.

Palabras clave: Políticas públicas para la Educación Infantil; Conservadurismo; Programa Niño Feliz

Introdução

No Brasil, a educação das crianças, das famílias, sobretudo educação das mulheres, como estratégia de “melhoria” às condições de vida, não é novidade. É possível observar essa lógica ao longo do processo de modernização que buscava reparar o “[...] atraso dos trópicos em oposição à civilização” (OLIVEIRA SOBRINHO, 2013, p. 211). Nesse sentido, conforme destaque de Chalhoub (2006), as classes pobres não eram mais compreendidas apenas como ameaça para a organização do trabalho e a manutenção da ordem pública, pois eram também considerados “perigosos”, tendo em vista suas condições de vida insalubres, seus vícios, seus ócios que favoreciam a proliferação e o contágio de doenças, ameaçando a organização social. Dito de outro modo,

[...] o próprio perigo social representado pelos pobres aparecia no imaginário político brasileiro de fins de século XIX através da metáfora da doença contagiosa: as classes perigosas continuaram a se reproduzir enquanto as crianças pobres permanecem expostas aos vícios de seus pais. Assim, na própria discussão sobre a repressão à ociosidade, que temos citado, a estratégia de combate ao problema é geralmente apresentada como constituindo em duas etapas: mais imediatamente cabia reprimir os supostos hábitos de não-trabalho dos adultos; a mais longo prazo, era necessário, cuidar da educação dos menores. (CHALHOUB, 2006, p. 29, grifo nosso).

É seguindo essa perspectiva que observamos o desenvolvimento das ações voltadas à educação das crianças, pautada no discurso público do progresso da nação, na ordem médica higienista, em um novo ideário de nação. Não obstante, importante observarmos que, na busca de “civilizar” o Brasil, as indicações para as crianças e as famílias tinham endereço certo, isto é, as crianças e as famílias que despontavam como objeto de interesse e urgência de intervenção pertenciam aos estratos empobrecidos da população (RIZZINI, 2008).

De acordo com Rizzini (2008), os pobres eram classificados em dois estágios: os pobres dignos e os viciosos; em outras palavras, os pobres que trabalhavam e que, por consequência, conseguiam manter a família unida, os/as filhos/as na escola, observavam os costumes religiosos, da moral e da ordem; e aqueles que não tinham essa condição e se “entregavam” aos vícios comuns e às doenças. Desse modo, o alvo eram as crianças e as famílias pobres da classe trabalhadora, para incutir “[...] os valores morais considerados fundamentais, alertando-os, sobretudo quanto à educação de seus filhos, que deveriam ser afastados dos ambientes viciosos e evitar, acima de qualquer outra coisa a escola perniciosa da rua” (RIZZINI, 2008, p. 60).

Ao observarmos esses aspectos da nossa história, é possível então compreendermos que o discurso atual, bem como o atual Programa, do Governo Federal, Criança Feliz1, foco de análise deste artigo, não se configura, como pontuado anteriormente, uma novidade no âmbito das políticas públicas para a educação das crianças e de suas famílias. Em outras palavras, guardados aspectos de cada momento histórico, a indicação de buscarem-se soluções para a crise social na educação no indivíduo particular não foi superada. Pelo contrário, a adoção do Programa Criança Feliz, como o grande programa intersetorial do atual Governo Federal, é um revisitar de programas do início do século XX, e que acabam culpabilizando as famílias pelo baixo desenvolvimento, ou desenvolvimento inadequado de suas crianças. Na atual conjuntura, o programa ameaça e restringe direitos e políticas sociais duramente conquistadas nos últimos anos do século XX.

Ao considerarmos esses aspectos e o objetivo do presente artigo - discutir o Programa Criança Feliz em busca de apreender o papel da família e do Estado -, elegemos, como fonte principal de análise, o documento orientador do Programa “Cuidados para o Desenvolvimento da Criança (CDC) - Manual de orientação às famílias” (ENGLE; LUCAS, 2012). As análises foram empreendidas considerando que, no campo da política educacional, as análises não devem ser restritas somente ao texto em si; antes, é necessário articular o texto com o contexto histórico em que são construídos, bem como procurar capturar as representações e as ideologias de seus autores.

Em outras palavras, os documentos não são neutros; pelo contrário, possuem “[...] estreita vinculação com o lugar histórico, com as circunstâncias temporais e com as contingências específicas da vida material na qual são constituídos” (NOMA; KOEPSEL; CHILANTE, 2010, p. 67). Nesse sentido, as análises desenvolvidas compreendem que os documentos produzidos no campo da política educacional, tanto prescrevem como também produzem discursos justificadores das ações indicadas na política, uma vez que é necessário construir um consenso local para sua implementação. Outro pressuposto orientador nas análises é a compreensão de que o campo da política é um campo de disputas, não apenas conceituais, mas também de condições e de intenções que, por vezes, marcam as produções documentais.

Ao considerarmos esses pressupostos, organizamos o texto em quatro seções: no primeiro momento, discutimos a Educação Infantil em face das políticas de assistências sociais após a Constituição de 1988. Na segunda seção, apresentamos o Programa Criança Feliz, origem, defesa e “filiação” teórico-científica. Na terceira seção, atemo-nos às discussões do manual que indicam quais e como devem ser organizados e efetivados os cuidados junto às crianças. Encerramos na quarta seção procurando tecer algumas reflexões para subsidiar o diálogo e ratificar a importância da Educação Infantil como direito das crianças e de suas famílias, dever do Estado e não como uma política focal de cunho emergencial ou de disciplinamento das famílias.

Educação Infantil como etapa da Educação Básica: um direito ainda não consolidado

A conquista da Educação Infantil como direito público subjetivo de todas as crianças e de todas as famílias, bem como o reconhecimento dessa área como compondo a Educação Básica brasileira foi um longo processo e só foi alcançado no final do século XX, precisamente no final de década de 1980 com a promulgação da nova Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), e no final da década de 1990, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) - Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996), respectivamente. No entanto, esses reconhecimentos legais não configuraram de imediato a garantia desse direito, nem a superação da lógica da educação das crianças como meio de educar as famílias e de constituir uma sociedade saudável e equilibrada, desconsiderando todos os determinantes sociais e econômicos.

Além desses aspectos, é importante destacarmos que o processo de consolidação de políticas sociais, deflagrado após abertura política, foi obstaculizado pelas contratendências advindas da reforma do Estado iniciadas, no Brasil, na década de 1990. Uma reforma fundamentada no neoliberalismo que enfatizou as privatizações e desprezou as conquistas no campo da seguridade social e educacional. Nesse processo, a carta constitucional era vista como atrasada, sendo necessário um novo “projeto de modernidade”. De acordo com Castro (2011, p. 3), “[...] os direitos sociais garantidos na constituição de 1988 que passam, assim, a serem desfigurados por processos econômicos macroestruturais, ganham novos contornos sob a imposição do discurso da necessidade e de inovação das práticas sociais”.

É nesse cenário que, em síntese, observamos a Educação Infantil ser inserida como primeira etapa da Educação Básica, ser reconhecida como direito das crianças e de suas famílias, mas não possuir nenhuma dotação orçamentária e continuar sendo ofertada por adultos sem a formação acadêmica de professor/a. Importante lembrarmos que, no final da década de 1980 e na década de 1990, houve um acirramento das contradições sociais, atingindo de forma singular as condições de vida de milhares de pessoas, de modo que, ao final da década de 1990, conforme Campos (2008), existia um saldo de mais de um bilhão de pessoas em todo mundo sobrevivendo com menos de um dólar por dia. Na América Latina e Caribe, isso correspondeu a 10,3% da população, o que colocou essa região, juntamente à África Subsaariana, como a mais desigual do mundo, na qual 20% da população mais pobre representavam 3% do consumo nacional e 11% das crianças eram desnutridas (ONU, 2007).

Ainda de acordo com Campos (2008), em um processo de evidente simplificação da questão social, foi possível observar um deslocamento do foco da problematização da desigualdade social, de modo que as indicações para as intervenções não privilegiavam o sistema de produção considerando a exploração, repartição etc., mas se dirigiam e evidenciavam como lugar de ação os segmentos mais vulneráveis da população. Esse fato impactou fortemente na educação, de forma que a típica organização dos sistemas escolares em torno das demandas apresentadas pelo mercado de trabalho, pelas exigências produtivas e pela lógica da sociedade capitalista começou a ser questionada em sua própria racionalidade (OLIVEIRA, 2005).

Em outras palavras, a crença na lógica que a educação escolar é uma forma privilegiada de evitar e/ou sair da pobreza, ou, ainda, uma oportunidade de mobilidade social, passou a ter sua eficácia comprometida na medida em que a confiança no futuro é estremecida (PARADA, 2001; OLIVEIRA, 2005). Contudo, apesar dessa aparente descrença na educação, observamos, paradoxalmente, a emergência de novos discursos, adequando a questão da educação ao novo contexto socioeconômico “[...] apresentando a importância da educação na busca por soluções alternativas à sobrevivência nesta sociedade em que já não há empregos para a maioria” (OLIVEIRA, 2005, p. 757). Esse “novo lugar” dado à educação repercutiu diretamente nas políticas curriculares, na organização e nos sistemas de ensino e nas unidades escolares, bem como evidenciou o Banco Mundial no cenário educativo, o qual junto a outros organismos internacionais passaram a ser ativos na elaboração e na divulgação de modelos de políticas educacionais, na redefinição de prioridades e estratégias sob a égide da luz dos conceitos de rede de proteção social e de focalização de políticas sociais para a populações pobres (ROSEMBERG, 2005).

Dessa forma, a educação passa a ser considerada eixo central e o principal meio para as transformações com vistas à promoção da equidade social, fato que se evidenciou nas inúmeras iniciativas de cooperação internacional observadas desde a década de 1980. Essas ações de cooperação compreenderam tanto suporte técnico como financeiro das chamadas agências internacionais para os diferentes países nos dois hemisférios. Essa cooperação ganhou maior visibilidade na América Latina e Caribe após a Conferência Mundial de Educação para Todos, em Jomtien, em 1990 (UNESCO, 1990), conferência considerada como marco na formulação de políticas governamentais para a educação. É a partir dela que o termo “equidade” passa a configurar o princípio “[...] orientador das políticas educacionais propostas para os países pobres mais populosos do mundo” (OLIVEIRA, 2000, p. 106).

Embora, como exposto, a Educação Infantil, como oferta do Estado, não figura como centro de investimento e/ou foco privilegiado de atenção. A Conferência não desconsiderou essa etapa, pelo contrário, destacou a importância da Educação Infantil como pré-requisito para o futuro sucesso escolar, para o desenvolvimento de competências subjetivas e de disposições comportamentais necessárias, para que, no futuro, o sujeito saiba aproveitar as oportunidades. Como indicado na Declaração da Conferência de Jomtien, “[...] as pré-condições para a qualidade, eqüidade e eficácia da educação são construídas na primeira infância, sendo os cuidados básicos e as atividades de desenvolvimento e educação infantis condições essenciais para a consecução dos objetivos da educação básica” (UNESCO, 1990, n.p.).

De acordo com Campos (2008), essa concepção de Educação Infantil é partilhada por outros organismos e pode ser observada em vários documentos (CEPAL, 1995; ONU, 2002; UNICEF, 2006; UNESCO, 2007) voltados à educação na América Latina e Caribe, nos quais é indicado aos países investirem na primeira infância. Seguindo essa perspectiva, economistas realizaram estudos evidenciando a importância do investimento na Educação Infantil, assegurando que esse é o investimento social mais rentável para a sociedade (HECKMAN, 2000; HECKMAN; CUNHA, 2005).

Entretanto, é imprescindível observarmos que as indicações, as orientações e inclusive a indução de programas via organismos internacionais, fundações e organizações não governamentais se pautam na ideia de investimentos em ações focais, compensatórias. Desse modo, não há, nesses documentos - e nem em documentos posteriores, como, por exemplo, no Relatório da conferência realizada em Dakar, 2000, que aponta a urgência, dos países signatários, em investir na primeira infância - a discussão da Educação Infantil como uma política pública estatal que é realizada na intersecção de uma política educativa com uma política de assistência. Como posto no Informe de Educação para Todos, os programas voltados à primeira infância “[...] não são só vantajosos para as crianças e as famílias, mas também contribuem para reduzir a desigualdade social e redundam em benefícios para comunidades e as sociedades em seu conjunto” (UNESCO, 2007, p. 116, tradução nossa).

Outro aspecto comum, que é possível observarmos nas indicações de organismos internacionais em tratados e conferências realizadas, sobretudo a partir da década de 1980, é a ênfase na família como fundamental na execução dos programas, como “parceira” no provimento de uma infância com qualidade, gerando a transferência de responsabilidade do Estado para as famílias e as comunidades, fragilizando e até impedindo o reconhecimento e a execução da Educação Infantil como etapa da Educação Básica, e, como tal, compondo o rol de políticas universais. A exemplo, em outros momentos na história nacional, a educação das crianças é tratada na sua execução como uma política focal e compensatória, como uma estratégia governamental: para a construção de uma nação saudável, como observado nos discursos do início do século XX; como uma estratégia para contenção dos “bolsões de ressentimento”, como apregoado pelos governos militares (CAMPOS, 2008); ou como uma estratégia de alívio à pobreza na década de 1990.

Conforme procuramos discutir até o momento, ainda que tenhamos avançado em termos de reconhecimento legal, a Educação Infantil, no Brasil, como política pública educacional, não foi um processo que ocorreu automaticamente com a sua inclusão na Constituição e na LDB. Ainda que as discussões teóricas, as pesquisas, as pressões sociais em prol da ampliação das vagas nas instituições públicas tenham avançado, a execução desse direito e a consolidação de compreender a Educação Infantil como política educacional e não como programa, como ação pontual de assistência, não foram consolidadas. Assim, as disputas continuam a lógica que originou essa etapa da educação no país, qual seja: compreender o atendimento à criança como uma ação para superação de problemas sociais preeminentes não foi suplantado.

Nesse sentido, entendemos como marco significativo de mudança a aprovação da Lei N° 11.494, de 20 de junho de 2007, que aprovou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - Fundeb (BRASIL, 2007a), a qual incluiu a Educação Infantil configurando, assim, o primeiro momento que essa etapa foi contemplada com financiamento, na lógica de uma política educativa. Além do Fundeb, ainda em 2007, foi instituído o Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância), instituído pelaResolução Nº 6, de 24 de abril de 2007, compondo uma das ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) do Ministério da Educação (MEC), com o objetivo tanto de ampliar e melhorar a infraestrutura física da rede pública de Educação Infantil, como possuir ações de assessoramento e acompanhamento pedagógico às redes e sistemas de ensino municipais (BRASIL, 2007b). Esses investimentos resultaram em ampliação no atendimento, conforme é possível observarmos ao compararmos as taxas de matrículas a partir de 2001.

Com a continuidade no Governo Federal, em 2013, foi criado o Programa Brasil Carinhoso2, sancionado pela Lei Nº 12.722, de 3 de outubro de 2012, que consistia na transferência automática de recursos financeiros para custear despesas com manutenção e desenvolvimento da Educação Infantil, contribuir com as ações de cuidado integral, segurança alimentar e nutricional, além de garantir o acesso e a permanência da criança nessa etapa de ensino (BRASIL, 2012).

No âmbito acadêmico, também foi possível observar a ampliação nas pesquisas, a disseminação e maior apropriação por parte das instituições das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil3 (DCNEI), bem como a elaboração e a divulgação de documentos orientadores para a organização, o funcionamento, a prática educativa, a relação com as famílias, com as crianças e a forte discussão sobre a função da Educação Infantil. Entretanto, ainda que pese essas conquistas e esses avanços, não é possível afirmar que houve rompimento e superação da lógica de se pensar e executar a Educação Infantil na perspectiva de política focal. Além disso, não foi superada a histórica dicotomia entre creche e pré-escola, fato que ficou ainda mais problemático com a aprovação da Lei Nº 12.796, de 4 de abril de 2013, que tornou obrigatória a matrícula aos 4 anos de idade4 (BRASIL, 2013a). Além desse aspecto, é necessário lembrarmos que o governo popular foi eleito a partir de uma ampla coalizão, incluindo grupo empresarial descontentes com os resultados das reformas neoliberais da década de 1990, gerando novas alianças com a grande burguesia interna, de modo que, dentre os interlocutores privilegiados pelo MEC, estava o Grupo empresarial Todos pela Educação5.

Essa observação faz-se necessária para ilustrar que, por um lado, havia ações do Governo Federal para potencializar a Educação Infantil como política pública educacional universal; por outro, havia movimentos que não abriam mão da ideia da Educação Infantil como política compensatória, quer seja no sentido de ser uma etapa preparatória para o sucesso escolar, quer seja na perspectiva da necessidade em se educar as famílias como estratégia de combate à pobreza. É nesse contexto que redes são organizadas, como, por exemplo, a Rede Nacional Primeira Infância (RNPI), criada em 2007 e composta por organizações da sociedade civil, do governo, do setor privado, de outras redes e de organizações multilaterais.

A RNPI trabalhou em paralelo ao governo de modo que, em 2010, elaborou e promoveu a implementação doPlano Nacional pela Primeira Infância, aprovado pelo Conselho Nacional pelos Direitos da Criança (Conanda) e acolhido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência como um plano integral - que engloba todos os direitos da Primeira Infância, com metas até 2022. Seguindo essa linha de ação, durante o Curso de Liderança Executiva em Desenvolvimento da Primeira Infância (Internacional e no Brasil funciona via Fundação Maria Cecília Souto Vidigal) - que objetivava, segundo consta em sua apresentação (FUNDAÇÃO MARIA CECÍLIA SOUTO VIDIGAL, 2020), proporcionar aos participantes a base de conhecimento e as ferramentas necessárias para projetar e implementar políticas públicas e programas sociais mais eficazes -, o grupo de participantes desse curso, entre eles Osmar Terra, discutiram a necessidade de se definir um Marco Legal para a Primeira Infância.

Essa ideia foi organizada na forma de Projeto de Lei, apresentado pelo deputado Osmar Terra e comandado pela Frente Parlamentar da Primeira Infância, composta por mais de 200 parlamentares, dos quais 23 participaram do curso supracitado. Em dezembro de 2013, foi apresentado o Projeto de Lei da Primeira Infância 6.998/2013 (BRASIL, 2013b); e, pouco depois, em fevereiro, foi criada a Comissão Especial da Primeira Infância com o objetivo de analisar o Projeto. O Projeto de Lei 6.998/2013 cria uma série de programas, serviços e iniciativas voltados à promoção do desenvolvimento integral das crianças desde a gestação até os seis anos de idade, sendo indicada como uma necessidade de urgência, haja vista que, para atender à primeira infância, a inciativa deve ser intersetorial (BRASIL, 2013b). Não é objetivo, neste momento, analisar esse Projeto de Lei e seus desdobramentos, mas chamar atenção para o fato de que, mesmo em um governo que observamos avanços no que se referem ao financiamento, à formação, aos insumos para a Educação Infantil, também continuamos com ações, com apoio do Estado, quer seja do governo, quer seja parlamentar, que não rompem com a lógica da Educação Infantil como meio, como modo de educar as famílias, consolidando o que Arcoverde, Alcantara e Bezerra (2019) chamam de ressignificação estratégica do papel da família que é incluída no provimento da Proteção Social.

Com o golpe jurídico-parlamentar de 2016, o cenário é modificado drasticamente, e inicia-se um processo galopante de retrocessos nos direitos sociais, sob o discurso da necessidade de retomar-se o crescimento econômico, o que implicou agravamento das desigualdades sociais, oneração da classe trabalhadora com a perspectiva de redução de gastos e a reconfiguração no provimento da Proteção Social (ARCOVERDE; ALCANTARA; BEZERRA, 2019). Nesse sentido, Campos e Teixeira (2010) destacam que:

Em grandes linhas, as reformas sociais implementadas nos diversos países da região tendem a transferir ao setor privado (mercantil e não mercantil), incluindo a família, responsabilidades na proteção social, inclusive como parceira na execução das políticas sociais. O mercado é fortalecido na tríade da proteção entre Estado/mercado/família, mas considerando as desigualdades geradas pelo mercado, e sua restrição aos que detêm melhores rendas, a família e as organizações da sociedade civil desempenham importantes funções de proteção, acentuando se a ampla presença de regimes “familistas” de proteção social na maioria dos países latino-americanos. (CAMPOS; TEIXEIRA, 2010, p. 24).

É nesse cenário que o Governo Federal, que assumiu depois do golpe, lançou o Programa Criança Feliz, apresentando-o como seu “carro chefe” para atenção à infância, em substituição ou em detrimento às políticas sociais.

O Programa Criança Feliz: mais do mesmo?

O Programa Criança Feliz foi lançado em outubro de 2016, quando estava na presidência Michel Temer, que assumiu após o golpe, sendo idealizado pelo então deputado federal Osmar Terra, que era o Ministro do Desenvolvimento Social e Agrário6. Foi instituído por meio do Decreto N° 8.869, de 5 de outubro de 2016 (BRASIL, 2016a, e alterado pelo Decreto N° 9.579, de 22 de novembro de 2018 (BRASIL, 2018a), de caráter intersetorial. É um programa que foi anunciado com muita veemência pelo citado ministrado, o qual já falava, em entrevistas7, que faria um programa nacional (BRASIL, 2013b), inspirado no programa que ele criou no Rio Grande do Sul denominado Primeira Infância Melhor (PIM). Ainda segundo o ministro, esse novo programa, em escala nacional, atenderia às famílias mais vulneráveis, que são as do Bolsa Família, sendo uma evolução do Brasil Carinhoso, reunindo ações da assistência social, da saúde, da educação e de direitos humanos (BRASIL, 2016b).

A exemplo do programa do Rio Grande do Sul, o Programa Criança Feliz é apresentado como um programa moderno, respaldado pelas novas descobertas da Neurociência e organizado seguindo a “última tendência” nas discussões de desenvolvimento infantil. Esse discurso é respaldado em falas, como do médico neurocientista do Instituto do Cérebro da Pontifícia Universidade Católica (PUC), do Rio Grande de Sul, Jaderson Costa da Costa, apoiador do programa, o qual que afirma:

Os mil dias de vida são importantes e fundamentais para a organização do cérebro. Nessa etapa, são formadas as conexões cerebrais, a estrutura do cérebro. Também se organiza nesse período toda a função motora, sensorial e afetiva da criança. Por isso, é de extrema importância esse programa do governo federal que vai justamente se atentar para esses mil dias. Este período é fundamental para o desenvolvimento de um ser saudável. São os mil dias mais importantes da nossa existência. (BRASIL, 2016b, n.p.).

Todavia, essa discussão aparentemente moderna, sobre atendimento à primeira infância, não consegue negar a lógica conservadora sob a qual o Programa foi pensado e é executado. Desse modo, em seu discurso de lançamento do Programa, o então presidente da república Michel Temer, anunciou que a importância do Programa residia no fato de que: “Cuidar da criança de hoje é cuidar dos homens e mulheres do amanhã” (G1, 2016, n.p.). Essa afirmação remete-nos aos discursos do início do século XX, nos quais se ressaltava a necessidade de preservar a infância em prol do futuro do país, como indicava Moncorvo Filho, em 1920, em seu discurso por ocasião da inauguração do instituto de proteção e Assistencia à Infancia de Petropolis: “Pela Infancia tudo”. Ele afirmou:

Sempre tive como inconcussa verdade aquilo que ainda mui recentemente dizia, na Inglaterra, durante a “Semana da Creança”, Willian Cheverry: ‘nada mais dignifica uma Nação do que os cuidados nella empregados com a infancia’. E ainda mais: o progresso de uma Nação infere-se pelo passado de sua infancia’. (MONCORVO FILHO, 1920, p. 4 apudRIZZINI, 2008, p. 87).

Ainda que, no presente momento, a questão não seja a discussão do projeto de nação na busca de construir um país moderno, civilizado, a lógica que sustenta, quer seja o Programa Criança Feliz quer seja a defesa da instauração de um departamento específico para proteção à criança, é similar, pois não há discussão sobre as condições objetivas da vida das pessoas, não se compreende a pobreza como um problema estrutural e, ainda, consideram a criança um meio para superar os problemas sociais, tendo em vista sua natureza moldável.

Para além desse aspecto, a própria operacionalização do programa revela o que tem de mais retrógrado, conservador e perverso nessa ação do Estado. Isso porque o Programa Criança Feliz é organizado por meio de visitas domiciliares, realizadas por visitadores na residência das famílias. Segundo as diretrizes do Programa, as visitas domiciliares assumem a perspectiva da prevenção, da proteção e da promoção do desenvolvimento infantil na primeira infância. Desse modo, os visitadores acompanham e orientam as famílias no estabelecimento e no fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários e ensinam a estimular o desenvolvimento das crianças.

Esses visitadores são pessoas com nível médio ou superior, contratados pelos municípios e que são acompanhados por “supervisores”, pessoas com nível superior que atuam no planejamento e registro das visitas e são responsáveis pela capacitação dos visitadores, como também devem articular os serviços e as políticas setoriais no território. No âmbito estadual, há os denominados “multiplicadores”, pessoas com nível superior que atuam na elaboração dos planos regionais e na capacitação tanto de visitadores como dos supervisores locais. A indicação é que, ao contratarem essas pessoas, município e estado priorizem quem tenha experiência na área de desenvolvimento infantil, saúde, educação ou assistência social.

A capacitação dos visitadores compreende “cursos” para utilizarem o método Care for Child Development (CCD), do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), desenvolvido pela professora e psicóloga social da Universidade de Nova Iorque Jane Lucas, considerado referência na área. Seguindo as indicações da professora Jane Lucas, as quais podem ser observadas no documento orientador, “[...] o principal destaque do CCD é o foco nas habilidades dos pais. São métodos que os ajudam a desenvolver as habilidades dos filhos do nascimento até os 3 anos de idade” (BRASIL, 2020, n.p., grifo nosso). O foco na educação das famílias é indicado também no Decreto N° 8.869/2016, quando destaca como objetivo do Programa:

Art. 3º O Programa Criança Feliz tem como objetivos:

I - promover o desenvolvimento humano a partir do apoio e do acompanhamento do desenvolvimento infantil integral na primeira infância;

II - apoiar a gestante e a família na preparação para o nascimento e nos cuidados perinatais;

III - colaborar no exercício da parentalidade, fortalecendo os vínculos e o papel das famílias para o desempenho da função de cuidado, proteção e educação de crianças na faixa etária de até seis anos de idade;

IV - mediar o acesso da gestante, das crianças na primeira infância e das suas famílias a políticas e serviços públicos de que necessitem; e

V - integrar, ampliar e fortalecer ações de políticas públicas voltadas para as gestantes, crianças na primeira infância e suas famílias (BRASIL, 2016a, p. 2).

É possível observarmos pelo Decreto que a população alvo do Programa são as crianças, iniciando na gestação, por isso a inclusão do cuidado com a gestante até a criança completar 3 anos de idade. No entanto, foi ampliado até os 6 anos para as famílias beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada e/ou crianças sob tutela do Estado, sendo o meio privilegiado a educação das famílias, como também indicado no Decreto, em seu Artigo 4º:

Art. 4º Para alcançar os objetivos elencados no art. 3º, o Programa Criança Feliz tem como principais componentes:

I - a realização de visitas domiciliares periódicas, por profissional capacitado, e de ações complementares que apoiem gestantes e famílias e favoreçam o desenvolvimento da criança na primeira infância;

II - a capacitação e a formação continuada de profissionais que atuem junto às gestantes e às crianças na primeira infância, com vistas à qualificação do atendimento e ao fortalecimento da intersetorialidade;

III - o desenvolvimento de conteúdo e material de apoio para o atendimento intersetorial às gestantes, às crianças na primeira infância e às suas famílias;

IV - o apoio aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, visando à mobilização, à articulação intersetorial e à implementação do Programa; e

V - a promoção de estudos e pesquisas acerca do desenvolvimento infantil integral. (BRASIL, 2016a, p. 2).

A justificativa para o trabalho junto às famílias reside, como indicado anteriormente, na concepção de que o cérebro das crianças nos primeiros anos tanto apresenta um desenvolvimento mais rápido como também mais eficiente para seu desenvolvimento futuro. Em outras palavras, os discursos e o Decreto indicam que as crianças pobres apresentam baixo desempenho por conta da falta ou pouco estimulo nessa idade, fato que perpetua a pobreza. Desse modo, é necessário quebrar esse ciclo, e, para isso, o melhor é atuar na criança, pois: “Com o estímulo correto, o governo espera preparar essa geração para vencer a pobreza”, como indicado no site governamental do Programa (BRASIL, 2020, n.p., grifo nosso).

Em síntese, tanto os objetivos do programa como os discursos em sua defesa se fundamentam ainda na antiga ideia de que a salvação do país reside na salvação das crianças. Contudo, como já discutimos anteriormente, quais crianças precisam ser salvas? Quais crianças no início do século precisavam ser salvas da contaminação viciosa da pobreza? Quais crianças, na contemporaneidade, precisam ser corretamente estimuladas? O que se observa é que continuamos seguindo a lógica higienista do início do século. Como escreve Rizzini (2008):

É bom lembrar que estamos tratando de infância pobre, razão pela qual essas crianças, o acesso à cidadania não era assegurado pelo berço. Então, para tornar-se um cidadão, era preciso fazer com que a criança ficasse contida no seio de uma família capaz de seguir os parâmetros da moralidade estabelecida. Caso a família se mostrasse incapaz de educar e vigiar seus filhos, poderia ver cassado seu direito à paternidade. (RIZZINI, 2008, p. 89).

A autora continua explicando o que aconteceria com as crianças abandonadas ou retiradas das famílias. Para isso, o Estado criou um aparato jurídico - assistencial, o qual seguimos até hoje. Nesse sentido, o Programa Criança Feliz retoma esses preceitos, focando na criança, por intermédio da ação da família (não qualquer ação, mas ação ensinada) para melhorar o futuro da nação. Ratificando essa perspectiva Niky Fabiancic (coordenador - residente da ONU e representante - residente do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) Brasil) afirma que: “O programa Criança Feliz é o investimento mais efetivo para assegurar o futuro do Brasil. Nós acreditamos que ele deve ser elevado a uma política de Estado, que assegure sua continuidade” (BRASIL, 2020, n.p., grifo nosso).

Ao analisarmos esses discursos, que revela a lógica da ação do Estado, fica evidente a separação entre uma linguagem dos direitos e o discurso humanitário, destinado aos “deserdados da sorte” (TELLES, 1998. p. 38), que acaba por difundir a figura do “[...] pobre carente e fraco, vítima e sofredor das desgraças da vida, fixados nas determinações inescapáveis das leis da necessidade” (TELLES, 1998, p. 38). Assim sendo, o importante é a estimulação correta, como ressaltou, na época Ministro, Osmar Terra. No lançamento do Programa, ele discursou que “[...] pesquisas mostram que crianças bem estimuladas têm um ganho extraordinário na aprendizagem, nas relações sociais e na vida profissional. O programa vai representar uma ruptura no ciclo intergeracional da pobreza. O restante da existência da criança será fruto desse período (0 a 3 anos)” (BRASIL, 2018b, grifo nosso). Essa fala também foi partilhada pela então embaixadora do programa Marcela Temer8: “O que nós, mães, percebemos instintivamente está sendo comprovado pela ciência. Cercada de carinhos desde a gravidez, uma criança terá mais possibilidade de aprendizado. Ajuda a coibir comportamento violento na adolescência e se tornará um adulto mais preparado para a vida”9.

Ademais, esse tipo de programa corrobora com a modificação do papel do Estado na execução das políticas públicas fortalecendo a lógica da “governança”, a partir da qual a sociedade civil tanto assume os serviços, agora não mais entendidos como exclusivo do Estado, como também legitima um determinado modelo das ações realizadas, ratificadas pelos discursos da transparência e controle social. De acordo com Arcoverde, Alcantara e Bezerra (2019, p. 182), é uma “[...] estratégia para intensificar a desresponsabilização do Estado e o próprio desmonte das políticas sociais, pois instituiu uma metodologia de atendimento pautada em princípios da política da saúde e da assistência social, porém, divergindo dos serviços socioassistenciais”.

É fundamental lembrarmos que esse tipo de programa possui baixo custo e uma dupla intervenção. Por mais que indiquem que o alvo são as crianças, as ações mostram que o objetivo são as crianças e suas famílias, de modo que

[...] no caso das crianças, adota-se uma perspectiva neurológica de desenvolvimento, visando o potencializar as competências necessárias a sua educabilidade. Já com relação às famílias, aposta-se na sua condição de educadores primeiros, procurando-se amenizar, por essa via, o grave problema de garantia de atendimento público ao direito das crianças pequenas, em especial aquelas entre 0 3 anos, à educação. (CAMPOS; CAMPOS, 2009, p. 210).

Esse deslocamento e/ou reordenamento no caso das políticas sociais, do que seria direito, para todas as crianças e famílias, como o caso do direito à Educação Infantil, para o campo do mercado, do terceiro setor e das famílias, resulta na convocação para maior participação no provimento da proteção social daqueles que deveriam estar sendo atendidos pelo Estado, além de estabelecer um “[...] desmonte da seguridade social, com impactos na Proteção social e regressão de direitos” (ARCOVERDE; ALCANTARA; BEZERRA, 2019, p. 184). Como já indicamos, o Programa Criança Feliz, como já ocorrido em outros tempos, “autoriza” o Estado, como pontuam Rizzini e Pilotti (2011), a reivindicar seu legítimo direito de incorporar esse contingente de sujeitos ao processo de construção da riqueza nacional, de modo que, pela justificativa da educação das crianças, o Estado realiza intervenções normalizadoras no seio das famílias, “[...] esgrimindo argumentos técnico-científicos e a ameaça de suspensão do pátrio poder. Submete, pois, a família pobre à heteronomia, ao mesmo tempo em que lhe atribui uma pesada carga de responsabilidade” (RIZZINI; PILOTTI, 2011, p. 325). Procuramos compreender melhor essa ação na próxima seção, em que analisamos o documento que serve de base para a formação do visitados.

O método Care for Child Development (CCD) no manual de orientação às famílias brasileiras

O Programa Criança Feliz foi elaborado e apresentado como um programa intersetorial que tem por objetivo desenvolver as crianças de famílias que recebem transferência de renda, sendo justificado pelo impacto dessas ações no futuro das crianças e, consequentemente, do país. Consiste em uma proposta inspirada no programa cubano “Educa a tu Hijo10, mas segue as orientações do manual desenvolvido por Patrice Engle (Professor of Child Development, Cal Poly University, Estados Unidos) e Jane E. Lucas (Consultant in child health and development, Estados Unidos). A proposta desse manual é capacitar multiplicadores para atuarem junto às famílias de crianças de 0 a 6 anos. De acordo com a apresentação da versão brasileira do manual, “[...] a versão atual apresenta algumas adaptações já realizadas face ao contexto de implementação do Programa Criança Feliz” (ENGLE; LUCAS, 2012, p. 4).

A capacitação foi realizada pelo Instituto Alfa e Beto, que firmou parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA), atualmente Ministério da Cidadania, para colaborar na execução do Programa Criança Feliz, parceria que também contou com o apoio da Fundação Bernard Van Leer, segundo consta na página do Instituto (INSTITUTO ALFA E BETO, 2017). De acordo com o ministro na época, Osmar Terra, a justificativa da escolha do Instituto Alfa e Beto decorreu do fato de que o Instituto baliza todas as suas “[...] ações em evidências rigorosas e documenta o seu sucesso com base em avaliações exigentes” (INSTITUTO ALFA E BETO, 2017, n.p.). Entretanto, essa capacitação foi dirigida para os coordenadores, que, como já descrito, são responsáveis no âmbito estadual. A formação dos visitadores fica sob responsabilidade de cada município, a partir das orientações dos supervisores11. De todo modo, todas as capacitações têm como foco a apropriação do Manual: Cuidados para o Desenvolvimento da Criança (CDC); a apropriação do uso das fichas de orientação: conversar e Brincar/Orientações à família; e Ficha de Verificação do Visitador. Além disso, como consta em nota no manual: “O Programa Criança Feliz irá disponibilizar um conjunto de sugestões de atividades, por faixa etária, para uso pelos visitadores” (ENGLE; LUCAS, 2012, p. 5).

O Manual é um documento composto por uma introdução, em que são apresentados os objetivos do curso, o método e os materiais, e nove capítulos que seguem uma lógica prescritiva de ação, com justificativa simplificada. É um material simples que chama atenção pelo pouco cuidado na apresentação visual, diferindo muito do padrão dos materiais do UNICEF (incentivador desse tipo de programa) e, também, de materiais produzidos pelo MEC e pelo próprio Ministério do Desenvolvimento Social. Em geral, as ilustrações possuem qualidade sofrível, sendo a fotografia um recurso muito pouco usado, e, quando usado, é feita em preto e branco. A formatação também apresenta problemas, como, por exemplo, palavras que são grafadas juntas, como observado na introdução (ENGLE; LUCAS, 2012, p. 4): “A estimulação adequada às diferentesi dades facilita o fortalecimento de vínculos de afeto, que [...]”, ou, ainda, como aparece no subtítulo na página 26: “Usando a Ficha de Orientação “Concervar e Brincar” (ENGLE; LUCAS, 2012, p. 26), que nos chama atenção a grafia da palavra. Não podemos afirmar com precisão, mas, pelo teor do documento e das orientações dessa parte, o correto, nos parece, deveria ser “conversar e brincar”. Esses aspectos parecem indicar que não foi realizada uma leitura final criteriosa. Ao considerar-se que foi contratado um instituto, o qual teve sua contratação pela excelência dos trabalhos desenvolvidos, questionamos: O que aconteceu? Será que há outro material e esse era um rascunho? Todavia, se esse manual não é o final, por que esse material está disponível no site oficial do Programa? Ou será que essa apresentação indica a lógica já há muito comentada na Educação Infantil: programa pobre para pobres; ou como já indicado na década de 1980, por Franco (1984), é um modo de lidar pobremente com a pobreza?

Não obstante, faz-se importante destacarmos que os demais materiais criados para dar suporte aos municípios, que foram desenvolvidos pelo Ministério do Desenvolvimento Social, apresentam outro cuidado com a estética do documento, como é possível observar no material: Criança Feliz: guia para visita domiciliar (BRASIL, 2017). Esse documento é um desdobramento do Manual, o qual detalha o objetivo do programa e o público-alvo. Apresenta, ainda, a vinculação do Programa, como indicado nesse guia, com a Política de Assistência social vinculada ao Sistema único de Assistência Social (SUAS). Além desses aspectos, o texto apresenta também a função de cada sujeito na execução do Programa: a função do supervisor, do visitador, bem como apresenta e ensina o preenchimento de cada ficha (indicadas no Manual), e o que deve ser registrado para compor os dados do Programa e as reuniões entre visitadores e supervisores (BRASIL, 2017). A diferença na apresentação estética dos materiais chama atenção, mas não foi possível encontrar justificativas nos documentos, depoimentos/entrevistas e porque isso ocorreu. Um fato é que o Manual foi mais divulgado no processo de implementação e de divulgação do Programa do que esses guias que foram desenvolvidos posteriormente pelo Ministério. Entretanto, como o objetivo neste texto é analisar o Manual, vamos ater-nos ao seu conteúdo.

Em relação à linguagem, o documento Cuidados para o Desenvolvimento da Criança (CDC) - Manual de orientação às famílias apresenta uma fala direta, simples e, como já indicado, prescritiva, ensinando o visitador a se comunicar com as famílias, a observar as relações familiares. Isso parece contrapor as justificativas oficiais do Programa, que foram realizadas ressaltando que o foco são as crianças. Ao lermos o Manual, fica evidente que todo o trabalho é para a ação junto aos adultos, ou cuidadores, como denomina o texto (ENGLE; LUCAS, 2012). Isso é revelado já na introdução quando é definido o papel do visitador, o qual

[...] não atua como um profissional que lida com a criança: ele é um agente que ajuda os pais - pela conversa e pela demonstração - a interagir de forma cada vez mais adequada com seus filhos, bem como a avaliar o impacto dessa interação, de maneira a se comunicar e brincar de maneira cada vez mais eficaz. (ENGLE; LUCAS, 2012, p. 4, grifos nossos).

Essa observação, já no início da formação, ratifica a lógica de que, mesmo sendo o foco a criança, como já discutimos, o grande objetivo do Programa é educar as famílias. Nesse sentido, o tom prescritivo do documento bem como as indicações contidas para o visitador reforçam essa função, de modo que a primeira tarefa do visitador é identificar o cuidador da criança e “[...] descobrir como o cuidador e a criança interagem e como o cuidador estimula o desenvolvimento da criança através de brincadeiras e atividades comunicativas” (ENGLE; LUCAS, 2012, p. 34, grifo nosso).

Essa indicação para “descobrir” sobre a família é algo recorrente no documento, assim, para auxiliar nessa atividade, o manual recomenda ao visitador observar. Indica, também, como deve registrar essa observação, tendo uma parte específica que contém as perguntas que direcionam à observação, bem como, para cada pergunta, exemplifica-se como o cuidador deveria agir em relação a cada situação em observação. Essa discussão de como o cuidador deve agir serve para ajudar o visitador, como escrito anteriormente, fazer o registro da observação. Essas indicações de observação são organizadas considerando: as crianças de todas as idades e depois por faixa etária: a) para crianças de até 6 meses; b) para crianças de 6 a 12 meses; c) para crianças de 12 a 18 meses; d) para crianças de 18 a 24 meses; e) para crianças de 24 a 36 meses; e f) para crianças de 30 a 36 meses (ENGLE; LUCAS, 2012). As questões compõem o que é denominado de Ficha de Orientação “Conversar e Brincar”.

De acordo com o Manual, fundamentado nas fichas de orientação, o visitador “[...] poderá dar conselhos sobre novas brincadeiras e atividades comunicativas para os cuidadores, à medida que a criança for crescendo. Não é necessário memorizar as recomendações. Você poderá consultar as fichas quando for orientar um cuidador” (ENGLE; LUCAS, 2012, p. 5). Já a ficha de verificação do visitador é um instrumento que “[...] serve como um guia para avaliar o bem-estar da criança. Ela ajuda a família a resolver problemas, ao mesmo tempo em que os cuidadores aprendem como brincar e se comunicar com a criança” (ENGLE; LUCAS, 2012, p. 5).

Ao longo do Manual, é sempre reforçada a seguinte lógica: “Esse aprendizado ajuda as crianças a ter bom desempenho na escola e, quando adultas, a contribuir para as suas famílias e comunidades” (ENGLE; LUCAS, 2012, p. 8). Essa concepção remete à lógica higienista, na qual se acreditava que “[...] boa parte dos males que assolavam a infância poderiam ser vencidos pela boa instrução dos pais e educadores no trato com as crianças” (MOURA; BOARINI, 2012, p. 227). Embora o manual não indique o cuidador da criança como uma função exclusiva da mulher, as imagens que o ilustram apresentam, na maioria das vezes, a mulher, fato que é corroborado pelo público do programa que inclui as gestantes. Assim, é possível observar que, desde a gestação, passando pela amamentação até a inserção na escola, a tarefa da mãe/cuidador é modelada, é normatizada, é corrigida. Assim, segundo o Manual,

[...] depois do parto, algumas mães acham difícil se envolver ativamente no cuidado dos seus bebês recém- nascidos [sic]. Elas podem aparentar estarem [sic] doentes ou sobrecarregadas com suas responsabilidades. Ou podem parecer tristes e cansadas. Perdem o interesse por outras pessoas e não participam de atividades familiares. (ENGLE; LUCAS, 2012, p. 9).

Nesses casos, segundo o Manual, as brincadeiras e as formas de comunicação ensinadas pelo visitador podem ajudar essa cuidadora, uma vez que:

Dar atenção aos seus bebês, brincar com eles e ver como os bebês respondem à atenção ajuda esses cuidadores a serem mais ativos e felizes. As brincadeiras e atividades comunicativas recomendadas ajudam os cuidadores a se sentirem uma parte importante na vida das suas crianças. (ENGLE; LUCAS, 2012, p. 9).

Essas recomendações acabam por negar todas as desigualdades sociais, responsabilizam o sujeito (família) e não questionam as falhas do Estado em relação à Proteção Social ou à sua função de desenvolver políticas de cariz público. Embora o Programa seja considerado como componente do SUAS, sua proposta e execução vai na contramão da Política nacional de Assistência Social, a qual observa que a “[...] proteção Social é sistematizada enquanto política garantidora da segurança de sobrevivência (de rendimento e autonomia), de acolhida e de convívio ou vivência familiar” (ARCOVERDE; ALCANTARA; BEZERRA, 2019, p. 186).

Outro aspecto indicado no Manual é em relação ao ambiente e aos objetos/brinquedos que devem/podem ser disponibilizados às crianças. Em relação ao ambiente, é destacado que as crianças “[...] precisam de um ambiente seguro para aprender. Crianças estão sempre explorando coisas novas e aprendendo habilidades novas. Elas precisam de um ambiente limpo, seguro e protegido para não sofrerem lesões ou acidentes enquanto estão brincando e aprendendo” (ENGLE; LUCAS, 2012, p. 10). As indicações em relação à organização do ambiente, de brinquedos e de objetos, são construídas a partir de uma realidade que não corresponde à maioria das famílias atendidas por programas de distribuição de renda, as quais, muitas vezes, moram em lugares que não possuem água encanada, não possuem sistema de esgoto e vivem em construções precárias.

Esse fato foi ilustrado no trabalho de Klein (2012), quando entrevistou visitadores do programa Primeira Infância Melhor (PIM), o qual, como já indicado anteriormente, foi modelo para o Programa Criança Feliz. Um dos sujeitos da pesquisa afirmou que em um “[...] dia de chuva, molha tudo dentro de casa, porque tu não tens condições de arrumar o teto, de trocar o telhado, tu não tens condições de ter uma água encanada, porque tu não tens uma renda” (KLEIN, 2012, p. 657). Essa contradição vivenciada provavelmente por muitos visitadores revela a fragilidade, dentre tantas, do Programa. Como exigir ambientes limpos nessas condições objetivas de vida?

Em reportagem do dia 4 setembro de 2017, na BBC News, a pobreza também é mostrada como um desafio para o Programa. Segundo uma visitadora: “O programa fala que a gente tem que usar (como brinquedos) o que a família já tem em casa, mas a gente chega em lugares que não têm nada” (ROSSI, 2017, n.p.). Além desse aspecto, a citada reportagem ainda descreve como algumas crianças ficam após a visita:

A visita do Criança Feliz durou 45 minutos. Tudo correu bem, até a hora de guardar os brinquedos, para serem usados com outras crianças. Pablo começou a chorar e precisou do amparo do colo da mãe: “Semana que vem ela volta, meu filho”. É assim toda semana, ela conta. A visita, que começou com um sorriso largo, terminou com o choro dengoso de quem não quer parar de brincar. (ROSSI, 2017, n.p.).

O choro da criança advém do fato de que, ao final da visita, os brinquedos e os livros são recolhidos, pois a visitadora irá usar em sua próxima família. Ao longo de todo material de formação, essas situações não são indicadas, nem há espaço para discussão de como fazer, como agir nesses casos. Ao considerarmos essas questões, parece-nos que o Programa Criança Feliz cumpre bem a função de deslegitimar as competências das famílias pobres para educar suas crianças, ainda que seus idealizadores e defensores afirmem que não, que estão potencializando as famílias. A pergunta então é: O que é potencializado nessas famílias, uma vez que toda atividade é desenvolvida para ensinar um modo de relação entre cuidadores e crianças, a partir de uma modelo socializador mais eficiente e promissor no que tange ao futuro das crianças?

Outro aspecto do Programa Criança Feliz diz respeito ao papel da mulher. Ainda que, no Manual, seja sempre usado cuidador da criança, os desenhos e as fotografias que estão no material são, na maioria das vezes, de mulheres, bem como muitas das indicações são feitas em uma linguagem direta para o visitador falar para a mãe, ou são informações para o visitador saber a relevância da relação da mãe com o bebê, como, por exemplo: “Quando uma mãe olha nos olhos e sorri quando a criança sorri para ela, a criança aprende a se comunicar. E a mãe começa a ver que a sua criança é capaz de responder a ela. Encoraje o pai a se comunicar com o recém-nascido” (ENGLE; LUCAS, 2012, p. 16). Na informação, a mãe aparece como aquela que convida a criança a se comunicar, e o pai é aquele que deve ser encorajado a se comunicar com a criança. Funções distintas que reforçam a histórica divisão do trabalho doméstico e sustem políticas patriarcais. Como bem pontua Sposati (2017):

Não ocorrem avanços para as mulheres, mães pobres com a criação do PCF. Para essa parcela da sociedade, o Brasil contemporâneo deve conter ações do Estado com: creches, escolas em tempo integral, emprego que garanta tempo de amamentação. É limitado considerar que tudo se resolve no interior da moradia ou que são as pessoas, individualmente, que determinam o cuidado com a gestação e com a criança. (SPOSATI, 2017, p. 536).

Além disso, segue a autora, o Programa Criança Feliz, ao ser organizado retomando a figura de uma embaixadora,

[...] instala a figura dirigente da mulher primeira-dama, mulher do lar cuidadora, subalterna, de boa vontade, que, pela sua condição destacada, de elite política, reduz a responsabilidade estatal e pública em assegurar direitos. Reforça, assim, que à mulher não cabe planejar, executar e, tampouco, gerir alguma ação política, mas sim um papel secundário, quase decorativo. (SPOSATI, 2017, p. 536).

Todos esses aspectos até aqui apontados evidenciam a problemática de se ter um programa com essa lógica e execução, em detrimento de ações governamentais para ampliar a rede de proteção às famílias e às crianças, como, por exemplo, a continuidade de programas que subsidiavam novos equipamentos para a Educação Infantil. Dessa forma, não é cabível aceitar que a não eficiência de políticas setoriais, como, por exemplo, garantia de direito à Educação Infantil, seja motivo para desenvolvimento de programas intersetoriais, como “saída” para consolidação desse direito.

O Programa Criança Feliz também contém, em suas orientações, problemas em sua base teórica sobre desenvolvimento humano. Sem citar nenhum teórico do desenvolvimento humano, destacando apenas que suas orientações se fundamentam no que tem de mais moderno nos estudos da Neurociência, o desenvolvimento da criança é tratado de forma descontextualizada, ignorando as atuais contribuições do campo da Psicologia. Além disso, reforça a ideia de criança como organismo em formação, que se desenvolve em etapas, obedecendo a uma organização cronológica, aspectos há muito refutados nos estudos da Psicologia. Ademais, as explicações presentes no Manual, como, por exemplo, as escritas sobre as crianças de 1ª semana até os 6 meses, simplificam a relação entre a atividade infantil e os processos psicológicos, veiculando e reforçando a ideia de desenvolvimento linear, progressivo, compreendendo as etapas subsequentes como um incremento quantitativo das iniciais:

Crianças dessa idade gostam de agarrar dedos e outros objetos. Elas olham para suas mãos e pés como se os estivessem descobrindo pela primeira vez. Elas colocam coisas na boca porque a boca é uma parte sensível do corpo. A boca ajuda a aprender o que é quente e frio, macio e duro, através do paladar e do toque. (ENGLE; LUCAS, 2012, p. 17).

De igual modo, as explicações presentes no Manual ignoram que as “[...] neoformações, ou sínteses complexas das funções psíquicas, emergem da situação social em que a criança está inserida, a qual lhe exige determinadas reações” (TULESKI; EIDT, 2016, p. 53). Parece-nos, então, que o Programa em relação às orientações sobre desenvolvimento humano está muito aquém dos estudos atuais de Psicologia e da Psiconeurologia, sendo o tom científico usado para apresentar e justificar o Programa um elemento para eclipsar o “[...] exercício de vigilância disciplinadora sobre as famílias, as mães e as mulheres pelo agente do Estado” (SPOSATI, 2017, p. 536).

Considerações finais

O Programa Criança Feliz que, atualmente, segundo dados do Ministério da Cidadania (BRASIL, 2020), tem adesão por 2.787 municípios, estando presente em todos os estados do país, possui 20 mil visitadores e 3,8 mil supervisores. Isso indica uma ampliação significativa, haja vista que, após praticamente um ano do lançamento do Programa, menos de 6% dos municípios tinham aderido. A ampliação pode ser justificada, como afirmava o ministro da Cidadania e idealizador do Programa, Osmar Terra, pelos bons resultados alcançados. No entanto, ao considerarmos os aspectos expostos neste estudo e o atual cenário político do país - cuja agenda do Governo Federal é composta por recorrentes ataques aos direitos sociais, aos direitos à educação e que trata com indiferença a luta pela igualdade de direitos das mulheres, da população LGBTQ+, povos indígenas entre outros -, entendemos que a ampliação decorre mais pela retomada “[...] da noção de políticas sociais assentadas na lógica jurídica que evoca a autoridade disciplinar do governo, afirmando relações sociais cuja base material se apoia em relações hierárquicas e solidárias entre homens que lhes possibilita controlar as mulheres” (SPOSATI, 2017, p. 536).

De acordo com nota pública do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), de 7 de outubro de 2016, o Programa Criança Feliz “[...] resgata com força elementos históricos que, neste momento, fortalecem ondas conservadoras que atingem visceralmente a classe trabalhadora: a negação do direito social, a desprofissionalização das políticas sociais e a condição subalterna da mulher” (CFESS, 2016, n.p.). Como procuramos discutir, esse resgate histórico de elementos conservadores resulta no deslocamento do direito social para o campo da filantropia, do assistencialismo. No caso específico da Educação das crianças, sendo um direito tão tardiamente reconhecido, o fortalecimento de programas como o Criança Feliz enfraquece as lutas, sobretudo das mulheres, para terem vagas em instituições educativas, atendidas por profissionais e condições materiais adequadas. Além de não valorizar as instituições, em especial, as creches como instituições coletivas com função educativa específica.

No que se refere a sua concepção científica de desenvolvimento, o Programa também não avança e segue uma concepção de desenvolvimento muito questionada no campo da Educação e da Psicologia, orientando as ações do Programa na ideia de que o bom desenvolvimento infantil decorre de estímulos certos nos momentos certos. Não obstante, parece-nos que essas indicações consideram que as contradições sociais, bem como a pobreza, não são problemas estruturais decorrentes do próprio processo de produção. Assim, o Programa defende que o baixo nível de desenvolvimento de uma criança decorre da falta de informação de suas famílias, e as lamentáveis situações estruturais físicas e pedagógicas de algumas instituições decorrem da inabilidade gerencial dos gestores e/ou de suas lideranças.

Entendemos que o Programa Criança Feliz não tem como foco a felicidade da criança; pelo contrário, parece-nos mostrar o futuro repetir o passado, como dizia o poeta Cazuza12. Ainda é necessário lembrarmos que o Programa fala do compromisso em cuidar das crianças, esperança do fortalecimento da nação, mas esquece que cuidar da criança implica dar condições objetivas às famílias. Isso significa um Estado aliado a essa família, dividindo suas tarefas, como ofertando creches e pré-escolas conforme assegurado na Constituição (BRASIL, 1988). E, por fim, conforme indicado pelo Conselho Federal de Serviço Social, a

[...] concepção deste programa, com a face mais conservadora e tradicional do primeiro damismo, do voluntarismo e do papel da mulher na sociedade patriarcal, adensada por outros “golpes”, dirigido aos/às trabalhadores/as, é uma das expressões da felicidade individual e egoísta do grande capital em sua busca incessante pelos lucros. Aqui temos a demonstração real de mais uma velha marca da particularidade da burguesia brasileira: a ausência de compromissos democráticos e com direitos sociais e políticos! (CFESS, 2016, n.p.).

*O título desse estudo foi inspirado nas análises realizadas por Sposati (2017). Aqui entendemos que o Programa em análise implica voltar para uma lógica tanto de política destinada à infância que, desde 1988, foi combatida e superada como de concepção de Educação Infantil.

1O Programa Criança Feliz foi lançado no governo Temer, mas está ativo no governo Bolsonaro, lembrando que o ministro que criou, Osmar Terra, assumiu o Ministério da Cidadania no início do mandato de Jair Bolsonaro. Mesmo com sua saída do Ministério, o Programa continua ativo e sendo ampliado. Como não houve nenhuma ruptura, nem modificação de execução ou de lógica que sustenta o Programa, analisamos o documento em face do governo atual.

2O Programa Brasil Carinhoso compunha o “Plano Brasil sem miséria” e seguia uma agenda de atenção básica à primeira infância. No que diz respeito à educação, esse programa garantia: a) Antecipação do custeio (Fundeb) para creches e pré-escolas de rede própria ou conveniada com o objetivo de estimular a abertura de novas vagas pelas Prefeituras, que antes levavam até um ano e meio para receber o repasse; b) Complementação equivalente a R$ 1.362 por ano para cada criança do Bolsa Família matriculada em creche, dinheiro que pode ser utilizado em manutenção e compra de fraldas, por exemplo; c) Aumento em 66% do valor repassado para alimentação escolar, em creches e pré-escolas (CAMPOS, 2015 p. 5).

3 Importante lembrarmos que as DCNEI foram promulgadas em 1999; no entanto, naquele momento, a orientação das políticas acabou por secundarizar sua divulgação. Para melhor compreender esse movimento, ver Faria e Palhares (1999).

4Para uma discussão desse aspecto, ver Campos e Barbosa (2016).

5 Tendo em vista os limites do texto, não iremos avançar nessa discussão, mas indicamos o trabalho de Martins (2013).

6Após reforma ministerial, esse Ministério passou a ser denominado Ministério da Cidadania, e o Programa ficou sob responsabilidade da Secretaria Especial para o Desenvolvimento Social.

7Uma das entrevistas foi realizada no programa de economia Miriam Leitão, da Globo News, exibido no dia 26 de maio de 2016.

8 No lançamento do programa, foi apresentada a então primeira dama Marcela Temer como embaixadora do Programa. Ainda que seja necessário considerar que, segundo especialista, essa foi uma jogada de marketing para ajudar na impopularidade de Temer, entendemos que só isso não justifica essa decisão de um programa social ter uma embaixadora. Como procuramos discutir ao longo deste trabalho, compreendemos que essas ações evidenciam a lógica conservadora e caritativa do programa.

9Essas falas foram retiradas em notícias vinculadas na época do lançamento do programa, e do discurso da Primeira dama que estão disponíveis em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-41131754; https://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/10/1820052-com-discurso-de-tom-emotivo-marcela-temer-lanca-programa-crianca-feliz.shtml; e http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/39971-programa-crianca-feliz. Acesso em: 10 jun. 2020.

10Interessante observar que o programa cubano, hoje referenciado pelo UNICEF (2016) como um modelo para ser seguido na América Latina, foi criado na década de 1970, pelo Instituto Central de Ciencias Pedagógicas, para oferecer alternativas de educação a crianças que vivem em áreas rurais e montanhosas e que não possuem acesso ao denominado Círculo infantil, que corresponde à Educação Infantil no Brasil. Tendo em vista o objetivo deste artigo, não iremos tecer reflexões sobre o programa cubano e o processo que o tornou referência para América latina, segundo o UNICEF (2016).

11Para compreensão da organização do Programa, indicamos o Manual de Gestão municipal do Programa Criança Feliz. Disponível em: http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/crianca_feliz/Manual%20do%20Gestor.pdf. Acesso em: 10 jun. 2020.

12Em referência à canção O tempo não para. Disponível em: https://www.letras.mus.br/cazuza/45005/. Acesso em: 10 jun. 2020.

Referências

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Recebido: 10 de Maio de 2020; Revisado: 07 de Julho de 2020; Aceito: 08 de Julho de 2020; Publicado: 17 de Julho de 2020

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